tristeza de não-antídoto
e sorriso de fundo trágico:
há um hálito que seja válido?
entendo teu gesto lânguido
e o que sonha teu rosto sânguino:
que o resto se arrasta rápido...
a todos há uma forma de símbolo
há horizontes que talvez sejam pórticos
há a agonia da vela e da lâmpada
a chama escarlate cálida e tântrica
e halos na lua alando em céu tríptico
há o longínquo-não-ser de um ósculo
e a mim...
algo de Fim no teu olhar crístico
(Na imagem, parte do Retábulo de Isenheim, de Grünewald)
17 abril 2014
15 abril 2014
da Insatisfação
o sofrimento
deveria ser mensurado
não pela espécie de sofrimento
mas pela relação
sofrimento – anseio
sofre a pessoa
não exatamente
pelo que ela é
ou deixa de ser
não pelo que lhe acontece
ou deixa de lhe acontecer
não pelo que ela vive
ou deixa de viver
mas pelo que ela gostaria
de ser
ou que lhe acontecesse
ou que fosse a sua vida
sofrimento
é alguma coisa
não vinda...
o tamanho do sofrimento
é o tamanho da insatisfação
uma vida com tudo
ou uma vida com nada
pode dar no mesmo:
o sofrimento
se mede pelo desejo
13 abril 2014
O Vazio Absoluto da Política em Santiago
Algumas pessoas já me questionaram, e há tempos, e continuam fazendo, entre amigos e conhecidos, a respeito de por que eu não participo mais da política de Santiago, atuando mais diretamente e até mesmo me filiando a um partido. Minha resposta sempre foi: não é a minha função e não gosto desse tipo de atuação. Mas posso esclarecer mais sobre o assunto.
Na verdade, o melhor a se fazer com a política santiaguense é largá-la de mão, definitivamente, porque não há nada em que se segurar, enfim, não há nada de jeito nenhum nessa política: não há verdadeira preocupação social nem cultural, não há real preocupação com o povo, não há conteúdo, não há substância ou sensibilidade política, não há ideologia ou ideais, não há bom senso, não há união entre os que poderiam ser opositores, não há coragem, não há vergonha na cara, não há atitude, não há dignidade...
Porém, pensando por outro lado, até que há muitas coisas, e até em demasia, na política santiaguense: há coxilhas de incoerência, há montanhas de puxa-saquismo, há total ausência do senso do ridículo, há pessoas cabresteadas, submissas e ignorantes, há quilos de maquiagem, há monumentos de futilidade, há grandiosas fachadas, há quilômetros de aparência, há toneladas de gordos churrascos, astros de vergonha, galáxias de vazio, cosmos de mediocridade e universos de hipocrisia.
Esse texto é minha contribuição definitiva para a política de Santiago.
Esse texto é minha contribuição definitiva para a política de Santiago.
10 abril 2014
Tu, Tempo
Tu, Tempo, és Deus...
teu é o trono
que traga
ao que te trago
e a que me entrego
além de ti
a treva
a que não ninguém
se atreve
todo trovão que tange
e todo troar martelo
vêm todos do teu trajeto
no torvo do que tememos
desde os tridentes
de tuas serpentes e tigres
às trombetas
que trompam na tua tocha
desde a tormenta
que taça entre teu trágico
até a traça
entre as turbas arrastada
às tampas das tuas tumbas
ave Tempo!
águia Tempo!
e o pulo preciso do teu puma
e o punho de peso do teu pulso...
desde os passos do teu compasso
à pressa do teu presságio
e à presa da tua praga
ninguém pisa o teu punhal
e nada te apaga
é a ti que se paga
em que se prepara o pesar
da tempestade
do templo de teu temporal
é que Tu, Tempo
(que a vida abraça)
trazes entre as torres
um raio
do que Verdade
de força e de fúria
de glória e vitória
(que o tempo passa...)
08 abril 2014
de Merda e Mediocridade
I
a humanidade
é a soma geométrica
de todas as merdas
de cada um de nós:
progredimos
pelo bueiro avante...
mas não é esse o problema
o problema
é que os humanos
tomaram laxante
II
as pessoas dizem:
“a humanidade é medíocre”
mas a humanidade
é formada pelas pessoas
logo
as pessoas são medíocres
eu sou uma pessoa
logo
“eu sou medíocre”
bem, isso
as pessoas não dizem
05 abril 2014
da Grave Falta da Água
qual água preencherá
o vazio de se não-ser?
mais seco
que qualquer leito
(de qualquer rio
em qualquer seca
pela terra agoniante)
é o vácuo esvaziado em pó
(e varrido de horror
sempre mais adiante)
...mais seco
que qualquer leito...
é a terra árida
do humano peito
todo o esgoto
das águas do mundo
não é páreo
ao seu coração esgotado
esgotado
como quem cortasse
sua própria artéria
de cima abaixo
e de lado a lado
nenhuma semente germinará
nem das mais reles ervas
nem das mais tênues palmas
na esterilidade esfarelenta
disto que chamam de
“humanas almas”
e, meu Deus, que Sede...
quando é que chove
no que é trágica?
vou ver se (sobre)vivo
com a minha última gota
de lágrima
03 abril 2014
Nenhum Fundamento
as pessoas se habituaram
a viver a vida que vivem
como se a vida
fosse só isso que vivem
a vida
por que assim?
quem levanta de sua cama
levanta para quê?
o trabalho
é um trabalho
para qual objetivo?
e alcançado o objetivo
o que é que resta
do que fica?
quem dorme
descansa de qual cansaço?
e para que se cansou?
saímos todos os dias
para viver a vida
dentro do mundo
e estamos convencidos
de que a vida é essa
e de que o mundo é esse
e de que o que fazemos
é o que deve ser feito
ninguém se pergunta nada
e não se faz
nenhum questionamento
e eu até seria apedrejado
se dissesse que tudo isso
da forma como é visto
não tem nenhum fundamento
01 abril 2014
Imagem sobre Brahms em Pragmatha
O poema "Imagem Sobre uma Melodia de Brahms" foi publicado na edição 55 do Caderno Literário Pragmatha, de Porto Alegre, que trouxe como tema "Música". Para ler o poema, clique sobre a imagem abaixo.
30 março 2014
Como se eu não soubesse...*
como se houvesse tempo
estão lá com sede de progresso
como se evoluíssem
ceifando paraísos
para semear infernos
como se fossem eternos
como se fossem espertos
em transformar os campos
em desertos
como se não bastasse...
contando como se fosse
para matar a fome
como se dessa forma
distribuíssem renda
como se fosse em nome
do que fosse justo
e como se a mim
ainda convencessem
como se não fosse
para colher ganâncias
como se fossem heróis
e não tivessem ânsias
de se enriquecer à custa
do que tenha vida...
como se para eles
não chegasse a morte...
e ainda se dizem fortes
ao não sofrer
pelo que tenha vida
mas são mais fracos do que cacos
e são mais fiascos que palhaços
como se não viesse a volta
como se não tivesse preço
e como se não viesse o Tempo
trazer sua carta
no seu exato endereço
fazem tudo
como se o tudo fosse o mesmo assim
como se a Terra não se vingasse
e como se não houvesse o Fim.
*Poema reelaborado e republicado.
29 março 2014
Universidades Públicas para estudantes de Escolas Públicas
Deveria ser assim. Somente quem cursou o Ensino Médio todo em escola pública poderia ter ingresso em uma universidade pública. Seria a melhor forma de equilibrar a completamente desequilibrada competição de acesso à uma universidade pública. "Ah, mas isso não é justo!" berrarão os filhos dos ricos. Claro que não.
Justo é que uma universidade pública que é custeada e mantida com o dinheiro dos impostos de toda a população brasileira, principalmente dos pobres, esteja sendo frequentada principalmente pelos mais abastados.
Justo é que os menos favorecidos economicamente tenham que trabalhar para se sustentar e estudar ao mesmo tempo para disputar uma vaga em uma universidade pública, enquanto um filho de rico apenas estuda despreocupadamente.
Justo é que os ricos possam pagar as melhores escolas particulares do país, os melhores cursinhos, adquirir qualquer livro ou material diverso, enquanto os pobres só têm a escola pública, para a qual os governantes, deputados, senadores não dão atenção, não investem, não destinam verbas, afinal, os SEUS FILHOS NÃO ESTÃO LÁ.
Por isso, que defendo: universidade pública deve ser para estudante de escola pública. Só então os politicuzinhos riquinhos começariam a se preocupar com educação, afinal, teriam que colocar seus filhos em escolas públicas também, para poderem ter acesso às universidades. E então investiriam na educação básica, não por decência ou consciência, que eles não as têm, mas por necessidade mesmo.
Aos poucos, o nível da educação pública básica cresceria e acabaríamos com muitos mercadores da educação, em suas escolas particulares e cursinhos.
27 março 2014
Poema de Ocaso a uma Sonata de Schubert
é quando ouço
aquela sonata de Schubert
que um cavalo
vem bater na minha porta:
então estranho o peso
dos olhares dos sapos
e escrevo poemas (que) não-sãos
há algo de Poe nunca-lido
e uma desolação de silêncio
de não-flauta na mata
é uma sentença
de um quadro de Bosch
que não me sai
do que pesadelo
é um sonho de um sol
cada vez mais ao norte
um vento do antes
grande ave
que plana em correntes
carta
com selos vermelhos
planeta
por trás dos espaços
e a ponta de um dedo em um dedo
como se fosse um sinal...
há algo do que já é tarde
e a iminência de um vasto final...25 março 2014
A Humanidade está Acabada
não é que a humanidade
irá acabar:
ela já o está.
tornou-se um algo
que deixou de ser
e não se avisou a si mesmo
que o aviso fora dado
o que há
são indivíduos desfeitos
que não formam
um todo de humanidade
ou a humanidade
seja esse todo
de desfeitos e de acabados
de caóticos e desdestinados
não é que o homem
irá acabar:
ele já o está.
tornou-se um algo
que deixou seu ser
tropel de mortos andantes
olhares vazados
sem horizontes
sangue esvaziado
e ausência de avantes
sonha o homem
que continua
que abre os caminhos
que pavimenta as ruas
mas
(e é meu dever que se diga)
só abre uns abismos
onde enterra futuros
os sóis
e as luas...
(Imagem: detalhe de "O Jardim das Delícias Terrenas - Inferno" - de Hieronymus Bosch)
22 março 2014
Mundo x Arte
eu sempre
e nunca
esperei-me mais de ti
mundo humano
(como quem espera o chegar
de alguém em um trem
e chega sempre vazio
o trem e o alguém)
eu sempre esperei-te
mais de mim
mundo humano
que foi tudo menos humano
e que, de tanto não-ser,
já nem é mais mundo
só um vácuo profundo
olhar teus arranha-céus
é fitar um abismo
em que também vejo a mim
voar nas tuas naves
não ergue meu nada do chão
o verde dos teus campos cultivados
amarelece e murcha
minhas últimas esperanças
a multidão das tuas grandes cidades
torna-me mais sozinho
do que na morte serei
as descobertas da tua ciência
ocultaram-me eu mesmo de mim
todos os teus potentes veículos
não me movimentaram da miséria
em que também sendo humano
eu também me situo
e tudo que construíram tuas indústrias
contribuíram com a minha destruição
durante uma noite serena...
de modo que
só a Arte vale a pena
(Na imagem, "O Navio dos Tolos", um estudo de Hieronymus Bosch.)
21 março 2014
Em Homenagem a Johann Sebastian Bach
A Patrícia, minha amada e futura esposa, no aniversário desse gênio maior da música, comemorado hoje, resolveu escrever uma homenagem a seu compositor favorito. É uma linda homenagem. Faço minhas as suas palavras, publico aqui no blog:
Aos 329 anos da Imortalidade de Johann Sebastian Bach (por Patrícia Almeida)
Uma singela homenagem!
“Bach (riacho em alemão) devia se chamar Ozean (oceano) e não Bach!” Ludwig Van Beethoven.
Inicio minha escrita sobre esse grande compositor Barroco, com essa maravilhosa e bendita frase de Beethoven. Não quero aqui dissertar sobre a vida desse compositor, mas descrever o que sinto ao ouvir sua música.
Hipnótica, celestial, violenta e sublime, como se saísse do ventre do Universo banhada no mais puro sentimento de amor, assim é a obra de Johann Sebastian Bach. Eu o considero o compositor dos compositores, estava a frente de seu tempo e por isso não foi muito reconhecido em sua época. A complexidade de sua música, e ao mesmo tempo a simplicidade e a leveza fazem-me “flutuar” entre cada nota, ir aos mais longínquos jardins e banhar-me nos mais belos riachos do mundo. Bach faz despertar aquilo que é puro e doce na alma humana e também nos faz sentir o mais profundo sentimento quando ouvimos sua música sacra. Curamo-nos de nossas feridas ao contemplar sua música divina. Parabéns Bach, pela Imortalidade da tua Alma que comoverá e iluminará a vida de muitos por toda a Eternidade.
19 março 2014
Versos a um Limoeiro
I
impassível
e indiferente
às breves passagens humanas
nunca te preocupaste
com disputas sepulcros ou forcas
mas mantiveste pelo eterno dos
anos
em teus frutos a tua força
II
mantém-te sereno
por todas as eras:
teus frutos cáustico-azedos
durante os invernos
e teu perfume de flores
nas primaveras
III
que curem as minhas palavras
sendo amargas e ácidas
assim como curam as tuas frutas
sendo amargas e ácidas...
que eu escreva gomos de limões
e não doces de cereja...
e assim seja.
17 março 2014
Do uruguaio Mario Benedetti para alguns diretores de empresas e médicos brasileiros
O uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) escreveu algumas das grandes páginas da literatura latino-americana, em especial na sua obra-prima "A Trégua", romance publicado em 1960 e posteriormente filmado, concorrendo ao Oscar de melhor filme estrangeiro e que assombra por sua profundidade psicológica a agudeza na expressão e análise do drama humano. Extraí dois trechos da obra em questão. O primeiro dedico a alguns diretores de empresas, empresários, administradores, enfim. O segundo dedico a alguns médicos. Sei que os leitores reconhecerão muitos desses profissionais aqui pelo Brasil...
Para os diretores de empresas:
Imagino que
eles, quando se refestelam em suas poltronas estofadas da sala da Diretoria,
devem se sentir quase onipotentes, pelo menos tão perto do Olimpo quanto deve
se sentir uma alma sórdida e negra. Chegaram ao máximo. (...) Para esta pobre
gente, o máximo é chegar a sentar em cadeiras presidenciais, experimentar a
sensação (que para outros seria por demais incômoda) de que alguns destinos
estão em suas mãos, ter a ilusão de que resolvem, de que dispõem, de que são
alguém. Hoje, contudo, enquanto os olhava, não conseguia considerar suas caras
como pertencentes a Alguém, mas sim a Algo. Parecem-me coisas, não pessoas.
(...) Mas são pessoas. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa
piedade, da mais infamante das piedades, porque a verdade é que eles formam
para si uma casca de orgulho, um invólucro repugnante, uma sólida hipocrisia,
mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem da mais horrível variante
da solidão: a solidão de quem não tem sequer a si mesmo.
Para os médicos:
Há médicos
que gostam de aterrorizar, ao menos de anunciar a proximidade de terríveis
complicações, de perigos indefinidos e implacáveis. Depois, se a realidade não
é tão sinistra, sobrevém uma grande sensação de alívio, e o alívio familiar é,
no mais das vezes, o melhor clima possível para pagar sem aborrecimento, até
com gratidão, uma conta ABUSIVAMENTE ALTA. Quando alguém pergunta ao médico,
com humildade, quase com vergonha, sentindo claramente o constrangimento de
tocar em um tema tão vulgar e grosseiro diante de quem sacrifica sua vida e seu
tempo pela saúde do próximo: “Quanto é, doutor?”, ele sempre diz, acompanhando
suas palavras com um gesto generoso e compreensivo de desconforto: “Por favor,
amigo, logo mais tratamos desse assunto. E não se apresse, pois comigo não
haverá problemas.” (...) Depois, quando chega finalmente a hora de discutir o
assunto, vem a conta gorda, em separado.
(Acima, todo o charme de Benedetti)
15 março 2014
Lições da Poeira
vê como tudo se perde
por entre os dedos
do que não vemos
vê como tudo se verte
por entre a vida
que nem é vista
e a água que corre
(como se fosse num porre)
nem percebemos
que já é areia...
lições
da poeira
quando vê-se que é
o que é já se foi
estamos sempre
um passo atrás
daquilo que passa
só somos
(só
somos...)
quando nem é mais
e deixamos que morram
antes que o corpo
as nossas almas
até então imortais
mas só de areia...
lições
da poeira
e o que sobra
é o papel do que fomos
aquela superfície maquiada
o pó da face
plastificada
e ficam ali as pessoas
sendo um móvel
de belo verniz
mas que por dentro
(num carcomer lento)
os cupins o deixaram em lasca...
aquelas pessoas
ainda vivas
que do que foram
só restou a casca
um balde vivo de poeira
castelos
de areia...
14 março 2014
da Vida Real (ao Dia Nacional da Poesia)
há uma vida
que não a vivida
um outro lugar
onde eu devia estar
e que é o meu dever
mas onde não me vejo
porque não encontro um ponto
entre o meu desejo
e o meu ser
os homens
fazendo-me fôrmas disformes
quiserem convencer-me
de que o rastejar de verme
e o estar dentro dos moldes
é o mesmo que vida
ou coisa que o diga
fizeram de suas vidas
só os meios de se viverem
que acaba por não ser nada
por não chegar a fins nenhum
mas querem que entre eles
e seus motivos reles
eu me sinta vivo
sendo o só de mais um
há uma vida
que não a vivida
onde eu deveria viver
mas há um abismo fundo
entre o que é mundo
e o que sinto em meu ser...
Poema ao Dia Nacional da Poesia, comemorado hoje, 14 de março, aniversário de Castro Alves
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