22 junho 2010

O Tempestuoso e Sombrio Quarteto Op.51 nº1 de Brahms

Em 1865, aos 32 anos, o meu compositor favorito, o grande Johannes Brahms, compôs aquele que para mim é o maior dos quartetos para cordas criados depois de Beethoven. Trata-se do quarteto nº1 do Op.51. Obra mestra de uma intensidade emocional avassaladora e de uma perfeição formal inquestionável, características típicas de Brahms.

Para o leitor que não sabe o que é exatamente um quarteto para cordas, esclareço: é uma composição para 2 violinos, 1 viola (não confundir, por favor, esta viola com a viola usada no samba, que é dedilhada; a viola clássica é algo como um violino maior, executada da mesma forma que o violino, com um som um pouco mais grave que este) e 1 violoncelo. É uma categoria de composição de câmara (obras para pouco instrumentos) muito cultivada. O quarteto para cordas foi estabelecido em seu formato tradicional por Haydn, que também o cultivou muito, assim como Mozart. Mas foi Beethoven quem levou o estilo ao auge, com obras absolutamente sublimes e transcendentais. No século XIX, Brahms, Schubert, Schumann, Tchaikovsky, Dvorák, entre outros, criaram grandes obras no gênero. No século XX, Bartók, Shostakovich, Berg, prosseguiram a tradição do quarteto de cordas. O brasileiro Villa-Lobos também criou importantes obras para quartetos.

Quando ouvi pela primeira vez o Quarteto nº1 de Brahms, aos 18 anos, chorei. Trata-se de uma obra densa e profunda, que principia em um ritmo forte e selvagem. Um clima de gravidade e resignada melancolia perpassa toda obra. O primeiro movimento é de uma força e de um sentimento de tragédia que nos marca profundamente. Não há lugar para sorrisos. Ritmos violentos são interrompidos por tristes e angustiadas melodias. O movimento finaliza de forma arrebatada, onde os instrumentos encerram seu doloroso diálogo em um grito de força e desespero, em um clamor sentencioso e indomável.

O segundo e o terceiro movimentos são mais tranquilos e resignados, porém ainda melancólicos e sombrios. O "Romanze, poco adagio" (2º movimento) desenvolve-se suavemente, entre a ternura e o desalento, mesclando luzes e sombras, trazendo melodias de um intenso romantismo. O terceiro movimento prossegue nesse clima mais apaziguador, porém uma desconsolada tristeza sonhadora impregnada de mistério atravessa-o do começo ao fim. Um céu cinza e antigo caiu sobre nossos olhos, e os breves momentos de luz do movimento anterior são deixados de lado.

O movimento final surge de forma violenta e cortante, e a tempestade ressurge. Um ritmo frenético e desesperado dá  poucos momentos de descanso aos nossos ouvidos. É uma música alucinada, veemente, angustiada, de sofrimento e de luta. O final é de uma dignidade e de uma contundência absolutas, deixando bem claro que jamais se curvará ao infortúnio. Este é Brahms.

21 junho 2010

Não-Soneto nº2

deixar cada verso como se fosse
versar cada fosse com uma foice
e após plantar aquilo que não tenho
colher do nada o nada que não sou

o que queres será feito não sendo
morto do que fracasso vencerás
terás aquilo que talvez não queiras
não conseguindo cumprirei ao erro

sabes como obrigar deixando livre
do horror retiras as sublimes causas
de vão sacrifício se revela o alto

do que não veio surgirá teu sim
a luz que nasce em tudo que se perde:
sabendo nada o que devo conheço

19 junho 2010

Apocalipse, de Augusto dos Anjos

A seguir, os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos... Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Grito" de Edward Munch.

Apocalipse

Minha divinatória Arte ultrapassa
Os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas...
E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,

Espião da cataclísmica surpresa,
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

17 junho 2010

Versos de Vinagre e Vice-Versa

seja de onde venho
seja aonde vou
só ouço
pela minha veia vazada
a voz velha vaga e vazia
da humanidade vencida

nada
é o tudo que a civilização vaza
nos vasos dos meus ouvidos
milernamente
mil vezes vividos

sobre o verbo vão do homem
viro o meu vômito vivo
verto meu escarro viscoso
vergo varas veladas

piadas
são todas essas vozes vassalas
servas vesgas vendidas
vaidosas vadias fodidas
a que voto meu cuspe e meu vento

visto meu vasto
e o que vejo enterro nas valas
o que sinto apago nas velas
e com meus vendavais
eu fico sozinho...

só o que me vale?
o Vinho.

16 junho 2010

O Futebol-Arte Agoniza...

Ou será que já morreu? Não, acho que, assim como o nosso planeta, morre, mas ainda está vivo. Lá de vez em quando surge uma jogada esteticamente admirável. Muito de vez em quando. Que o diga a Copa 2010. Jogos sofríveis, onde o objetivo maior não é jogar futebol, mas exatamente o contrário: não deixar jogar. A prova é a medíocre  média de gols marcados por jogo: ao final da 1ª rodada, era de 1,56, uma das mais baixas da história. 

Aguardei o final da 1ª rodada da Copa para dar meu parecer, pois sempre acompanho as Copas do Mundo. Somente um time mostrou bom futebol, um futebol bonito, a Alemanha, por incrível que pareça, que tem fama de apresentar sempre um futebol feio, embora eficiente. De resto, só o Messi, da Argentina. Quem sabe mais para frente...

Agora, não interessa mais aos times apresentar um futebol bonito, que deslumbre os olhos. Interessa ganhar de qualquer jeito,  interessa o resultado, interessa o lucro. E não só no futebol, mas nos demais esportes também. Só se pensa em ganhar dinheiro, em se bater recordes, em se obter fama, em empilhar títulos. Mas arte no esporte? Beleza, encantamento? Muito pouco, quase nada. 

Agora vivemos a época da eficiência. Não importa o que existe de "alma" no que se faça. Importa se é eficiente ou não. Até na arte é assim. A arte está deixando de ser arte. Se nem na arte existe arte, por que ano futebol haveria de existir? A arte e o esporte atuais refletem o homem atual: um homem sem alma. O futebol é decadente como a humanidade é decadente.

Bem, mas seja como for, a Copa está aí. Quem será o campeão? Na Copa de 2006, antes mesmo de seu início, disse a amigos que a Itália seria a campeã. Acertei. Agora acho que o título ficará entre Alemanha ou Argentina. Para escolher um: Argentina. É o meu palpite.

14 junho 2010

Palavras de Miséria

ser humano...
ter as entranhas entupidas de fezes
ter a boca infestada de bactérias
e a podridão sufocada pela aparência

ser humano...
exalar o fedor pegajoso do suor
numa tarde modorrenta de calor
sob o tédio escaldante de um domingo

ser humano...
ter que se esfregar com sabão todos os dias
e se impregnar dos mais potentes perfumes
para mascarar o mau-cheiro do corpo

ser humano...
ter que fazer as monótonas tarefas diárias
desejando que as tarefas acabem logo
para ter que fazê-las novamente amanhã

ser humano...
ignorar de onde veio ou para onde vai
viver sem saber o porquê de sua vida
e sem controlar o que pensa e o que sente

(...)

ah, então sou louco
só porque acho que ser humano
é ser miseravelmente
pouco?

13 junho 2010

Fernando Pessoa, Aquele que Disse Tudo

Em 13 de junho de 1888, em Lisboa, Portugal, nascia Fernando Antônio Nogueira Pessoa. Morreria em 1935, de cirrose hepática. Hoje, completaria 122 anos. Fernando Pessoa foi aquele que disse quase tudo o que eu gostaria de ter dito. O que me resta dizer agora a não ser que acabou?

E o que diria hoje Fernando Pessoa, ele, que em vida não teve reconhecimento, a não ser por uma meia dúzia de amigos admiradores incondicionais, que mal podia se sustentar financeiramente, que viveu na solidão e na incompreensão, o que diria ele hoje ao ver que é cultuado no mundo inteiro como um dos maiores poetas do século XX, que é considerado, ao lado de Camões, como o maior nome da literatura de de língua portuguesa?  O que diria Fernando Pessoa? Talvez dissesse: "viu, eu tinha razão."

Como uma pequena homenagem ao seu aniversário, deixo um dos seu poemas, onde, como sempre, ele disse coisas que eu gostaria de ter dito. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Corvos Sobre o Campo de Trigo", de Van Gogh.

Chove? Nenhuma chuva cai...

Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o  ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

11 junho 2010

a Poesia é uma Praga

não é o poeta
que decide ser poeta:
a poesia é quem escolhe
quem irá poetizá-la
e uma vez escolhido
impossível deixá-la

não há livro nem estudo nem técnica
não há mestre nem regra nem meta
não há jeito nem choro nem vela:
não se pode formar um poeta

poeta
não é quem procura pela inspiração
poeta é aquele que a inspiração
não o deixa nunca em paz
é aquele que um demônio
sussurra sempre nos ouvidos:
vai, escreve esse poema, faz!

poeta não escreve porque sofre
não escreve porque está triste
escreve porque não tem saída
escreve porque é o que lhe manda
tudo o que vive e tudo o que existe

não é o poeta
que escolhe sua vida
a vida é que vem ao poeta
de acordo
com o que quer que ele escreva
poeta é o que escreve qualquer coisa
do que quer que seja

poeta não segue conselhos:
mas só se vale do que pensa
e só do que sente se alaga
poesia não é dom
é praga

poeta é o que faz do seu jeito
e esse seu jeito
é que é a melhor maneira:
um bom poema
sai de um bom beijo
ou de uma sublime
bebedeira

10 junho 2010

Goethe e a Desilusão com os Estudos

Johann Wolfgang Von Goethe, o maior gênio da literatura alemã, e um dos maiores da literatura universal, expressou em sua obra-prima máxima, "Fausto", um dos pontos mais altos da arte,  praticamente todas as questões essenciais que assombram a humanidade, cogitou sobre tudo,  e expôs como raros o drama da eterna busca do homem pelo conhecimento. Mas o que seria o real conhecimento? Seria acumular leituras sobre leituras, investigar todas as coisas pelo alcance das ciências ou iriam ainda muito além? O texto abaixo, extraído do quadro II, Cena I do 1º Fausto, questiona tragicamente o terrível dilema. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Destino", de Hieronymus Bosch.

Fausto I - Quadro II - Cena I (Trecho)

Ao cabo de escrutar com o mais ansioso estudo
filosofia, e foro, e medicina, e tudo
até a teologia... encontro-me qual dantes;
em nada me risquei do rol dos ignorantes.
Mestre em artes me chamo; inculco-me Doutor;
e em dez anos vai já que, intrépido impostor,
aí trago em roda viva um bando de crendeiros,
meus alunos... de nada, e ignaros verdadeiros.
O que só liquidei depois de tanta lida,
foi que a humana inciência é lei nunca infringida.
Que frenesi! Sei mais, sei mais, isso é verdade,
do que toda essa récua inchada de vaidade:
lentes e bacharéis, padres e escrevedores.
Já me não fazem mossa escrúpulos, terrores
de diabos e inferno, atribulados sonhos
e martírio sem fim dos ânimos bisonhos.

Mas, com te suplantar, fatal credulidade,
que bens reais lucrei? Gozo eu felicidade?
Ah! nem a de iludir-me e crer-me sábio. Sei
que finjo espalhar luz, e nunca a espalharei
que dos maus faça bons, ou torne os bons melhores;
antes faço os bons maus, e os maus inda piores.
Lucro, sequer, eu próprio? Ambiciono opulência,
e vivo pobre, quase à beira da indigência.
Cobiço distinguir-me, enobrecer-me, e vou-me
com a vil plebe confuso, à espera em vão de um nome.
E chama-se isto vida! Os próprios cães da rua
não quereriam dar em troco desta a sua.

08 junho 2010

O Genial e Maníaco-Depressivo Schumann Teve Uma Vida Trágica

Robert Schumann, nascido em 08 de junho de 1810, em Zwickau, na Alemanha, é um dos compositores mais importantes para o desenvolvimento do Romantismo musical. Comemoramos este ano o seu bicentenário de nascimento. Sendo um dos herdeiros diretos da revolução beethoveniana, serviu de influência para compositores que o superaram, principalmente Brahms, o qual era amigo pessoal do compositor. O jovem Brahms recebeu um forte estímulo de Robert e Clara Schumann (sua esposa), sendo saudado por ambos como “o gênio prometido do Romantismo”, no que eu concordo.

Apesar de Brahms ser amigo pessoal de Schumann, não pôde evitar de se apaixonar por sua talentosa esposa, exímia pianista e também compositora, 14 anos mais velha que Brahms. Amigos amigos, amores à parte... Tanto Schumann quanto Brahms eram apaixonados por Clara. Mas Brahms sempre respeitou seu amigo e manteve em segredo seu sentimento, pelo menos até a morte de Schumann, em 1856, com apenas 46 anos. Depois de sua morte... bem, aí entramos no terreno das conjecturas, não se sabe bem ao certo o que realmente ocorreu com Brahms e Clara, o certo é que não casaram nem namoraram. Fora isso... não sei. Teriam, como se diria hoje em dia, “ficado”?

Mas falemos de Schumann... Para não fugir à regra dos românticos, Schumann teve uma vida trágica. Na juventude, apaixonou-se perdidamente por Clara Wieck, mas teve que penar vários anos para obter a permissão do rigoroso pai da moça para o casamento. Ele não queria que Clara casasse com um artista depressivo. No que estava coberto de razão. Casar com artista já é ruim, imagina com um com tendências maníaco-depressivas...

Após o casamento, inspirado, Schumann passou a compor muito. Mas suas obras não tinham muito reconhecimento. O compositor alemão era um revolucionário, opondo-se ao ensino academicista da época. E isso nunca é bem-vindo. Clara era mais reconhecida como pianista do que ele como compositor. O fato constituiu para Schumann uma nova fonte de torturas. E ele não podia mais ser pianista. Em sua juventude, devido a severos e absurdos estudos ao piano, perdeu parcialmente o movimento de uma das mãos, encerrando prematuramente sua carreira como pianista. Talvez isso tenha sido excelente para a humanidade, pois assim pôde se dedicar exclusivamente à composição. Vale lembrar que Schumann, na juventude, viveu um sério dilema: ser poeta ou compositor? Sentia-se vocacionado para ambos. Amava tanto a música como a literatura. Assim como eu. A sorte dele é que pôde escolher. Eu não. Tive que ser poeta, e olhe lá.

E é devido a esse talento literário que Schumann conseguiu criar uma das mais perfeitas e equilibradas coleções de lieder da música clássica (pois o lied nada mais é que a união de música e literatura), onde o texto poético é expresso pela música com absoluta maestria. Porém, os lieder não são a parte da obra de Schumann que mais admiro, mas sim sua música de câmara. Seus quartetos, trios e sonatas são para mim o que há de melhor em Schumann. Se nas sinfonias, na ópera a até mesmo nos concertos (excetuando o para violoncelo, que é sublime) o compositor deixa um pouco a desejar, na música de câmara é um mestre, ao qual muito deve Brahms e outros românticos. O caráter trágico, melancólico, apaixonado de suas composições no gênero deixou páginas memoráveis, como o quarteto para cordas nº 3, op. 41, o trio op.110, o quarteto para piano op. 47, cuja melodia tema do 3º movimento é de um romantismo tão intenso que parece que sentimos o perfume das rosas em uma melancólica noite enluarada.

Mas como disse, Schumann teve uma vida trágica. Era maníaco-depressivo, e sentiu que enlouquecia. Passava as noites em claro tendo terríveis visões e ouvindo sons absurdos. Dizia que anjos e demônios lhe ditavam melodias. Quando percebeu que estava dessa forma fazendo sofrer sua numerosa família, e após uma tentativa de suicídio, ele mesmo decidiu se internar em um sanatório. E lá, o gênio musical de Schumann faleceu em sua loucura.

07 junho 2010

Quando...

sorrisos lagos dançavam
por anéis nuvens macias
e de mil astros felinos
surgiam naves vermelhas
dirigidas por crianças
e nos céus águas brilhantes
arco-íris iam voando
lépidos por entre matas
aos sons de flautas riachos
e duas fadas me olhavam
santas de noites sonatas
em cisne avião sem destino
deixavam adeuses nos cantos
sorrindo em divino grou

quando a minha esperança
tão bela tão clara tão verde
a minha esperança...
me deixou.

05 junho 2010

Eles que Sabem...

céu de granito cinzento
e cai garoa e granizo:
eles gargalham de nós
sua gramática-ocaso

grassa por tudo a desgraça
e eles gracejam galantes
grafam gadanhas nas garras
e nos galhofam graciosos

grito em galope-deboche
em sacra graça de gárgula
eles se tragam de negro
galas de voz e prenúncio

sábios de graves gargantas
eles que gravam nos olhos
eles que grasnam nos galhos
eles gargalham de nós...

eles
os Corvos.

03 junho 2010

Este é o Poema Mais Triste

mentira.
se eu pudesse escrever
o poema mais triste
eu o faria...
mas não tenho o suficiente talento:
não consigo encontrar a palavra mais negra
pra golfejar vomitando na mesa
a divina catástrofe
que me desastra por dentro.

e nem esperança
posso ter de criá-lo:
a palavra esperança
Deus
degolou do meu dicionário.

e ao meu poema
jamais te arrancarias lágrima
jamais te sentirias trágica
jamais a melodia mágica
nem que na testa
eu me desse um balaço
como prova solene e sonora
do meu sublime fracasso.

quero agora ser executado
sem pedir o último desejo: mudo
soldados! apontem os fuzis!
eu sou culpado
de tudo!
prometi o poema mais triste
e não o fiz.

02 junho 2010

O Fim

dirás talvez
leitor
que sou mau poeta
grave demais
exagerado demais
exacerbado demais
de mais demais...

que talvez eu não devesse
ser tão melodramático
mas partir
para o deboche e a brincadeira
causar risada
trazer besteira...

ou talvez dirás
que sou um doente
um delirante habitante
da absurda e distante
macondo...

a minha resposta
é bem simples:
olha lá o sol

se pondo...

01 junho 2010

"Tod den Juden!" (Morte aos Judeus!)

Não, é claro que não sou nazista. Muito menos compactuaria com as atrocidades cometidas pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. E muito menos ainda os judeus deveriam compactuar com tais atrocidades, visto que foram as maiores vítimas. Mas é exatamente o que estão fazendo. Para eles, é 'Morte aos Árabes!"

Sim, o povo de Israel, os judeus, depois de todos os horrores que passaram, deveriam dar exemplos de paz e de tolerância ao mundo. No entanto, o que fazem é exatamente o contrário. Praticam aquilo que condenam. Agem como os nazistas. Não bastasse todas as hostilidades, e torturas, e mortes que já causaram ao povo árabe, agora chegaram ao absurdo de atacar um navio pacífico que levava ajuda humanitária a árabes oprimidos por Israel, causando várias mortes, de, até aqui, inocentes. Alegando que eram terroristas. Sem nenhuma prova. Que direito têm eles de o fazerem? Então quer dizer que se passar alguém de bicicleta na frente de minha casa, e eu o matar, poderei defender-me alegando que ele era um possível terrorista?

Com os atos israelenses, os judeus só conseguem uma coisa. Despertar o ódio contra seu povo, como despertaram ao longo de séculos na Europa, através da exploração econômica que alguns judeus donos do dinheiro promoveram. Alguns judeus, não a maioria, que fique bem claro. Agora, quem deve estar bradando "morte aos judeus" não são os alemães, mas os árabes. Isso ainda vai desembocar em outra guerra... Não digo especificamente pelo ato de ontem, mas pela soma de tudo que vem ocorrendo na região. Sim, eu sou um pessimista. 

Violar os direitos humanos não é uma atitude típica dos nazistas? É, mas não só deles, como estamos vendo. Como diria o filósofo Samael Aun Weor, "Os homens não aprendem as lições da vida nem a canhonaços." Os judeus não aprenderam. Aliás, quem é que aprende as lições da vida? Você tem certeza que aprendeu as suas? O que foi que a humanidade aprendeu, afinal?

31 maio 2010

um Trago do que Sinto

talvez deixasse aqui
o que sinto no momento...
mas é claro que não conseguiria:
sempre seria mais rápido
ou mais lento
e tudo o que escrevesse
não seria o que seria dito
não estaria meu ser
se estivesse meu eu
e vice-versa...
não sou
o que escreveu...

e por que beber do que sinto
se em tudo que trago minto?
é sempre pior do que falo
é sempre mais do que digo
não poderei nem assim
estar a sós comigo...

então deixo o que há mais
e que entendam os loucos
os fracassados os insensatos
e os transcendentais

escrevo o que não consegui
que é para a poesia ser
sem o meu eu
e deixar-me com o meu nada
e o meu ninguém:
deixo que a arte
se eternize
bem mais além...

29 maio 2010

Glória a Dante nas Alturas e Paz na Terra aos Homens que Leem Sua Obra

Provavelmente, no dia 29 de maio de 1265 nascia aquele que para mim, e para muitos, é considerado o Rei dos Poetas, o genial e transcendente italiano Dante Alighieri, "Il summo Poeta". Os homens de hoje deveriam conhecer mais a sua Divina Comédia, e, principalmente, entendê-la mais...

Gostaria de chamar a atenção para algo nessa sublime obra: Dante finaliza tanto o Inferno, quanto o Purgatório, quanto o Paraíso com a palavra "estrelas". Observem os últimos versos de cada um deles, em italiano e traduzidos para o português. 

ao sair do INFERNO: "E quindi uscimmo a riveder le estelle." - "Saímos por ali, a rever estrelas."

ao sair do PURGATÓRIO: "puro e disposto a salire a le stelle." - "puro e disposto a subir às estrelas."

ao sair do PARAÍSO: "l'amor che move il sole e l'altre stelle." - "o amor que move o sol e as mais estrelas."

Em meu livro, Poemas do Fim e do Princípio, publiquei um poema intitulado "a Dante Alighieri". Publico ele aqui:

a Dante Alighieri

o que teus Olhos veem
dentro
de mim?
ó visionário do não-visto
o que teus Olhos veem
no além
de mim?

em trombetas a gritos de nove
sete demônios olham de mim
do sangue que cai da minha noite
lago de morto em tudo que fui
flecha em veneno varou-me do sol
olho de fogo abriu-se de mim
o gelo do fim beijou-me na essência
em meus sonhos de Cérbero os dentes
que veem teus olhos em mim o Inferno?

mas como chegar ao Paraíso
sem morrer no Purgatório?

o que teus Olhos veem
Dante
de mim?

(Na imagem, o quadro "A Barca de Dante", de Delacroix)

Antologia Extraneus

Terei a honra de ser o prefaciador do volume 3 da Antologia de Literatura Fantástica Extraneus, a qual contará com escritores convidados de todo o Brasil e está sendo organizada pelo escritor mineiro M.D.Amado. A Extraneus será publicada em parceria com a editora Cidadela e com o Estronho e Esquésito, um dos maiores sites  brasileiros especializados em literatura fantástica.

O volume 3 da antologia trará o título "Em Nome de Deus" e publicará contos que retratam atrocidades, injustiças e devaneios dos homens em nome de Deus ou de religiões e doutrinas. Além dos autores já convidados, qualquer escritor do gênero poderá enviar seu conto como candidato para participar da antologia. Os trabalhos escolhidos serão publicados no dia 15/11/2010. A publicação dos contos não acarretará ônus para os autores participantes. Para maiores informações: http://www.estronho.com.br/extraneus/index.php/volume-3-em-nome-de-deus

28 maio 2010

Faça-me Um Favor...

amigo...
faça-me um favor:
pegue esta rede de pesca
e jogue nas águas deste rio:
é o rio mais turbulento
que conhecerá em toda tua vida...

neste rio não há trechos calmos:
até os fundos poços
se debatem em tempestades
este rio de águas negras
é todo fúria de correntezas
e suas íngremes margens devastadas
impedem qualquer aproximação...

as cachoeiras e quedas deste rio
são violentas como o inferno
e penhascos cortantes como a morte
alastram-se fatais
pelo furacão de suas corredeiras...

mesmo assim jogará a rede?
se jogar
não encontrará neste rio
nem peixes nem répteis nem plantas
não encontrará nada que tenha vida...

mas deixe a rede ali
e tente pescar para mim
a minha esperança...

26 maio 2010

Então És Livre?

ainda que tenhas que trabalhar
durante as melhores
as mais claras
as mais belas
horas do dia
és livre
completamente livre...

e que trabalhes
5 meses por ano
apenas para pagar impostos
és livre
enormemente livre...

e que pagando teus impostos
ainda tenhas que pagar
planos de saúde
escolas para os filhos
seguranças para a noite
pedágios nas estradas
e faculdades particulares...
és livre
divinamente livre...

e se um dia
houver um pane em toda internet
um colapso na energia elétrica
o esgotamento da água potável
verás como és livre
sublimemente livre...

és livre
para pensar como todos pensam
para sentir o que todos sentem
para ouvir o que todos ouvem
para andar como todos andam
para viver como todos vivem:
na moda.

e por hora
és livre para consumir
e deves consumir sem parar
senão
o que é que os outros
vão pensar?

25 maio 2010

A Profecia de Frankenstein

Uma das comunidades do orkut que mais aprecio é a "Eu Acredito em Bach", cujos participantes ativos demonstram inteligência, cultura, sensibilidade e educação, mesmo que nossas opiniões divirjam. Fui questionado na comunidade sobre qual a minha opinião sobre a "criação" de uma célula em laboratório. Julguei ser interessante publicá-la aqui no blog, com algumas mínimas adaptações, que não alteram em nada, é claro, a ideia originalmente expressa. Quem quiser acompanhar todo o debate, aqui está o link do orkut, que deve ser colado na janela do orkut já aberta: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=5141653&tid=5357285460693813293&na=2&nst=190

"Bem, para mim, a questão é bastante simples: os cientistas não criaram vida em laboratório, COPIARAM vida em laboratório. O procedimento deles foi totalmente baseado na vida já existente. Eles mesmos o admitem. E eu DUVIDO que um dia eles criem vida realmente, ou seja, um ser vivo SEM UTILIZAR-SE DE ABSOLUTAMENTE NADA DA VIDA JÁ EXISTENTE na natureza. Isso sim é criar vida. Fora disso é cópia. Não podemos comparar uma criação de vida com uma criação artística. Na arte, baseando-se no que já existe, o artista cria novas coisas, que podem até mesmo serem melhores do que o que já existe. Mas o que essa "criação" de vida tem de novo? Nada. Muito menos de melhor. É algo copiado do que já fora feito."

"Apesar de eu e o Cesario termos divergências em algumas opiniões artísticas, eu concordo com ele neste ponto: "a equação não fecha sem Deus". Sim, eu acredito em Deus, e não tenho vergonha de dizê-lo, apesar de ser algo fora da moda nos meios "culturais". Creio não em personificações de Deus, mas em um Deus que manteria o equilíbrio do universo, em um Deus não perfeitamente conceituável, teorizável, mas muito mais intuitivo. Dessa forma, chegaríamos a Deus muito mais pela arte do que pela ciência. Aqui entra uma série de questões que não vale a pena discutir.
A pergunta do Cesario é perfeita: "Como criar um ser do nada?"

"Os racionalistas condenam os místicos por acreditarem em coisas sem comprovações, como a existência de Deus. Mas os racionalistas também não acreditam em coisas sem comprovações? Uma delas é de que a vida surgiu do acaso. Onde está a comprovação? Só o que existem são teorias... E como diria Goethe, "Toda teoria é cinza, e só a verde a árvore de dourados ramos que é a vida."

"Quando afirmo que Deus é para mim algo como um "mantenedor" do equilíbrio do universo, exemplifico com o seguinte: toda a natureza, toda a vida que se criou e evoluiu na Terra o fez em absoluto estado de equilíbrio, tudo encaixado perfeitamente. Penso que criar vida não é só o ato de dar vida a uma célula (com procedimento copiado), mas criar todo um mecanismo onde essa vida se mantenha, equilibre-se e se desenvolva perfeitamente. O homem não possui a mínima condição de realizar tal ato, muito pelo contrário, só o que traz é desequilíbrio.
Se a vida veio do acaso, quer dizer então que o acaso tem mais consciência que a "grandiosa" inteligência humana?"

Mais uma vez, a literatura:
"Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?/ Em que geometria é que a parte excede o todo?/ Em que biologia é que o volume dos órgãos/ Tem mais vida que o corpo?"
Fernando Pessoa"

"Disseste bem, Luís: "franksteinzinho". No livro da Mary Shelley, no que resulta o Frankenstein? Só em erros e tragédias.
Essa é a principal diferença da vida criada por um Deus ou pelo "acaso", como queiram, da vida criada pelo homem. A primeira se mantém por si própria, em perfeito equilíbrio, resultando em criaturas cada vez mais magníficas. As que o homem cria se mantêm por si próprias? E têm resultado em quê?"

Ainda que o homem consiga criar vida SEM COPIAR A NATUREZA ( e mesmo copiando a natureza) essa vida será como? Imaginem, amigos, imaginem como ela seria? Chego a gelar só em pensar? Um "novo gato" criado pelo homem... Todos nós sabemos, ainda que intutivamente, que esse "gato" não será normal, que haverá algo de horroroso nele (ainda que não fisicamente), de temível, de não-amável. O que faltará nele? Faltará a vida verdadeira. O que é essa vida verdadeira? O que a define? Há que se refletir sobre isso...
A arte tem muito a nos ensinar... Todas as teorias podem ser razoáveis, mas daí a serem verdadeiras..."

"E já, Luís, que você prefere excluir a arte dessa discussão para se basear somente em fatos científicos, tudo bem, mas então vamos fazer assim:
quando FOR FATO que o homem criou vida, sem copiar a natureza, e criando uma vida que se mantenha por si própria, e se desenvolva em EQUILÍBRIO, então eu virei aqui e direi: eu estava errado, o homem pode criar vida. Isso se eu estiver vivo até lá. Ou se existir civilização, porque do jeito que "caminha a humanidade..."

Nestlé e Aldo Rebelo Cedem a Pressões

Este blog orgulha-se de ter contribuído em duas campanhas encabeçadas pelo Greenpeace em defesa do meio-ambiente que já deram resultados.

A primeira delas é com relação ao novo e nefasto Código Florestal Brasileiro. O deputado Aldo Rebelo, responsável por ele, sofrendo toda a pressão daqueles que assinaram o abaixo-assinado e que escreveram ao seu gabinete (ainda mais em ano de eleição), desistiu de pôr o projeto na pauta de votação, decidindo (só agora) que é melhor debater mais com a sociedade...

E a Nestlé, após dois meses de campanha e intensa pressão,  decidiu alterar sua política de compras e parar de financiar o desmatamento das florestas tropicais da Indonésia.
A empresa se comprometeu a identificar e excluir de sua lista de fornecedores companhias que possuam ou gerenciem plantações ou fazendas de alto risco ligadas ao desmatamento. Nesse grupo entraria, por exemplo, a Sinar Mas, a maior produtora de óleo de dendê e de papel e celulose da Indonésia, caso não siga a nova política da Nestlé, e intermediadoras como a Cargill, que compram da Sinar Mas.

Agradeço aos leitores que ajudaram a pressionar tanto o deputado quanto a Nestlé. Obrigado. E o planeta agradece mais ainda.

24 maio 2010

A Tua Vida...

viste para onde
caminha a humanidade?
mesmo não vendo
vai!
caminha com ela:
a humanidade
com toda sua ciência e sabedoria
deu-te agora tudo o que precisas
para viver tua vida...

pega então o verbo dos seus celulares
o caminhar dos seus veículos
o além-espaço das suas tevês
o universal dos seus computadores
a beleza das suas plásticas
o pairar dos seus aviões
o divino das suas engenharias
o paraíso dos seus novos alimentos
o éden das suas novas possibilidades sexuais
o sonhar das suas realidades virtuais
o infinito da sua internet
o eternizar dos seus medicamentos
enfim
pega tudo isso
enfia na tua alma
e preenche o teu vazio...

não tens do que reclamar
não podes dar sequer um gemido!
a humanidade deu-te tudo
o que precisas
para viver...

só faltou...
um sentido.

22 maio 2010

para Tristan und Isolde

Estamos perto do bicentenário de nascimento de Richard Wagner. Ele nasceu em 22 de maio de 1813. Hoje está completando 197 anos. Fiz uma simples homenagem a que é, para mim, a maior de todas as óperas: "Tristan Und Isolde" (Tristão e Isolda), baseada na lenda medieval de amor, uma obra genial de absoluta originalidade, onde toda a violência, insanidade, fatalidade e embriaguez do amor e da paixão são expressos de maneira devastadora em uma nova  e alucinada linguagem musical.


para Tristan Und Isolde

se o amor
fosse só um furacão nos átomos
que nada deixa por onde se alastra
só uma tempestade de punhais
ou uma febre mais violenta que o ebola
que derrete todos os órgãos
a começar pelo cérebro
ou se fosse só uma infecção no sangue
ou um tropeço à beira de abismos
durante uma noite sem lua e sem estrelas
se fosse só um veneno sem antídoto
ou um sorriso em lábios de diabos
ou uma valsa em marcha fúnebre
ou um incêndio pela antiga roma
ou só loucura desespero desvario e absurdo...

se o amor fosse só isso
eu mesmo o teria dito...
mas o amor é bem mais maldito
o amor é muito pior:

por isso
só esses irmãos de polos opostos
Brahms e Wagner
disseram o que é o amor...

(Na imagem, o quadro "Tristan e Isolde com a Poção" de Waterhouse)

21 maio 2010

Dois Poemas de Paulo Leminski

Paulo Leminski é para mim um dos mais geniais poetas do Pós-modernismo brasileiro, se não for o mais genial. Sua poesia de grande originalidade é ao mesmo tempo simples e complexa, leve e profunda, moderna e clássica. Abaixo, deixo dois magníficos poemas do poeta curitibano. Na imagem que acompanha os poemas, "Auto-Retrato", de Van Gogh.


Segundo consta

O mundo acabando,
podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
tudo aquilo.

Reconstruam tudo
segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua,
reinos, ruínas, anos,
disse como éramos.

Amor, eu disse como.
E como era mesmo?


Um homem com uma dor

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha
ópios édens analgésicos

não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra

Professora Rosane Vontobel como Pró-Reitora da URI

Venho deixar meus parabéns à professora e amiga Rosane Vontobel Rodrigues, que foi convidada para assumir a pró-reitoria da URI, em Erechim. Sem dúvida, por todo seu trabalho em prol das letras, da literatura, da cultura, Rosane merece imensamente tal convite.

Santiago sentirá sua falta aqui, mas certamente a cultura de modo geral será engrandecida na universidade. Desejo à professora Rosane os votos de sucesso e felicidade nessa nova etapa.

20 maio 2010

INTER...


... Copeiro!

Poema Antipático

sei que minha poesia é antipática
que não sorri e não agrada
como a chuva que é forte
mas que não era esperada...

gosto de fazer se aceitar
o que não se aceita:
ninguém quer falar de Fim:
preferem pensar que cada instante
irá se estender a um eterno adiante...

preferem não ver
o que está à frente da fronte
e negar que tudo na vida
está depois do horizonte...

gostariam de estancar
a ampulheta do tempo
que sem parar se esvazia
e prender as nuvens que passam
numa cósmica tela...

todos preferem sonhar
que nunca acabará o dia
e que jamais se apagará a vela...

mas a noite...
a Noite é tão bela...

18 maio 2010

Poeta é Aquele que Não Descansa

o poeta vive cada momento
não por viver cada momento
mas para vivê-lo e usá-lo:
poeta é aquele
que tudo que vive
vive com segundas intenções...
utiliza tudo na vida
como combustível de versos:
cada momento ao poeta
são infinitos universos

por isso é que o poeta trabalha
enquanto os outros vivem:
o poeta é um vagabundo
que trabalha 24h por dia:
enquanto dorme
deve lembrar do sonho e pesadelo do sono
e se acordado
deve sentir o sonho e pesadelo da vida
ao poeta não há saída

poeta é aquele que nunca descansa:
há que sentir na manhã na tarde e na madrugada:
deve extrair tudo de tudo que vive
mas não pode esperar nada de nada

1ª Semana Literária*


* Texto escrito por Giovani Pasini, presidente da Casa do Poeta de Santiago

A nossa Santiago terá a "I Semana Literária", que ocorrerá nos dias 19 a 22 de maio de 2010, na Câmara dos Vereadores de Santiago, com o tema "A literatura santiaguense no Séc XXI".
O evento é aberto ao público, sem fins lucrativos, para quem quiser assistir as palestras e participar da cultura.

Para quem desejar receber o certificado de 25 horas, assinado pela Casa do Poeta e SMEC, terá que realizar a inscrição para a Semana Literária, que custará apenas R$ 10,00 (dez reiais), como taxa administrativa (cobrir os custos do próprio evento).
===
O evento terá palestra com escritores, jornalistas, professores (etc.), ou seja, todos que de alguma forma estejam envolvidos com a escrita. Terá, ainda, 4 (quatro) oficinas culturais, mais a exposição de arte pelos corredores da Câmara e lançamento de livro.
===
Simultaneamente, na parte da tarde da sexta, 21 de maio de 2010, ocorrerá o "I Fórum de Entidades Culturais", com o tema "A cultura santiaguense no Século XXI". As entidades culturais terão o tempo de 10 minutos para a exposição de suas ideias e, também, deverão entregar suas sugestões por escrito, para compor os anais da Semana.
===
Quem quiser maiores informações contate os e-mails: culturasantiago@bol.com.br ou gpasini@ig.com.br
ou pelo telefone (55)3251-1651 (Rodrigo Neres) ou, ainda, no Departamento de Cultura, ao lado do museu de Santiago, no prédio do Centro Cultural.

(clique na imagem para conferir o cronograma)

16 maio 2010

Romantismo é a Busca do Homem Além do Homem


Para você, leitor, o que significa a palavra “patético”? Engraçado, ridículo? Hoje, certamente, sim. Porém, originalmente, patético era sinônimo de trágico, algo que desperta muitos sentimentos, sentimentos dolorosos. Isso justifica por que existem obras na música clássica chamadas de ‘patética”, como é o caso de uma das mais conhecidas sonatas para piano de Beethoven e da última sinfonia de Tchaikovsky. Obviamente, tais obras nada têm de engraçado. Muito pelo contrário... Patético vem de “pathos”, palavra grega que significa algo como doença, sentimentos doentios, sofrimento...

As palavras perdem seu significado com o passar do tempo, ou adquirem outros completamente diferentes. É o caso das palavras “romântico” e “romantismo”. Se não passaram a ter um significado completamente diferente do original, soam nos dias atuais de forma bastante limitada e pejorativa. O romantismo é entendido hoje pela imensa maioria das pessoas como algo unicamente relacionado aos sentimentos amorosos entre homem e mulher, e o “romântico” é visto geralmente como alguém sonhador, ingênuo, apaixonado e, até mesmo, “meloso”.

Porém, o verdadeiro romântico vai muito além de tais designações degeneradas. Não vou me deter na análise etimológica da palavra romântico, mas sim ao seu amplo significado durante o período do Romantismo nas artes, que engloba as décadas finais do século XVIII (mais especificamente, desde 1774, quando Goethe publicou o célebre “Werther”, dando o pontapé inicial do movimento romântico) e uma grande parte do século XIX, quando ocorreu o auge do Romantismo.

Também não irei realizar uma sobreposição de características românticas. Meu objetivo é ampliar a visão do significado do Romantismo, principiando por afirmar que todo período artístico (Romantismo, Realismo, Simbolismo, Barroco etc.) é tão somente a “explosão” de determinadas naturezas e necessidades psíquicas humanas, que se sobrepõem a outras naturezas e necessidades, que não desaparecem, apenas se tornam latentes ou secundárias. Sendo assim, o Romantismo não foi só um período ou movimento artístico, foi, antes de qualquer coisa, a manifestação mais ampla e generalizada de algo que existe em todo ser humano, em maior ou menor grau: a busca de um ideal particular. De modo que o Romantismo sempre existiu no ser humano e sempre existirá, apenas manifestando-se de formas diversas.

Romantismo, então, de forma essencial, é idealização e idealismo, e uma idealização buscada em nossa própria individualidade, seguindo os ditames de nossa própria consciência. E a busca de um ideal só pode ser realizada com a exaltação emocional, é preciso ter muito sentimento para se obter forças anímicas a fim de se lutar por um ideal que pode ser inatingível. A partir desse conceito, todas as outras características românticas derivam-se, basta analisarmos uma por uma. Para atingir e expressar um ideal particular, os românticos perceberam que necessitavam primeiramente quebrar todas as regras estabelecidas, as regras do Classicismo que preconizavam a impessoalidade e a frieza emocional. Dessa necessidade de romper com os padrões e de expressar a própria alma surge toda a revolta e a rebeldia românticas. E da rebeldia nasce o culto a tudo que vai contra o que é considerado fora dos padrões. É exaltada a loucura em detrimento do bom senso; a noite e a sombra versus a claridade do dia; o amor impossível e doentio versus o amor saudável; a melancolia versus a alegria, o sonho versus a realidade; o sobrenatural e o mistério versus o normal e o cotidiano, o sublime versus o vulgar, enfim... Mas percebamos que todas essas características sempre serão idealizadas. O romântico não busca o amor em seu estado comum, mas o amor ideal. Por isso, impossível, ou quase. Não busca a melancolia pura e simples, mas a melancolia sublime. Não vê a arte como uma manifestação comum do homem, mas algo como uma missão divina e acima dos homens comuns.

Romantismo é a busca do homem além do homem. Este seria o ideal romântico supremo. Por isso não hesito em afirmar que todo gênio, principalmente o gênio artístico, é romântico, ainda que não esteja incluído no movimento romântico propriamente dito. Não que todo gênio seja somente romântico, claro que não. Um gênio autêntico é sempre inclassificável, a tudo transcende. O próprio Goethe, precursor do Romantismo na literatura, e Beethoven, iniciador do movimento romântico musical, não eram somente românticos, tinham muito também de clássicos. E assim, da mesma forma, ocorre com gênios que não se incluem no período romântico. Não são apenas românticos, mas têm fundamentais aspectos românticos em sua vida e obra.

O gênio artístico (não só o artístico, mas principalmente este) é antes de tudo um grande idealista. Vive por esse seu grande ideal: o da superioridade de sua obra, seja consciente ou inconsciente. Está convicto da grandeza e sublimidade de sua criação, por conseguinte, considera o seu pensamento e sentimento particulares como acima do pensamento e sentimento comuns a todo e qualquer ser humano. E isso é algo altamente romântico. O que há de mais romântico do que seguir somente aquilo que lhe dita sua própria convicção, sua própria consciência, como um ideal a ser atingido, independente do que outros lhe digam ou do que prepondera ao seu redor?

O leitor poderá argumentar que nos gênios do Realismo ou do Classicismo não pode haver Romantismo. Eu rebaterei questionando sobre o seguinte: o Realismo não é simplesmente um Romantismo frustrado? Tenho para mim que todo realista é um romântico que cansou do seu Romantismo. O nosso maior realista na literatura, Machado de Assis, era romântico em sua fase inicial, mas percebeu que para ele o Romantismo já não fazia mais sentido. O Ultrarromantismo já indica claramente um cansaço de Romantismo. É só o leitor analisar a 2ª parte da “Lira dos Vinte Anos” de Álvares de Azevedo. Ali, em uma obra considerada tipicamente romântica, há toda uma destruição do Romantismo, fortes indícios de Realismo. O mesmo acontece em várias obras de Byron. Por quê? Por que Álvares de Azevedo e Byron não eram românticos? Óbvio que não é isso, é porque eram tão românticos (eram ultrarromânticos!), voaram tão alto, que sentiram como poucos a dor da queda. E isso é o mesmo que acontece com os realistas. São românticos que caíram do voo e não suportaram sua dor. O mesmo se dá com Baudelaire, o criador da poesia moderna. Além do mais, não é romântico modificar o mundo, o homem, pela arte, como pretendiam os realistas?

E quanto aos classicistas? Bem, aqui vou me deter na música. Quais os maiores nomes do Classicismo musical? Haydn e Mozart. Ambos, é sabido por todos os conhecedores de música clássica, possuíam muito de romântico em várias de suas obras. E justamente tais obras pré-românticas estão entre as melhores dos compositores citados. Tal fato fala por si.

Logicamente, não me deterei aqui a analisar cada um dos gênios artísticos fora do período romântico para determinar o seu respectivo grau de Romantismo. Isso o leitor mesmo poderá realizar. Porém, seria interessante citar os nomes, na literatura, de Cervantes, com seu louco idealista e sublime Dom Quixote, Shakespeare (para que alguém mais romântico que Hamlet? Ou história mais romântica que Romeu e Julieta?). E o modernista Fernando Pessoa? E o renascentista Camões? E a loucura de Rimbaud? E profundo idealismo de Dante? E a lista não teria mais fim. Isso para ficar somente na literatura.

Porém, creio ser oportuno falar algo de Bach, o gênio do Barroco que influenciou imensamente o Romantismo e toda a música posterior a ele. Seria o barroco Bach também um romântico? Eu não tenho dúvidas que sim. No artigo “Johann Sebastian Bach”, Josep Pinto e Guido Castillo afirmam: “como toda criação suprema do espírito, a obra de Bach – clássica, barroca e romântica – está muito além de qualquer classificação.” Mais adiante, é dito que os românticos viram em Bach a personificação do gênio que segue somente seus próprios ditames, “um imenso mar e centro da música, sempre mutável e sempre ele mesmo”. “Sempre ele mesmo”! Não está aqui uma essencial característica romântica: sermos sempre nós mesmos, realizar a nossa individualidade? Bach, muito embora compusesse obras sob encomenda, punha em todas elas o seu próprio ser, o seu sentimento individual, a sua alma, o seu ideal de música, fosse ele “atual” ou não, estivesse ou não na moda. “Estar na moda” não interessava a Bach. Por isso foi considerado na época ultrapassado, sendo resgatado mais tarde pelos românticos. O que interessava a ele era expressar a sua convicção artística, o seu elevado e supremo ideal: a música é divina e a Deus deve conduzir o homem. Isso nada mais é que Romantismo dentro de um pensamento barroco.

Espero ter deixado claro com este artigo, ao menos, que Romantismo é muito mais que esse conceito vergonhosamente limitado, degradado, falso dos dias atuais. O romantismo de que se fala hoje, deve ser grafado com letra minúscula. O outro, com maiúscula.

(Na imagem, “Caminhante sobre o Mar de Névoa”, de Caspar David Friedrich, um dos maiores nomes da pintura romântica.)

15 maio 2010

Testamento de Poeta, de José Régio


Abaixo, um soneto de José Régio, um dos maiores nomes do Modernismo português, poeta que admiro imensamente, genial escritor de um dos, a meu ver, mais intensos poemas da literatura universal, "Cântico Negro", já publicado aqui no blog. Na imagem, o quadro "A Morte e a Donzela", de Marianne Stokes.

Testamento de Poeta

Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.

O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!

E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.

Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!....
Basta-me o gesto de contar um verso.

13 maio 2010

Humanidade... Vai Dormir!

humanidade...
vai dormir!

por que queres continuar acordada
se já chegaste ao final do teu dia
e viste que ele não deu em nada?

por que queres caminhar ainda?
caminhar para onde?
caminhar para quê?
se de exausta caminhas em círculos
e tuas estradas voltam ao mesmo lugar?
a que progresso fatal queres ainda avançar?

humanidade...
vai dormir!
se não encontraste sentido na vida
talvez encontres sentido no sono
talvez sonhando sonhes teus sonhos
talvez fechando os olhares
vejas teus gênios cantando nos céus
e o amor que buscaste bailando nos ares...

talvez dormindo
recuperes tuas forças
e despertes animicamente renovada:
nada melhor que um dia após o outro
e uma nova aurora e um novo raiar...
dorme humanidade
que no estado em que estás
não podes mais continuar...

sou um pessimista?
não, sou alguém cansado
morrendo de sono...
por mais que eu faça
ali está sempre a desgraça
impávida
impassível
impossível
sempre a sorrir...

humanidade
faz como eu:
vai dormir.

12 maio 2010

http://twitter.com/ReifferOFim

Pois é, esse é o problema de ser escritor. Temos que estar entrando em tudo que é coisa que a net inventa para divulgar o que escrevemos. Afinal, a propaganda é a alma do negócio. Resisti por muito tempo em entrar no twitter, sempre achei algo um tanto superficial. E continuo achando. Mas é mais um lugar para divulgar o que realmente importa: meu blog.

Bem, os amigos/leitores que estiverem no twitter e tiverem interesse em me seguir (seguir, ora seguir, creio que seria melhor dizer acompanhar) e quiserem ser seguidos por mim, este é meu endereço:
http://twitter.com/ReifferOFim
E tenho dito...

Palavras e Ondas

Divulgando o novo progama da Casa do Poeta de Santiago (Palavras e Ondas) na Rádio Central FM:

"Escute o novo programa da Casa do Poeta de Santiago na Central FM - 87,9
===
O programa irá ao ar a partir deste sábado, dia 15 de maio de 2010, das 14h00min às 15h00min.
===
Este primeiro programa está sendo montado há mais de uma semana e contará com as entrevistas da escritora Therezinha Lucas Tusi e, também, dos organizadores do Festival de Rock "Monster Of Metal".
===
A base do programa será a educação e a cultura, onde entrevistaremos escritores (poetas, contistas, cronistas etc), músicos, dançarinos, professores, pintores, jornalistas, escultores, entidades culturais, entre outros.
===
O programa será dividido em quatro blocos:
O primeiro será o "Entre Aspas", onde iremos realizar a leitura de poesias e textos de autores santiaguenses e em geral.
O segundo será composto de uma entrevista de 15 minutos
O terceiro será o bloco do "Debate literário", onde iremos debater sobre alguns textos.
O quarto e último bloco possuirá outra entrevista de 15 minutos.
===
Agradecemos a rádio CENTRAL FM por acreditar na Casa do Poeta de Santiago. Prometemos fazer o máximo para atingir uma qualidade.
===
Contamos com a sua audiência!"

11 maio 2010

"Política é a Arte de Namorar Homem."


O grande cronista Rubem Fonseca certa vez escreveu a frase acima. Numa época em que quase não havia mulheres na política, só homens. E não poderia ter dito melhor. Serve para os dias de hoje perfeitamente. Até porque na política sempre haverá muito mais homens do que mulheres. E afirmo-o sem nenhuma intenção machista. Muito pelo contrário. É que a mulher é mais sensível. E geralmente as pessoas sensíveis não gostam ou não se interessam por política.

Claro que a afirmação de Rubem Fonseca nada tem a ver com homossexualismo. É o namoro político mesmo. E como é semelhante a um namoro romântico...

É preciso conquistar o coração do amado. Dizer coisas lindas, fazer mil e uma promessas, quem sabe até se ajoelhar diante daquele a quem se destina os sentimentos... Nem sempre é preciso ser sincero. Sabemos que os namoros de hoje em grande parte não são sinceros. Há sempre segundas intenções. Claro que o pretendente deve cortejar o amado sem nenhuma vergonha. Pois deve obter dele seus favores. E também não vamos aqui exigir fidelidade. Na maior parte dos namoros não há fidelidade. Por isso é que um político um dia gosta de um e no outro, de outro. E depois volta ao um. E torna a voltar ao outro, enfim, é uma completa libertinagem. Políticos e namorados são iguais: uns inconstantes.

Obviamente, também não podemos exigir que cumpram suas promessas de namorados políticos. Qual é o namorado que cumpre todas suas promessas? Isso não existe. E devemos dar também a esses namorados homens o direito de ser contraditórios. De se dizer de esquerda e namorar com os da direita. E vice-versa. Afinal, há homens que preferem as morenas, mas namoram com loiras.

Mas o mais lindo em um namoro de políticos são os sussurros e cochichos ao pé do ouvido, com sorrisos tão meigos estampados nos rostos. Já notaram? Chega a ser comovente. E os abraços tão calorosos, os convites para jantares, os presentinhos mútuos, as mãos dadas para subir em palanques, as viagens por lindas paisagens... Como é belo...!

Claro que para o namoro dar certo, tem-se que acertar certas coisas. Ambos têm que ceder em alguns pontos, fazer concessões, aceitar certar exigências. O que um dará em troca do amor do outro? Um deve consolar o outro quando se perde uma eleição, deve dar opoio das bases, seja lá o que isso significar, deve ouvir suas queixas e saber o que o outro está sentindo no mais fundo de seu coração... e o mais importante de tudo: namorados não devem dar atenção ao que diz o povo. O povo é fofoqueiro.

Tudo em nome do amor!

09 maio 2010

Mãe é Mistério


Mãe é aquela que está onde não se vê
mas Ela sempre está
e Ela sempre vê...

quem pensa o que é a Mãe
só de pensar já não sabe:
acima do pensamento
é que a Mãe se ergue e se Alma
pelo todo do eterno
e a cada momento...

quem sente o estar de sua Mãe
não sente que nesse sentir
está de sua Mãe o além
e isso não entende ninguém...

Mãe é só uma em duas:
a que está aqui e a que está lá:
a que está aqui é metáfora
a que está lá é ideal:
e só esta é que sabe
o que é o bem e o mal...

e por sabê-lo é que ama e ensina
ainda o que não entendemos:
a Mãe ao segredo destina
o que do alto e do fundo nos vem...

a Mãe...
amém.

(Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Assunção da Virgem" de Ticiano.)

07 maio 2010

7 de Maio de 1833


que importa
a esperança
que se fecha a cada porta
e o fracasso
que me ronda a cada passo?

que importa
o esfomeado sonho
que se alimenta
de um mingau medonho?

que importa
a vida e a morte
essas duas faces
da moeda da sorte?

que importa o que não veio
o que não tive
o que não pude?

que importa afinal
que eu não possa esperar
que tu me ames?

nada disso tem importância...
o que importa
é que existe Brahms.

(Homenagem aos 177 anos do Mestre e amigo inseparável Johannes Brahms, comemorados hoje.)

06 maio 2010

Um Cadáver de Poeta


A seguir, alguns trechos da 2ª parte do longo poema Um Cadáver de Poeta, de Álvares de Azevedo, que está em sua Lira dos Vinte Anos. Abaixo, um soneto meu, um dos 15 sonetos que estão incluídos em meu livro Poemas do Fim e do Princípio. Posto este soneto aqui justamente porque ele foi inspirado em Álvares de Azevedo. A imagem que acompanha os poemas é o quadro "Hamlet e Horácio com os Dois Rústicos", de Eugène Delacroix.

Um Cadáver de Poeta (Parte II - Trechos)

A poesia é decerto uma loucura:
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro... Que doidos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer-lhes — bravo! à inspiração divina...
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar-lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora
Por que há de o vivo, que despreza rimas,
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salários do coveiro?
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
Quando a emprega melhor em lodo e vício? ...
(...)

Deixem-se de visões, queimem-se os versos!
O mundo não avança por cantigas.
Creiam do poviléu os trovadores
Que um poema não val meia princesa.
Um poema, contudo, bem escrito,
Bem limado e bem cheio de tetéias,
Nas horas do café lido, fumando...
Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.
(...)

Meu Deus! e assim fizeste a criatura?
Amassaste no lodo o peito humano?
Ó poeta, silêncio! — é este o homem?
A feitura de Deus! a imagem dele!
O rei da criação!...
Que verme infame!
Não Deus, porém Satã no peito vácuo
Uma corda prendeu-te — o egoísmo!
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!

Álvares de Azevedo


Soneto Ultrarromântico


Peguem meus versos e matem com as fadas,
sujem no sangue de todas as mortes,
deixem aos pedaços sangrando de cortes,
sepultem as artes, não servem pra nada.

Joguem no lixo da Terra acabada,
cacem minha alma em covardes esportes,
juntem com a cinza da velha má-sorte,
chutem os poetas das altas escadas.

Aplausos à arte são sempre mentidos,
e todo artista que se acha mui útil
já vê o seu peito nas ruas cuspido.

O homem só louva o imbecil, o que é fútil,
o tolo e a merda. Tudo urde perdido!

Tudo está morto! Ó minha arte que é inútil!

04 maio 2010

e o Resto é Fim

deixo que o verso saia como ele foi
sem que eu pense em nada
para deixá-lo sendo o que ele não é
o verso nada tem a ver do que penso
a arte que por ele passa
vem do todo e nada tem de mim
é livre em seres que não tenho
é livro que se cala no que digo
é vento que se vaga não comigo
é lago que se nada no não-dito

deixo que passe o que se passa por mim
de que importa aquilo do que sinto?
de que sente o sangue que não tenho?
de que vale o vale que me afundo?

o verso é vasto longo e fundo
vai muito além do que está aqui
por que querer que ele fale de um eu?
por que o verso tem que ser o que é meu?

o verso é de mim o meu ser:
se o meu ser não fala por mim
deixo que o verso fale por si...
e o resto é fim.

03 maio 2010

Catástrofes, Impotência da Ciência e Prenúncios


40 milhões de litros de óleo derramados no mar no litoral dos EUA. Isso por enquanto, porque calcula-se que o derramamento prosseguirá por meses. Meses!

Pode ser esse o MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DA HISTÓRIA DOS EUA. E um dos maiores da história da humanidade.

Já estou vendo os milhões de peixes e outros seres marinhos mortos. A vegetação de uma reserva de vida totalmente aniquilada. As milhares de aves e os milhares de ovos dessas aves mergulhados no óleo. Isso sem falar nos répteis. Sem falar nos anfíbios. Sem falar nos mamíferos. Inclusive o homem. Mas o homem... O homem merece.

O mar doente por anos. Talvez, para sempre. Quantos desastres desse tipo já ocorreram? E quantos ainda ocorrerão? Cada vez piores.

O homem confia cegamente na ciência. Ninguém esperava que houvesse uma explosão. Mas houve. E depois, ninguém esperava que dessa explosão pudesse vazar tanto petróleo. Mas vazou. E agora, o que a ciência fará? Suas tentativas para impedir que o óleo se espalhe são ridículas, para não dizer trágicas.

Mas não adianta. É inútil. É necessário o "progresso", não é mesmo? O "desenvolvimento", essa palavra sinuosa, que sempre enche a boca rançosa dos políticos, sempre falará mais alto. O "desenvolvimento" não pode parar. Quem tem que parar é a Terra. Qual seria o lema da humanidade racional? "Desenvolvimento até a Morte!". Ou seria melhor, "Desenvolvimento e Morte!"? Ou quem sabe, "Morto, mas Desenvolvido." Ou ainda: "Desenvolver é preciso, viver não é preciso." Bem, não importa, o que importa é que temos que nos desenvolver, produzir mais carros, mais armas, mais brinquedos, mais porcarias alimentícias, mais agrotóxicos, mais computadores, mais celulares, enfim... Produzir até a Terra não aguentar mais.

Para encerrar, seria interessante repostar aqui o poema que escrevi dia 16/04/2010, um pouco antes, portanto, da explosão da plataforma de petróleo, que ocorreu dia 20/04. Soa até como um prenúncio. Claro que eu não adivinhei o que aconteceria. É que tais catástrofes já são tão comuns que... que já fazem parte da arte, desgraçadamente.

Poema Sem Graça
adeus
graça
aos gracejos estúpidos
do homem ingrato

a pena que tenho do homem
afunda como o branco da pena da garça
no negro do óleo que escorre
sem graça nenhuma

vai-te em graça
como símbolo gracioso
de tudo aquilo que morre:
a Deus
garça

e o que resta
à humanidade (in)graçada?
a des...
graça.

01 maio 2010

As Duas Mulheres (3ª Parte - Final)

Mesmo em minha angustiante apreensão para compreender o que estava acontecendo, não sentira, até então, nenhuma espécie de real mal-estar na presença daquela bela mulher. Mas em minha terrível curiosidade, perguntei-lhe nervoso quem poderia ser a bestial mulher manca que me perseguia com tanta perversidade. Ela limitou-se a dizer o seguinte, em sua serena elegância, esboçando um sutil e indecifrável sorriso:

- Já está amanhecendo... Veja!

Voltei o rosto para meu lado direito e divisei ao fundo duas imensas janelas góticas cobertas por duas vastas cortinas escarlates. A moça ergueu-se e abriu lentamente as cortinas. Pelos vidros cristalinos das janelas, vislumbrei a irradiação de uma anormal luminosidade que alternava colorações avermelhadas, levemente azuis, tenuemente roxas, e, mais intermitentemente, verde-escuras.

Em seguida, a bela moça abriu uma pequena porta por onde essa estranha luminosidade penetrou como uma densa névoa fosforescente. Pediu-me que me levantasse e me dirigisse até a porta. Ao chegar a um passo da entrada, fui assombrosamente surpreendido por uma visão deslumbrante até o absurdo. Ao longe, uma vastidão de campos e matas estendia-se até onde alcançava a vista. Era um horizonte infinito que parecia se perder em um universo de colorações avermelhadas. Creio que muito ao longe relampejava... Nas planícies mais próximas de meu ponto de observação, cobertas de exuberante vegetação anormal, brilhava a luminosidade estranhamente colorida, como se esta não fosse oriunda do sol, ou, pelo menos, do sol que conhecemos.

As nuvens envoltas por tais luzes assumiam formas espectrais, fantasmagóricas. Era impossível definir de qual ponto do espaço as luzes eram oriundas. Oscilavam como ondulações pelas atmosferas que refulgiam transbordantes de suas sobrenaturais luminosidades. Enquanto contemplava estarrecido aquele lancinante espetáculo, não percebi que Aurora me observava com perscrutadora atenção. Quanto a mim, tentava elaborar em minha mente algum tipo de explicação. Só sei que sentia uma profunda tristeza. O que presenciava, apesar de fantástico, não era de forma alguma feliz ou apaziguador. Pelo contrário, transmitia uma sensação quase insuportável de melancolia.

Ao deitar meus olhos àqueles horizontes sem fim e avermelhados, senti um desânimo desolador. Seria algum efeito daquele misterioso chá? Lembrei-me então do tique-taque perturbador que havia cessado. Nesse exato instante, Aurora proferiu algumas frases que para mim soaram completamente desconexas. Sua voz parecia flutuar ecoante pelo ar carregado daquelas luzes coloridas. O que pude depreender do que a moça disse era algo relacionado ao relógio. Olhei para o alto da porta, de maneira esquisitamente mecânica. Ali estava o relógio funcionando, mas sem emitir o som dos tique-taques.

Cheguei a imaginar que tudo fosse um sonho. Mas sabia que estava acordado. Ou não sabia? Afinal, de que é que sabemos? Como se lesse meus pensamentos, a moça sussurrou-me aos ouvidos que o que sabemos é o que sangramos. E beijou-me nos lábios, e da minha boca derramaram-se copiosas golfadas de sangue. Em seguida, disse-me ela para que olhasse para a porta por onde eu havia entrado.

Olhei. Pelo lado de fora da porta, pude distinguir as feições repulsivas da bruxa manca, observando-me fatalmente com seus olhos arregalados e devoradores, com seu escabroso sorriso de defunto. Um arrepio diabólico percorreu minha espinha. Nada pude dizer. Senti-me paralisado. Mal conseguia mover-me, parecia que algo pesava sobre meus ombros. Meu pulso estava fraco. Foi Aurora que quebrou o fúnebre silêncio:

- Agora tu deves ir através dessas luzes e dessas paisagens. Sabes o que tem lá? Lá vibra o Horizonte do Infinito.

Aurora pronunciou tais palavras como se cantasse uma missa, e novamente um calafrio percorreu o meu corpo. Porém, a sensação de tal calafrio era substancialmente diversa daquela que senti devido à visão ominosa da bruxa.

Poderia dizer que os calafrios eram diametralmente opostos, suas sensações vibravam de um extremo ao outro, como se fossem dois pólos de uma mesma corrente elétrica... As conclusões irracionais a que tal constatação me levou tenho receio de mencioná-las agora. Uma comoção de sublime fatalidade fervilhou em minha psique. Estaria salvo? Estaria perdido? Ou simplesmente morto? Ou nada disso?

Começou a soar uma música... Era uma flauta desolada. Legítima melodia de Fim. Não sei de onde ela surgira. As notas daquela música eram de uma tristíssima estranheza. Adejava pelo ar como uma sentença. Confundia-se com as nuvens fantasmais envolvidas pelas absurdas colorações.

Senti um perfume trágico de incensos. Aurora entrou e abriu a porta para a bruxa manca. Levou-a para um canto da sala, e imaginei que cochichavam. Quanto a mim, deveria partir. Mergulhei nas névoas de luzes anômalas em direção ao horizonte que aparentava não ter fim. Mal consegui caminhar. Não tive coragem de olhar para trás. A caminhada seria penosa. E a flauta do Fim me acompanhava. Agora já é um piano...