Medo de Acordar

dormi com medo de acordar 
medo de acordar e o mundo ter acabado
medo de acordar e o mundo ter continuado
dormi com medo
de ter medo de acordar
de acordar pendurado 
com a corda no pescoço
dormi com medo de acordar
e ver o meu olhar 
até o osso
com medo de acordar 
e ser só isso
de dormir até o Fim
de sonhar cair num poço
e de acordar e ser assim
de sonhar com coisas más
e acordar e elas são
de sonhar com coisas belas
com aquelas
que jamais serão 
com medo de acordar 
e encarar o meu destino 
dormi com medo
de acordar e estar morto
de acordar e estar vivo

Vinho e Gato

Vinho e Gato são complementares:
o primeiro é sangue 
tornado bebida.
o segundo é alma 
em forma de vida.

O Julgamento do Caso da Boate Kiss: uma Condenação à Ganância

A condenação pela justiça dos quatro réus julgados pela tragédia da boate Kiss foi justa. Com essa afirmação inicio meu texto. Foi exagerada? Considerando o número de mortes e as circunstâncias das mesmas, no meu entender, não. Outras pessoas deveriam ter sido condenadas além das que foram? No meu entender, sim.

Mas essas são outras discussões. O objetivo do meu texto é claro e cristalino. A condenação, em sua essência, não foi de pessoas, mas do que essas pessoas buscavam: ganhar dinheiro, enriquecer cada vez mais. Foi a condenação do lucro a qualquer custo, a condenação do capitalismo sem escrúpulos, desumano, indiferente. 

Foi a condenação do que disse uma testemunha: "a boate estava tão lotada que as pessoas não conseguiam chegar até a copa, e isso prejudicava a RENTABILIDADE da casa." A rentabilidade. Essa era a única preocupação. Com o lucro. O bem estar e a segurança das pessoas? Ninguém se importava com isso. 

A condenação foi um exemplo. De que o lucro não é tudo. De que a vida não é uma festa eterna, em que sempre tudo vai dar certo. De que não se pode brincar com a vida. De que não se pode brincar com o fogo. Não se pode brincar com os elementos da natureza sem se sofrer as consequências. As alterações climáticas estão aí para provar.

Foi a condenação da ganância: de um proprietário que não quis gastar mais para fazer uma parede e resolveu colocar espuma das MAIS BARATAS, mesmo indo contra as orientações de um especialista no assunto. Que não via limites para o número de pessoas em seu estabelecimento. Quanto mais, melhor, mesmo que isso significasse não poder se mexer. E que não estava nem aí para o que se usasse em sua boate (fogo), desde que isso significasse lucro.

De um outro proprietário que sabia de tudo (ou alguém em sã consciência investe 200 mil reais e deixa ao bel prazer de outro, sem saber de nada?)  e tentou se imiscuir de responsabilidades. De um vocalista de uma banda que SABIA que não devia usar  aquele tipo de fogo em ambiente interno, mas, mesmo assim, usou, para ganhar dinheiro, porque isso "atraía público" e  porque comprou do mais BARATO. De um roadie que também sabia de todos os riscos mas que preferiu se omitir para evitar PERDER DINHEIRO.

Essa condenação serviu como um exemplo. Não de que isso não vai se repetir, mas de que se deve estar muito mais atento para que não se repita. Infelizmente, não devido à consciência e ao amor das pessoas, mas ao medo de  serem julgadas e condenadas.

Finalizando, e aceito opiniões contrárias (estamos numa democracia), a sentença final foi, para mim, correta.

Deus, o meu Pai

alguém  me perguntou se acredito em Deus.
não pude deixar de rir
porque sendo um anjo como não vou acreditar
no meu pai?
um anjo caído, é verdade 
mas minhas asas estão aí 
sendo usadas pelos urubus.
meu pai,  ou seja, Deus
queria que eu fosse escritor 
mas eu queria, como todo mundo normal 
ganhar dinheiro, e reclamei;
bah,  velho,  escritor,  poeta?
que sacanagem é essa?
Ele ficou brabo e respondeu:
"vai ser escritor sim, porra
escreve aí essa merda 
pra provar que eu existo
e vai se foder
que tô muito ocupado 
com o pessoal que é minha imagem
e semelhança."
aí fiquei pensando
no meu irmão  Lúcifer:
putz,  será que ele tava certo?

Gatos e Noites

gatos e noite são no fundo a mesma coisa.
quem conhece um conhece o outro
quem ama um ama o outro.
quem ama um gato ama a noite
mesmo que durma cedo
quem ama a noite ama um gato
mesmo que tenha um cachorro.
gatos e noites são puro mistério
alma densa de mundo interior
e os dois não estão nem aí 
para aquilo que é externo.
são só sonhos lá no inconsciente
daquilo que é vida daquilo que é amor.
ambos são descansos:
a noite é o descanso pra o corpo
o gato é o descanso pra a alma.

À Presença do Sangue

aquilo que pulsa enquanto te houver vida
aquilo que é vida enquanto te houver pulso
que corre em teu corpo dos pés à cabeça
e que deve correr o que quer que aconteça
que olha no que tu olhas
que é quente quando tu sentes
que está no teu beijo 
que está no teu sexo.

que dos líquidos é o mais complexo
que quando escorre é sinal de morte
que quando para é sinal de morte
que quando ao lábio é sinal de sorte
símbolo da dor símbolo do amor
(dois lados da mesma moeda)
sinal de alerta sinal de perigo
cujo cheiro atrai os tigres e os lobos 
os humanos  e os mosquitos
tudo o que se herda
se herda pelo sangue
se há doença, ela está no sangue.
se há saúde, ela se vê no sangue
porque o sangue é tudo.

é como ser poeta.
não adianta, está no sangue.

Confissão

aquilo que digo é maior do que eu.
o meu eu não vale nada:
aquilo que digo aquilo que escrevo
vem de algo mais alto
de algo mais fundo de algo mais vasto
que nem cabe na minha miséria.
se você me odeia
odeie a mim, não a minha palavra
porque a palavra não é minha
não sou eu.
é verdade que a obra vem da vida
mas nem a minha vida é minha
ela só me aconteceu para que eu dissesse
não me pertence, nada é meu
nem o meu ser sou eu.
tudo aquilo que digo
é para aliviar algum tipo de dor
que não minha, mas de quem sente
(e ninguém sente como sinto)
é para trazer algum tipo de amor
(a tudo que é belo a tudo que é grande
a tudo que é Ser)
e quanto a mim me esqueça:
eu sou só o escritor.

Autoajuda Sincera

na tentativa desesperada de ficar rico
estou adentrando no terreno merd... digo...
lodoso da autoajuda.
e já começo com três dicas infalíveis
mas também poéticas
porque como disse Paulo Leminski
"vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia":

1) tudo passa,  é verdade. mas lembra-te:

o que é  ruim passa nas passadas 

da Tartaruga-de-Gaĺápagos.

o que é bom passa na corrida do Guepardo-Africano.

2) recorde de você há uns 10 anos atrás.
como você está hoje

(em todos os sentidos)
corresponde ao que você havia 
imaginado que estaria
há uns 10 anos atrás?
então por que, diabos,
você continua fazendo planos?

3) seja um rio raso
de água pelas canelas.
se você for profundo
as pessoas vão te evitar
com medo de se afogar.

Nunca fomos tão egoístas (Parte 2)

perdemos tudo
mas estamos certos
de que tudo temos.
esse é o grande paradoxo
dos tempos do pós-tudo.
não pensamos mais em nada
porque achamos que já pensamos 
tudo o que deveríamos.
não somos mais capazes 
de sentir as grandes coisas
porque nos afundamos
sentindo o que é minúsculo..
nosso senso estético se atrofiou:
não é mais senso
é um "descenso"
uma queda vertiginosa
ao medíocre e ao mau-gosto.
não aceitamos mais o diálogo
porque estamos certos
de que estamos certos:
não importa a verdade do outro
porque a verdade está toda com a gente.
nos trancamos em nossa bolha
com medo que ela estoure
pelo contato com a bolha do outro.
estamos tão doentes
que atingimos a certeza
de que somos saudáveis
e que a doença está nos outros.

e estamos tão vazios
que transbordamos de aparências.

Versos Diretos n°22 e 23

N°22: o primeiro pensamento de Satã
após sua queda:
"Ah, mas isso não vai ficar por isso mesmo, 
isso não vai ficar assim."

N°23: eu não domino a Palavra 
é a Palavra que me domina.
é ela que me obriga 
a dizer o que quero que eu diga

A Coruja é o Símbolo da Sabedoria

me sinto bem 
me sinto seguro na escuridão da noite
como um filho que retorna à casa da mãe.

não é à toa que a lua
é símbolo da maternidade.
existem dois tipos de animais noturnos:
os que são biologicamente da noite
e nunca vivem durante o dia
(como as corujas)
e os que escolheram viver à noite
por ficarem mais distantes do ser humano
(como a maioria dos felinos).
eu sou um pouco dos dois.
não é que eu não goste do dia:
amo e respeito o sol
mas o sol é masculino
e a noite é feminina:
é mais profunda
é mais sensível.
enganam-se os que acham
que gosto da noite pelo silêncio:
gosto da noite porque se pode ouvir mais:
quem é que escuta o canto dos pássaros
durante o dia, sufocado pelo caos e balbúrdia
da vida pós-moderna? 
cem pássaros cantam ao mesmo tempo
e ninguém dá bola
todas as pessoas estão imersas 
em seus problemas trabalhos responsabilidades.
mas na noite até os morcegos são ouvidos
e pra quem não sabe
os pássaros começam seu canto 
sempre durante o escuro da noite
bem antes do amanhecer
e se pode perceber cada detalhe
do que dizem.
e já que este poema à noite
é também uma ode aos pássaros
a noite também tem 
seus representantes durante o dia
que são os corvos 
e os urubus.

Versos Diretos nº20 e 21

20 - Adeus, Humanidade
é algo dúbio.
pode significar
que os seres humanos 
perderam sua humanidade
ou que eu estou partindo

do meio desta humanidade
ou que esta civilização como um todo

está indo pro saco.
ou os três.

21 - quando as pessoas
perdem o controle sobre o que controlavam
(controlar no sentido
de manter sob seu domínio)
elas culpam o que era controlado
por ter saído do seu controle:
é a ultima tentativa de ainda controlar.

Nunca fomos tão egoístas

a humanidade nunca foi tão egoísta como na era atual.
a chamada preocupação (ou amor) com o próximo
é tão somente uma união de interesses 
problemas ou finalidades em comum.

se mudar o interesse, muda a união.
nunca fomos tão individualistas
nunca nos achamos tanto o máximo.
cada um de nós está convicto 
de que é melhor que o outro
(o que o torna melhor que todos)

"o outro é culpado, eu sou inocente.
o outro é fracassado, eu sou vencedor.
o outro é pobre porque quer.
o outro é infeliz porque escolheu assim.
o outro errou e não tem motivos
eu errei mas tenho meus motivos
(quer dizer, na verdade, nem errei).
o outro é problemático, eu sou de boas.
o outro é tóxico, eu sou saudável."

sempre minimizamos o que fazemos contra o outro

sempre maximizamos o que o outro faz contra nós.

o problema de tudo é sempre os outros
o mundo está como está por causa dos outros.
olhamos tanto para nossos próprios umbigos
que nunca nos olhamos no espelho.
falamos tanto em conhecer a verdade
mas ninguém quer conhecer a verdade por inteiro
somente aquela parte da verdade
que vai de acordo com nossas crenças ou expectativas
ou simplesmente que faça nos sentir bem e justificados
e paramos por aí.

ah sim, claro, há exceções
mas ninguém é uma delas.

Aryael

sim o meu Ser ainda vive 
nada se impõe ao meu Ser.
que proclamem as cruzes da estrada
que  se ergam as almas penadas
que flamejem as asas das fadas
se ainda estou no meu Ser.

sim o meu Ser ainda vibra
e nada bate o meu Ser.
que desabem as noites imensas
que levantem as músicas densas
que extremem as almas intensas
se ainda sentem o meu Ser.

sim o meu Ser ainda canta
e nada abate o meu Ser.
que trombetem as glórias dos corvos
que sonatem os longes dos mortos
que vaporem  os sangues dos corpos
se ainda é vasto o meu Ser.

sim o meu Ser ainda é grande
e nada vence o meu Ser.
que espadem os anjos de Marte
que  sublimem os gênios da arte
que te diga o que eu for falar-te
se ainda Sou o meu Ser.

Por que me abandonaste?

amanheci sem conseguir 
escrever nada 
como se não tivesse mais inspiração.
então perguntei para Deus:
"Pai,  por que me abandonaste?"
ao que prontamente Ele me respondeu:
"Sim, meu filho,  eu te abandonei.
A inspiração é tudo que te resta.
É (do corvo) uma pena."
então ergui meu olhar ao céus
tomei um gole de whisky

(havia lágrimas nos olhos meus)
e escrevi esta merda de poema.

Por que, diabos, eu ando só de preto?

faz anos que me perguntam
por que eu ando só de preto.
eu respondo com uma pergunta:
e por que você não anda só de preto?
ao que geralmente me respondem:
porque o normal não é só andar de preto
todo mundo não anda só de preto.
às vezes digo que, bem, eu não sou normal
e nem sou todo mundo.
também não é porque quero ser diferentão
tem muita gente que anda só de preto.
mas eu ando só de preto por causa do luto
ando só de preto por causa da luta
ando só de preto por causa do sangue

ando só de preto pela maldição 
ando só de preto por causa da morte
ando só de preto por causa da vida
ando só de preto por causa da noite
ando só de preto por causa da arte
ando só de preto por causa da dor
ando só de preto por causa do amor
ando só de preto por causa da alma
ando só de preto por causa da falta
ando só de preto por causa dos olhos
ando só de preto por causa do sonho
ando só de preto por causa do fim
ando só de preto porque eu sou assim
ando só de preto por causa de Deus
ando só de preto por causa do adeus
ando só de preto por causa do corvo
ando só de preto pela minha missão
ando só de preto por causa do gosto
e sobre gosto não há discussão.

Sem Alma, sem Ganho

se não há alma

não há nada.

não se chega a céu nenhum

não se vai a inferno algum

o que Deus quer é nossas almas

o que o Diabo quer é nossas almas

sem alma não valemos nada.

mas a vida é céu ou inferno?

não, mas meio-termos não têm graça.

mas alguém metido a inteligente 

poderá perguntar:

mas o que é alma?

quem pergunta 

é porque não tem.

É melhor tomar um Porre

um poema que preste
vem no tempo certo
depois de muita chuva 
depois de muita lama
depois de tempestades de alma
e de muito muito drama
depois de pouca calma
queimado de tanta chama
depois de tanta lágrima
que o coração é uma lástima
e nada nada de fama
um poema vem no erro certo
vem depois de pouca sorte
e de noites de olho aberto
vem depois de muita fúria
depois de tanta música
depois de tanta morte
e nada nada de paz
um poema que preste
aqui se paga aqui se faz
um poema que preste
vem quando não dá certo
é como toda Arte
tem tão alto preço
e um tão raro selo
e tão amargo prêmio
(doce é só o sangue que escorre)
que é melhor tomar um porre
e nem ir recebê-lo.

Sopra Tua Trombeta, Oriphiel

deixar destar
tornarse o que non ver
desexistir desparecer
exvaporar sediluir
sedesluzir alnoitecer
sedesphazer almasteamar
anonpoder  indesruir
medissipar al soussurgir
volathizar y innebriar
de un vino extinto
athé que só serreste
o que eu sinto.

Almas dilaceradas despertam mais interesse

pessoas felizes não são interessantes.
não tem graça escrever sobre elas:
não dão grandes histórias
delas nunca saem grandes obras
nunca deixam grandes vidas.
pessoas felizes são tediosas
falta(m) alguma(s) coisa(s)
tempero e alma pra início de conversa.
eu sempre achei quem se acha feliz
um puto de um egoísta insensível superficial.
pessoas felizes não se mancam
estão sempre tentando enfiar sua felicidade
goela abaixo dos outros.

(sei que alguns vão me odiar por este poema... sinto muito, sinto.)
mas eu não quero dizer com isso
que as pessoas devam ser infelizes
há uma grande diferença entre um infeliz
e um não-feliz.
mas as pessoas (que se dizem) felizes
(talvez eu seja um sociopata)
eu não consigo admirá-las
eu não consigo amá-las.

Lições das Trevas

I – do Gato

tu gato noturno
atento ao vazio da treva
vês ainda mais vezes
que vazio sou eu
que não estou
no que te leva

tu sabes, gato
que todas as religiões 
não valem o sentido
do teu olfato.

II – da Coruja

e o teu canto
coruja hermética
de olhos autônomos
jamais será alcançado 
nem por toda uma legião 
de humanos robóticos 
e autômatos

e, por fim
há mais sabedoria no teu pio
do que em todo
o povo do Brasil.

III – da Estrela

tu que não nos sabes
nunca te fracassas:
sendo estrela és distante
e sendo distante és verdade

triunfas ao iluminares nuncas

e dar as costas

à humanidade.

Soneto ao Porre

deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama

eu fiz de tudo e o teu futuro eu trago
morde minha alma até quando se inflama
queima estas asas em álcoois e chamas

Versos Caídos (ou Sobre um Trecho de Augusto dos Anjos)

"E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra."
Augusto dos Anjos

o que é uma queda geral nas redes sociais
comparada a uma queda geral da energia elétrica?
acontecendo, cai tudo. acabou.
até mesmo o controle sobre bombas nucleares
cairá (pra quem não sabe).
as pessoas falam tanto em independência
mas não passam de miseráveis dependentes.
dependemos de que todas as merdas tecnológicas
das quais nos tornamos dependentes
não caiam.
só que tudo um dia cai. é inevitável.
tudo o que foi erguido, construído
o foi para um dia cair.
e cairá. é a lei da vida.
caem governos caem cidades
caem impérios caem civilizações.
caem certezas caem eras.
e a nossa civilização cairá
porque fizemos cair as florestas.
da queda de cada árvore
virá a queda de cada homem.
acreditem
porque aqui vos fala
um especialista em Quedas.

Versos Diretos n°18 e 19

 18 - Redes Sociais:

"ah porque a humanidade depende
das redes sociais para existir."
não,  a humanidade depende da comunicação 
depende da palavra.
se fôssemos falar de dependência tecnológica 
teríamos que ir mais fundo:
redes sociais dependem da internet
que depende da energia elétrica
que depende das hidrelétricas 
que dependem dos rios 
que dependem da água.
e a água depende da preservação ambiental.
logo,  as redes sociais dependem da natureza.

19 - Prevenção ao Suicídio:
não se mate.
não vale a pena,
ninguém se importa.

Poesia e Felinos

você paga 2 mil por um celular
4 mil por um notebook
5 mil por uma televisão
50 mil por um carro
você gasta com comida roupas viagens
com estética presentes bobagens
você gasta com vinho whisky cerveja
maconha remédio sexo amor ilusão
e qualquer coisa que a consciência embriague...

você só não gasta com poemas e gatinhos:
poemas e gatinhos você consegue de graça.
porque não há preço que pague.

Definição Didática de Arte

o que é arte?
arte é não ter saída.
ou a saída ser só a arte.
arte é ver o sol nascer
e não poder sentir esperança
por estar bêbado demais.
arte é ser esquecido por ter dito

por ter feito.
arte é ter que quebrar a socos 
os dentes de um imbecil
enquanto recebe um chute no saco.
arte é morrer do fígado.
arte é apostar todas as fichas e perder.
arte é se suicidar na pobreza e deixar 
milhões de dólares futuros em obras.
arte é saber que a tempestade está chegando.
arte é não conseguir se adaptar ao mundo
arte é não conseguir.
arte é ter que fazer outra coisa para sobreviver.
arte é ter que sobreviver
para que exista a arte.
arte é buscar até NÃO alcançar.
arte é o golfejo de sangue na toalha da mesa.
arte é não ser correspondido em nada.
arte é receber o mundo a bala
e ser recebido a tiro.
arte é ver que o sucesso é dos imbecis 
e preferir o fracasso.
arte é a loucura o vício a desgraça
o abandono a lama o desprezo 
arte é a vida vivida 
a minha,  inclusive.





 

Não sei ser prático

praticamente não sei ser prático:
na vida prática não há praticidade pra mim
nem só de prático vive o homem
a vida é além que feijão no prato
que catar como um rato
as migalhas do chão
alguém vai me dizer que estou errado 

ao que contestarei: 

sim o senhor tem toda a razão. 

pratico o não-prático.

eu nunca aprendi a prática lição:
só ver ouros e pratas
onde elas não estão
sou um inútil: só vejo pórticos e matas
antes da destruição.

que me perdoem os práticos felizes:
só estou aqui contemplando as estrelas
que nem mais são
e sentindo-as em meu peito
como se ainda existisse 
o coração.

Uma Roleta Russa por cada Verso deste Soneto

aqueles desastres são do meu sangue
meu sangue pelos vinhos já afogado
incêndios pelo meu álcool inflamado
todo o Horror deste meu sangue se expande

minhas veias pelas sangas exangues
minhas hemácias nos tigres tombados
minhas artérias no mato acabado
eu sangro por onde sangrar que tu andes

eu que sangro em cada beijo que é morto
eu e meu sangue jorrados e tortos
como se o mundo os derramasse em mim

o meu sangue pelos bicos dos corvos
o meu fígado é que comem é meu rim
o mundo e meu sangue estão pelo fim.

Chega de meia boca

esse negócio de meio termo
já me deixou enfermo
ninguém sabe o que céu
sem conhecer inferno
chega de meia boca
se vai beber
tem que ser até a última gota
se vai dizer a palavra
tem que secar a garrafa
é ventura ou é desgraça
tem que se acabar com a taça
basta de pela metade

de só se espiar pela porta

de se trocar o que música 

por um prato de feijão 

de se acabar com o que cosmos

por um pouco de vento norte

chega de se contentar 

com o aquilo que deu
é amor ou é morte.
lamento que seja assim
mas o mundo chegou ao fim.

O Olhar Dela

quem olha nos olhos da Morte
ah nunca jamais se esquece
pior que rezar uma prece
na seca do vento norte

olhos que te arrancam fundo
como soubessem da tua alma
adeus pra sempre tua calma
adeus pra sempre teu mundo

esse olhar que nos espera
ao parar de cada esquina
que conhece a nossa sina
com a fome de uma fera

ah quem olhou no olhar Dela
pegou essa mão gelada
beijou essa boca amada
sabe como é quente e... é Ela.

A Tristeza é grande, a Vida nem sempre

a Tristeza só é mau sentimento para os vazios.
a tristeza é alta é funda é vasta 
te abre cosmos de visões 

de inspirações de entendimentos.
quem não sente tristeza frente à vida ao mundo
não é capaz de sentir nada.
e quem não é capaz de sentir nada
não serve pra nada 
que valha a pena.

nada de grande

foi feito sem tristeza.

tristeza é só pra quem tem olhos
pra quem tem pulso
pra quem tem sangue
pra quem tem alma.
é saber olhar nos olhos
é saber sentir o pulso
é saber correr o sangue
é saber tocar a alma.

ah, mas a tristeza também faz mal
(alguém vai dizer)
claro
assim como a esperança
assim como o álcool
assim como o amor.

Pentassânguino

tudo nesta vida
sangra numa taça
(meu sangue caído
vermelho no frio)

nada nesta vida
nunca traz desgraça
(meu sangue sozinho
com abutres num rio)

tudo nesta vida
é a morte que traça
(meu sangue aos pedaços
num copo vazio)

nada vence a morte
por mais que se faça
(meu sangue acabado
allegro con brio)

tudo mata a vida
mata o amor e a graça
(meu sangue já vinho
bebido em barril)

A Palavra mais Forte

não me venham dizer 

que são os atos que valem e não as palavras.

é só bobagem, falácia, lugar comum.

(não há nada pior que o lugar comum)

por acaso alguém faz alguma coisa

sem sentir e pensar antes em palavras?

tudo o que se pensa se pensa em palavras

tudo o que se sente se sente em palavras.

alguém pensa em amar 

sem pensar na palavra amar?

alguém sente amor

sem sentir a palavra amor?

alguém ama sem DIZER

(pelo menos a si mesmo)

que está amando?

a palavra é tudo

começo e fim do mundo

(no Princípio era o Verbo)

e a palavra mais forte

é o Verso.

Symbolismus et Decandentias

I - se desanoitou e não me desbebo.
desoro que inamanheça donnada
para eu poder lassentir  a almadrugada.

II - eu me músico até não águaentrar mais 
depois reacabo com migo convinho
de acordo-me convém a Dôr do meu nãocaminho.

III - ah esses que vêm me malembrar que havida
eles malessabem que eu desexistus
enquanto meiformo o dessangre en vino
a-parando o Gothejo da Cruz (e Sousa) de Christus.

Só mais um nome na lista

não reconheço nenhuma autoridade instituída
nenhuma autoridade humana
(só entre a natureza)
não reconheço nenhum tipo de autoridade
nem legal 
nem governamental
nem policial
nem civil
nem milical (de milico)
nem intelectual
nem profissional
nem de patrão nem de dinheiro
nem religiosa
muito menos presidencial.
também não chamo ninguém de doutor
principalmente se não o é
e se o for, só vai provar que sabe muito
sobre quase nada.
não reconheço autoridades humanas
é um problema que eu tenho.
desses humanos
inferiores aos macacos.
por favor, não insista.
e se alguém por causa disso
não gostar de mim
vai ser só mais um nome na lista.

Poema com um só Ponto Final

não há nada pior
do que aquilo que poderia ter sido
e não foi
o que poderia ter acontecido
do que o que poderia estar sendo
e não está
e nunca ninguém saberá
aquela coisa de oportunidade perdida
tortura até o final da vida
(é pior do que a vida vivida)
porque é o que nunca se soube
o que era mas que nunca se houve
sabendo que se poderia viver
ou se poderia perder
e que nunca ninguém diga
que não teve uma chance perdida
uma porta aberta em que não entrou
porque se ficou no talvez ou no ou
a humanidade inteira mesmo
foi uma grande promessa
(todo mundo um dia olha pra trás)
como quem tem a faca na mão 
e o queijo na mesa
e nunca cortou o pedaço
de que era capaz.

Meu Terceiro Livro: "O Adeus da Humanidade"

 "O Adeus da Humanidade" é meu segundo livro de poesias, que deveria ter sido lançado em 2017, mas por uma série de fatores externos e internos acabou sendo adiado ano após ano, até, finalmente, ser publicado neste mês de agosto de 2021, contando com mais poemas do que inicialmente eu havia planejado: foram publicados cerca de 300 poemas escritos entre 2015 e 2020. 

O livro possui 253 páginas, foi publicado em formato e-book/epub pela editora carioca Bibliomundi e já está sendo distribuído  pelo próprio site da editora e por livrarias digitais nacionais e estrangeiras.  Pela publicação deste e-book, agradeço o imprescindível auxílio técnico do meu amigo Guilherme Hirt.

Abaixo, a sinopse do livro:

"Este livro consiste em uma reunião de quase 300 poemas compostos entre 2015 e final de 2020 sobre uma temática primordial: o ser humano e a humanidade, as suas grandes questões,  seus principais problemas, a destruição do planeta,  as crises  ambiental, existencial, espiritual que nos assolam e nos desafiam na busca do sentido para a vida e que ao mesmo tempo ameaçam a continuidade da civilização.

Mas os poemas aqui reunidos não se limitam a esta temática. Utilizando-se de uma linguagem intensa, que desfila entre o áspero e direto e o sugestivo e simbólico, o autor aborda a arte e seus gênios, o  trabalho e a criação artística, a exploração dos seus próprios estados emotivos e o questionamento de tudo o que é tido como certo e correto pela nossa sociedade pós-moderna."

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Pelo Google Play (disponibilizado pela editora):

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Não reconheço nenhum sucesso

a vida é essa merda, cara:

não existem vencedores ou perdedores

existem egoístas que acham que venceram

e as vítimas desses egoístas.

se achar vencedor num planeta que agoniza

(e a cada dia mais)

numa humanidade que sofre e faz sofrer

(e mais a cada dia)

é um puta de um egoísmo.

é pequeno. é vazio. é nada.

grande é quem sabe do seu fracasso

é quem compreende a sua derrota

como ser humano

que não foi capaz de em verdade amar

nem o ser humano ao seu lado

nem os outros seres humanos

nem os outros seres

nem porra de vida nenhuma

que não fosse a sua.

agora eu escuto a Cantata BWV 21 de Bach.

Bach não ganhou nada compondo essa cantata:

nem dinheiro nem reconhecimento 

nem amor nem sucesso.

por muitos anos ficou esquecida 

até que alguém a achou

depois de Bach estar morto 

e enterrado há décadas.

hoje essa cantata traz um pouco 

de amor e inspiração

a alguns corações perdidos pelo mundo

como o meu.

só algo como isso 

eu reconheço como vitória.

Versos Diretos nº15, 16 e 17

15 - os extremos 

da vida são simples:

se um não quer dois não brigam

se um não quer dois não amam.

o que complica são os meios

termos.

16 - quando se perde tudo

se perde tudo:

se perde o medo

se perde o medo de perder

porque não se tem nada

a perder 

a não ser a vida

e por fim

se perde o medo 

de perder a vida.

17 - a esperança

essa vampira:

sempre morta

sempre viva.

Vidas de Plástico

vidas de plástico, descartáveis
que se rasgam se amassam e se jogam no lixo
que só servem para um uso e se acabou
que são só pra um momento e nunca mais
vidas de plástico de utilidade prática e porca
em que não importa consequência nenhuma
ninguém se importa com o que acontece depois
ninguém se importa com O QUE se fode depois
com QUEM se fode depois
ninguém se importa com porra nenhuma.
vidas de plástico
entupindo a autêntica vida do rio
só uma embalagem oca
só um saco vazio.

Versos Diretos n°13 e 14

13 - quando não se aguenta mais 
não se aguenta mais:
algo tem que ser feito 
e esse algo por melhor

ou pior que seja 
é a única coisa que poderia ser feita 
porque a vida tem por princípio 
a todo instante
ser desfeita.

14 - quando me dizem 
que o que vale é a profundidade 
e não a superfície 
eu pergunto: quem é que se aventura 
nas águas do rio
e não fica só na margem
ou entra no interior da mata 
e não fica só na beira?