eu não estou onde estou
e não pense que eu estou contigo
porque eu estou contigo
muito além de ti
e além de mim
estou contigo
não estando aqui
e nem comigo estou
estou com o que não é
e com o que não sou
e o pior não ser
é o ser sem ninguém saber
é o estar distante ao longe
e o todo mundo pensar
te conhecer
mas o real
é que o real não é
a realidade:
eu estou naquilo
que paira lá
da infinidade
no fundo eu não existo
porque não existe nada
do que não sou
e se existe
eu não estou
logo
eu não sou eu
meu ser olhou ao alto
e se perdeu
então me achar não tente
ao lado de onde vês
há muito tempo eu fui
e jamais chegou
a minha vez
estou no que não é
e o resto é pó
de resto
eu sinto muito
e sinto só
19 agosto 2009
16 agosto 2009
O Triunfo dos Abutres (Parte Final)
Tais abutres surgiam sempre de um ponto definido do céu, como se esse ponto constituísse uma passagem invisível a outra dimensão ignota do universo. E após pousarem, principiavam a emitir grunhidos e grasnados em uníssono, como uma hórrida orquestra canhestramente compassada. Tal som deprimente principiava de forma lenta e quase inaudível, progredindo para um crescendo de rapidez verdadeiramente ensurdecedora, capaz de enlouquecer qualquer ser humano que o ouvisse por um longo período de tempo.
Em determinados momentos, vários daqueles urubus, ou abutres, revoavam e partiam silenciosos em direção a outro ponto do céu congestionado. Tal ponto aparentava ser diametralmente oposto ao que me referi anteriormente. Do primeiro ponto, surgiam os abutres. No segundo, eles desapareciam. E enquanto algumas daquelas aves das sombras submergiam naquele local invisível do céu, mergulhando em um mistério absurdo, outros assomavam desse mesmo mistério e pousavam barulhentos nos galhos das árvores para dar continuidade à infernal sinfonia. E esse fluxo de abutres era irritantemente incessante.
De modo que eu já não estava suportando aquela gritaria funesta e canhestramente ritmada, que intensificou meu tormento a níveis intoleráveis. Mesmo em meio àquele absurdo, eu mal conseguia intentar obter alguma explicação ao horror. De onde provinham a para onde iriam aqueles titânicos urubus? Como poderiam surgir do invisível e submergir no invisível?
Minha perturbação interior crescia cada vez mais. Senti que minha cabeça explodiria a qualquer momento, que arrebentariam as fibras de meu coração, sob a tensão sobre-humana de tamanha tortura psicológica. Tudo em meu interior fervilhava. Parecia que algo lutava, debatia-se para emergir de minha alma, de meu ser mais profundo.
Quando já não resistia àquele martírio e decidi partir daquele vale ominoso, um enorme e assustador abutre pousou a minha frente. Dirigiu seu olhar penetrante e ameaçadoramente aguçado aos meus olhos, e eu estaquei como que petrificado.
Sendo dardejado pelo olhar vermelho e sanguinolento daquele abutre, senti minha alma ferver. E algo de terrível aqueles impiedosos olhos me irradiavam. Diziam-me que todos aqueles urubus gigantescos, todos aqueles abutres com sua massacrante sinfonia consistiam em monstruosas personificações de todas as esperanças e sonhos da humanidade que morreram e morrem em todos os corações humanos.
E de meu peito em combustão, senti que um hercúleo abutre de proporções extremas e descomunais ganhava forma, ganhava asas. E em um devastador adejo de suas asas sem limites, dirigiu seu voo ciclônico rumo àquele ponto invisível na atmosfera carregada de nuvens negras... E unido a toda a infinidade dos outros urubus e abutres, teria então, da humanidade, a sua vingança...
Em determinados momentos, vários daqueles urubus, ou abutres, revoavam e partiam silenciosos em direção a outro ponto do céu congestionado. Tal ponto aparentava ser diametralmente oposto ao que me referi anteriormente. Do primeiro ponto, surgiam os abutres. No segundo, eles desapareciam. E enquanto algumas daquelas aves das sombras submergiam naquele local invisível do céu, mergulhando em um mistério absurdo, outros assomavam desse mesmo mistério e pousavam barulhentos nos galhos das árvores para dar continuidade à infernal sinfonia. E esse fluxo de abutres era irritantemente incessante.
De modo que eu já não estava suportando aquela gritaria funesta e canhestramente ritmada, que intensificou meu tormento a níveis intoleráveis. Mesmo em meio àquele absurdo, eu mal conseguia intentar obter alguma explicação ao horror. De onde provinham a para onde iriam aqueles titânicos urubus? Como poderiam surgir do invisível e submergir no invisível?
Minha perturbação interior crescia cada vez mais. Senti que minha cabeça explodiria a qualquer momento, que arrebentariam as fibras de meu coração, sob a tensão sobre-humana de tamanha tortura psicológica. Tudo em meu interior fervilhava. Parecia que algo lutava, debatia-se para emergir de minha alma, de meu ser mais profundo.
Quando já não resistia àquele martírio e decidi partir daquele vale ominoso, um enorme e assustador abutre pousou a minha frente. Dirigiu seu olhar penetrante e ameaçadoramente aguçado aos meus olhos, e eu estaquei como que petrificado.
Sendo dardejado pelo olhar vermelho e sanguinolento daquele abutre, senti minha alma ferver. E algo de terrível aqueles impiedosos olhos me irradiavam. Diziam-me que todos aqueles urubus gigantescos, todos aqueles abutres com sua massacrante sinfonia consistiam em monstruosas personificações de todas as esperanças e sonhos da humanidade que morreram e morrem em todos os corações humanos.
E de meu peito em combustão, senti que um hercúleo abutre de proporções extremas e descomunais ganhava forma, ganhava asas. E em um devastador adejo de suas asas sem limites, dirigiu seu voo ciclônico rumo àquele ponto invisível na atmosfera carregada de nuvens negras... E unido a toda a infinidade dos outros urubus e abutres, teria então, da humanidade, a sua vingança...
15 agosto 2009
O Triunfo dos Abutres
Minha solidão e meu desconsolo levaram-me a perambular melancólico e sem destino rumo às imensidões nostálgicas do pampa gaúcho. Parti ainda bastante cedo, em um dia frio e ensolarado. Os ares salutares do campo aos poucos foram aliviando o transtorno de meu espírito. Sentia-me relativamente bem contemplando os horizontes onde resplandeciam verdes coxilhas, exuberantes capões de mata, e, vez ou outra, eu atravessava pequenas e límpidas sangas. Minha maior alegria era quando avistava algum animal selvagem, como graxains, seriemas e lagartos.
De modo que lentamente fui avançando pelas pradarias, a locais cada vez mais isolados, onde já não divisava nenhum ser humano. Porém, quando já havia praticamente esquecido de meus infortúnios e decepções, ao sair de um trecho fechado de mata, algo de anômalo e doentio irradiou-se em meu interior.
O cenário que avistei a minha frente divergia de tudo o que contemplara até então. O que avistei não eram mais coxilhas verdejantes, porém uma vastidão de campos cinzentos e ressecados, canhestramente cobertos de nuvens ainda mais cinzentas, que transmitiam uma pungente sensação de dor e desespero. Lá, o sol não brilhava, e ao me aproximar mais do local, percebi que o campo seco apresentava um forte declive logo adiante, que levava a algo como um vale ainda mais sombrio. Tal vale parecia impregnado de altas árvores secas e retorcidas, as quais cercavam um vasto lago de águas lugubremente estagnadas.
Nesse instante, um sentimento de absoluta e devastadora tristeza apossou-se de mim. Um furacão de sensações febris e perturbadoras fervilhou em minha psique inflamada, e senti que o bando de meus sonhos mortos principiou a se debater violentamente em meu peito. Levado por meu tormento hipnotizante, decidi pisar aqueles campos funestos que gradativamente tornavam-se mais e mais escuros e ressecados, infestados de espinhentos caraguatás. Sentindo todo o peso agourento daquelas nuvens sobre meus ombros, lutulento, aos poucos fui descendo e dirigindo-me àquele vale infausto.
Um cheiro enjoativo de sangue surgiu em ondas pelos ares densos e pesados. Conforme avançava, meu transtorno físico e psíquico se intensificava. O caminho até o fundo abismal do vale parecia agora bem mais extenso do que a impressão inicial, e o próprio lago e a infinidade de árvores secas e retorcidas que o circundavam eram, em realidade, de uma imensidão assombrosa e absolutamente ilógica.
Apesar da temperatura fria do dia e de não brilhar o mínimo raio de sol no lugar sombrio em que me encontrava, um bafo morno e carregado, que parecia ter surgido daquele lago de águas estagnadas, oprimia minha angustiada respiração.
Finalmente, atingi a região do lago. O cheiro de sangue coagulado e apodrecido era quase insuportável. O ar quente, fétido e insalubre causava-me náuseas. A concentração de nuvens escuras no céu era intensa e opressiva. Pareciam estar muito baixas, como nimbos de mau agouro. Meu estado de perturbação psíquica atingira o auge, porém, uma força de atração irresistível impedia-me de abandonar aquela tétrica região.
Observei com atenção a imensidade doentia daquele lago absolutamente parado, não havia a mínima movimentação em suas águas medonhamente avermelhadas. Aproximei-me dele, infiltrando-me por entre aquelas odiosas árvores secas e espinhosas, e toquei aquelas águas. Embora não tendo coragem de provar seu sabor, tive a certeza, pelo cheiro, aparência e consistência, que eu me encontrava às margens de um gigantesco lago de sangue, provavelmente mesclado com alguma água imunda.
Fitando com torturante atenção os arredores do lago, vislumbrei uma vastidão pantanosa de banhados e charnecas que exalavam uma névoa abjeta e repulsivamente rosácea. Eram cobertos por uma desolada vegetação rasteira de aspecto cinzento e degradado. Foi no instante em que contemplava estarrecido todo o horror diante de mim e tentava explicar para mim mesmo o que seria tudo aquilo, que surgiu de um ponto negro do céu as asas de um imenso urubu preto que ameaçadoramente pousou em um galho retorcido.
Imediatamente após esse primeiro urubu, surgiram dezenas, centenas, milhares de outros urubus, tão gigantescos e ameaçadores como o primeiro. Alguns pousavam nas árvores mortas, outros, à beira do lago de sangue e bebiam de suas águas Pude observar de forma mais detalhada os que pousavam nas árvores. Eram imensos e possantes, possuíam garras enormes e afiadas, diferentes do urubu comum encontrado nas terras gaúchas. Aparentavam-se bem mais com os abutres africanos, com a diferença de que apresentavam, como os urubus, uma plumagem inteiramente negra no dorso, com penas brancas na região interna das asas.
Amanhã, a parte final...
13 agosto 2009
Como?
como foi
que me atirei da torre
que levei-me com o avalanche
do topo da montanha
como foi que quebrei minhas flores
que derramei minha graça
que cortei os pulsos
da minha estrela e do meu sol
como foi que pisei minha taça
que furei meu céu
que nublei meu peito
que desfolhei teu véu
como foi que troquei meu ouro
por um prato de feijão
que sangrei minha coroa
e fui sentar no chão
como foi que me desviei da luz
que me enlevava nos olhos teus
como foi
se eu ainda trago na arte
o vinho das asas
de Deus?
que me atirei da torre
que levei-me com o avalanche
do topo da montanha
como foi que quebrei minhas flores
que derramei minha graça
que cortei os pulsos
da minha estrela e do meu sol
como foi que pisei minha taça
que furei meu céu
que nublei meu peito
que desfolhei teu véu
como foi que troquei meu ouro
por um prato de feijão
que sangrei minha coroa
e fui sentar no chão
como foi que me desviei da luz
que me enlevava nos olhos teus
como foi
se eu ainda trago na arte
o vinho das asas
de Deus?
10 agosto 2009
Há que ter Alguém
não é
que eu queira o sangue
quero o sangue
porque...
não é
é vida
não é
que eu fale da morte
a morte é
que nos fala
e quem ama a vida
tem que ter o sangue
e saber da morte
que o sangue é alma
muito além da vida
e além do mais
do além
há que ter alguém
que diga do escuro
que fale
do que não se fala
mas que sempre fala
e jamais se ouve
há que ter alguém
como sempre houve...
que nem tudo é luz
e se a luz é luz
só o sabe a sombra
e se a vida é forte
só o sente a morte
por isso assombro
porque sei que a vida
não é bem assim...
pra que a vida vença
há que ter o Fim.
que eu queira o sangue
quero o sangue
porque...
não é
é vida
não é
que eu fale da morte
a morte é
que nos fala
e quem ama a vida
tem que ter o sangue
e saber da morte
que o sangue é alma
muito além da vida
e além do mais
do além
há que ter alguém
que diga do escuro
que fale
do que não se fala
mas que sempre fala
e jamais se ouve
há que ter alguém
como sempre houve...
que nem tudo é luz
e se a luz é luz
só o sabe a sombra
e se a vida é forte
só o sente a morte
por isso assombro
porque sei que a vida
não é bem assim...
pra que a vida vença
há que ter o Fim.
08 agosto 2009
Poemas do Término e Contos do Fim 35
Foi lançada a 35ª edição do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim, desta vez com um novo design idealizado com muita competência e talento por meu amigo Guilhermes Damian, atualmente trabalhando na revista Veja. Esta edição do zine inclui o conto "O Livro que Explica Deus" e mais 4 poemas de ocaso.
O Poemas do Término e Contos do Fim pode ser encontrado em Santiago nas locadoras Fox e Classic, na Ponto Cópias, na biblioteca pública e na biblioteca da Uri. Támbém é distribuído em outras cidades do RS como Santa Maria, Santo Ângelo, Campo Bom e Porto Alegre. Também pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil e exterior, sendo cobradas apenas as despesas de envio.
06 agosto 2009
da Noite a da Arte
se tu te julgas
satisfatoriamente feliz
é melhor que esqueças
da Noite e da Arte
que a Noite e a Arte
pertencem
aos insatisfatoriamente tristes
aos tristemente insatisfeitos
então
larga das asas do Sonho
e deita em tua cama
de sono tranquilo
e vazio
deixa o Sonho partir só
e voar livre a toda parte
que o Sonho
é tão triste quanto a Noite
e tão insatisfeito quanto a Arte
satisfatoriamente feliz
é melhor que esqueças
da Noite e da Arte
que a Noite e a Arte
pertencem
aos insatisfatoriamente tristes
aos tristemente insatisfeitos
então
larga das asas do Sonho
e deita em tua cama
de sono tranquilo
e vazio
deixa o Sonho partir só
e voar livre a toda parte
que o Sonho
é tão triste quanto a Noite
e tão insatisfeito quanto a Arte
04 agosto 2009
Poesia Velha
gata de canto holocáustico
de coruja pingando na geada:
minha poesia velha
é lâmina de espada
desembainhada
gota de choro noctívago
de neve exaurindo-se a luz:
minha poesia velha
é tigre esfomeado
arrebatando cruz
Goethe de destino fáustico
de frio naufragando no amor
minha poesia velha
é relâmpago pela janela
na festa do leitor
de coruja pingando na geada:
minha poesia velha
é lâmina de espada
desembainhada
gota de choro noctívago
de neve exaurindo-se a luz:
minha poesia velha
é tigre esfomeado
arrebatando cruz
Goethe de destino fáustico
de frio naufragando no amor
minha poesia velha
é relâmpago pela janela
na festa do leitor
01 agosto 2009
As Almas do Fantástico na História do RS - Conto 1º: O Horror no Campo
(O conto “O Horror no Campo” faz parte de uma série de 7 contos que estou compondo abordando o fantástico na história gaúcha, inspirados em fatos reais, mas desenvolvidos de forma fictícia. Este foi o 1º que compus da série. Foi publicado apenas em meu zine, ainda no ano passado, mas ainda não aqui no blog. Após esse, concluí mais 4 contos, e estou no processo inicial do que será o nº6. Embora estejam relacionados, os contos são independentes entre si.)
No ano de 1631, padres jesuítas e colonizadores a serviço da Espanha, com o auxílio de índios catequizados, fundaram uma pequena colônia no interior do RS. A povoação progrediu através dos anos, chegando a possuir alguns milhares de habitantes. No entanto, conforme a colônia crescia em aparente tranquilidade, uma sombra funesta e silenciosa foi fatalmente sendo despertada nos vastos campos e matas densos de mistério que dominavam a região. Havia algo naquele local estranho que não era nem um pouco amistoso à presença daqueles habitantes estrangeiros. Uma oculta e ominosa força natural não podia aceitar os espanhóis e nem mesmos os índios que já não eram fiéis à sua origem, pois haviam se tornado cristãos...
Em alguns momentos da história humana e em determinados lugares enigmáticos de nosso planeta, a natureza revolta-se contra a existência dos homens... Foi o que ocorreu na 3ª década do século XVII em um pequeno local do então quase deserto pampa gaúcho. Aos poucos, os ventos, as águas, as terras, as plantas, os animais, todos foram lenta e furtivamente conspirando contra os padres, colonizadores e indígenas, sem que a princípio algo fosse claramente percebido.
Tudo teve seu início com a formação de uma estranha e violenta tempestade. No mês de abril de 1636, uma reviravolta assustadora no tempo devido à chegada de uma intensíssima frente fria com ventos absurdamente gelados para a época, ocasionou uma tormenta sem precedentes ao chocar-se com o ar quente que até então permanecia sobre o pampa. De uma hora para outra, gélidas rajadas de vento, uma chuva torrencial mesclada a granizo e um verdadeiro bombardeio de raios passaram a assolar a pequena povoação ainda pouco protegida.
A tempestade durou poucos minutos, porém seus efeitos foram de total destruição. As construções já concluídas ou que ainda estavam sendo erigidas foram quase que completamente arrasadas, seja pelas violentas lufadas de vento ou pela pavorosa queda de raios. Plantações inteiras deixaram de existir, anos de trabalho pesado desfizeram-se em minutos. No entanto, apesar da morte de alguns cavalos, não houve vítimas fatais entre os humanos, e logo após a tempestade acalmar-se, os povoadores reiniciaram suas atividades em busca da reconstrução.
Contudo, após a chegada da anômala tormenta, aquela região não voltaria a ser a mesma. Os dias sucediam-se se mantendo invariavelmente nublados, sombrios e intensamente frios. Neblinas e garoas eram muito freqüentes e, aliadas ao frio, aos poucos foram minando os nervos dos colonizadores. O gélido vento Minuano não dava trégua, e logo uma epidemia de uma poderosa gripe alastrou-se entre os colonizadores e indígenas, causando inclusive vítimas fatais entre estes últimos. A população principiou a reduzir-se. Os padres oravam e fitavam os céus soturnos na triste esperança de que a graça divina estabelecesse um fim àquele clima doentio, contudo foi inútil. As semanas passavam agourentas e sem o menor vestígio de sol.
Com as plantações destruídas, a fome passou a assolar os habitantes, principalmente após a estranha e desconhecida peste que dizimou o gado e os cavalos criados pelos espanhóis. Não restou alternativa, a não ser partir para a caça. No entanto, mesmo com toda a experiência dos índios e sabendo-se que a caça na região era abundante, não se conseguia abater nenhum animal realmente útil para a alimentação. Os caçadores avistavam veados, capivaras, emas, tatus, lagartos, jacus, pacas, porém de forma absolutamente inexplicável, não conseguiam abatê-los, salvo algumas aves de pouca carne. E repetia-se o mesmo insucesso na pesca. Os rios transbordantes de águas pareciam estar vazios de peixes. E se os caçadores não encontravam a caça, as serpentes encontravam os caçadores. Nunca houve na povoação tantos casos de picadas de cobras, na maioria fatais. Ocorreu ainda um caso da morte de um padre atacado por um imenso felino durante a noite, e um espanhol teve sua mão extirpada por um animal da mesma espécie. O homem acabou morrendo de gangrena dias depois.
E através daqueles dias de frio hediondo e deprimente escuridão funerária, as forças naturais foram dizimando a população de colonizadores e indígenas. E foram estes que perceberam que havia algo de errado com a natureza, que existia uma ameaça terrível e impalpável pairando nos ares daquela região. Intentaram então retornar às suas antigas crenças, às orações aos seus deuses telúricos, porém já era tarde demais, e o que quer que fosse de oculto que ali exterminava os humanos era definitivamente implacável.
As causas das mortes eram as mais variadas, todas oriundas de “acidentes” naturais ou doenças. As vitimas ou eram levadas pelas águas e morriam afogadas, ou eram atingidas por raios, ou picadas por serpentes, ou ingeriam plantas venenosas, ou morriam nas garras das feras, da fome ou do frio. Alguns ainda eram vítimas de doenças desconhecidas, ou então enlouqueciam e num ataque de demência tentavam assassinar seus companheiros, mas acabavam por eles sendo mortos.
Passaram-se cerca de 6 meses. A população inicial contabilizava mais de 4000 indivíduos, na maioria homens, mas também havia mulheres e crianças, principalmente entre os indígenas, das quais a quase totalidade já falecera. E nesses 6 meses de horror, em que o quadro funesto do clima permanecia inalterado, mais de 75% da população fora exterminada. Então os menos de 1000 sobreviventes tomaram a decisão de retirar-se daquele local amaldiçoado. Seria uma marcha difícil e penosa pela desolação daquele pampa sombrio e hostil, porém não havia outra saída.
Mas... no exato dia em que a população estava preparada para a partida, surgiu o primeiro caso de uma peste absolutamente mortífera e brutal. Os índios afirmavam que a enfermidade viera com os ares insalubres daquele tempo maldito e que consistia na arma derradeira da natureza para a aniquilação dos povoadores. Os sintomas da peste eram assombrosamente horríveis. A vitima inicialmente sofria terríveis dores de cabeça e nos olhos, além de violentas crises de febre, vômito e diarréia. Então, em questão de poucas horas, surgiam por todo corpo feridas e chagas abomináveis, imensas e repugnantes de infecção, donde vertia um líquido amarelado, viscoso e purulento, exalando um cheiro fétido e nauseabundo. A morte advinha em 3 dias.
Os casos surgiam às dezenas; mesmo assim os espanhóis e índios decidiram partir no dia seguinte aos primeiros casos. Conseqüentemente, sua marcha tornou-se uma verdadeira marcha fúnebre. Conforme avançavam pelos campos gelados, úmidos e nevoentos, deixavam um rastro de cadáveres aberradores. A peste não poupou ninguém, e após algumas dezenas de quilômetros percorridos através do horror, estavam todos mortos, apodrecendo sobre as vastas pradarias gaúchas. Porém, houve um sobrevivente. O padre Pablo Gonzalez foi o único a não contrair a enfermidade. Foi encontrado por uma tribo de índios nativos que passava pelo local e levado a uma outra redução jesuítica.
O religioso, então, retornou à Espanha e lá relatou toda a catástrofe que vivenciara. Ninguém acreditou. Preferiu-se crer que os espanhóis e os índios catequizados foram assassinados por alguma tribo indígena de guerreiros selvagens, e que o padre Gonzalez, em sua imensa piedade, optou por esconder o fato a fim de poupar a tribo de uma possível vingança espanhola, pois espanhóis e portugueses exterminavam as tribos que resistiam à catequização. Vale lembrar que quando o padre fora resgatado pelos índios, o tempo sombrio já havia passado. O dia estava ensolarado, agradável e de uma beleza radiante. Muitas décadas depois, o local da tragédia foi povoado com sucesso pelos portugueses, que, aliás, nada souberam sobre ela.
Mas... afinal, por que a natureza rebelou-se contra os espanhóis e indígenas naquela ocasião, sendo que o mesmo não ocorreu em outros casos de povoações similares? Não se sabe. O que se sabe é que, às vezes, as ocultas e insondáveis forças naturais decidem varrer os representantes humanos de determinado local. E, talvez, em breve chegue o dia em que essas mesmas forças decidam varrer toda a humanidade de todo o planeta...
Em alguns momentos da história humana e em determinados lugares enigmáticos de nosso planeta, a natureza revolta-se contra a existência dos homens... Foi o que ocorreu na 3ª década do século XVII em um pequeno local do então quase deserto pampa gaúcho. Aos poucos, os ventos, as águas, as terras, as plantas, os animais, todos foram lenta e furtivamente conspirando contra os padres, colonizadores e indígenas, sem que a princípio algo fosse claramente percebido.
Tudo teve seu início com a formação de uma estranha e violenta tempestade. No mês de abril de 1636, uma reviravolta assustadora no tempo devido à chegada de uma intensíssima frente fria com ventos absurdamente gelados para a época, ocasionou uma tormenta sem precedentes ao chocar-se com o ar quente que até então permanecia sobre o pampa. De uma hora para outra, gélidas rajadas de vento, uma chuva torrencial mesclada a granizo e um verdadeiro bombardeio de raios passaram a assolar a pequena povoação ainda pouco protegida.
A tempestade durou poucos minutos, porém seus efeitos foram de total destruição. As construções já concluídas ou que ainda estavam sendo erigidas foram quase que completamente arrasadas, seja pelas violentas lufadas de vento ou pela pavorosa queda de raios. Plantações inteiras deixaram de existir, anos de trabalho pesado desfizeram-se em minutos. No entanto, apesar da morte de alguns cavalos, não houve vítimas fatais entre os humanos, e logo após a tempestade acalmar-se, os povoadores reiniciaram suas atividades em busca da reconstrução.
Contudo, após a chegada da anômala tormenta, aquela região não voltaria a ser a mesma. Os dias sucediam-se se mantendo invariavelmente nublados, sombrios e intensamente frios. Neblinas e garoas eram muito freqüentes e, aliadas ao frio, aos poucos foram minando os nervos dos colonizadores. O gélido vento Minuano não dava trégua, e logo uma epidemia de uma poderosa gripe alastrou-se entre os colonizadores e indígenas, causando inclusive vítimas fatais entre estes últimos. A população principiou a reduzir-se. Os padres oravam e fitavam os céus soturnos na triste esperança de que a graça divina estabelecesse um fim àquele clima doentio, contudo foi inútil. As semanas passavam agourentas e sem o menor vestígio de sol.
Com as plantações destruídas, a fome passou a assolar os habitantes, principalmente após a estranha e desconhecida peste que dizimou o gado e os cavalos criados pelos espanhóis. Não restou alternativa, a não ser partir para a caça. No entanto, mesmo com toda a experiência dos índios e sabendo-se que a caça na região era abundante, não se conseguia abater nenhum animal realmente útil para a alimentação. Os caçadores avistavam veados, capivaras, emas, tatus, lagartos, jacus, pacas, porém de forma absolutamente inexplicável, não conseguiam abatê-los, salvo algumas aves de pouca carne. E repetia-se o mesmo insucesso na pesca. Os rios transbordantes de águas pareciam estar vazios de peixes. E se os caçadores não encontravam a caça, as serpentes encontravam os caçadores. Nunca houve na povoação tantos casos de picadas de cobras, na maioria fatais. Ocorreu ainda um caso da morte de um padre atacado por um imenso felino durante a noite, e um espanhol teve sua mão extirpada por um animal da mesma espécie. O homem acabou morrendo de gangrena dias depois.
E através daqueles dias de frio hediondo e deprimente escuridão funerária, as forças naturais foram dizimando a população de colonizadores e indígenas. E foram estes que perceberam que havia algo de errado com a natureza, que existia uma ameaça terrível e impalpável pairando nos ares daquela região. Intentaram então retornar às suas antigas crenças, às orações aos seus deuses telúricos, porém já era tarde demais, e o que quer que fosse de oculto que ali exterminava os humanos era definitivamente implacável.
As causas das mortes eram as mais variadas, todas oriundas de “acidentes” naturais ou doenças. As vitimas ou eram levadas pelas águas e morriam afogadas, ou eram atingidas por raios, ou picadas por serpentes, ou ingeriam plantas venenosas, ou morriam nas garras das feras, da fome ou do frio. Alguns ainda eram vítimas de doenças desconhecidas, ou então enlouqueciam e num ataque de demência tentavam assassinar seus companheiros, mas acabavam por eles sendo mortos.
Passaram-se cerca de 6 meses. A população inicial contabilizava mais de 4000 indivíduos, na maioria homens, mas também havia mulheres e crianças, principalmente entre os indígenas, das quais a quase totalidade já falecera. E nesses 6 meses de horror, em que o quadro funesto do clima permanecia inalterado, mais de 75% da população fora exterminada. Então os menos de 1000 sobreviventes tomaram a decisão de retirar-se daquele local amaldiçoado. Seria uma marcha difícil e penosa pela desolação daquele pampa sombrio e hostil, porém não havia outra saída.
Mas... no exato dia em que a população estava preparada para a partida, surgiu o primeiro caso de uma peste absolutamente mortífera e brutal. Os índios afirmavam que a enfermidade viera com os ares insalubres daquele tempo maldito e que consistia na arma derradeira da natureza para a aniquilação dos povoadores. Os sintomas da peste eram assombrosamente horríveis. A vitima inicialmente sofria terríveis dores de cabeça e nos olhos, além de violentas crises de febre, vômito e diarréia. Então, em questão de poucas horas, surgiam por todo corpo feridas e chagas abomináveis, imensas e repugnantes de infecção, donde vertia um líquido amarelado, viscoso e purulento, exalando um cheiro fétido e nauseabundo. A morte advinha em 3 dias.
Os casos surgiam às dezenas; mesmo assim os espanhóis e índios decidiram partir no dia seguinte aos primeiros casos. Conseqüentemente, sua marcha tornou-se uma verdadeira marcha fúnebre. Conforme avançavam pelos campos gelados, úmidos e nevoentos, deixavam um rastro de cadáveres aberradores. A peste não poupou ninguém, e após algumas dezenas de quilômetros percorridos através do horror, estavam todos mortos, apodrecendo sobre as vastas pradarias gaúchas. Porém, houve um sobrevivente. O padre Pablo Gonzalez foi o único a não contrair a enfermidade. Foi encontrado por uma tribo de índios nativos que passava pelo local e levado a uma outra redução jesuítica.
O religioso, então, retornou à Espanha e lá relatou toda a catástrofe que vivenciara. Ninguém acreditou. Preferiu-se crer que os espanhóis e os índios catequizados foram assassinados por alguma tribo indígena de guerreiros selvagens, e que o padre Gonzalez, em sua imensa piedade, optou por esconder o fato a fim de poupar a tribo de uma possível vingança espanhola, pois espanhóis e portugueses exterminavam as tribos que resistiam à catequização. Vale lembrar que quando o padre fora resgatado pelos índios, o tempo sombrio já havia passado. O dia estava ensolarado, agradável e de uma beleza radiante. Muitas décadas depois, o local da tragédia foi povoado com sucesso pelos portugueses, que, aliás, nada souberam sobre ela.
Mas... afinal, por que a natureza rebelou-se contra os espanhóis e indígenas naquela ocasião, sendo que o mesmo não ocorreu em outros casos de povoações similares? Não se sabe. O que se sabe é que, às vezes, as ocultas e insondáveis forças naturais decidem varrer os representantes humanos de determinado local. E, talvez, em breve chegue o dia em que essas mesmas forças decidam varrer toda a humanidade de todo o planeta...
30 julho 2009
Que Não Diga Nada
um poema que não diga nada
e que morra e nasça como a velha noite
e que sempre volte como insano inverno
que se retrai se expande
como eterno cosmos
um poema quieto
sempre surdo ao mundo
só pra ventar na chuva
só pra soprar no sol
que nas almas longas
nutre as vidas curtas
um poema que se esvai se esconde
como tudo aquilo que não surge e vem
pra deixar que falem que na morte riam
e que bebe rios e se oculta em pedras
onde pisa o homem e não vê a água
como toda coisa que já surge e some
como largo louco que já sonha e é
como luz que vive sob a morte lógica
um poema nulo que se não aceita
que não diga nada...
mas que veja tudo
e que morra e nasça como a velha noite
e que sempre volte como insano inverno
que se retrai se expande
como eterno cosmos
um poema quieto
sempre surdo ao mundo
só pra ventar na chuva
só pra soprar no sol
que nas almas longas
nutre as vidas curtas
um poema que se esvai se esconde
como tudo aquilo que não surge e vem
pra deixar que falem que na morte riam
e que bebe rios e se oculta em pedras
onde pisa o homem e não vê a água
como toda coisa que já surge e some
como largo louco que já sonha e é
como luz que vive sob a morte lógica
um poema nulo que se não aceita
que não diga nada...
mas que veja tudo
28 julho 2009
do Horror
ser humano
é ser fracassado
por isso
entre o tudo que não existe
dou-te este poema
fracassadamente triste
mas se minha tristeza
não é suficiente
olha pra o mundo...
eu dou-te aquilo
que não perdoa:
eu dou-te a culpa
que troa
eu dou-te aquilo
que sempre surge:
eu dou-te o erro
que ruge
eu dou-te aquilo
que nunca passa:
eu dou-te a dor
com a taça
eu dou-te aquilo
que sempre é firme:
eu dou-te o medo
e o crime
eu dou-te aquilo
que não se apaga:
eu dou-te o mal
com a chaga
eu dou-te aquilo
que é sempre igual:
eu dou-te a morte
triunfal
eu dou-te aquilo
que nunca esquece:
eu dou-te o Fim
sem prece
e se mesmo assim
tu me disseres
“com todo horror
eu não chorei”
eu te direi
que até nisso
até nisso
eu fracassei
é ser fracassado
por isso
entre o tudo que não existe
dou-te este poema
fracassadamente triste
mas se minha tristeza
não é suficiente
olha pra o mundo...
eu dou-te aquilo
que não perdoa:
eu dou-te a culpa
que troa
eu dou-te aquilo
que sempre surge:
eu dou-te o erro
que ruge
eu dou-te aquilo
que nunca passa:
eu dou-te a dor
com a taça
eu dou-te aquilo
que sempre é firme:
eu dou-te o medo
e o crime
eu dou-te aquilo
que não se apaga:
eu dou-te o mal
com a chaga
eu dou-te aquilo
que é sempre igual:
eu dou-te a morte
triunfal
eu dou-te aquilo
que nunca esquece:
eu dou-te o Fim
sem prece
e se mesmo assim
tu me disseres
“com todo horror
eu não chorei”
eu te direi
que até nisso
até nisso
eu fracassei
26 julho 2009
O Poema Pior
que fosse o poema mais sombrio
transbordante de todo escuro
dos negros futuros humanos
que fosse o poema pior
o mais mal dito
o mais mal feito
desprezado e mal falado
que não arranque nenhum sorriso
de prazer ou de beleza
que não traga nenhum efeito
de moderno ou de verdade
aquele que se tu tens febre
torne ela ainda maior
cheio de tudo que perdeste
pleno do nada que viveste
um frasco de palavras com veneno
quero um poema que te faça mal
que se vire a cara
que se feche o livro
que se não aceite
com risinhos de deboche
um poema antipático
feio de amargura e de cansaço
um poema onde se estampe
a pequenez da humanidade
e a imensidão do seu fracasso
transbordante de todo escuro
dos negros futuros humanos
que fosse o poema pior
o mais mal dito
o mais mal feito
desprezado e mal falado
que não arranque nenhum sorriso
de prazer ou de beleza
que não traga nenhum efeito
de moderno ou de verdade
aquele que se tu tens febre
torne ela ainda maior
cheio de tudo que perdeste
pleno do nada que viveste
um frasco de palavras com veneno
quero um poema que te faça mal
que se vire a cara
que se feche o livro
que se não aceite
com risinhos de deboche
um poema antipático
feio de amargura e de cansaço
um poema onde se estampe
a pequenez da humanidade
e a imensidão do seu fracasso
24 julho 2009
A Misteriosa Aproximação
"Furioso delírio se apossava de todos os humanos, e, com os braços rigidamente estendidos para os céus ameaçadores, todos tremiam e bradavam desesperadamente... E assim tudo se acabou." Edgar Allan Poe
O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?
Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.
No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum astro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.
O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.
A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.
À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.
Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio a mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.
Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.
E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.
Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.
Mas por agora... isso tudo é ficção, e eu sou um louco que não devo ser levado a sério.
O maior erro da humanidade é o esquecimento. Esquecemos o que há de mais vital, tudo se perde nos vendavais do tempo. Como escreveu certo sábio, “Não aprendemos as lições da vida nem a canhonaços”. E se esquecemos os “canhonaços”, como lembrar de discretos sinais que parecem nos dizer tão pouco, leves insinuações do desconhecido? No entanto, tais sinais, que falando pouco dizem muito, estão constantemente presentes em nossas vidas, e, muitas vezes, nem os percebemos. E quando o fizemos, logo são completamente deixados de lado, como se por serem tão “pequenos” e passageiros não merecessem maior atenção. Assim é o ser humano, sempre desprezando o que é sutil... Mas... a que preço?
Se dispensássemos a devida atenção aos sinais, compreenderíamos, por exemplo, o porquê de na mitologia nórdica o deus supremo Wotan ter necessitado morrer enforcado em uma árvore sagrada para adquirir conhecimento, e, no cristianismo, Cristo ter necessitado morrer crucificado para finalizar sua doutrina. É claro que tais sinais são profundamente simbólicos. E com a misteriosa Aproximação não foi diferente; também se manifestou a princípio com sutis sinais bem pouco reconhecíveis, sinais enigmaticamente simbólicos.
No princípio surgiu uma estrela. Uma estrela nos céus do hemisfério sul que brilhava um pouco mais que o convencional, qualquer indivíduo que olhasse para os céus no começo da noite já perceberia o intenso e intrigante cintilar daquele incomum astro. Porém, naturalmente, ninguém deu atenção ao fato, e tudo foi considerado como absolutamente normal. É claro que este não foi o sinal único que funestamente prenunciara a devastadora Aproximação, muitos outros ocorreram, todos igualmente imperceptíveis para a quase totalidade da humanidade, mas creio ser desnecessário mencioná-los agora.
O certo é que conforme a Aproximação se concretizava, lentamente, imensas tragédias, catástrofes, desastres, fossem eles naturais ou provocados pelo homem, foram se desencadeando, em um ritmo mais e mais acelerado. Até que em certo dia extremamente aziago para a raça humana, Ele foi visto pela primeira vez, ao longe, como um outro sol que surgia no horizonte carregado de maus-presságios. E então, todos os engodos das autoridades e dos senhores responsáveis por nossa mal fadada ciência caíram por terra. Restou tão somente a trágica realidade dos fatos, e a Aproximação daquilo que brilhava sinistramente diante dos olhos estupefatos da humanidade doente.
A partir desse instante, o medo, o pânico, o desespero absoluto dominaram os seres humanos, compreendendo-se definitivamente que a situação era muito mais grave do que se poderia imaginar. Pior do que isso, era catastroficamente inexplicável.
À medida que a misteriosa Aproximação tornava-se mais e mais visível, gigante, ameaçadora, em todos os cantos da Terra procurava-se encontrar respostas e possíveis soluções para o que estava ocorrendo, porém, não se dava um passo a frente, talvez, só para trás. Pensou-se, por exemplo, em utilizar-se poderosíssimos artefatos nucleares para evitar-se a tragédia maior, o que se revelou um imensurável desastre. Enfim, só o que se pode afirmar é que todos os intentos e planos e invectivas do homem para se evitar o inevitável resultaram em trovejantes fracassos.
Os anos foram passando de forma arrastada e lúgubre, enquanto a humanidade afundava-se em um estado caótico de verdadeiro horror. Gradativamente, os homens foram sucumbindo em meio a mais atroz loucura coletiva já presenciada, em um desespero de se arrancar os cabelos. Descrever aqui todo o horror vivenciado naqueles dias seria algo impossível... e absurdamente cruel.
Só o que posso dizer é que a intensificação de todas as espécies de catástrofes, as mais inimagináveis, as mais absurdas, as mais devastadoras desencadearam-se na exata proporção matemática da sinistra Aproximação. Na dantesca ignorância sobre o que estava ocorrendo, compreenderam então os homens que todas as suas certezas sobre suas próprias existências não tinham mais o menor sentido, tudo se desmoronou de uma hora para outra. E a humanidade engolia em seco sua ilusória segurança da estéril racionalidade.
E o terror cósmico da Aproximação concretizou-se de forma canhestramente fantástica. O pavor reinava absoluto para onde quer que se olhasse, já que nosso céu já não era nosso céu, era outro, um monstro tenebroso. Ali estava Ele, inaceitável imensidão alienígena, em sua órbita elíptica gigantesca, em sua verdade descomunal e cíclica. Na sua esmagadora opressão atmosférica e gravitacional, todo o sangue da Terra voou pelos ares, inflamou-se ao extremo a alma planetária, e sua febre de doente terminal derramou-se como lava sobre seus filhos em negra decadência.
Era a Aproximação do Terror inominado. E toda a abóbada celeste incendiava-se em um fulvo-escarlate de um vivo e marcial vermelho enegrecido.
Mas por agora... isso tudo é ficção, e eu sou um louco que não devo ser levado a sério.
22 julho 2009
Re-volta
é re-voltantemente
revoltante
dos mais revoltosos
ideais
re-tornando-me
desesperado
de onde jamais fui
foi a minha re-volta
revolucionando-se
a galácticas alturas
infernais
respirei-me
o sopro das esferas
em dramáticos re-volteios
estertorantes
e finais
agora
re-torno
a ser em fim
e a ouvir revolteado
revolto
a revolta sentença
onde se diz que Vós
vos re-voltais
revoltante
dos mais revoltosos
ideais
re-tornando-me
desesperado
de onde jamais fui
foi a minha re-volta
revolucionando-se
a galácticas alturas
infernais
respirei-me
o sopro das esferas
em dramáticos re-volteios
estertorantes
e finais
agora
re-torno
a ser em fim
e a ouvir revolteado
revolto
a revolta sentença
onde se diz que Vós
vos re-voltais
20 julho 2009
Pintura do Fim
na tela dourada
imensa cidade
pintada
tão vasta tão alta tão bela
em vasto céu em alto azul em belo sol
cigarros e carros horários
conversas compadres contentes
sorrisos safados só risos
trabalhos tratados trapaças...
Pintura:
mirífica mecânica metrópole
mas...
no quadro
pintado
no canto
pintada
escura
a nuvem
vem vindo
tão negra
lá em cima
eu noto
no quadro
no alto
pintada
a nuvem
pequena
que cresce
tão rápido
e nunca
no nunca
alguém
ninguém
a vê
que vem
imensa cidade
pintada
tão vasta tão alta tão bela
em vasto céu em alto azul em belo sol
cigarros e carros horários
conversas compadres contentes
sorrisos safados só risos
trabalhos tratados trapaças...
Pintura:
mirífica mecânica metrópole
mas...
no quadro
pintado
no canto
pintada
escura
a nuvem
vem vindo
tão negra
lá em cima
eu noto
no quadro
no alto
pintada
a nuvem
pequena
que cresce
tão rápido
e nunca
no nunca
alguém
ninguém
a vê
que vem
17 julho 2009
A Criatura que Não Deveria Existir
Foi naquela noite de lua cheia que a vi. E desde então a criatura nunca mais saiu de minha vida. Eu sabia que aquela noite seria anormal, senti-o naturalmente logo aos meus primeiros passos pelo início da fria madrugada. Havia algo de estranho, de anômalo pairando nos ares, algo indefinível... Um aroma não identificável se alastrava com a brisa gelada que provinha do sul. Eu caminhava rápido para aquecer o corpo em uma rua pouco iluminada, quando escutei o som de passos lentos em um pátio. Detive-me para identificar de onde advinha o som e voltei minha atenção para uma tranqüila residência ao meu lado. Era ali que estava a criatura.
Ela se aproximou um pouco de mim e olhou-me de forma assustadoramente fixa. Mirou o fundo de meus olhos, como se pretendesse decifrá-los, decifrar minha alma através deles, e creio que deve ter conseguido. E eu ali permaneci, hipnotizado, extático, insano, contemplando como um lunático aquela criatura absurda que não deveria existir...
Então ela baixou a cabeça e dirigiu-se para os fundos da casa. Por alguns instantes eu ali fiquei, absorto nas terríveis sensações causadas pela visão daquele ser. Não sabia o que pensar. Não cheguei à conclusão alguma. Então retornei para minha casa, perdera todo o ânimo para prosseguir na caminhada. Aquela criatura não deixava minha mente nem por um segundo, a impressão que me causou foi imperecível, intensíssima, absolutamente devastadora. Foi como um furacão que arrasasse uma ilha desprotegida. A imagem inacreditável do ser que vislumbrei iria me perseguir por todos os meus dias, estava quase certo.
E naquela noite não consegui dormir. Passei-a em claro, e ao levantar da cama exausto de tanto pensar na criatura, tentei ir ao trabalho, e também me foi impossível. Decidi voltar a caminhar pelas ruas, profundamente abalado. Seria até mesmo possível que encontrasse novamente a criatura, não havia como excluir esse sombrio pensamento. Não a encontrei, no entanto. E finalmente o sono principiou a cair sobre meu organismo exaurido. Retornei a minha casa e atirei-me quase morto na cama; já havia anoitecido.
Dormi, porém não encontrei alívio a minha profunda perturbação. Tive sonhos e pesadelos insanos, verdadeiramente transtornados. É claro que em todos eles estava presente a criatura absurda, aquele olhar terrível, sempre escrutando a integridade de meu espírito. Naqueles estados oníricos, perambulei pelos mais estranhos lugares, por desconhecidas regiões de assombro, por locais tão estranhos e insólitos como a própria visão que tive, como aquele próprio ser de existência não admissível.
O que vi em meus sonhos e pesadelos situam-se muito além da compreensão humana. Eu mesmo não os compreendi, apenas os senti com uma intensidade psíquica arrebatadora, não sei se doentia ou salutar. O fato é que acordei ainda mais perturbado do que quando fora dormir. Levantei por volta do meio-dia e mal consegui almoçar. Após tomar banho, senti-me um pouco melhor e decidi novamente realizar uma caminhada pelas ruas ensolaradas e de temperatura agradável. Talvez conseguisse afastar de meus pensamentos e emoções a lembrança massacrante daquela criatura.
Andando sem destino e cantarolando melodias de Brahms para reconfortar minha alma, parecia que havia logrado esquecer minha visão sentenciosa. Mero engano. Definitivamente, a lembrança da criatura inaceitável vinha ao meu ser com uma fúria apocalíptica despertada pela própria luz do sol, pela própria melancolia da música de Brahms. A criatura era uma maldição, e eu, sua vítima. Compreendi naquele instante que não haveria saída para minha alma. Ela havia se tornada possuidora de meu espírito. Eu estava perdido, e uma força invencível ordenava-me a buscá-la por todos os meus dias.
E eles foram passando de forma fatídica, porém, após aceitar minha maldição, fui gradativamente equilibrando-me psiquicamente, tentando manter uma existência normal. No entanto, ainda que eu retornasse a minhas tarefas rotineiras, jamais poderia viver normalmente como antes. A todo instante a lembrança da criatura invadia-me como uma tempestade, e somente a arte aliviava-me de tão terrível força. Eu via seus olhos abrasadores em todos os lugares. Sua face absurda perseguia-me por todas as horas, como que me ordenando a buscá-la de forma irresistível, demente e inexplicável.
A questão era onde encontrá-la, como encontrá-la e por que deveria fazê-lo, mesmo sabendo o sofrimento insuportável que seria mirar naqueles olhos catastróficos. Passaram-se meses desde o dia em que a vi, e é claro que durante todo esse período eu procurei a criatura exaustivamente, rondei a residência onde a havia visto como um tigre ronda sua presa. Porém, eu era a presa. A vítima forçada a procurar pelo seu próprio martírio...
Pois eu procurei a criatura como um louco e jamais voltei a vê-la. Mesmo pensando que era impossível vê-la outra vez, que tudo poderia consistir em tão somente uma medonha alucinação, a força magnética da maldição real ou imaginária caída sobre mim era definitivamente insuperável. Em minha mente, em minha alma vivia apenas uma lei: buscar a criatura, por mais hediondo e torturante que isso fosse para mim.
E como isso era perturbador, como eu atravessava meus dias em constante tormento, meu sofrimento tornava-se intolerável dia após dia. Nenhum outro ser humano poderá ter ideia do que é viver de instante a instante com a imagem daquela criatura sempre presente de forma funesta em meu espírito, que não encontrava descanso. E pior do que isso: presença que me dominava e outorgava-me imperativamente a buscá-la, mesmo que isso fosse contra a minha real vontade...
Ou será que era minha real vontade? E se a minha vontade fosse a de encontrá-la infatigavelmente, porém de uma forma inconsciente, que para mim se mascarava através de uma suposta ordem advinda de um ser sobrenatural? Não sei, não posso responder, talvez jamais consiga... O fato é que a vi pela segunda vez...
Era uma noite como a primeira, a mesma lua luminosa e imensa, o mesmo clima denso e estranho. Eu passava pelo mesmo local, sentindo no rosto a mesma brisa fria... e lá estava a absurda criatura, exatamente à mesma hora da vez anterior... Detive-me atônito e enlouquecido diante daqueles inimagináveis olhos que me dominavam invencivelmente. Nem saberia agora descrever o que senti naquele instante. Apenas digo que a totalidade de meu ser quase foi consumida ao suportar por uma segunda vez aquela extrema visão. E então, como antes, a criatura que não deveria existir baixou sua inacreditável cabeça e dirigiu-se lentamente aos fundos da casa.
Eu a havia visto pela segunda vez... Como o mundo não acabou após isso. Como não morri? O que seria de minha existência a partir daquele momento? Eu jamais poderia imaginar que houvesse neste planeta uma visão tão terrível e avassaladora... Mas... creio que chegou o instante de eu tentar revelar o que, afinal, era essa visão. Sem dúvida, é uma visão verdadeiramente terrível! Porém, o terrível pode ser o supremo horror ou a suprema beleza. No caso da criatura absurda, não, não era a suprema beleza. Era mais, muito mais do que isso, talvez nem mesmo se possa aplicar àquele ser a palavra bela, ou sublime, ou celestial, ou qualquer outra palavra de qualquer língua. Todas serão sempre infinitamente inferiores, incapazes, impotentes. Talvez somente os anjos a saibam defini-la...
Eu vi uma mulher absolutamente divina? Uma deusa no sentido mais puro e pleno da palavra? Ou foi exatamente o contrário? O que contemplei foi um ser feminino incomensuravelmente infernal, tão demoníaco a ponto de desvelar ante meus miseráveis olhos mortais tão impiedosa beleza? Certa vez, li, não lembro em que amaldiçoado livro, que quando algumas criaturas de beleza absurda aparecem na terra, algo de extremamente trágico está na iminência de acontecer com a humanidade...
Aquela criatura não deveria existir, e se existe, jamais deveria ter se apresentado diante de mim... Por que eu? Como posso suportar tamanho tormento? Como, por um só instante, deixar de acatar qualquer ordem que ela incuta em minha alma de alguma forma desconhecida e subliminar? Como deixar de buscá-la? O que será de minha vida após essa 2ª visão? Só sei que prosseguirei com minha busca alucinada. Porém, quando eu a ver pela 3ª vez, e eu a verei, estou certo disso, quando eu a ver pela 3ª vez, não será somente uma visão... Vou preparar-me e tomarei uma outra atitude... uma outra suprema atitude.
Ela se aproximou um pouco de mim e olhou-me de forma assustadoramente fixa. Mirou o fundo de meus olhos, como se pretendesse decifrá-los, decifrar minha alma através deles, e creio que deve ter conseguido. E eu ali permaneci, hipnotizado, extático, insano, contemplando como um lunático aquela criatura absurda que não deveria existir...
Então ela baixou a cabeça e dirigiu-se para os fundos da casa. Por alguns instantes eu ali fiquei, absorto nas terríveis sensações causadas pela visão daquele ser. Não sabia o que pensar. Não cheguei à conclusão alguma. Então retornei para minha casa, perdera todo o ânimo para prosseguir na caminhada. Aquela criatura não deixava minha mente nem por um segundo, a impressão que me causou foi imperecível, intensíssima, absolutamente devastadora. Foi como um furacão que arrasasse uma ilha desprotegida. A imagem inacreditável do ser que vislumbrei iria me perseguir por todos os meus dias, estava quase certo.
E naquela noite não consegui dormir. Passei-a em claro, e ao levantar da cama exausto de tanto pensar na criatura, tentei ir ao trabalho, e também me foi impossível. Decidi voltar a caminhar pelas ruas, profundamente abalado. Seria até mesmo possível que encontrasse novamente a criatura, não havia como excluir esse sombrio pensamento. Não a encontrei, no entanto. E finalmente o sono principiou a cair sobre meu organismo exaurido. Retornei a minha casa e atirei-me quase morto na cama; já havia anoitecido.
Dormi, porém não encontrei alívio a minha profunda perturbação. Tive sonhos e pesadelos insanos, verdadeiramente transtornados. É claro que em todos eles estava presente a criatura absurda, aquele olhar terrível, sempre escrutando a integridade de meu espírito. Naqueles estados oníricos, perambulei pelos mais estranhos lugares, por desconhecidas regiões de assombro, por locais tão estranhos e insólitos como a própria visão que tive, como aquele próprio ser de existência não admissível.
O que vi em meus sonhos e pesadelos situam-se muito além da compreensão humana. Eu mesmo não os compreendi, apenas os senti com uma intensidade psíquica arrebatadora, não sei se doentia ou salutar. O fato é que acordei ainda mais perturbado do que quando fora dormir. Levantei por volta do meio-dia e mal consegui almoçar. Após tomar banho, senti-me um pouco melhor e decidi novamente realizar uma caminhada pelas ruas ensolaradas e de temperatura agradável. Talvez conseguisse afastar de meus pensamentos e emoções a lembrança massacrante daquela criatura.
Andando sem destino e cantarolando melodias de Brahms para reconfortar minha alma, parecia que havia logrado esquecer minha visão sentenciosa. Mero engano. Definitivamente, a lembrança da criatura inaceitável vinha ao meu ser com uma fúria apocalíptica despertada pela própria luz do sol, pela própria melancolia da música de Brahms. A criatura era uma maldição, e eu, sua vítima. Compreendi naquele instante que não haveria saída para minha alma. Ela havia se tornada possuidora de meu espírito. Eu estava perdido, e uma força invencível ordenava-me a buscá-la por todos os meus dias.
E eles foram passando de forma fatídica, porém, após aceitar minha maldição, fui gradativamente equilibrando-me psiquicamente, tentando manter uma existência normal. No entanto, ainda que eu retornasse a minhas tarefas rotineiras, jamais poderia viver normalmente como antes. A todo instante a lembrança da criatura invadia-me como uma tempestade, e somente a arte aliviava-me de tão terrível força. Eu via seus olhos abrasadores em todos os lugares. Sua face absurda perseguia-me por todas as horas, como que me ordenando a buscá-la de forma irresistível, demente e inexplicável.
A questão era onde encontrá-la, como encontrá-la e por que deveria fazê-lo, mesmo sabendo o sofrimento insuportável que seria mirar naqueles olhos catastróficos. Passaram-se meses desde o dia em que a vi, e é claro que durante todo esse período eu procurei a criatura exaustivamente, rondei a residência onde a havia visto como um tigre ronda sua presa. Porém, eu era a presa. A vítima forçada a procurar pelo seu próprio martírio...
Pois eu procurei a criatura como um louco e jamais voltei a vê-la. Mesmo pensando que era impossível vê-la outra vez, que tudo poderia consistir em tão somente uma medonha alucinação, a força magnética da maldição real ou imaginária caída sobre mim era definitivamente insuperável. Em minha mente, em minha alma vivia apenas uma lei: buscar a criatura, por mais hediondo e torturante que isso fosse para mim.
E como isso era perturbador, como eu atravessava meus dias em constante tormento, meu sofrimento tornava-se intolerável dia após dia. Nenhum outro ser humano poderá ter ideia do que é viver de instante a instante com a imagem daquela criatura sempre presente de forma funesta em meu espírito, que não encontrava descanso. E pior do que isso: presença que me dominava e outorgava-me imperativamente a buscá-la, mesmo que isso fosse contra a minha real vontade...
Ou será que era minha real vontade? E se a minha vontade fosse a de encontrá-la infatigavelmente, porém de uma forma inconsciente, que para mim se mascarava através de uma suposta ordem advinda de um ser sobrenatural? Não sei, não posso responder, talvez jamais consiga... O fato é que a vi pela segunda vez...
Era uma noite como a primeira, a mesma lua luminosa e imensa, o mesmo clima denso e estranho. Eu passava pelo mesmo local, sentindo no rosto a mesma brisa fria... e lá estava a absurda criatura, exatamente à mesma hora da vez anterior... Detive-me atônito e enlouquecido diante daqueles inimagináveis olhos que me dominavam invencivelmente. Nem saberia agora descrever o que senti naquele instante. Apenas digo que a totalidade de meu ser quase foi consumida ao suportar por uma segunda vez aquela extrema visão. E então, como antes, a criatura que não deveria existir baixou sua inacreditável cabeça e dirigiu-se lentamente aos fundos da casa.
Eu a havia visto pela segunda vez... Como o mundo não acabou após isso. Como não morri? O que seria de minha existência a partir daquele momento? Eu jamais poderia imaginar que houvesse neste planeta uma visão tão terrível e avassaladora... Mas... creio que chegou o instante de eu tentar revelar o que, afinal, era essa visão. Sem dúvida, é uma visão verdadeiramente terrível! Porém, o terrível pode ser o supremo horror ou a suprema beleza. No caso da criatura absurda, não, não era a suprema beleza. Era mais, muito mais do que isso, talvez nem mesmo se possa aplicar àquele ser a palavra bela, ou sublime, ou celestial, ou qualquer outra palavra de qualquer língua. Todas serão sempre infinitamente inferiores, incapazes, impotentes. Talvez somente os anjos a saibam defini-la...
Eu vi uma mulher absolutamente divina? Uma deusa no sentido mais puro e pleno da palavra? Ou foi exatamente o contrário? O que contemplei foi um ser feminino incomensuravelmente infernal, tão demoníaco a ponto de desvelar ante meus miseráveis olhos mortais tão impiedosa beleza? Certa vez, li, não lembro em que amaldiçoado livro, que quando algumas criaturas de beleza absurda aparecem na terra, algo de extremamente trágico está na iminência de acontecer com a humanidade...
Aquela criatura não deveria existir, e se existe, jamais deveria ter se apresentado diante de mim... Por que eu? Como posso suportar tamanho tormento? Como, por um só instante, deixar de acatar qualquer ordem que ela incuta em minha alma de alguma forma desconhecida e subliminar? Como deixar de buscá-la? O que será de minha vida após essa 2ª visão? Só sei que prosseguirei com minha busca alucinada. Porém, quando eu a ver pela 3ª vez, e eu a verei, estou certo disso, quando eu a ver pela 3ª vez, não será somente uma visão... Vou preparar-me e tomarei uma outra atitude... uma outra suprema atitude.
15 julho 2009
Soneto Para Depois do Sono
o que será de mim depois do sono
que astro em chama me olhará no outro dia
qual sol ouvirá a minha voz vazia
que verso virá do que em mim outono?
mas o que é que do meu destino é dono
qual igual seguirá a minha sangria
qual caminho qual estrada em que via
quais das mesmas ruas eu sempre tomo?
que alta lei retornará ao meu olhar
que mão divina desfará meus laços
quem comigo se arriscará no mar?
quem beberá sangue a meus olhos lassos
por qual sublime então irei chamar
quem é que irá me segurar nos braços?
que astro em chama me olhará no outro dia
qual sol ouvirá a minha voz vazia
que verso virá do que em mim outono?
mas o que é que do meu destino é dono
qual igual seguirá a minha sangria
qual caminho qual estrada em que via
quais das mesmas ruas eu sempre tomo?
que alta lei retornará ao meu olhar
que mão divina desfará meus laços
quem comigo se arriscará no mar?
quem beberá sangue a meus olhos lassos
por qual sublime então irei chamar
quem é que irá me segurar nos braços?
13 julho 2009
a um Anjo
ó Tu, Anjo
que quanto menos dizes de ti
mais comigo tu és
inspira-me com teu não-eu
esteja-me em tudo que falto
consiga-me em tudo que falho
conheça-me em tudo que esqueço
que tu sendo tu sou eu
sou eu que ao nunca me lanças
és tu que ergue-me em lanças
aos perigos das alturas da morte
que se assoma como tu te ocultas
e nos surge nas sombrias curvas
nestas curvas que te esquecem todos
nestes finais em que te elevas grave
como o verbo em que vibrei teu nome
além do amar em que filtrei-me o mal
além das forças que ao olhar triunfas...
que as noites sejam comigo leves
e contigo me leves...
que quanto menos dizes de ti
mais comigo tu és
inspira-me com teu não-eu
esteja-me em tudo que falto
consiga-me em tudo que falho
conheça-me em tudo que esqueço
que tu sendo tu sou eu
sou eu que ao nunca me lanças
és tu que ergue-me em lanças
aos perigos das alturas da morte
que se assoma como tu te ocultas
e nos surge nas sombrias curvas
nestas curvas que te esquecem todos
nestes finais em que te elevas grave
como o verbo em que vibrei teu nome
além do amar em que filtrei-me o mal
além das forças que ao olhar triunfas...
que as noites sejam comigo leves
e contigo me leves...
10 julho 2009
No Mistério do Eterno Retorno (Parte Final)
Então, percebendo as extremas alterações, desviei meus olhos do animal para ver o que ocorria ao meu redor, e para meu estarrecedor assombro, todos os elementos da floresta passaram a se modificar numa rapidez inaceitável. Árvores morriam e eram substituídas por outras que cresciam em inenarrável aceleração. Surgiam animais como que do nada e desapareciam de maneira tão rápida que eu nada saberia dizer sobre eles. Chovia em questão de segundos, ou menos que isso, e logo surgia o sol. Dias e noites se sucediam como relâmpagos, e tudo se alterava de maneira cada vez mais veloz. Até que não tive dúvida de que se tratava de uma inexplicável aceleração do tempo...
E eu ali permanecia estático, com somente a árvore e o felino diante de mim, enquanto ao meu redor nada continuava igual nem por uma fração de segundo. De modo que pude ver a presença de homens na floresta, e o número crescia incessantemente. E após, percebi que tais homens destruíam a mata, matavam os animais, e logo já se avistavam construções cujo número aumentava espantosamente. E o rio corria a meu lado, e em suas águas, grandes barcos desciam em absurda velocidade. E quando voltei meus olhos à direita, já não havia mais floresta, havia agora uma cidade habitada por milhares de humanos, e a cidade crescia em um ritmo assustador. E prédios gigantescos assomavam diante de meus olhos, e passei a vislumbrar máquinas estranhas que se moviam sozinhas, cada vez de maneira mais rápida, e então vi outras máquinas absurdas que voavam frenéticas pelos ares, como gigantescos pássaros de ferro.
E os ares foram escurecendo, cada vez mais cinzentos, e o rio foi reduzindo sua extensão, suas águas foram perdendo força, tornando-se cada vez mais sujas, imundas. No entanto, eu ali permanecia, com a árvore e o felino, sem que ninguém nos visse ou percebesse a nossa presença. Era como se estivéssemos em outra dimensão, jamais afetados pelas ocorrências exteriores.
E, finalmente, uma cidade hercúlea, ciclópica, caótica, infinda e superpovoada ergueu-se diante de meus olhos atônitos, e soube, não sei como, que ela era uma cidade de um país chamado Brasil, e que o rio ao meu lado, agora podre e morto, chamava-se Tietê. Porém, a corrida do tempo não cessou. Após a cidade atingir seu auge, vi o seu declínio vertiginoso, a sua destruição, contemplei a sua ruína causada por devastadoras catástrofes, por guerras monstruosas, por calamitosas doenças, vi a morte imperar absoluta, vi terremotos e dilúvios brutais, explosões inimagináveis, furacões de fúria infernal, enfim, vi o fim definitivo de toda a cidade, a morte de todos seus habitantes. E somente o que me ocorria era ver, porque todos os meus outros sentidos pareciam neutralizados. Eu nada ouvia, não sentia nenhum cheiro, nem frio, nem calor, nada além das visões.
E atingi o instante, sempre seguindo a progressão de absurda velocidade do tempo, em que ao meu redor não existia mais nada, em definitivo, a não ser um infindável deserto de uma matéria horrível e informe, que transmitia total desolação, sob um céu intensamente vermelho, em chamas eu diria, até que finalmente veio o fogo. Uma combustão apocalíptica e insalubre apoderou-se da massa informe e indeterminável e consumiu tudo. Então, nesse instante, o imenso felino, que continuava me fitando, para a expansão de meu assombro, o felino, ou algo ou alguém através dele, falou:
- Agora está concluído. Em breve virá o grande recomeço. Quando tu, amigo, chegaste até aqui, eu vivia em uma interminável floresta intocada e plena de vida. Mas o tempo passa, como aceleradamente presenciaste. E, talvez, tenhas te perguntado para onde foram todos os vegetais e animais que aqui existiam. Pois eu digo que seus corpos físicos foram aniquilados, porém suas almas permanecem, continua o ciclo da existência em uma outra dimensão do infinito universo, numa transmigração de acordo com as leis cósmicas. Lá, aguardam o momento preciso em que deverão voltar e “reconstruir” a gigantesca floresta que ocupou estas terras. Como a água que é evaporada pelo sol e depois retorna como chuva. É a sábia lei do Eterno Retorno.
Nesse momento, deixei de ouvir a humana voz do felino e de ver qualquer coisa. Creio que adormeci ou desmaiei... Não sei. Só o que sei é que quando retomei a consciência, eu me encontrava em uma imensa embarcação, em um navio pertencente a uma esquadra, que singrava o mar e se aproximava de uma terra desconhecida, da qual somente se avistava uma vasta e infindável floresta...
Após alguns instantes de verificação, pude comprovar, ao menos para mim, aquilo que intuitivamente suspeitava. Aquelas terras estavam sendo descobertas mais uma vez, tudo estava se repetindo. Já haviam sido descobertas na anterior civilização, cujo fim contemplei, por um homem chamado Cabral. Agora, quem realizaria a nova façanha chamava-se Labrac. E lá, adiante, eu podia vislumbrar a colossal floresta novamente erguida e vitoriosa, conforme profetizara aquele fantástico felino... “Não há nada de novo sobre a terra...”
E eu ali permanecia estático, com somente a árvore e o felino diante de mim, enquanto ao meu redor nada continuava igual nem por uma fração de segundo. De modo que pude ver a presença de homens na floresta, e o número crescia incessantemente. E após, percebi que tais homens destruíam a mata, matavam os animais, e logo já se avistavam construções cujo número aumentava espantosamente. E o rio corria a meu lado, e em suas águas, grandes barcos desciam em absurda velocidade. E quando voltei meus olhos à direita, já não havia mais floresta, havia agora uma cidade habitada por milhares de humanos, e a cidade crescia em um ritmo assustador. E prédios gigantescos assomavam diante de meus olhos, e passei a vislumbrar máquinas estranhas que se moviam sozinhas, cada vez de maneira mais rápida, e então vi outras máquinas absurdas que voavam frenéticas pelos ares, como gigantescos pássaros de ferro.
E os ares foram escurecendo, cada vez mais cinzentos, e o rio foi reduzindo sua extensão, suas águas foram perdendo força, tornando-se cada vez mais sujas, imundas. No entanto, eu ali permanecia, com a árvore e o felino, sem que ninguém nos visse ou percebesse a nossa presença. Era como se estivéssemos em outra dimensão, jamais afetados pelas ocorrências exteriores.
E, finalmente, uma cidade hercúlea, ciclópica, caótica, infinda e superpovoada ergueu-se diante de meus olhos atônitos, e soube, não sei como, que ela era uma cidade de um país chamado Brasil, e que o rio ao meu lado, agora podre e morto, chamava-se Tietê. Porém, a corrida do tempo não cessou. Após a cidade atingir seu auge, vi o seu declínio vertiginoso, a sua destruição, contemplei a sua ruína causada por devastadoras catástrofes, por guerras monstruosas, por calamitosas doenças, vi a morte imperar absoluta, vi terremotos e dilúvios brutais, explosões inimagináveis, furacões de fúria infernal, enfim, vi o fim definitivo de toda a cidade, a morte de todos seus habitantes. E somente o que me ocorria era ver, porque todos os meus outros sentidos pareciam neutralizados. Eu nada ouvia, não sentia nenhum cheiro, nem frio, nem calor, nada além das visões.
E atingi o instante, sempre seguindo a progressão de absurda velocidade do tempo, em que ao meu redor não existia mais nada, em definitivo, a não ser um infindável deserto de uma matéria horrível e informe, que transmitia total desolação, sob um céu intensamente vermelho, em chamas eu diria, até que finalmente veio o fogo. Uma combustão apocalíptica e insalubre apoderou-se da massa informe e indeterminável e consumiu tudo. Então, nesse instante, o imenso felino, que continuava me fitando, para a expansão de meu assombro, o felino, ou algo ou alguém através dele, falou:
- Agora está concluído. Em breve virá o grande recomeço. Quando tu, amigo, chegaste até aqui, eu vivia em uma interminável floresta intocada e plena de vida. Mas o tempo passa, como aceleradamente presenciaste. E, talvez, tenhas te perguntado para onde foram todos os vegetais e animais que aqui existiam. Pois eu digo que seus corpos físicos foram aniquilados, porém suas almas permanecem, continua o ciclo da existência em uma outra dimensão do infinito universo, numa transmigração de acordo com as leis cósmicas. Lá, aguardam o momento preciso em que deverão voltar e “reconstruir” a gigantesca floresta que ocupou estas terras. Como a água que é evaporada pelo sol e depois retorna como chuva. É a sábia lei do Eterno Retorno.
Nesse momento, deixei de ouvir a humana voz do felino e de ver qualquer coisa. Creio que adormeci ou desmaiei... Não sei. Só o que sei é que quando retomei a consciência, eu me encontrava em uma imensa embarcação, em um navio pertencente a uma esquadra, que singrava o mar e se aproximava de uma terra desconhecida, da qual somente se avistava uma vasta e infindável floresta...
Após alguns instantes de verificação, pude comprovar, ao menos para mim, aquilo que intuitivamente suspeitava. Aquelas terras estavam sendo descobertas mais uma vez, tudo estava se repetindo. Já haviam sido descobertas na anterior civilização, cujo fim contemplei, por um homem chamado Cabral. Agora, quem realizaria a nova façanha chamava-se Labrac. E lá, adiante, eu podia vislumbrar a colossal floresta novamente erguida e vitoriosa, conforme profetizara aquele fantástico felino... “Não há nada de novo sobre a terra...”
09 julho 2009
No Mistério do Eterno Retorno (1ª Parte)
No mês de março do ano de 1547, cheguei pela primeira vez às vastas terras daquela nova e magnífica região. Sendo eu um eterno apaixonado pela natureza e por suas mais diversas manifestações, possuía apenas um único objetivo ao deixar a Europa para visitar aquelas surpreendentes terras a pouco descobertas: conhecer, através de um contato direto e perdurável, toda a sua fantástica e paradisíaca flora e fauna, alucinado como estava pelas quase sobrenaturais histórias que me eram narradas na Europa a respeito das luxuriantes florestas e dos deslumbrantes e estranhos animais que aqui existiriam.
De modo que ao chegar ao meu destino, não perdi tempo em organizar uma expedição para me acompanhar em uma excursão ao interior de uma floresta que aparentava ser infinita e cujo aspecto monumental e misterioso irradiava uma terrível sensação de estarmos diante de algo absolutamente sobre-humano, e que, por isso, deveríamos respeitar e reverenciar como os próprios deuses.
Diferentemente do que geralmente ocorria, minha pequena expedição não tinha nenhum interesse de exploração econômica ou científica, mas, ao contrário, consistia em algo de puro interesse contemplativo, artístico e poético, eu diria, apenas para satisfazer e elevar a alma com tão majestática grandeza, cujos inextrincáveis enigmas e mistérios me seduziam de forma arrebatadora.
Aos poucos, com certa dificuldade, mas também com imenso prazer, ao menos de minha parte, eu e meus companheiros fomos penetrando naquela vegetação exuberante e infindável, que aparentava ser o cenário de alguma nebulosa lenda mitológica. Instantes depois, tomado de uma fascinação que me exaltava a consciência, sem saber esclarecer como, vi-me, em determinado momento, sozinho em meio à labiríntica selva. Todos os meus companheiros haviam desaparecido, não ouvia mais suas vozes ou passos ou o som de suas ferramentas para abrir passagem na mata... Agora, era só eu e a natureza selvagem e monárquica. Longe de sentir-me amedrontado, fui invadido por uma sensação de puro êxtase e tranquilidade, que me fez prosseguir por entre a vegetação estranhamente emocionado e confiante...
Ao longo de meu percurso, em que avançava lentamente, passava ao lado de gigantescas árvores de aspecto solene que deixavam a impressão de moverem-se em minha direção, como que me observando na curiosidade de entender a minha presença naquele mirífico local, muito provavelmente sendo pisado pela primeira vez por um membro da civilização européia. Encontrava-me cercado pelas mais estranhas e exóticas formações vegetais, ouvia maravilhado os esplêndidos e bizarros cantos de aves absolutamente desconhecidas, alguns belíssimos e celestiais, outros verdadeiramente assustadores. Mesmo em completa solidão, não me sentia solitário, era como se todos aqueles seres desconhecidos consistissem em companheiros confiáveis e conscientes de minha presença, e eu tinha a esquisita impressão de que esta não era por eles considerada hostil...
O dia, um tanto quente, mas cujo calor era pouco percebido no frescor daquela sombria e fechada floresta, resplendia com um sol titânico que imperava no céu de manto plenamente azul. Ventava uma brisa salutar por entre a vegetação, e com ela miríades de perfumes e aromas que se poderia afirmar terem vindo do paraíso, ou de outras regiões celestiais... Creio que não devia passar das 9 horas da manhã, quando vi o primeiro mamífero na floresta, justamente no momento em que me deliciava com os perfumes e incensos naturais. O animal era algo como um pequeno cachorro, semelhante à raposa européia. Olhou-me fixamente, para em seguida prosseguir em seu caminho com absoluta tranquilidade. Enquanto isso, a complexa sinfonia dos pássaros prosseguia. Infinidades de borboletas multicores e outros insetos inconcebíveis esvoaçavam pelos ares, ao mesmo tempo em que eu verificava que já me encontrava com a roupa molhada devido ao contato que tivera com o orvalho cintilante que gotejava de todas as folhas e com as etéreas névoas de umidade que se alastravam por entre as árvores. Simultaneamente, eu podia avistar um sem-número de aves nunca vistas ou descritas, em um espetáculo estonteante e comovente.
Sentia-me imerso em outro mundo, em um selvagem universo de magia, absolutamente olvidado por toda civilização humana. À medida que avançava mais e mais por entre a densa e sonora floresta, o número de animais que avistava foi aumentando consideravelmente, e o espetáculo de uma inaudita e estarrecedora natureza dominou-me de forma perene, tanto que eu quase não me recordava do fato de que me encontrava isolado em um ambiente, além de mágico, potencialmente perigoso, cujos perigos eu desconhecia quase que totalmente.
No entanto, isso não me preocupava, pois sou dotado de um espírito sonhador e apaixonado, jamais prático e calculista. De modo que não senti medo ao avistar enroscada em um alto galho uma imensa serpente esverdeada que calmamente me vigiava. Então, passei a despender mais atenção às copas das árvores e agora contemplava pássaros absolutamente inacreditáveis, de uma plumagem quase sobrenatural, com variações e combinações de cores que pareciam ter surgido da mais louca imaginação. E tudo se transformou em uma eufórica gritaria agradabilíssima emitida por aquelas aves de enormes bicos multicores, tão deslumbrantes que jamais pensei pudessem existir.
Avistava ainda pequenos felinos, diversos tipos de répteis, roedores, alguns gigantescos, e inimagináveis macacos, alguns muito pequenos, um tanto estranhos e diferentes de tudo o que já conhecera, extremamente curiosos, ágeis e irrequietos, com espessa pelagem brilhante e de várias cores, algumas chegando a um encantador dourado, de aspecto um tanto delicado e simpático. Também me impressionou a visão daquele imenso animal caminhando por entre a mata, assemelhando-se levemente a um cavalo baixo e gordo.
Após mais algum tempo de difícil, porém deleitosa caminhada pela floresta, principiei a ouvir o som de correntezas. Guiado pelo som, atingi as margens de um colossal e belíssimo rio. Então pela primeira vez senti verdadeiro medo, pois ao olhar ao alto de uma imponente árvore de flores vermelhas e amarelas divisei, em um de seus galhos, um enorme felino muito semelhante a um leopardo, talvez um pouco maior. O animal me observava de forma fixa, e eu, extático e assustado, mantive-me imóvel, mirando os olhos da fera detidamente. A partir desse instante não sei dizer o que ocorreu comigo, se foi realidade ou alucinação. Só o que sei é que permaneci ali com os olhos cravados no felino, e ele com os seus nos meus, enquanto o cenário se modificava de forma absurda, em uma velocidade vertiginosa. Somente o que permanecia inalterado era minha localização, a do felino e a da árvore em que ele se encontrava semideitado...
Diferentemente do que geralmente ocorria, minha pequena expedição não tinha nenhum interesse de exploração econômica ou científica, mas, ao contrário, consistia em algo de puro interesse contemplativo, artístico e poético, eu diria, apenas para satisfazer e elevar a alma com tão majestática grandeza, cujos inextrincáveis enigmas e mistérios me seduziam de forma arrebatadora.
Aos poucos, com certa dificuldade, mas também com imenso prazer, ao menos de minha parte, eu e meus companheiros fomos penetrando naquela vegetação exuberante e infindável, que aparentava ser o cenário de alguma nebulosa lenda mitológica. Instantes depois, tomado de uma fascinação que me exaltava a consciência, sem saber esclarecer como, vi-me, em determinado momento, sozinho em meio à labiríntica selva. Todos os meus companheiros haviam desaparecido, não ouvia mais suas vozes ou passos ou o som de suas ferramentas para abrir passagem na mata... Agora, era só eu e a natureza selvagem e monárquica. Longe de sentir-me amedrontado, fui invadido por uma sensação de puro êxtase e tranquilidade, que me fez prosseguir por entre a vegetação estranhamente emocionado e confiante...
Ao longo de meu percurso, em que avançava lentamente, passava ao lado de gigantescas árvores de aspecto solene que deixavam a impressão de moverem-se em minha direção, como que me observando na curiosidade de entender a minha presença naquele mirífico local, muito provavelmente sendo pisado pela primeira vez por um membro da civilização européia. Encontrava-me cercado pelas mais estranhas e exóticas formações vegetais, ouvia maravilhado os esplêndidos e bizarros cantos de aves absolutamente desconhecidas, alguns belíssimos e celestiais, outros verdadeiramente assustadores. Mesmo em completa solidão, não me sentia solitário, era como se todos aqueles seres desconhecidos consistissem em companheiros confiáveis e conscientes de minha presença, e eu tinha a esquisita impressão de que esta não era por eles considerada hostil...
O dia, um tanto quente, mas cujo calor era pouco percebido no frescor daquela sombria e fechada floresta, resplendia com um sol titânico que imperava no céu de manto plenamente azul. Ventava uma brisa salutar por entre a vegetação, e com ela miríades de perfumes e aromas que se poderia afirmar terem vindo do paraíso, ou de outras regiões celestiais... Creio que não devia passar das 9 horas da manhã, quando vi o primeiro mamífero na floresta, justamente no momento em que me deliciava com os perfumes e incensos naturais. O animal era algo como um pequeno cachorro, semelhante à raposa européia. Olhou-me fixamente, para em seguida prosseguir em seu caminho com absoluta tranquilidade. Enquanto isso, a complexa sinfonia dos pássaros prosseguia. Infinidades de borboletas multicores e outros insetos inconcebíveis esvoaçavam pelos ares, ao mesmo tempo em que eu verificava que já me encontrava com a roupa molhada devido ao contato que tivera com o orvalho cintilante que gotejava de todas as folhas e com as etéreas névoas de umidade que se alastravam por entre as árvores. Simultaneamente, eu podia avistar um sem-número de aves nunca vistas ou descritas, em um espetáculo estonteante e comovente.
Sentia-me imerso em outro mundo, em um selvagem universo de magia, absolutamente olvidado por toda civilização humana. À medida que avançava mais e mais por entre a densa e sonora floresta, o número de animais que avistava foi aumentando consideravelmente, e o espetáculo de uma inaudita e estarrecedora natureza dominou-me de forma perene, tanto que eu quase não me recordava do fato de que me encontrava isolado em um ambiente, além de mágico, potencialmente perigoso, cujos perigos eu desconhecia quase que totalmente.
No entanto, isso não me preocupava, pois sou dotado de um espírito sonhador e apaixonado, jamais prático e calculista. De modo que não senti medo ao avistar enroscada em um alto galho uma imensa serpente esverdeada que calmamente me vigiava. Então, passei a despender mais atenção às copas das árvores e agora contemplava pássaros absolutamente inacreditáveis, de uma plumagem quase sobrenatural, com variações e combinações de cores que pareciam ter surgido da mais louca imaginação. E tudo se transformou em uma eufórica gritaria agradabilíssima emitida por aquelas aves de enormes bicos multicores, tão deslumbrantes que jamais pensei pudessem existir.
Avistava ainda pequenos felinos, diversos tipos de répteis, roedores, alguns gigantescos, e inimagináveis macacos, alguns muito pequenos, um tanto estranhos e diferentes de tudo o que já conhecera, extremamente curiosos, ágeis e irrequietos, com espessa pelagem brilhante e de várias cores, algumas chegando a um encantador dourado, de aspecto um tanto delicado e simpático. Também me impressionou a visão daquele imenso animal caminhando por entre a mata, assemelhando-se levemente a um cavalo baixo e gordo.
Após mais algum tempo de difícil, porém deleitosa caminhada pela floresta, principiei a ouvir o som de correntezas. Guiado pelo som, atingi as margens de um colossal e belíssimo rio. Então pela primeira vez senti verdadeiro medo, pois ao olhar ao alto de uma imponente árvore de flores vermelhas e amarelas divisei, em um de seus galhos, um enorme felino muito semelhante a um leopardo, talvez um pouco maior. O animal me observava de forma fixa, e eu, extático e assustado, mantive-me imóvel, mirando os olhos da fera detidamente. A partir desse instante não sei dizer o que ocorreu comigo, se foi realidade ou alucinação. Só o que sei é que permaneci ali com os olhos cravados no felino, e ele com os seus nos meus, enquanto o cenário se modificava de forma absurda, em uma velocidade vertiginosa. Somente o que permanecia inalterado era minha localização, a do felino e a da árvore em que ele se encontrava semideitado...
Amanhã, a parte final.
07 julho 2009
do Impossível
sou o que não sou
por isso irei chegar
onde jamais chegarei
e onde chegar
se chega não se podendo
e ainda que não poderei
irei ir sentindo
e sendo
que só o impossível
é que vale a pena
que não sendo pessoa
minha alma é imensa
acordando pequena
que ali onde não estive
é onde sempre cheguei
e se um dia vivi
é porque fracassei
e tudo que ninguém dirá
alcançarei em silêncio
para entregar a ti
e quando estiver certo
que em tudo falhei
eu criarei:
consegui.
por isso irei chegar
onde jamais chegarei
e onde chegar
se chega não se podendo
e ainda que não poderei
irei ir sentindo
e sendo
que só o impossível
é que vale a pena
que não sendo pessoa
minha alma é imensa
acordando pequena
que ali onde não estive
é onde sempre cheguei
e se um dia vivi
é porque fracassei
e tudo que ninguém dirá
alcançarei em silêncio
para entregar a ti
e quando estiver certo
que em tudo falhei
eu criarei:
consegui.
03 julho 2009
Transbordamento
as águas de tudo que sinto
transbordam das sangas
rios
oceanos
como num tsunami holocáustico
as lavas de todas minhas ânsias
se jorram dos picos
cumes
montanhas
como num vulcão catastrófico
as luzes de todos meus sonhos
se espalham por campos
terras
planetas
como uma final bomba atômica
por que então minha arte
se deve conter
dentro das regras?
transbordam das sangas
rios
oceanos
como num tsunami holocáustico
as lavas de todas minhas ânsias
se jorram dos picos
cumes
montanhas
como num vulcão catastrófico
as luzes de todos meus sonhos
se espalham por campos
terras
planetas
como uma final bomba atômica
por que então minha arte
se deve conter
dentro das regras?
02 julho 2009
Pensamento Mágico X Pensamento Mecanicista
A Índia e o Hinduísmo (ou a superfície de um Hinduísmo degradado) estão na moda agora, graças à novela da Globo. Aproveito então, para deixar algo sobre o assunto.
O Hinduísmo tem, ou tinha, um pensamento mágico sobre o universo. Eu não irei afirmar se é correto ou se não é. Melhor que cada um chegue a sua própria conclusão. A verdade é que graças a esse pensamento mágico, os hindus, antigamente, consideravam todos os seres vivos como sagrados (não que agora isso tenha acabado totalmente, mas se modificou bastante, degenerou-se em grande parte, como tudo em nossa civilização).
Durante séculos, milênios, os hindus conviveram em harmonia com a fauna e a flora de seu país. Esse pensamento mágico, que a “ciência” ocidental consideraria equivocado, antiquado, retrógrado, “não-científico”, em realidade era muito mais avançado em relação ao pensamento mecanicista que infestou nossa civilização após o fim da Idade Média. Para os antigos hindus, todos os seres possuíam alma, e por isso deveriam ser respeitados. Deveríamos conviver com a natureza e respeitá-la, não dominá-la ou explorá-la egoicamente.
Porém, nos séculos XIX e XX, os ingleses invadiram a Índia, e o pensamento mecanicista do ocidente, para o qual tudo era visto como uma máquina perfeitamente explicada pelo homem, deslumbrou-se com toda a riqueza da natureza indiana. Deslumbrou-se não para contemplá-la ou conviver harmoniosamente com ela, mas para dominá-la, conquistá-la, retirar dela até sua última gota de vida e de riqueza. Pois, para o pensamento dito “científico” do ocidente naquela época, a alma não existiria nem no homem, muito menos em outros seres, considerados “inferiores”.
O resultado foi o massacre impiedoso da então abundante fauna e flora da Índia. Florestas foram dizimadas; elefantes foram escravizados para retirar da própria floresta as árvores derrubadas. Tigres, leões e leopardos foram exterminados para serem exibidos como troféus. Veados-almiscareiros eram mortos para virarem perfume. Macacos de diversas espécies eram abatidos pelo simples prazer de matar. Esse era o pensamento “correto” para os ocidentais: extirpar da natureza tudo o que nela houvesse de vida, submetê-la à vontade superior dos homens, vencê-la como se ela fosse nosso maior inimigo.
Foi assim só na Índia? Óbvio que não. Eu nem necessito mencionar o resto... Hoje, colhemos os negros e podres frutos do “correto”, do "verdadeiro" pensamento mecanicista. O planeta morre. Isso é tudo. Enquanto o “equivocado” e “retrógrado” pensamento mágico ainda é visto com desdém, ou ridicularizado. E assim caminha a humanidade...
O Hinduísmo tem, ou tinha, um pensamento mágico sobre o universo. Eu não irei afirmar se é correto ou se não é. Melhor que cada um chegue a sua própria conclusão. A verdade é que graças a esse pensamento mágico, os hindus, antigamente, consideravam todos os seres vivos como sagrados (não que agora isso tenha acabado totalmente, mas se modificou bastante, degenerou-se em grande parte, como tudo em nossa civilização).
Durante séculos, milênios, os hindus conviveram em harmonia com a fauna e a flora de seu país. Esse pensamento mágico, que a “ciência” ocidental consideraria equivocado, antiquado, retrógrado, “não-científico”, em realidade era muito mais avançado em relação ao pensamento mecanicista que infestou nossa civilização após o fim da Idade Média. Para os antigos hindus, todos os seres possuíam alma, e por isso deveriam ser respeitados. Deveríamos conviver com a natureza e respeitá-la, não dominá-la ou explorá-la egoicamente.
Porém, nos séculos XIX e XX, os ingleses invadiram a Índia, e o pensamento mecanicista do ocidente, para o qual tudo era visto como uma máquina perfeitamente explicada pelo homem, deslumbrou-se com toda a riqueza da natureza indiana. Deslumbrou-se não para contemplá-la ou conviver harmoniosamente com ela, mas para dominá-la, conquistá-la, retirar dela até sua última gota de vida e de riqueza. Pois, para o pensamento dito “científico” do ocidente naquela época, a alma não existiria nem no homem, muito menos em outros seres, considerados “inferiores”.
O resultado foi o massacre impiedoso da então abundante fauna e flora da Índia. Florestas foram dizimadas; elefantes foram escravizados para retirar da própria floresta as árvores derrubadas. Tigres, leões e leopardos foram exterminados para serem exibidos como troféus. Veados-almiscareiros eram mortos para virarem perfume. Macacos de diversas espécies eram abatidos pelo simples prazer de matar. Esse era o pensamento “correto” para os ocidentais: extirpar da natureza tudo o que nela houvesse de vida, submetê-la à vontade superior dos homens, vencê-la como se ela fosse nosso maior inimigo.
Foi assim só na Índia? Óbvio que não. Eu nem necessito mencionar o resto... Hoje, colhemos os negros e podres frutos do “correto”, do "verdadeiro" pensamento mecanicista. O planeta morre. Isso é tudo. Enquanto o “equivocado” e “retrógrado” pensamento mágico ainda é visto com desdém, ou ridicularizado. E assim caminha a humanidade...
30 junho 2009
Ninguém...
cheguei a todo lugar
onde chegar já não chega
fui além do além do não ido
com tudo que tinha de mim
com minha alma e arte
com minha sombra e rastro
e já não pude voltar
quando cheguei ao fim
em meu nada levei o todo comigo
estive à beira de tudo que é alto
pisei ao extremo daquilo que é abismo
e ninguém soube e ninguém viu
disse o que não é ouvido
apostei o tudo que não tinha
e meu número nunca saiu
voei meu sonho ao proibido
fervi meu sangue com veneno
senti além do que em mim não coube
escalei sem corda o topo do absurdo
alcei-me ao ponto de um limite que não há
e ninguém viu e ninguém soube...
onde chegar já não chega
fui além do além do não ido
com tudo que tinha de mim
com minha alma e arte
com minha sombra e rastro
e já não pude voltar
quando cheguei ao fim
em meu nada levei o todo comigo
estive à beira de tudo que é alto
pisei ao extremo daquilo que é abismo
e ninguém soube e ninguém viu
disse o que não é ouvido
apostei o tudo que não tinha
e meu número nunca saiu
voei meu sonho ao proibido
fervi meu sangue com veneno
senti além do que em mim não coube
escalei sem corda o topo do absurdo
alcei-me ao ponto de um limite que não há
e ninguém viu e ninguém soube...
600 milhões de casos de gripe comum todos os anos...
A mortalidade da gripe suína é bastante irregular de país para país. No Brasil, por exemplo, por enquanto é baixíssima, estando abaixo de 0,2%. No México, está acima de 1%, e na Argentina chega quase a 2%. Porém, na média mundial atual, segundo o OMS, está em 0,6%, dentro dos padrões da gripe comum.
No entanto, o que não se pode é divulgar a informação calamitosa de que a gripe comum tem mortalidade de 5%. Segundo a OMS, a gripe comum ataca cerca de 600 milhões de pessoas por ano em todo mundo. Se tivéssemos um índice de mortalidade de 5% na gripe comum, teríamos 30 milhões de mortes pela gripe todos os anos. Seria uma pandemia superior à da gripe espanhola, que matou entre 18 e 20 milhões de pessoas em um ano, a mais letal pandemia de gripe de que se tem notícia. Uma pandemia superior a essa, seria um verdadeiro desastre humanitário.
Creio que na ânsia de tentar convencer a população de que a gripe suína não é tão grave como se imaginava, os veículos de informação estão superestimando a gravidade da gripe comum. Querem desfazer um monstro e acabam criando outro.
No entanto, o que não se pode é divulgar a informação calamitosa de que a gripe comum tem mortalidade de 5%. Segundo a OMS, a gripe comum ataca cerca de 600 milhões de pessoas por ano em todo mundo. Se tivéssemos um índice de mortalidade de 5% na gripe comum, teríamos 30 milhões de mortes pela gripe todos os anos. Seria uma pandemia superior à da gripe espanhola, que matou entre 18 e 20 milhões de pessoas em um ano, a mais letal pandemia de gripe de que se tem notícia. Uma pandemia superior a essa, seria um verdadeiro desastre humanitário.
Creio que na ânsia de tentar convencer a população de que a gripe suína não é tão grave como se imaginava, os veículos de informação estão superestimando a gravidade da gripe comum. Querem desfazer um monstro e acabam criando outro.
29 junho 2009
Gripe Suína é mais Letal
Folheando o jornal Expresso Ilustrado, deparei-me com uma informação absurda. A de que o gripe comum possui um índice de mortalidade de 5%. Se assim fosse, teríamos milhões de pessoas mortas pela gripe comum todos os anos. A gripe espanhola que no passado matou cerca de 18 milhões de seres humanos ao redor do mundo apresentava uma mortalidade de 4,5%.
Na verdade, segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Renato Grinbaum, o índice de mortalidade da gripe comum encontra-se na faixa de 0,5 a 1%, enquanto que o da gripe suína está numa faixa entre 0,5 a 1,5%, dependendo da região do planeta. Mas como ela ainda está em processo de expansão, não se pode estabelecer com precisão sua taxa de letalidade. Mesmo que a diferença seja mínima e não muito significante, a gripe suína é um pouca mais letal que a comum, e não o contrário, como afirmou o jornal santiaguense.
Sugiro que o jornal Expresso corrija a informação veiculada.
Na verdade, segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Renato Grinbaum, o índice de mortalidade da gripe comum encontra-se na faixa de 0,5 a 1%, enquanto que o da gripe suína está numa faixa entre 0,5 a 1,5%, dependendo da região do planeta. Mas como ela ainda está em processo de expansão, não se pode estabelecer com precisão sua taxa de letalidade. Mesmo que a diferença seja mínima e não muito significante, a gripe suína é um pouca mais letal que a comum, e não o contrário, como afirmou o jornal santiaguense.
Sugiro que o jornal Expresso corrija a informação veiculada.
28 junho 2009
Rio do Inferno
em rio
de lágrimas
eu rio
das lágrimas...
a humana vida
é uma ironia fantástica
de uma pintura de Bosch
deboche
em graça sarcástica
mas...
e aquele humano
sorriso?
só riso.
de lágrimas
eu rio
das lágrimas...
a humana vida
é uma ironia fantástica
de uma pintura de Bosch
deboche
em graça sarcástica
mas...
e aquele humano
sorriso?
só riso.
26 junho 2009
Veneno
eu nada tenho a dizer
a não ser: chegou o Fim
nem um pouco importa a mim
se meu poema é veneno
e se meu poema é um corte
de morte na morte e pra morte
não há mais nada a fazer
o tempo dá um grito e morre
o sangue do amor escorre...
se meu poema é veneno
é de um fantasma catártico:
um trágico em trágico e trágico
nosso destino é morrer
tragando o vinho que espera
nos olhos da ânsia da fera...
sim, meu poema é veneno
licor de rosa indefesa:
tristeza à tristeza: Tristeza
a não ser: chegou o Fim
nem um pouco importa a mim
se meu poema é veneno
e se meu poema é um corte
de morte na morte e pra morte
não há mais nada a fazer
o tempo dá um grito e morre
o sangue do amor escorre...
se meu poema é veneno
é de um fantasma catártico:
um trágico em trágico e trágico
nosso destino é morrer
tragando o vinho que espera
nos olhos da ânsia da fera...
sim, meu poema é veneno
licor de rosa indefesa:
tristeza à tristeza: Tristeza
Histórias Nefastas
O meu amigo e ótimo escritor de literatura fantástica, Paulo Soriano, lançou este ano seu primeiro livro de contos, intitulado "Histórias Nefastas", e nos presenteia com 24 histórias do mais puro horror gótico.
Influenciado principalmente pelos gênios do fantástico Allan Poe, Lovecraft e Hoffmann, Soriano mergulha fundo em um universo absolutamente sombrio e impiedoso, onde assomam todas as maldições, torturas físicas e espirituais, o ominoso e o demoníaco, o sobrenatural sem explicação, tudo povoado pelos mais absurdos seres.
O clima de perturbação permeia a obra do começo ao fim, e sua linguagem sofisticada e de leitura agradável, ainda que dentro de um vasto e pesado campo lexical, fascina-nos e prende nossa atenção. Os finais de seus contos quase sempre reservam uma terrível surpresa, e a inteligência com que são idealizados é digna dos melhores escritores do gênero.
Nem todos os contos estão no mesmo nível, pois há alguns poucos, bem poucos, que estão presos aos clichês do gênero, apesar de muito bem escritos. Porém há vários magistralmente construídos, de grande originalidade e significado. Destaco as seguintes magníficas histórias: "Quando Deus nos abandona", pelo sua conclusão absolutamente cruel, "O Elixir da Juventude", que realmente impressiona em seu final, "Um homicídio perfeito", que se destaca pela inteligência de sua construção, "O retorno", pela sua originalidade e audácia da temática, "A Casa das Sombras Nefastas", onde se destaca toda a força inventiva de Soriano, e, finalmente, "Círculo Vicioso", para mim, o melhor conto do livro, pequeno na extensão, mas imenso na significação e originalidade.
Com "Histórias Nefastas", Paulo Soriano se firma como um dos melhores escritores do fantástico gótico nacional.
24 junho 2009
A Criação Maldita
Com uma febre demoníaca, caminhei alucinado até o meu jardim que há pouco, há bem pouco, fora devastado por um furacão, arranquei as raras rosas que restaram, martelei-as até que sangrassem, sem nenhuma compaixão. E o sangue fino que escorreu de suas pétalas dilaceradas, eu o esmaguei entorpecidamente entre os meus dedos inflamados.
Gotejando meu sangue doente e virulento, com os olhos ferventes e derramados de líquidos sanguinosos, como o sol maléfico dos desertos tropicais, saí pelas ruas imundas insanamente decidido a buscar a morte indistinta. Chutei todas as pedras do caminho, e elas não feriram os meus pés quase descalços, com unhas de lobo. Gradativamente, meus dentes cresciam e gotejavam uma hedionda saliva férvida de ódio e impregnada da minha sede ardente de sangue. Ao cair sobre o chão corrompido, as gotas ácidas e febrentas da minha saliva queimavam as gramas ressecadas.
As lágrimas secaram em meus olhos, e meus cabelos desgrenhados revoltavam-se ao vento quente das tempestades iminentes... Relâmpagos e trovões sentenciavam os horizontes sem paz. Nas atmosferas carregadas, a luz dos raios era a única que existia, a única que irradiava alguma esperança ao meu coração roído por venenos. Era a esperança do Fim. Os venenos fatais que percorriam céleres as minhas veias explodidas alimentavam o meu horror. Eu arrastava meu pesado manto negro por todos os lugares degenerados do planeta em asfixia, deixando fundos sulcos de infortúnios em meus caminhos malditos.
Ribombares lôbregos de trovões densos de aflições ecoavam como estertores mortais de um réquiem agonizante pelos ares infestados de tristeza. O meu olhar transtornado mantinha-se firme nos horizontes ameaçadores, de mortiças cores arroxeadas e rubras, mantinha-se firme, forte e decidido o meu olhar, como o do condenado que caminha imperturbável ruma à forca, como em um desafio ao meu destino absurdo. Cresciam as unhas de meus dedos e se tornavam pontiagudas, pontiagudas como o desespero de minha alma com as asas tostadas.
Ouvia berros indizíveis nos meus ouvidos, como se o inferno fosse se abrindo a cada passo que minhas pernas possantes davam por entre a desolação do ambiente impuro. O fogo tempestuoso das minhas esperanças crestadas e carcomidas uma a uma, assomava triunfante pelo infinito da minha desgraça.
Alguns miseráveis seres humanos intentavam inutilmente dizer-me coisas inúteis aos meus ouvidos exauridos. Eu cuspia um catarro espesso, férvido e sangrento no rosto hipócrita de todos eles. Eu não mais necessitava de verdades mentidas, ainda mais por esses humanos acabados. Ninguém impediria o meu avanço infernal.
A fúria assassínia em meus olhos propagava-se a distâncias colossais, como se eu fosse um titã de sinistras mitologias. Batidas frenéticas de arautos diabólicos esmagavam tudo o que surgia à minha frente. O céu, impassivelmente negro e tumultuado por vendavais que a tudo curvavam menos a mim, pesava-me em insânia nas minhas costas que a tudo suportavam.
Uma sensação anômala de ocaso devastou-me o peito já há muito devastado. Eu já havia percorrido quilômetros por entre o triunfo do horror e da morte, e meu tamanho tornou-se tão imenso que, em uma velocidade mórbida e canhestra, eu conseguia retirar de forma cada vez mais brutal meus pés do lodo purulento de vermes e porcos humanos. A destruição absoluta era meu rastro.
Uma essência azul de um resto de amor inútil ainda cintilava em meu interior funestamente massacrado sem a mínima misericórdia. Assassinado de angústias e decepções, com minhas garras de tigre esfomeado, eu extirpei essa essência oprimida e a ergui aos céus congestionados em um retumbante brado gutural de eterna inconformidade avassaladora. Eu odeio infinitamente quem me criou. Quem me criou foi a Humanidade. E eu terei dela a minha Vingança.
Gotejando meu sangue doente e virulento, com os olhos ferventes e derramados de líquidos sanguinosos, como o sol maléfico dos desertos tropicais, saí pelas ruas imundas insanamente decidido a buscar a morte indistinta. Chutei todas as pedras do caminho, e elas não feriram os meus pés quase descalços, com unhas de lobo. Gradativamente, meus dentes cresciam e gotejavam uma hedionda saliva férvida de ódio e impregnada da minha sede ardente de sangue. Ao cair sobre o chão corrompido, as gotas ácidas e febrentas da minha saliva queimavam as gramas ressecadas.
As lágrimas secaram em meus olhos, e meus cabelos desgrenhados revoltavam-se ao vento quente das tempestades iminentes... Relâmpagos e trovões sentenciavam os horizontes sem paz. Nas atmosferas carregadas, a luz dos raios era a única que existia, a única que irradiava alguma esperança ao meu coração roído por venenos. Era a esperança do Fim. Os venenos fatais que percorriam céleres as minhas veias explodidas alimentavam o meu horror. Eu arrastava meu pesado manto negro por todos os lugares degenerados do planeta em asfixia, deixando fundos sulcos de infortúnios em meus caminhos malditos.
Ribombares lôbregos de trovões densos de aflições ecoavam como estertores mortais de um réquiem agonizante pelos ares infestados de tristeza. O meu olhar transtornado mantinha-se firme nos horizontes ameaçadores, de mortiças cores arroxeadas e rubras, mantinha-se firme, forte e decidido o meu olhar, como o do condenado que caminha imperturbável ruma à forca, como em um desafio ao meu destino absurdo. Cresciam as unhas de meus dedos e se tornavam pontiagudas, pontiagudas como o desespero de minha alma com as asas tostadas.
Ouvia berros indizíveis nos meus ouvidos, como se o inferno fosse se abrindo a cada passo que minhas pernas possantes davam por entre a desolação do ambiente impuro. O fogo tempestuoso das minhas esperanças crestadas e carcomidas uma a uma, assomava triunfante pelo infinito da minha desgraça.
Alguns miseráveis seres humanos intentavam inutilmente dizer-me coisas inúteis aos meus ouvidos exauridos. Eu cuspia um catarro espesso, férvido e sangrento no rosto hipócrita de todos eles. Eu não mais necessitava de verdades mentidas, ainda mais por esses humanos acabados. Ninguém impediria o meu avanço infernal.
A fúria assassínia em meus olhos propagava-se a distâncias colossais, como se eu fosse um titã de sinistras mitologias. Batidas frenéticas de arautos diabólicos esmagavam tudo o que surgia à minha frente. O céu, impassivelmente negro e tumultuado por vendavais que a tudo curvavam menos a mim, pesava-me em insânia nas minhas costas que a tudo suportavam.
Uma sensação anômala de ocaso devastou-me o peito já há muito devastado. Eu já havia percorrido quilômetros por entre o triunfo do horror e da morte, e meu tamanho tornou-se tão imenso que, em uma velocidade mórbida e canhestra, eu conseguia retirar de forma cada vez mais brutal meus pés do lodo purulento de vermes e porcos humanos. A destruição absoluta era meu rastro.
Uma essência azul de um resto de amor inútil ainda cintilava em meu interior funestamente massacrado sem a mínima misericórdia. Assassinado de angústias e decepções, com minhas garras de tigre esfomeado, eu extirpei essa essência oprimida e a ergui aos céus congestionados em um retumbante brado gutural de eterna inconformidade avassaladora. Eu odeio infinitamente quem me criou. Quem me criou foi a Humanidade. E eu terei dela a minha Vingança.
22 junho 2009
Suprema Indiferença
agora, que me importa
que caia tudo à minha volta
que desmorone o que me cerca
e que restem só as auras
pairando em fúnebres clarões?
como todo real louco
eu só sigo vultos almas
sombras fantasmas
e aparições...
se a nuvem cobre o sol
se ouviu-se um raio insano
se o canto queda mudo
se a casa já desaba
se apodrece logo o fruto
se bateram em mim a porta
se o pior inda há de vir
se o poço é mesmo fundo
que me importa?
deixai-me dormir
caguei pro mundo!
mas... a meu redor tudo corre
aos gritos de “me socorra me socorra!”
Céus! a humanidade morre!
ora... deixai que morra
que caia tudo à minha volta
que desmorone o que me cerca
e que restem só as auras
pairando em fúnebres clarões?
como todo real louco
eu só sigo vultos almas
sombras fantasmas
e aparições...
se a nuvem cobre o sol
se ouviu-se um raio insano
se o canto queda mudo
se a casa já desaba
se apodrece logo o fruto
se bateram em mim a porta
se o pior inda há de vir
se o poço é mesmo fundo
que me importa?
deixai-me dormir
caguei pro mundo!
mas... a meu redor tudo corre
aos gritos de “me socorra me socorra!”
Céus! a humanidade morre!
ora... deixai que morra
21 junho 2009
As Litanias de Satã
Charles Baudelaire foi o precursor do Simbolismo na Literatura. Hoje, ele é considerado o pai da poesia moderna, pois uniu os voos sublimes do romantismo ao horror e ao grotesco da realidade. Juntamente com Allan Poe, a quem Baudelaire deve sua maior influência, foi o mais maldito dos poetas. Maldição essa, amargamente expressa no poema abaixo. (Acima, a escultura "Lúcifer" de Guillaume Geefs)
As Litanias de Satã
Charles Baudelaire
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!
As Litanias de Satã
Charles Baudelaire
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!
19 junho 2009
Elementar
se tu me chamas
em mar de chamas
eu mergulho em febre
afogueado
ao teu mar de fogo
em meus incêndios d'águas
como um fogoethe ao céu
refletido em lagos
me werthe sangue
ao afoguear-me insano
em teus profundos olhos
se
há fogo
me
afogo
em mar de chamas
eu mergulho em febre
afogueado
ao teu mar de fogo
em meus incêndios d'águas
como um fogoethe ao céu
refletido em lagos
me werthe sangue
ao afoguear-me insano
em teus profundos olhos
se
há fogo
me
afogo
17 junho 2009
Meus Pêsames
meus fúnebres sinfônicos:
melodiosa e melancólica
tua voz de orquestra em cordas
já me avisa em horizontes...
meus lúgubres letárgicos:
sonolenta e sorumbática
teu cansaço em noite e lua
já me afaga em rosa e sangue...
meus tétricos majésticos:
mal fadada e magnífica
tua luz de morte em punho
já me sonha em cruz e espada...
meus trágicos catárticos:
carinhosa e catastrófica
teu olhar de amor e fim
já me beija em nuvem-inferno...
meus pêsames tristíssimos!
melodiosa e melancólica
tua voz de orquestra em cordas
já me avisa em horizontes...
meus lúgubres letárgicos:
sonolenta e sorumbática
teu cansaço em noite e lua
já me afaga em rosa e sangue...
meus tétricos majésticos:
mal fadada e magnífica
tua luz de morte em punho
já me sonha em cruz e espada...
meus trágicos catárticos:
carinhosa e catastrófica
teu olhar de amor e fim
já me beija em nuvem-inferno...
meus pêsames tristíssimos!
14 junho 2009
Conto de Fadas Fatal
Era uma vez um barco, e um maldito sobre ele. Eu estava no barco no centro de um imenso rio, o rio Noite das Almas, em um barco sem remos, sem leme, sem nada, desgraçadamente perdido, desorientado. Foi então que 9 fadas violetas emergiram das águas, ergueram o barco e puseram-me em terra firme. Agradeci, e uma delas, a mais bela, a mais triste, disse:
- Olha! Ali, atrás daquele angico, vive o gnomo que toca violoncelo eternamente. Vai até ele. O elemental tem muito a te dizer. Vai logo, pois é quase tarde.
Imediatamente, fiz o que a fada ordenou e acerquei-me do estranho ser. Junto com ele estavam um silfo e uma ondina. O primeiro tocava violino, e a segunda, piano. Era um fantástico trio de Beethoven, o trio fantasma. Depois tocaram um de Schubert. Escutei e voltei a um gramado de corujas da infância, muito antigo. Mas em seguida, exerceu-se a atmosfera de crepúsculo inevitável no interior das músicas, e tive que questionar o gnomo antes que fosse tarde. O que tens a me dizer, pequeno amigo?
- Nada. Só que no Castelo de Gumercindo, a Donzela Bradante está gritando, gritando como nunca, obscuramente louca, desesperada. Outra vez está na janela da torre emitindo suas absurdas sentenças. Rápido, tu deves encaminhar-se para lá e salvá-la.
Dei um salto por sobre as moitas e como um raio passei a percorrer florestas infindas, enevoadas, sombrias de um verde-negro. Em cada canto desciam das gigantes árvores velhas bruxas decrépitas, bruxas doentes, e sensuais vampiresas que nos ensejam o desejo de ser mordido e sentir o cheiro do sangue e o gosto da vida se esvair pelas veias. Mas não o fiz. As bruxas cochichavam e debochavam expectorando:
- Atirem flechas, dêem tiros de canhões, metralhem, detonem bombas nucleares, não vai dar, é tarde demais, tarde demais. E dispararam numa carreira desabalada pelo meio do mato.
Eu tinha que ir logo, meu Deus, ir logo, violento, desbragado, infrene. Está tudo prestes a tudo. Não tinha tempo de pensar, por isso intuía. Foi então que ante minha fronte febril um nimbo principiou a derramar uma chuva ácida, e vi, por entre as gotículas prismadas em arco-íris, vi Siegfried, o herói do Anel dos Nibelungos, bebendo hidromel com o Deus Wotan, descansando ao lado a espada Nothung e a Lança do Poder. Mas como uma flecha de bestas medievais, dirigiram a mim seus olhos de fogo, empunharam as espadas, berraram:
- O Crepúsculo dos Deuses, as iminências cósmicas, esgotou-se o tempo, a simbologia do derradeiro. Usa tua energia sexual-volitiva e relampejando vai em frente.
E fui, como o vértice de um furacão, o vórtice de um trovão, tufão, de ciclones, de vendavais, de tormentas, de tempestades, temporais. Alucinado, eu “era todas as guerras”.
E o tempo passava implacável, cada minuto, cada segundo escorria e eu não conseguia mantê-los em minhas mãos que notei passar a metamorfosearem-se em mãos de lobo. Calamidades! Agora sou um lobo e corri, corri desesperado, cruzei matos, campos, banhados, açudes e sangas, e cheguei. Mas nunca se chega a tempo. Estou sempre atrasado. Abandonei o lobo e voltei a ser homem, um pouco mais alto e exausto. Cansado, fatigado, esgotado, mas eu prosseguia, tinha que prosseguir, tinha que me sacrificar, mortificar, ainda que todos fossem incompreensivos e injustos. O tempo não parava e tudo estava nas últimas forças definitivas, tudo acabava, morria, findava-se e eu em desabalada carreira atônita e assombrada. Troares de trovões catastróficos de outros planetas holocáusticos que corroíam as luzes ligeiras do sol. Em fuga desceram extraterrestres de Vênus, sacis e curupiras amazônicos, a agourar e abençoar meus caminhos... Então retumbaram as seguintes tragédias:
- Destrói o quanto antes. Sem piedade, arranca do teu interior aquele tumor maligno e acharás a porta do Castelo e a escada para a torre.
E eu parti como uma águia voraz, como um tigre, um jato de cometas explodindo núcleos de hélio, faíscas e incêndios nos cosmos varridos por ventos solares.
Trágico, cheguei até o Castelo onde se encontrava a Donzela Bradante. Situava-se no alto de uma coxilha no vasto pampa roxo-esverdeado. Lá estava ela vociferando. Ao redor da torre, uma imensa multidão se acumulava. Ao observar aquela gente, senti espanto: todos exibiam em seus rostos expressões de horror, medo, desespero... E punham as mãos nas faces e na cabeça e arrancavam os cabelos, rangiam os dentes, piscavam nervosos os olhos e irradiavam ódio e desdém e cerravam as sobrancelhas e vomitavam sentindo dores intestinais e suavam frio sangue gelado e gritavam com ânsias com nojo e tédio e cortavam-se com sofreguidão e oravam erguendo as mãos aos céus e curvavam-se e encolhiam-se e atiravam-se no chão batendo as mãos na terra e... Tentei saber o porquê de todo aquele horror e foi então que dirigi minha atenção aos gritos da Donzela na torre. Eram os seguintes berros que desesperavam a população:
- E quando chegar a morte? O que vocês vão fazer? E quando chegar a morte? De onde vocês vieram? Por que estão aqui? Por que vivem? E quando chegar a morte? Por que não querem falar na morte? E quando vier a tormenta? Por que não querem falar na tormenta? E as coisas que ninguém sabe? O que é aquilo que não se explica? E quando chegar a tormenta? E a morte? Por que não querem falar na morte?
E ao finalizar de falar, ou melhor, de berrar desesperada, a Donzela sentou-se, e toda a multidão permaneceu imóvel, estarrecida em absoluto silêncio aterrador. Então eu subi até a torre por uma escada de trovões, e eu já estava sangrando. Ao chegar à torre, a Donzela Bradante também expelia sangue pela boca. Golfejando juntos um sangue absurdamente vermelho, fomos até a beira da janela e nos atiramos sanguinosos sobre a multidão que agonizava. E fomos felizes para sempre...
- Olha! Ali, atrás daquele angico, vive o gnomo que toca violoncelo eternamente. Vai até ele. O elemental tem muito a te dizer. Vai logo, pois é quase tarde.
Imediatamente, fiz o que a fada ordenou e acerquei-me do estranho ser. Junto com ele estavam um silfo e uma ondina. O primeiro tocava violino, e a segunda, piano. Era um fantástico trio de Beethoven, o trio fantasma. Depois tocaram um de Schubert. Escutei e voltei a um gramado de corujas da infância, muito antigo. Mas em seguida, exerceu-se a atmosfera de crepúsculo inevitável no interior das músicas, e tive que questionar o gnomo antes que fosse tarde. O que tens a me dizer, pequeno amigo?
- Nada. Só que no Castelo de Gumercindo, a Donzela Bradante está gritando, gritando como nunca, obscuramente louca, desesperada. Outra vez está na janela da torre emitindo suas absurdas sentenças. Rápido, tu deves encaminhar-se para lá e salvá-la.
Dei um salto por sobre as moitas e como um raio passei a percorrer florestas infindas, enevoadas, sombrias de um verde-negro. Em cada canto desciam das gigantes árvores velhas bruxas decrépitas, bruxas doentes, e sensuais vampiresas que nos ensejam o desejo de ser mordido e sentir o cheiro do sangue e o gosto da vida se esvair pelas veias. Mas não o fiz. As bruxas cochichavam e debochavam expectorando:
- Atirem flechas, dêem tiros de canhões, metralhem, detonem bombas nucleares, não vai dar, é tarde demais, tarde demais. E dispararam numa carreira desabalada pelo meio do mato.
Eu tinha que ir logo, meu Deus, ir logo, violento, desbragado, infrene. Está tudo prestes a tudo. Não tinha tempo de pensar, por isso intuía. Foi então que ante minha fronte febril um nimbo principiou a derramar uma chuva ácida, e vi, por entre as gotículas prismadas em arco-íris, vi Siegfried, o herói do Anel dos Nibelungos, bebendo hidromel com o Deus Wotan, descansando ao lado a espada Nothung e a Lança do Poder. Mas como uma flecha de bestas medievais, dirigiram a mim seus olhos de fogo, empunharam as espadas, berraram:
- O Crepúsculo dos Deuses, as iminências cósmicas, esgotou-se o tempo, a simbologia do derradeiro. Usa tua energia sexual-volitiva e relampejando vai em frente.
E fui, como o vértice de um furacão, o vórtice de um trovão, tufão, de ciclones, de vendavais, de tormentas, de tempestades, temporais. Alucinado, eu “era todas as guerras”.
E o tempo passava implacável, cada minuto, cada segundo escorria e eu não conseguia mantê-los em minhas mãos que notei passar a metamorfosearem-se em mãos de lobo. Calamidades! Agora sou um lobo e corri, corri desesperado, cruzei matos, campos, banhados, açudes e sangas, e cheguei. Mas nunca se chega a tempo. Estou sempre atrasado. Abandonei o lobo e voltei a ser homem, um pouco mais alto e exausto. Cansado, fatigado, esgotado, mas eu prosseguia, tinha que prosseguir, tinha que me sacrificar, mortificar, ainda que todos fossem incompreensivos e injustos. O tempo não parava e tudo estava nas últimas forças definitivas, tudo acabava, morria, findava-se e eu em desabalada carreira atônita e assombrada. Troares de trovões catastróficos de outros planetas holocáusticos que corroíam as luzes ligeiras do sol. Em fuga desceram extraterrestres de Vênus, sacis e curupiras amazônicos, a agourar e abençoar meus caminhos... Então retumbaram as seguintes tragédias:
- Destrói o quanto antes. Sem piedade, arranca do teu interior aquele tumor maligno e acharás a porta do Castelo e a escada para a torre.
E eu parti como uma águia voraz, como um tigre, um jato de cometas explodindo núcleos de hélio, faíscas e incêndios nos cosmos varridos por ventos solares.
Trágico, cheguei até o Castelo onde se encontrava a Donzela Bradante. Situava-se no alto de uma coxilha no vasto pampa roxo-esverdeado. Lá estava ela vociferando. Ao redor da torre, uma imensa multidão se acumulava. Ao observar aquela gente, senti espanto: todos exibiam em seus rostos expressões de horror, medo, desespero... E punham as mãos nas faces e na cabeça e arrancavam os cabelos, rangiam os dentes, piscavam nervosos os olhos e irradiavam ódio e desdém e cerravam as sobrancelhas e vomitavam sentindo dores intestinais e suavam frio sangue gelado e gritavam com ânsias com nojo e tédio e cortavam-se com sofreguidão e oravam erguendo as mãos aos céus e curvavam-se e encolhiam-se e atiravam-se no chão batendo as mãos na terra e... Tentei saber o porquê de todo aquele horror e foi então que dirigi minha atenção aos gritos da Donzela na torre. Eram os seguintes berros que desesperavam a população:
- E quando chegar a morte? O que vocês vão fazer? E quando chegar a morte? De onde vocês vieram? Por que estão aqui? Por que vivem? E quando chegar a morte? Por que não querem falar na morte? E quando vier a tormenta? Por que não querem falar na tormenta? E as coisas que ninguém sabe? O que é aquilo que não se explica? E quando chegar a tormenta? E a morte? Por que não querem falar na morte?
E ao finalizar de falar, ou melhor, de berrar desesperada, a Donzela sentou-se, e toda a multidão permaneceu imóvel, estarrecida em absoluto silêncio aterrador. Então eu subi até a torre por uma escada de trovões, e eu já estava sangrando. Ao chegar à torre, a Donzela Bradante também expelia sangue pela boca. Golfejando juntos um sangue absurdamente vermelho, fomos até a beira da janela e nos atiramos sanguinosos sobre a multidão que agonizava. E fomos felizes para sempre...
12 junho 2009
Lei
10 junho 2009
Ponto *
até certo ponto
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?
na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.
*Este poema foi realizado em parceria com meu amigo Marcus Vinícius Manzoni. Ele o está musicando.
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?
na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.
*Este poema foi realizado em parceria com meu amigo Marcus Vinícius Manzoni. Ele o está musicando.
08 junho 2009
Sobre Minc e Sobre Crusius
Sobre Carlos Minc
O ministro do meio ambiente chamou os ruralistas de “vigaristas”. O erro do ministro foi ter generalizado. É claro que existem ruralistas decentes e honestos, com consciência ecológica, que trabalham para produzir e ao mesmo tempo preservar o ambiente, e esses merecem todo o meu respeito e admiração. Porém, infelizmente, grande parte dos produtores rurais não possui essa consciência. O que querem é lucrar cada vez mais, visam somente o lucro imediato, e não deixam de ser uns vigaristas. Não estão nem um pouco preocupados em preservar as matas, os rios, os animais selvagens que estão em suas terras. Aqui mesmo, no RS, em várias regiões, os agricultores devastaram todas as matas de suas terras, inclusive as matas ciliares, e agora, em épocas de seca, os cursos d’água se esgotam com assustadora rapidez, uma vez que já não possuem a mata para reter a umidade. Os resultados são grandes conhecidos nossos.
Por que será que sempre os ministros do meio ambiente são motivos de briga, discussões, e são mal vistos pela maioria dos ruralistas e até por outros ministros? Com a ex-ministra Marina da Silva ocorreu o mesmo. Ninguém gostava dela. Agora isso acontece com o Carlos Minc. Será porque no fundo ninguém quer preservar o ambiente e os recursos naturais? Será que todos odeiam tudo que for sinônimo de preservação? Será que é porque acreditam que deixar pelo menos uma parte de uma floresta em pé atravanca o progresso? Progresso é plantar cada vez mais, é construir estradas, rodovias, fazer hidrelétricas, é devastar para criar gado? É explorar à exaustão os recursos naturais? Isso é progresso? Progresso para a morte do planeta, e consequentemente da humanidade, com certeza é.
É impressionante como o ser humano, por mais que sofra na pele as consequências dos seus atos, não muda sua forma de pensar. Como diria um grande filósofo contemporâneo, “o homem não aprende as lições da vida nem a canhonaços”. Para o homem, progresso continua sendo a luta contra a natureza, como se ela fosse algo a ser vencido, dominado e explorado. Aquele antigo e nefasto pensamento de Descartes e de outros filósofos que julgavam que a natureza devia ser inteiramente subordinada, escravizada à vontade do homem. Progresso continua sendo aumento de lucro, aumento de produção, crescimento financeiro. Sempre se comemora o aumento da produção de determinado bem, seja na agropecuária ou na indústria. Porém, nunca se questiona qual o preço que foi pago por esse “crescimento”. Chegará o dia em que não se poderá mais pagar o preço...
Sobre Yeda Crusius
Sobre a governadora, muito pouco tenho a falar. Apenas comento que segundo pesquisa do DataFolha, mais de 57% dos gaúchos acreditam que há corrupção em seu governo, e que desses, 70% querem o seu impeachment. Eu me incluo entre eles. E acrescento que antes dessa nova onda de corrupção vir à tona, comentei aqui sobre a campanha do CPERS e outros sindicatos, onde a imagem da governadora era relacionada à corrupção. A maioria do povo gaúcho julgou exagerada tal campanha e se voltou contra o CPERS. No entanto, agora a maioria desse mesmo povo gaúcho crê que há corrupção em seu governo. Mais uma vez, os professores saíram na frente e foram incompreendidos. E, como sempre, odiados.
O ministro do meio ambiente chamou os ruralistas de “vigaristas”. O erro do ministro foi ter generalizado. É claro que existem ruralistas decentes e honestos, com consciência ecológica, que trabalham para produzir e ao mesmo tempo preservar o ambiente, e esses merecem todo o meu respeito e admiração. Porém, infelizmente, grande parte dos produtores rurais não possui essa consciência. O que querem é lucrar cada vez mais, visam somente o lucro imediato, e não deixam de ser uns vigaristas. Não estão nem um pouco preocupados em preservar as matas, os rios, os animais selvagens que estão em suas terras. Aqui mesmo, no RS, em várias regiões, os agricultores devastaram todas as matas de suas terras, inclusive as matas ciliares, e agora, em épocas de seca, os cursos d’água se esgotam com assustadora rapidez, uma vez que já não possuem a mata para reter a umidade. Os resultados são grandes conhecidos nossos.
Por que será que sempre os ministros do meio ambiente são motivos de briga, discussões, e são mal vistos pela maioria dos ruralistas e até por outros ministros? Com a ex-ministra Marina da Silva ocorreu o mesmo. Ninguém gostava dela. Agora isso acontece com o Carlos Minc. Será porque no fundo ninguém quer preservar o ambiente e os recursos naturais? Será que todos odeiam tudo que for sinônimo de preservação? Será que é porque acreditam que deixar pelo menos uma parte de uma floresta em pé atravanca o progresso? Progresso é plantar cada vez mais, é construir estradas, rodovias, fazer hidrelétricas, é devastar para criar gado? É explorar à exaustão os recursos naturais? Isso é progresso? Progresso para a morte do planeta, e consequentemente da humanidade, com certeza é.
É impressionante como o ser humano, por mais que sofra na pele as consequências dos seus atos, não muda sua forma de pensar. Como diria um grande filósofo contemporâneo, “o homem não aprende as lições da vida nem a canhonaços”. Para o homem, progresso continua sendo a luta contra a natureza, como se ela fosse algo a ser vencido, dominado e explorado. Aquele antigo e nefasto pensamento de Descartes e de outros filósofos que julgavam que a natureza devia ser inteiramente subordinada, escravizada à vontade do homem. Progresso continua sendo aumento de lucro, aumento de produção, crescimento financeiro. Sempre se comemora o aumento da produção de determinado bem, seja na agropecuária ou na indústria. Porém, nunca se questiona qual o preço que foi pago por esse “crescimento”. Chegará o dia em que não se poderá mais pagar o preço...
Sobre Yeda Crusius
Sobre a governadora, muito pouco tenho a falar. Apenas comento que segundo pesquisa do DataFolha, mais de 57% dos gaúchos acreditam que há corrupção em seu governo, e que desses, 70% querem o seu impeachment. Eu me incluo entre eles. E acrescento que antes dessa nova onda de corrupção vir à tona, comentei aqui sobre a campanha do CPERS e outros sindicatos, onde a imagem da governadora era relacionada à corrupção. A maioria do povo gaúcho julgou exagerada tal campanha e se voltou contra o CPERS. No entanto, agora a maioria desse mesmo povo gaúcho crê que há corrupção em seu governo. Mais uma vez, os professores saíram na frente e foram incompreendidos. E, como sempre, odiados.
05 junho 2009
Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Op.60, de Brahms
Em 1874, Brahms compôs o seu 3º e último quarteto para piano e cordas, o mais sombrio e trágico dos três. A violência da paixão e do amor desesperado vibra terrível do começo ao fim da obra. Os raros momentos de melancólica serenidade são bruscamente interrompidos por uma fúria infrene e dilacerante. As melodias são sinistras e lacônicas, os ritmos, febris e caóticos, e o diálogo entre os instrumentos é de uma alucinada inquietação e de um desespero inconformado.
Sobre essa obra, afirmou o próprio Brahms, ao escrever à editora Simrock: "Na capa deverá ser colocado o desenho de uma cabeça com uma pistola apontada para ela. Acredito que isso dará uma ideia dessa música. Tratarei de enviar-lhe uma foto minha."
Com o Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Brahms intentou pôr um ponto final no seu amor por Clara Schumann, viúva do também gênio musical Robert Schumann. Brahms a amava desde os seus 20 anos de idade, quando Schumann ainda vivia e era um grande amigo de Brahms. Amava-a platônica e secretamente. Acredita-se que após a morte de Schumann, Clara, 14 anos mais velha que Brahms, também o amou. Porém, se existiu o amor entre ambos, jamais foi concretizado.
Aos 41 anos, Brahms intentou com seu quarteto expressar tudo o que sentia por Clara, e assim, esquecê-la. Conseguiu expressar o que sentia, mas não conseguiu esquecê-la. Morreu amando Clara, um ano depois dela, na solidão.
Transcrevo abaixo um trecho do livro "Vida de Brahms", de Willibald Nagel, onde o autor comenta sobre a referida obra:
"É uma das obras de mais difícil compreensão do mestre. Brahms já falara dela a Billroth, dizendo ser uma produção um tanto original, 'como que uma ilustração do último capítulo do homem do fraque azul e do colete amarelo', referindo-se ao suicídio de Werther. É isso o que nos dá a chave do segredo; Brahms, com inflexível força de vontade, lutou contra os impulsos do seu próprio eu, a fim de renunciar às suas pretensões acerca da esposa do seu melhor amigo, Schumann. Este Quarteto em Dó menor se nos apresenta como uma confissão de um ente que sofreu um terrível abalo moral. É uma obra dominada por uma paixão diabólica, pela queixa torturante, contra a qual é inútil resistir, refletindo uma harmonia e um ritmo inquietos e selvagens. Apenas no 3º movimento surge um fundo de romântica doçura e beleza, mas que é quebrado pelo último movimento, onde retorna o conflito e o martírio noturno."
Finalizo com uma questão: quanto é necessário sofrer o artista para criar sua obra?
03 junho 2009
Última
esta é a última vez
porque depois de tudo
se o tudo for o nada
a minha voz mal dita
se abismará nos cantos do impossível...
as minhas mãos contritas
se perderão no espaço esvaziado...
a minha febre em vida
se queimará nas cinzas do já morto...
o meu olhar m...aguado
se afogará no mares do não-visto...
meu coração cravado
se enfartará nas garras dos abutres...
essa minha arte em chamas
se apagará nos incêndios do inútil...
e esta minha alma em flamas
se voará às bandeiras do fatal...
porque depois de tudo
se o tudo for o nada
a minha voz mal dita
se abismará nos cantos do impossível...
as minhas mãos contritas
se perderão no espaço esvaziado...
a minha febre em vida
se queimará nas cinzas do já morto...
o meu olhar m...aguado
se afogará no mares do não-visto...
meu coração cravado
se enfartará nas garras dos abutres...
essa minha arte em chamas
se apagará nos incêndios do inútil...
e esta minha alma em flamas
se voará às bandeiras do fatal...
01 junho 2009
Oculto
os teus olhos
que brilham
diante de mim
as luzes do sol
que vieram brilhar
nos teus olhos
o corpo solar
de onde vem a luz
que te veio brilhar
o fogo atômico
que forma o corpo
do sol que em ti brilha
o fósforo cósmico
que acendeu o fogo
que brilha no sol
a mão que acendeu
o cósmico fósforo
e que nunca brilha
que brilham
diante de mim
as luzes do sol
que vieram brilhar
nos teus olhos
o corpo solar
de onde vem a luz
que te veio brilhar
o fogo atômico
que forma o corpo
do sol que em ti brilha
o fósforo cósmico
que acendeu o fogo
que brilha no sol
a mão que acendeu
o cósmico fósforo
e que nunca brilha
30 maio 2009
Do Fausto de Goethe
Um trecho da 1ª parte do "Fausto" de Goethe, uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Qualquer comentário meu sobre os versos abaixo é absolutamente desnecessário.
Fausto:
"A coisas muito altas anseia a nossa alma,
A matéria, porém, a prende sempre ao chão;
Se alcanças desse Mundo os bens e a loura palma
Da glória, tudo é engodo e constante ilusão.
E às belezas da vida, e aos puros sentimentos,
Envilecem da Terra os ferozes tormentos;
E quando a Fantasia abre asas e voa
No espaço, para o Eterno, em sonhos e esperanças,
Basta pequeno abrigo, enquanto além ecoa
Vendaval que desfaz venturas e bonanças.
O Infortúnio se esconde e se abisma no peito,
As dores acalenta então insatisfeito
E da vida perturba o sossego e o prazer;
Sempre com nova máscara a fazer sofrer,
Ora luxo, ora lar, mulher, criança aflora;
Qual fogo, água, atroz veneno, até punhal;
Treme perante tudo o que não tens, mortal!
E aquilo que perdeste, em lágrimas, deplora!
Não sou de Deus a imagem! Sinto-o profundo.
Pareço mais um verme, e no pó vivo imundo;
Que do pó se alimenta e nele sempre exulta,
Se o pé do itinerante poupa e não o sepulta."
27 maio 2009
Nada
nada
a
declarar
só um canto de treva
no canto negro do céu
só um canto
de tormenta em noite
paira
a um canto
de violino preto
só
aos cantos
de urubu escuro
pairando
aos cantos
só
sobre
marcha
mancha
de sangue
aos cantos
da morte
nada
há
de clarar
a
declarar
só um canto de treva
no canto negro do céu
só um canto
de tormenta em noite
paira
a um canto
de violino preto
só
aos cantos
de urubu escuro
pairando
aos cantos
só
sobre
marcha
mancha
de sangue
aos cantos
da morte
nada
há
de clarar
25 maio 2009
Eu Não Sou Brasileiro
Sim, não posso ser. Afinal, tudo que dizem que o brasileiro é, eu não sou. Dizem que o brasileiro é isso, é aquilo, que possui determinadas características, mas elas não condizem comigo. Então não posso ser brasileiro. Afinal, se já se criou um estereótipo do que é ser brasileiro, se é através desse estereótipo que as pessoas em geral, principalmente as de outros países, veem os brasileiros, e se eu não estou de acordo com tal estereótipo, então, não sou ou não devo ser brasileiro.
Vejamos:
1) Brasileiro é alegre e de alto astral. Eu não sou alegre e nem tenho alto astral.
2) Brasileiro é extrovertido. Eu não sou extrovertido.
3) Brasileiro adora verão e calor. Eu detesto verão e calor e amo o inverno e o frio.
4) Brasileiro adora praia. Eu até posso achar bonita uma praia se não houver pessoas lá. Detesto aquele monte de gente amontoada na areia, surfistas, cerveja, pessoas bronzeadas etc. Acho tudo isso um saco.
5) Brasileiro prefere bumbuns. Um bumbum pode ser bonito, mas eu prefiro os olhos.
6) Brasileiro adora cerveja. Eu não gosto de cerveja, prefiro um bom vinho.
7) Brasileiro gosta de andar com pouca roupa. Para mim, nada melhor que vestir um longo e pesado sobretudo.
8) Brasileiro gosta de samba, pagode, axé, forró, sertanejo. Eu detesto todos esses tipos de música, e nada têm a ver comigo nem com a região onde vivo.
9) Brasileiro ama carnaval. Eu detesto carnaval.
10) Brasileiro não perde uma festa. Uma festa às vezes é legal, mas na maioria das vezes acho melhor ficar em casa, ou fazer outra coisa, a ir numa festa.
11) Brasileiro tem o seu famoso jeitinho. Para mim, o jeitinho brasileiro é um eufemismo de canalhice.
12) Brasileiro gosta de coisas coloridas. Eu prefiro cores sóbrias e discretas.
Enfim, talvez existam outros pontos em que eu nada tenha a ver com o que se classifica como “brasileiro”. Mas há algo que tenho em comum. Brasileiro adora futebol. Bem, eu também gosto de futebol. Será que só por isso sou brasileiro?
Vejamos:
1) Brasileiro é alegre e de alto astral. Eu não sou alegre e nem tenho alto astral.
2) Brasileiro é extrovertido. Eu não sou extrovertido.
3) Brasileiro adora verão e calor. Eu detesto verão e calor e amo o inverno e o frio.
4) Brasileiro adora praia. Eu até posso achar bonita uma praia se não houver pessoas lá. Detesto aquele monte de gente amontoada na areia, surfistas, cerveja, pessoas bronzeadas etc. Acho tudo isso um saco.
5) Brasileiro prefere bumbuns. Um bumbum pode ser bonito, mas eu prefiro os olhos.
6) Brasileiro adora cerveja. Eu não gosto de cerveja, prefiro um bom vinho.
7) Brasileiro gosta de andar com pouca roupa. Para mim, nada melhor que vestir um longo e pesado sobretudo.
8) Brasileiro gosta de samba, pagode, axé, forró, sertanejo. Eu detesto todos esses tipos de música, e nada têm a ver comigo nem com a região onde vivo.
9) Brasileiro ama carnaval. Eu detesto carnaval.
10) Brasileiro não perde uma festa. Uma festa às vezes é legal, mas na maioria das vezes acho melhor ficar em casa, ou fazer outra coisa, a ir numa festa.
11) Brasileiro tem o seu famoso jeitinho. Para mim, o jeitinho brasileiro é um eufemismo de canalhice.
12) Brasileiro gosta de coisas coloridas. Eu prefiro cores sóbrias e discretas.
Enfim, talvez existam outros pontos em que eu nada tenha a ver com o que se classifica como “brasileiro”. Mas há algo que tenho em comum. Brasileiro adora futebol. Bem, eu também gosto de futebol. Será que só por isso sou brasileiro?
23 maio 2009
Além
o que há além do Limite?
pela outra face da estrela
na noite virada de costas?
o que há no avesso do céu?
afora de todos o dias?
contrário a todas as vistas
diverso de todo o normal?
o que além do bem
e do mal?
o que tem do lado de lá?
do outro lado da sanga
do outro lado do cerro
no lado escuro do sono
no lado oculto da sorte?
o que há além da vida
e da Morte?
pela outra face da estrela
na noite virada de costas?
o que há no avesso do céu?
afora de todos o dias?
contrário a todas as vistas
diverso de todo o normal?
o que além do bem
e do mal?
o que tem do lado de lá?
do outro lado da sanga
do outro lado do cerro
no lado escuro do sono
no lado oculto da sorte?
o que há além da vida
e da Morte?
21 maio 2009
De Sangue
Choro. E duas gotas de sangue sangram de meus olhos avermelhados. Olho a minha frente. E em um lago com a cor e com o cheiro de sangue coagulado, um bando doentio de corvos e urubus fita fixo os meus olhos desesperados. Eu não sei definir se seus olhares são sentenciosos ou sarcásticos. Creio que os dois. O cheiro quente de sangue se espalha pelo ar denso e lúgubre. O grasnar agourento dos corvos me ensurdece.
Ergo-me da grama sangrenta onde eu sentara sobre o meu próprio sangue derramado. Olho ao alto. Nuvens vermelhas lentamente assomam e tornam-se de um rubro intenso e mórbido, com algumas tendências para o negro. Um raio de fogo avermelhado parece partir o céu congestionado em dois. Um trovão úmido de sangue retumba nas minhas veias inflamadas.
Em breve despencará uma tempestade sanguínea. E o meu banho de sangue será completo e definitivo. Encharcado com o sangue de todas as tormentas, eu ando pelas estradas inundadas com o sangue de tudo que morreu na minha vida.
O bafo sanguinolento dos urubus queima-me os cabelos. Uma linda e nua mulher menstruada cai morta a cinco passos de mim. Seu sangue escorre por suas pernas brancas e magras. Nada a minha frente. Nada ao meu redor. Somente horizontes e mais horizontes de funestos montes devastados e avermelhados. De um vermelho anomalamente triste e melancólico. Uma tristeza fúnebre de febres fulvas férvidas de sangue, canta-me tensas melodias de saudade.
Meu pulso vibra a uma velocidade assombrosa, minhas veias tornam-se proeminentes sob a pele. Sinto o bater absurdo e derramado de meu coração sem freios. Meu sangue arde por todo meu organismo e pela alma. A chuva sanguínea não cessa. Os corvos e urubus revoam em hordas canhestras do lago profundo de sangue e acompanham lentamente meus passos desolados por entre os rios sanguinolentos.
Dezenas de aves mortas e sangradas com seus peitos abertos em hemorragias e com seus corações à mostra caem pelo meu caminho. Ao longe, o grito de um gato no cio assola meus ouvidos. Creio que uma imagem do coração sangrento de Cristo surgiu como uma miragem a minha frente. Não sei dizer com certeza, foi tudo muito rápido.
Um sol de apocalíptico escarlate se ergue acima das nuvens da tempestade de sangue que se estanca subitamente. Um sol estranhamente vermelho de rosto dilacerado. Será mesmo um sol? Não sei. Mas sei que seu brilho vermelho de sangue encanta e consola meus olhos congestionados. Sorrio, com gotas de sangue na boca, uma sanguinolenta esperança.
Ergo-me da grama sangrenta onde eu sentara sobre o meu próprio sangue derramado. Olho ao alto. Nuvens vermelhas lentamente assomam e tornam-se de um rubro intenso e mórbido, com algumas tendências para o negro. Um raio de fogo avermelhado parece partir o céu congestionado em dois. Um trovão úmido de sangue retumba nas minhas veias inflamadas.
Em breve despencará uma tempestade sanguínea. E o meu banho de sangue será completo e definitivo. Encharcado com o sangue de todas as tormentas, eu ando pelas estradas inundadas com o sangue de tudo que morreu na minha vida.
O bafo sanguinolento dos urubus queima-me os cabelos. Uma linda e nua mulher menstruada cai morta a cinco passos de mim. Seu sangue escorre por suas pernas brancas e magras. Nada a minha frente. Nada ao meu redor. Somente horizontes e mais horizontes de funestos montes devastados e avermelhados. De um vermelho anomalamente triste e melancólico. Uma tristeza fúnebre de febres fulvas férvidas de sangue, canta-me tensas melodias de saudade.
Meu pulso vibra a uma velocidade assombrosa, minhas veias tornam-se proeminentes sob a pele. Sinto o bater absurdo e derramado de meu coração sem freios. Meu sangue arde por todo meu organismo e pela alma. A chuva sanguínea não cessa. Os corvos e urubus revoam em hordas canhestras do lago profundo de sangue e acompanham lentamente meus passos desolados por entre os rios sanguinolentos.
Dezenas de aves mortas e sangradas com seus peitos abertos em hemorragias e com seus corações à mostra caem pelo meu caminho. Ao longe, o grito de um gato no cio assola meus ouvidos. Creio que uma imagem do coração sangrento de Cristo surgiu como uma miragem a minha frente. Não sei dizer com certeza, foi tudo muito rápido.
Um sol de apocalíptico escarlate se ergue acima das nuvens da tempestade de sangue que se estanca subitamente. Um sol estranhamente vermelho de rosto dilacerado. Será mesmo um sol? Não sei. Mas sei que seu brilho vermelho de sangue encanta e consola meus olhos congestionados. Sorrio, com gotas de sangue na boca, uma sanguinolenta esperança.
18 maio 2009
Soneto ao Infinito
Todas as ânsias do meu sonho infeito,
toda a grandeza que me impele à frente,
toda minha alma, minha psique, a mente
a que luz irão no horror derradeiro?
O ser que pulsa pelo mundo inteiro,
a alta lágrima que se alastra quente,
serão perdidos para todo o sempre,
aniquilados do universo ao meio?
Não... pois há uma viva e eternal sentença
que paira livre além de todo mito,
que canta plena de verdade imensa...
Mesmo esquecida no oculto maldito,
A Grande Lei governa forte, intensa
No audaz segredo do além e infinito.
toda a grandeza que me impele à frente,
toda minha alma, minha psique, a mente
a que luz irão no horror derradeiro?
O ser que pulsa pelo mundo inteiro,
a alta lágrima que se alastra quente,
serão perdidos para todo o sempre,
aniquilados do universo ao meio?
Não... pois há uma viva e eternal sentença
que paira livre além de todo mito,
que canta plena de verdade imensa...
Mesmo esquecida no oculto maldito,
A Grande Lei governa forte, intensa
No audaz segredo do além e infinito.
15 maio 2009
Poema ao Frio
Vento glacial e franco
do meu fracasso
fremente fúria invernal
sopra em minha frustrada febre
gela minha frente e sangue
neva em minha frase frágil
em minhas ânsias sem freios
pelas névoas infrenes
que fruem da lua forte
despedaçadas em frutos negros
das frondes fantasmagóricas
em noite fria de beijo em gelo
geada frenética sobre meu peito
em minha fronte trágica
em desgraça frígida
em lufada cáustica:
é em tua friagem que me ergo
em tua frieza que me alargo...
Frio! meu antimundo abrigo
agora que tudo que amo morre
traze teu frêmito a morrer comigo.
do meu fracasso
fremente fúria invernal
sopra em minha frustrada febre
gela minha frente e sangue
neva em minha frase frágil
em minhas ânsias sem freios
pelas névoas infrenes
que fruem da lua forte
despedaçadas em frutos negros
das frondes fantasmagóricas
em noite fria de beijo em gelo
geada frenética sobre meu peito
em minha fronte trágica
em desgraça frígida
em lufada cáustica:
é em tua friagem que me ergo
em tua frieza que me alargo...
Frio! meu antimundo abrigo
agora que tudo que amo morre
traze teu frêmito a morrer comigo.
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