23 setembro 2020

Na Linha de Chegada

escrever é estar enchendo a cara 
no final da reta 
é ter chegado antes 
por nunca ter se dado ao trabalho 
de sair do lugar
(a chegada é o mesmo ponto de partida 
a humanidade anda em círculos...)
e contemplar já bêbado 
a chegada cágada
(sabem aqueles bichinhos simpáticos 
parecidos com tartarugas?
os cágados?)
aos trancos e aos rastejos 
do que resta 
dos humanos "sóbrios"
com seus cágados desejos.

escrever poesia então 
é um ato infame e vil:
é estar já inútil na linha de chegada 
sabendo que o primeiro que chegar 
(apavorido e abaforado)
será sempre um imbecil.


 

21 setembro 2020

Árvore é Passado


Poema escrito para o Dia da Árvore de 2015:

o que é árvore vai passando
porque vem passando o que é progresso.
abram alas
que o progresso quer passar
por cima de tudo
até não restar nada.
o progresso não tem sentido. 
a humanidade perdeu o sentido.
o homem atrofiou seus sentidos
de encontrar sentido
de fazer sentido
de ser sentido.

agora, qual sentido seguir?

a árvore passa
no sentido de que passou seu tempo
o progresso passa
no sentido de que dá passos
num passo a passo ao abismo 
com o qual em breve 
esta humanidade também
será passado.


#diadaarvore #árvore #arvore #poesia #poemas #destruicaoambiental #pantanal #amazônia #florestas #ofim

18 setembro 2020

A Palavra é o que Fica

o que vou deixar é o que foi escrito.
a palavra é tudo o que fica.
se for em som é palavra líquida 
se for em tinta é palavra sólida.

não ficará o que se pensa 
não restará o que se sente
nada será do que se fez
a vida um dia é morta 
o que foi construído será ruína 
o que foi corpo se apodrece 
o que era sonho então se esquece 
nada fica daquilo que é 
se abismam civilizações e humanidades 
o que é cedo será tarde. 
só a palavra permanece 
é ela que dá início a amor e universo:
no princípio é sempre o Verbo.

16 setembro 2020

A Era da Destruição

O trecho a seguir faz parte do texto A Era da Maldade,  que escrevi e publiquei em outubro de 2018. O trecho reflete perfeitamente o que estamos vivendo hoje com a catástrofe dos incêndios florestais criminosos,  causados na maior parte pela mão humana. A própria PF está investigando 5 fazendeiros (CINCO!) suspeitos de iniciar os incêndios para fazer pasto e lavouras. Que direitos esses ecocidas acreditam que têm em cometer tal atrocidade contra a nação?

"O egoísmo também  nos fala do lucro a qualquer custo. O custo é mais e mais destruição ambiental e exploração do trabalho humano. Vivemos uma nova era da impiedade e do medo, da ausência de compaixão e de solidariedade. Nosso coração morre a cada dia. Voltamos à era da redução das áreas de preservação ambiental, do massacre dos povos nativos, da liberação da caça e da aniquilação da vida selvagem, pois isso não tem valor para o neoliberalismo, a não ser o valor financeiro. A poluição desenfreada não terá limites, a vida será cada vez mais subjugada pelos meios de produção. Vivemos a era em que os recursos naturais, desde campos, florestas, até a água ficarão nas mãos de muito poucos, assustadoramente poucos."

O texto completo pode ser lido aqui .



13 setembro 2020

Quais as Causas das Queimadas Catastróficas no Brasil?


Afinal, quais as causas das queimadas catastróficas e sem precedentes na Amazônia e no Pantanal este ano? 

1) O Aquecimento Global,  que vem mostrando seus efeitos com cada vez mais força em todo planeta,  e cuja origem principal é a ação humana,  em particular a poluição e o desmatamento.

2) O clima anormalmente seco em grande parte do Brasil, que é intensificado pelo desmatamento. A retirada da cobertura vegetal, a qual se intensificou sob o desgoverno Bolsonaro, causa a perda da umidade da terra, que, por sua vez, diminui a formação de chuvas. 

 3) A ganância aliada à ignorância e até à maldade faz com que fazendeiros,  principalmente, se aproveitem da estação seca para pôr fogo na vegetação a fim de "limpar" a terra para em seguida ocupá-la com soja e/ou gado. Essa ação,  criminosa em tempos de seca, gera um avalanche de queimadas incontroláveis. E muitas dessas queimadas não são em propriedades particulares, mas em reservas patrimônios do povo brasileiro.

4) A política ambiental catastrófica do desgoverno Bolsonaro que, além de incentivar o desmatamento para a produção agro e para a  mineração, tem desmantelado e sucateado toda a estrutura dos órgãos ambientais,  deixando de aplicar as verbas previstas para este ano, dificultando trabalhos de fiscalização do IBAMA e tirando da chefia dos órgãos profissionais capacitados para colocar militares que não sabem o que e como fazer.  O Ministério do Meio Ambiente é chefiado por um total incompetente e verdadeiro inimigo das questões ambientais, um sujeito que  já foi condenado por beneficiar ilegalmente mineradoras,  que tem sabotado trabalhos de fiscalização,  perseguido funcionários do IBAMA e deixando de investir na própria área pela qual deveria prezar. Salles,  em acordo com Bolsonaro , aplicou somente 0,4% de toda verba destinada ao Meio Ambiente e cortou em 70% o investimento em brigadas contra incêndios florestais. Para o o próximo ano, este desgoverno acaba de REDUZIR ainda mais as verbas para a área ambiental.  E, assim, assistimos estarrecidos e impotentes  à destruição sem freios  das maiores riquezas desta nação.


#pantanal #queimadasnopantanal

#forabolsonaro #forasalles #queimadas 

#queimadasamazonia #amazonia #catastrofeambiental #aquecimentoglobal

#incendioforestal

11 setembro 2020

Deploração

nós vamos destruir a tudo 
não vai sobrar pedra sobre pedra
nem planta sobre planta
nem prado sobre prado 
nem corpo sobre corpo 

nós vamos consumir a tudo
seja o que nasce cresce ou anda
o que voa nada ou canta 
folha por folha arrancada ao pó 
sangue por sangue derramado ao fogo

nós vamos assistir a tudo 
até ver as chamas subir pelos cabelos 
até que tudo que é deixe de sê-lo
de pétala em pétala arrancada ao túmulo 
olhar por olhar soterrado ao poço 

nós vamos fazer ruir a tudo 
não vai sobrar prato sobre prato
nem prazo sobre prazo 
nem lábio sobre lábio...

só pranto sobre pranto.




08 setembro 2020

Horrores e Risos

os homens acreditam que fazem
mas nada fazem:
têm a ilusão de que o que é feito
é feito por eles
quando o que é feito
é feito pelo que acontece com eles.

o que o homem faz
é se arrastar entre o que seria 
de uma forma ou de outra 
entre horrores e alguns risos
entre muitas desgraças e poucas alegrias
entre medos erros e cagadas
(seus autênticos feitos)
segue o homem pelo engano
de que do seu nada pode fazer a tudo.

mas é só um nada acontecido
que estaria onde está
de qualquer jeito:
coisas erguidas tortas
por uma humanidade tarda
com objetivos torpes:
explorar seus humanos toscos
para (dizendo) fazer um mundo melhor
que acaba sempre mais torto (e acaba).

o homem pensa que faz o seu feito
mas só larga um peido:
involuntário e (uma hora) inevitável
que acaba sendo só vento
desagradável
levado pelo tempo.

03 setembro 2020

Três Antipatias

I - os tempos são outros 
(e são os últimos)
e a poesia também.
não é só coisas belas:
são horrores 
e fracassos
e desastres 
e estrelas 

II - um poema
além de sublimes 
é dar nos dedos
e tirar sarro:
tragédias em segredo
deboches com cigarro

III - o mais corajoso dos soldados
é o que deserda.
o mais corajoso dos humanos 
é o que manda 
tudo à merda.

31 agosto 2020

"Teu Fúnebre Clarão"

já quase nada
nada a ser dito.
a quem?
a homens que não leem
nem as cartas do seu destino
se (r)indo em seu cagar
digo, em seu andar
infinito.

a homens que não lavam
digo,  que não leem
nem as palmas das suas mãos 
deixar uma palavra que fique?
ainda que desse 
não dá mais tempo
para piquenique

não há preço que pague
escrever para ninguém 
dizer como se não houvesse
olhar como se não soubesse
"teu fúnebre clarão que a noite alaga"

e eu já (a)paguei a tudo:
a minha tempestade
já está relâm...
paga.

28 agosto 2020

Nem Sinal

em breve mas nem o longe
só sangue no horizonte
em breve só o sempre
que será ontem
silêncio esgotado
no esgoto de uma fonte.
em breve mas nem o leve
só o calo das cordas
de um canto de ave
calado num eterno vago
de gelo de neve
pássaro passado
desmanche
de rio manchado
por entre óleos (machados)
no sorriso em corte
por entre olhos e braços
em breve mas nem rastro.
e da árvore que te arde
despencada a pancadas
de baques entre abismos
folha por folha abalada
em breve mas nem risco
mas nem riso
em breve mas nem cisco.
em breve mas nem nada 
e que nos leve afinal. 
só eterno desfeito
e a cova no peito
feita a pá e a enxada.
e em breve 
mas nem sinal.

24 agosto 2020

Medo de Acordar

dormi com medo de acordar 

medo de acordar e tudo ter acabado
medo de acordar e nada ter acabado
dormi com medo
de ter medo de acordar
com medo de ter que acordar
com a corda no pescoço
dormi com medo de acordar
e ser só osso
de acordar e ser só isso
de dormir até o fim
de sonhar cair num poço
e de acordar e ser assim
de sonhar com coisas ruins
e acordar e elas são
de sonhar com coisas belas
e acordar e não serão
e ninguém aqui comigo
dormi com medo
de acordar e estar morto
de acordar e estar vivo

21 agosto 2020

Nós, estes Montes

a humanidade tem problemas
aos montes:
um deles é dar um jeito 
nos montes de gente
e amontoá-los de alguma forma:

prédios cidades favelas
lojas templos janelas
ruas praças e telas
e ali os montes de gente
enfiados nos montes
que amontoaram
(informações inúteis
quinquilharias fúteis
ilusões risíveis)

entre montes de moedas 
e sacos de lixos 
vão os montes humanos
governados  por montes 
e olham abismados os longes 
para o que restou dos mortos montes
devastados por nós 
estes montes 
de merda

19 agosto 2020

O Presidente mais Egoísta da História

Bolsonaro é o presidente mais egoísta da história brasileira.  Nunca faz nada pelo povo,  olha somente para sua própria bunda. Provas? 

Vamos começar pelo auxílio emergencial,  que de início ele não queria pagar. Depois, queria pagar só 200 reais, mas foi derrotado pela oposição e engoliu, puto da cara e sempre reclamando, os 600. Mas foi aí que percebeu que o povo estava gostando dos 600 reais (algo óbvio, para uma população que em parte mal consegue se alimentar)  e que isso poderia ser ótimo para sua reeleição.  Começou a espalhar a Fake News de que o auxílio de 600 é obra do seu governo e quer, agora, que o Paulo Guedes se vire para achar dinheiro que continue  bancando o auxílio. 

Então, o Guedes quer, por exemplo, taxar livros e vender estatais e riquezas nacionais a preço de banana para conseguir esse dinheiro, porque, dos ricos e privilegiados, Bolsonaro e sua corja nunca tiram nada,  só dão. 

Bolsonaro sempre age em interesse próprio, não tem uma gota de grandeza ou humanidade. No seu egoísmo estúpido, tira verbas das áreas de onde ele não espera votos ( da Educação,  da Ciência,  da Cultura,  das Artes, do Meio Ambiente, da Saúde) para dar para militares,  latifundiários, mineração e determinados grupos empresariais. 

E o Brasil que se foda.

17 agosto 2020

Temor da Morte

há os que temem a morte

porque não se conhecem.

há os que temem a morte

porque se conhecem.

há os que temem a morte

porque nada conhecem.

há os que temem a morte

porque não conhecem

que já estão mortos.

há os que temem a morte

porque só conhecem da vida

aquilo que morre.


dizem que as pessoas temem a morte

porque temem o desconhecido.

não. temem a morte porque temem a dor.

ninguém sabe se vai sofrer ou não 

depois que morrer.

esse é o grande medo.

temer o desconhecido 

é temer a possibilidade da dor.

e todo mundo teme essa possibilidade.

então no fundo 

não é nem a morte nem o desconhecido

o que se teme. 

o que se teme é a dor.

13 agosto 2020

Miniconto Metrificado

eu sinto o cheiro daquela voz de almas
entre palavras que não mais existem:
melhor dizer o que não tem sentido
e ouvir o sangue de esquecidos idos.


ali morri como se fosse um vago
e do sedento eu te acenei meus fins:
estava ao nunca sempre lá cantando
pelos presságios de um planeta doente.


então me disse o que de agora é morto
que tudo foi no que cantei sem nada.
fiz uma história em doze versos-febre:
fica pra sempre só o que não se entende.

10 agosto 2020

Bolsonaro, um Filho da Puta

 Ser FILHO DA PUTA  é isto:

ANTES: "O Brasil nunca vai chegar a 100 mil mortes por Covid,  vai ter no máximo umas 800, sigam suas vidas  normalmente,  pra que quarentena? Só idosos tem que ficar em casa, pra que fechar escolas?  Criança não pega, distanciamento social é bobagem, perder emprego é pior, blábláblá."

DEPOIS: " Eu não tenho culpa das 100 mil mortes, ninguém vai me responsabilizar, a culpa é dos governadores, é dos prefeitos,  é do STF, eu não tenho responsabilidade nenhuma.  Morreram? E daí?  Que a vida siga normal, eu não podia fazer nada, todo mundo morre, blábláblá."

Isso  é ser um filho da puta no grau mais elevado, categoria máxima de ser bosta.

06 agosto 2020

Não Fazer Nada da Vida

quando eles te perguntam:
"O que você faz da vida?"
eles não querem saber o que tu fazes da vida 
eles nem sabem de que vida falam 
e nem o que é vida
eles só querem saber no que tu trabalhas
e nem tanto pelo trabalho em si 
mas por quanto de dinheiro tu ganhas
e por qual a importância que tu tens 
e não tanto pela importância em si
mas pelo importância que te acham como tendo 

quando eles te perguntam: 
"O que você faz da vida?"
tu poderias (por que não?) responder: 
eu leio romances
eu escuto música 
eu falo com animais 
eu caminho pelos campos 
eu toco violão 
eu cuido do quintal 
eu escrevo poemas
eu assisto a filmes 
eu descubro sobre coisas
eu converso com amigos
eu procuro mistérios 
eu viajo
eu sonho
eu amo
(...)

se tu responderes assim
eles dirão que tu és um vagabundo 
e que não fazes nada da vida

mas são eles que não fazem nada da vida.

04 agosto 2020

Águia Estilhaçada

olho para a humanidade e fico. 
para as pessoas que passam e não. 
vão como se fossem vãos 
em vão pelo que nunca há de ser 
que existem sem ver ou ir 
que não hão de se alcançarem. 

tudo aquilo que se gera e perde. 
águia estilhaçada ao chão. 
imenso do que foi sentido 
em que há sempre um mas ainda mais imenso 
que dessente a tudo. 

emissões de pensamentos que se deixaram. 
galáxias de possibilidades desfragmentadas. 
luz de atrações desmagnetizadas. 
altos desígnios revogados. 
livro escrito nunca iniciado. 
páginas de um vasto universo em branco. 
o latente de um vazio que quase 
mas não. 

sei que fracassei: 
meu poema não foi. 
melhor assim 
a humanidade também 
não atingiu o seu fim.

31 julho 2020

Poesia e Caos

I - do Progresso

apesar dos percalços
e dos acidentes de percurso?
não.
o pesar dos descalços
e do esgotamento dos recursos.

II - da Produção em (para a) Massa

robotizado
mecanizado 
padronizado:
não é a toa
que padrão 
rima com patrão.

III - da Pontuação 

a humanidade: está morta a poesia; agora, é o caos.
não.
a humanidade está morta; a poesia, agora, é o caos

29 julho 2020

Quatro Batidas na Porta

Este poema, escrito e publicado originalmente em maio de 2018, tem bastante a ver com a situação que vivemos na atualidade:

seja a justiça desfeita
esteja a justiça torta
por mais que se saiba
ninguém se importa

quer passe por rio podre
quer passe por mata morta
por mais que se mate
ninguém se importa

se não pulsa alma nos olhos
e nem corre sangue na aorta
por mais que se morra
ninguém se importa

ninguém se importa
até que se escute as quatro
batidas na sua porta

26 julho 2020

Princípio Ativo

quem dera deixar um algo 
de tóxico 
como se fosse um resto de trago 
brasa de cigarro 
álcool inflamado
que fosse saliva cuspe catarro
como quem tira um sarro
dies irae de réquiem 
sorriso amargo 
sangue formando lago 
manejado à foice 
com um gosto trágico 
um tapa um soco ou coice 
um vasto travo de droga 
espuma do que se afoga 
antigo cheiro de ópio 
sangue deixando rastro 
mijo e baba de sapo 
peçonha e silêncio de cobra 
um frasco negro de coca 
e uma alta dose no sangue 
fatal 
quem dera deixar um algo
verdade última
que te abrisse os olhos
que te acordasse 
por te fazer mal

22 julho 2020

A Peste do Beijo

A Netflix estreou uma série nacional intitulada Boca a Boca (parece que está fazendo sucesso), cuja ideia central, a epidemia de  uma doença transmitida apenas pelo beijo, é a mesma ideia que tive em um conto que publiquei. A diferença é que tive a ideia 13 anos antes. Meu conto,  intitulado A Peste do Beijo,  foi publicado em 2007, no site nacional de literatura, Recanto das Letras. A seguir, republico meu conto.

A enfermidade surgira há algumas décadas. Seu desconhecimento pela ciência oficial era completo, e logo a doença tornou-se uma pandemia sem controle. Inicialmente, a moléstia incurável ficou conhecida como Peste Sanguínea, devido ao fato de afetar o aparelho circulatório dos seres humanos, em particular o sangue, e gradualmente ir causando o apodrecimento do líquido sanguíneo. Com tais características, logicamente, a Peste Sanguínea era sempre fatal e, uma vez surgidos os primeiros sintomas, quais sejam, hemorragias e enegrecimento dos vasos sanguíneos, a morte tornava-se questão de algumas poucas semanas.

Verificou-se que a enfermidade era causada por um vírus mutante. Com suas incessantes mutações gênicas, “driblava” todas as tentativas dos cientistas de criar medicamentos ou vacinas contra a moléstia. No entanto, o problema maior da peste era que o agente causador possuía um período de incubação um tanto longo, cerca de 5 anos. Dessa forma, as pessoas contaminadas não sabiam que possuíam o vírus e, durante o tempo de incubação, transmitiam-no incontrolavelmente a um número indeterminável de indivíduos. Como era uma doença do sangue, a transmissão da Peste Sanguínea obviamente ocorria através do contato direto com o sangue ou por secreções corpóreas a ele relacionadas, como esperma e leite materno. Relação sexual, uso de drogas injetáveis e transfusões sanguíneas consistiam as principais formas de contágio.

Um terrível espetáculo dantesco era a contemplação da morte de uma vítima da Peste Sanguínea. Em uma primeira fase, o enfermo apresentava hemorragias pelas narinas, febre alta e leves dores por todo o corpo, semelhantes à de uma gripe. Ao mesmo tempo, as veias assumiam gradativamente um tom negro sob a pele. Na fase secundária da doença, as dores corporais se intensificavam a um nível insuportável, as hemorragias nasais tornavam-se muito freqüentes, sendo que o sangue expulso era negro, viscoso e fétido. O enfermo agora também expelia profusas quantidades de sangue através de vômitos e diarréias espantosas, golfadas de um líquido espesso e gosmento, em apodrecimento, de um mau-cheiro nauseabundo, de um aspecto repulsivo. Uma tosse constante e insidiosa contribuía para agravar o quadro, ocasionando a expectoração de um muco negro e sanguinolento.

O enfermo já não se alimentava mais, e a morte vinha com a terceira fase da peste, absolutamente horrível. Não se passava 5 minutos sem que o enfermo expelisse sangue podre, quer por um impiedoso ataque de tosse, quer pela diarréia, quer pelo vômito. Enquanto a triste vítima definhava implacavelmente, e suas veias apresentavam-se em uma tonalidade morbidamente escura, um fedor insuportável e pestilento exalava-se de todo seu corpo, uma vez que devido aos freqüentes vômitos e diarréias, o sangue pútrido acumulava-se ao seu redor, e as pessoas temiam limpá-lo, receando que pudessem se contaminar. Se o desgraçado não morresse pelas incessantes hemorragias, em um derradeiro estágio surgiam por todo o corpo feridas e chagas infeccionadas, purulentas, sangrando e fedendo asquerosamente.

Completava-se então o quadro funesto, e o doente falecia no horror e no abandono absoluto, esquecido nos hospitais especialmente construídos para isolar aqueles infelizes do restante da população, locais estes cada vez mais lotados, posto que uma vez identificado o vírus na vítima, ela era levada aos mencionados hospitais, ainda que à força.

Um outro aspecto tenebroso da Peste Sanguínea consistia no fato de que o vírus somente podia ser identificado pelos testes somente 3 anos após o contágio. Ou seja, o indivíduo, durante 3 anos, se estivesse contaminado, não teria como sabê-lo, e poderia alastrar a moléstia de forma assustadora. De modo que o número de doentes não cessava de aumentar, e nenhuma das medidas adotadas surtiu o efeito desejado, principalmente no que se relacionava ao uso de preservativos nas relações sexuais. Como é já sabido, o vírus apresentava uma alta capacidade de mutação, assim, posteriormente comprovou-se que o vírus causador da peste havia reduzido consideravelmente suas já ultramicroscópicas proporções, tornando-se capaz de penetrar através dos “poros” invisíveis do material dos preservativos, contaminando dessa forma o parceiro.

As autoridades relutaram por muito tempo em tornar pública tal terrível informação, temendo o pânico generalizado e intentando aperfeiçoar os preservativos, no que foram frustrados. E quando o número de doentes assumiu proporções catastróficas, não houve outro jeito, tudo foi divulgado. Muitos não acreditaram e prosseguiram mantendo relações usando as afamadas “camisinhas”, outras mesmo acreditando na revelação, permitiram que o desejo sexual falasse mais alto, ignorando o perigo da doença para satisfazê-lo. E ainda houve os que foram tomados de um verdadeiro pavor pelo sexo, o que alterou dramaticamente suas relações sociais.

Muitos indivíduos, temendo contrair a peste, principiaram a manter relações amorosas, digamos, um pouco mais “castas”, ou seja, contentando-se apenas com os beijos e com as carícias, que acabavam desembocando na masturbação mútua. No entanto, muitas vezes, não conseguiam frear o imperioso apetite sexual, concretizando então o ato. Porém, mesmo com todos os temores e cautelas, o número de infectados crescia em progressão geométrica, e já havia povos quase que totalmente dizimados pela Peste do Sangue.

Já fora dito que o vírus era altamente mutagênico. Pois mais uma mutação deve ter se desencadeado. Ocorreu que a doença passou a se manifestar bem mais cedo, reduzindo seu período de incubação para pouco mais de 6 meses. No entanto, ela permanecia fatal somente após 5 anos. Durante o longo tempo precedente, os sintomas consistiam em chagas e feridas que, gradativamente, iam se espalhando por todo o corpo. No princípio, surgiam nos órgãos sexuais, nas mãos e nos lábios. Eram como verrugas arroxeadas e/ou avermelhadas que eventualmente sangravam. Ao longo dos anos, as feridas nodosas alastravam-se pelo restante do corpo e se intensificavam os sangramentos, porém o progresso era lento. Verdadeiramente horrível e repugnante era contemplar uma vítima da peste tomada de feridas roxas e vermelhas, ainda que fosse somente no início, quando os lábios assumiam um aspecto monstruoso devido à concentração de feridas no local. Às vezes, as feridas também exalavam um fétido odor.

Um outro sintoma surgia alguns meses após o aparecimento das primeiras feridas. Tratava-se da impossibilidade dos homens em ter uma ereção completa; o pênis, mesmo durante a mais extremada excitação, permanecia parcialmente flácido. Já nas mulheres, quando sexualmente excitadas, não mais ocorria a lubrificação natural do órgão genital, mas era liberado um muco espesso, purulento, e, assim, como as feridas, um tanto mau-cheiroso. Tal era o quadro que se prolongava quase sem alteração durante os quase 5 anos, tempo necessário para a peste ocasionar a morte do enfermo.

Todavia, os leitores devem estar concluindo que se os primeiros sintomas já ocorriam dentro de poucos meses após o contágio, conseqüentemente haveria pouco tempo para que o infectado transmitisse o vírus. Assim também pensavam médicos e cientistas; no entanto, para espanto e horror de todos, isso não se concretizou, isto é, o crescimento do número de casos não se reduziu como se imaginava, mas continuava crescendo rapidamente. A doença passou então a ser estudada com mais afinco pelos cientistas, até que foi constatado que jovens que jamais tiveram relações sexuais, que não eram usuários de drogas, que jamais necessitaram de transfusões sanguíneas e que afirmavam nunca ter mantido o menor contato com algum infectado (visivelmente, ao menos) estavam doentes. O que se sabia era que tais jovens, durante os meses precedentes ao surgimento da doença, freqüentaram, em todos os casos de estudo, casas noturnas onde “ficaram” com pessoas aparentemente saudáveis. O contato físico máximo que ocorreu em tais casos foram inofensivos beijos na boca, boca sem feridas, diga-se de passagem.

Foi então que surgiu a horripilante suspeita de que o vírus, através de alguma ominosa mutação, tornou-se transmissível através da saliva. Foram realizadas pesquisas em pacientes infectados e, diferentemente do que ocorria com o vírus no sangue, o vírus na saliva era facilmente identificável. E comprovou-se: a Peste do Sangue era agora transmissível pelo contato com a saliva...

Após a divulgação da funesta descoberta de que o vírus da Peste do Sangue era transmissível pela saliva, o beijo, um dos mais belos e ancestrais costumes humanos, foi quase que banido das relações sociais. Somente beijavam-se pessoas que se conheciam de forma íntima, e ainda assim com certas reservas. O temor de contrair a fatal enfermidade era tão intenso que a grande maioria das pessoas que antes possuíam mais de um parceiro ou parceira decidiu de uma hora para outra permanecer com apenas um, com o mais conhecido ou com o par “oficial” conforme o caso. Claro que alguns se recusaram a aceitar o fato, ou nem mesmo se importaram, e continuaram saindo e “ficando” com diversas pessoas. Geralmente, alguns meses depois, tais pessoas percebiam em seus lábios o lúgubre surgimento de algumas feridas arroxeadas...

É desnecessário que eu explicite ao leitor uma descrição do quadro desolador que se seguiu à descoberta da presença do vírus na saliva e que o infectado poderia permanecer com ele em sua boca por seis meses sem apresentar sintomas. O beijo transformou-se de um símbolo de amizade, de prazer, paixão ou amor, em um símbolo de medo e morte. As pessoas já não iam a festas, ou a casas noturnas, porque não poderiam “ficar” com ninguém, uma vez que qualquer contato erótico sem o ato do beijo era naturalmente inconcebível. Quando duas pessoas se apaixonavam, a tortura era quase insuportável, uma vez que se temia a aproximação mútua e os conseqüentes beijos, no entanto, muitos enfrentavam o risco e davam asas à sua paixão, não sem ter o coração repleto de temores.

Posteriormente, percebeu-se que naqueles casos onde o casal de enamorados ainda permanecia unido, aparentemente mantendo-se em verdadeiro sentimento amoroso, não houve manifestação da doença em nenhum dos indivíduos, enquanto que os casais que iniciavam o relacionamento e logo o terminavam, a Peste do Sangue sempre apresentava seus sintomas, mesmo que os ex-namorados não beijassem ninguém mais após o término da relação.

Da mesma forma, foram identificadas pessoas que jamais desenvolviam a enfermidade, embora mantivessem relações sexuais com indivíduos comprovadamente infectados. Foi o que ocorreu com certas esposas que, afirmando amarem seus maridos doentes, continuavam dispostas a manter contatos sexuais com os mesmos. É claro que a ciência estudou exaustivamente tais mulheres, seu sangue, seu sistema imunológico, tentando decifrar esse mistério, na esperança de desenvolver algum medicamento. Tudo em vão. Nada, absolutamente nada de diferente das outras pessoas foi encontrado, e os casos seguiram sem explicação.

Porém... eu... eu tenho minha teoria, talvez absurda, talvez simplória, talvez já imaginada pelo leitor, mas vamos a ela... Creio firmemente que as pessoas que não desenvolvem a doença são aquelas que amam seu par ou que ao menos buscam amá-lo com sinceridade. A Peste não afeta tais pessoas, ela, de alguma forma, por algum motivo desconhecido, respeita seus sentimentos, quando verdadeiros, é como se fosse uma moléstia inteligente, que discernisse o sentimento de um e de outro. É por isso que não esperarei mais. Irei me declarar àquela jovem de olhar tão meigo que arrebatou minha alma... Amo-a. Ou será que apenas julgo que a amo? E se eu estiver enganado com meus sentimentos? E se minha teoria estiver errada? E se após beijá-la eu contrair o vírus? Meu Deus, que dúvida massacrante!!! Mas não, eu irei, eu irei, não posso mais, confiarei no que sinto, confiarei na minha alma, e que se cumpra o que me reservar o Destino...

20 julho 2020

O Amigo de Todos não é Amigo de Ninguém

Visto que estamos no Dia do Amigo, republico texto aqui postado em abril de 2016:

"Ter muitos amigos é não ter nenhum." Essa frase de Aristóteles sempre me chamou a atenção. Mas qual, afinal, o seu significado? Em geral, as pessoas a interpretam como a velha questão de que mais vale a qualidade do que a quantidade de amigos, e que ter muitos significaria que, na verdade, vários desses "muitos" não seriam amigos autênticos, seriam falsos, ou apenas conhecidos, enfim. Discordo dessa interpretação. Primeiro, porque é óbvia demais, segundo, porque, de acordo com esse entendimento, mesmo alguém não tendo tantos amigos como diz ou pensa, ainda assim teria alguns. Mas Aristóteles afirma que quem tem muitos não tem nenhum.

Uma outra interpretação possível seria a de que aquele que acredita que possui muitos amigo não sabe avaliar ou reconhecer o que é a verdadeira amizade. Consideraria como amigo qualquer tipo de relacionamento que, muitas vezes, seria apenas superficial ou momentâneo. De modo que, se fizesse uma análise profunda de suas amizades, poderia acabar por dar-se conta de que não possui nenhum amigo de verdade. Creio ser esse entendimento melhor que o primeiro, mas, ainda assim, falho, porque também poderia se reconhecer entre essas amizades "de superfície" algumas que fossem profundas e reais.

A melhor interpretação da frase de Aristóteles, a meu ver, é aquela que traz relação com frase semelhante, atribuída ao padre jesuíta e professor de filosofia, o francês Louis Bourdaloue (1632 - 1704). Afirma Bourdaloue, muito provavelmente influenciado pelo genial filósofo grego, que "O amigo de todos não é amigo de ninguém". Creio ser essa a melhor interpretação, porque a verdadeira amizade acarreta um posicionamento, uma escolha, é indissociável da lealdade, da fidelidade.  Nesse sentido, ser amigo de alguém, é também ser, se não inimigo, ao menos "não simpático" às inimizades de seu amigo. Quem é amigo de todos, não tem um posicionamento na escolha das amizades, logo não poderá ser leal e fiel a nenhum dos amigos, porque não terá um "lado". E como se confiar em alguém que pode ser amigo de seu inimigo? Não se pode estabelecer amizade com alguém em quem não se confia. O "amigo de todos" é mais ou menos algo como aquele que acende uma vela a Deus e outra ao Diabo. A expressão popular "Amigo da Onça" ilustra muito bem meu comentário.



16 julho 2020

O Limite da Maldade

não há limite para a maldade humana.
a maldade tornou-se algo banal natural aceitável
cada vez é preciso algo pior para nos chocar
e poucas categorias ou intensidades de maldades
podem nos surpreender
(e cada vez menos somos surpreendidos).

quando você vê alguém cometendo algo
absolutamente horrível
(não há limite para a maldade humana.)
não é verdade que logo mais
você se depara com algo pior?
a maldade é o normal.
e será o novo normal.

quando alguém pensa que não é possível
que alguém cometa algo tão mau
alguém vai lá e comete até pior
e talvez esse alguém um dia seja você
ou eu.
não há limite para a maldade humana.

mas para tudo há um limite.
e o da maldade humana está próximo.

14 julho 2020

(Não-)Palavras a Beethoven

Tu, que só dizes direto
(na veia, na alma)
e direto ao que é:
de Ser a Ser
(sem intermediários)
tua música é o som tornado em verdades
o silêncio tomando sentidos
arquétipos de ideias-alma
substâncias de essência-síntese
e cada toda nota
é um vasto em si.

em ti o que sentimos
toma  plena consciência
ponto.

se eu disser mais
direi menos.
o que em tua música há?
tudo aquilo que o mundo
jamais será?

10 julho 2020

Contra a Manhã

algo que fosse apenas Noite 
noite que fosse só em si mesma 
neste jamais deixar de sê-la 
e o sonho fosse por senti-lo 
sem ter que ser a que não seja 
longe de toda estas manhãs 
estas manhãs de ações inúteis 
de se fazer acontecer em que só o nada
é o que acontece.

noturnos sem amanheceres 
sem trabalhos que a nada levam 
sem barulhos de humanos vácuos 
sem problemas de homens de bens 
no seu mundo que anda 
(mas só ao abismo).

que as ruas fossem sempre desertas 
assim como as vidas são sem caminhos.

as manhãs nunca foram minhas.
nunca me trouxeram esperança.
bem disse Fernando Pessoa:
"Manhã dos outros! Ó sol que dás confiança
        Só a quem já confia!"

07 julho 2020

O que Fica

a vida passa tão rápido
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
e logo são águas passadas
ao longo são mágoas pesadas
ao largo são folhas pisadas

e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
flores cantos olhares

passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é a vida)
a poesia (essa maldição)
é o que fica.

04 julho 2020

Monumento ao Erro

quanto mais me tento acertar
mais me longínquo  do acerto
se me aproximo me vejo entre o cosmos
por entre netunos me visto de frios
como o lago que é sempre mais fundo
quanto mais se vê de vazios

talvez porque o certo
não seja o que é acerto
nem o que mais perto

falo para um além
que está num longo aonde
e quando digo ao meu ouvido
é distante o que está comigo
é um sopro que ao não me responde
e ecos que se vão pela terra

errando pelo caminho
largando pós pelas valas
e letras pelas lamas
deixei minha morte
no alto do cerro:
um monumento ao Erro.

30 junho 2020

Onde está a Evolução?

no que foi que evoluímos?
no que foi que melhoramos?
quando foi que aprendemos a amar?
a sentir a dor do outro?
da outra pessoa, do outro animal, do outro ser vivo?
me digam, eu quero saber: onde está a evolução?
o que foi que fizemos de melhor?
que grandeza foi que demonstramos?
qual grande sentimento? qual grande ideal? 
quando foi que olhamos nos olhos da outra pessoa
e compreendemos sua alma?
no que melhoramos a não ser no disfarce?
em fingir que não somos maus?
sempre foi tudo só aparência.
não mudamos nada em nosso interior.
e nosso Ser sempre estava lá
e nós nunca o ouvimos.

27 junho 2020

Despedida de Minha Mãe

Minha amada mãe, Maria de Lourdes, partiu  dia 25/11, à tarde, após lutar com coragem por vários anos contra um câncer de mama,  que acabou atingindo outros órgãos. A despedida dela, no mesmo dia  pela manhã,  foi uma das coisas mais belas que já vivenciei. Ela estava a grande mulher que sempre foi: firme, confiante, amorosa, sem desesperos, sem abatimentos, transmitindo luz,  esperança e amor. E em paz,  numa paz profunda, que só as pessoas que cumpriram sua missão na vida têm na hora da passagem. E ela cumpriu,  com tudo e com todos,  com sua força, com seu grande coração, com sua imensa alma.  Minha mãe,  tens a minha gratidão e o meu amor eternos.

24 junho 2020

#humanidade

cansado desta humanidade.
de gente correndo bistonta pelas ruas
moscas tontas robóticas nas calçadas 
dentro das casas fora das casas
nem faz diferença não muda nada 
que nem sabem por que vêm e vão 
cheias de metas atoladas nas merdas 
plenas de merdas disfarçadas de metas
vidas vazadas vazias furadas 
gente que se acha e não vale o que caga
filhos da puta dando tiros em animais inocentes
homens de bem que só se importam em ter mais bens

cansado desta humanidade.
humanidade de sonhos mortos
de amores mortos de futuros mortos
que mata águas mata terras mata ares
que mata bichos mata almas mata árvores 
mata esperanças mata luzes mata olhares
que mata matas mata artes 
até te matares 

cansado desta humanidade.
quando te fores, civilização, 
irás tarde.

22 junho 2020

Poema Antigo

o alto perigo em não ter meta
(o autoperigo em ser poeta)
quem dera  fosse só perigo
sobre o rio da navalha
(quem dera fosse um sol comigo)
só consegui me ser maldito
fazer destino virar hino
e onde não me esperam
é que (a)fundei esperanças
(já morri por entre tranças)
e assassinei-me sem um tiro 
não sou nem o que imagino 
nem me vivo o que me sinto
nos confins do que se fode
na busca do que finda 
me larguei por sobre um piso 
(e compreendi que se não pode)
mas me ergui com um respiro

me cansei  pela não-estrada 
que dizer não vale um som 
e ouvi que a vida  é um suspiro
e o que se busca é só uma piada

e ao fim nem mesmo um não 
de gratidão.

18 junho 2020

Vocês acreditam? Eu não.

I - as pessoas acreditam
porque não olham pra frente

II - as pessoas caem
porque não olham pra baixo

III - as pessoas morrem
porque não olham pra dentro





15 junho 2020

Ao Fim da Rosa

rosa que álcool pelo meu sangue 
quem foi que sangrou-te à tormenta?
quem foi que matou-te em meu peito
rosa que paira pelo meu grave?

quem foi que falou-te de amor-te
daquilo que voa e sempre te parte
que alguém arrancou-te da noite
rosa que doente pelo meu sempre?

quem te avassala pelas espadas
e bate o martelo em tua cabeça 
e derrama teu lago no som do meu rastro
rosa que morre pela minha veia?

em que lama deixaram teu passo
rosa que afoga em tudo que chove
no medo que corta e que te consomes
rosa que vai-te em tudo que passa?

quem comeu tuas pétalas no almoço?
rosa que afunda em tudo que é podre
rosa que finda em todo meu nada
rosa esmagada.

11 junho 2020

Da Indiferença

I - Indiferença de verdade
não é vazio.
não é não-sentir.
é saber quando for sentimento
ou o sustento de um olhar frio

II - a suprema indiferença
é a sensibilização
de saber que não há nada no homem
e no seu desejo.
e é a intuição impassível
de não ver esperança
naquilo que vejo

III - ser indiferente
é permanecer
a que seja o Ser

07 junho 2020

Ao Após

lembrança que sinto quando me esqueço
que sangue de mim lembrar-te me faz?
que alma me alonga ao instante fugaz
que ânsia que traga meu não ao avesso

seja comigo ao altar do teu preço
morte-destino que segue-me atrás
silêncio que os gritos quebra do mas
sonata que mata ao som do que esqueço

ah se eu corresse em teu rio sempre em chama
íris que fosse no som desta voz
soro sanguíneo que se ergue da lama

verso de nunca que se alta no após
ah se teu quem fosse aquilo que chama:
deixa esquecer-me e lembrar-te entre nós

03 junho 2020

O Horror ( ou o Óbvio) no Brasil

O horror habita o interior do ser humano,  o que é óbvio. 
Também é óbvio que esse horror está sempre acontecendo e/ou se expressando de alguma forma.
Outra obviedade é que esse horror também se expressa politicamente, que é uma das formas do horror tentar convencer os demais de que não é horror. 
Geralmente,  a expressão política do horror se chama EXTREMA DIREITA.
E a extrema direita é óbvia: ignorante, egoísta,  desumana, perversa,  autoritária,  fanática, racista, imbecilizada, militarista, mentirosa, destrutiva.
Então,  tudo o que acontece, hoje, no Brasil, havia sido previsto e alardeado desde antes das eleições. Era tudo óbvio.