quem dera deixar um algo
de tóxico
como se fosse um resto de trago
brasa de cigarro
álcool inflamado
que fosse saliva cuspe catarro
como quem tira um sarro
dies irae de réquiem
sorriso amargo
sangue formando lago
manejado à foice
com um gosto trágico
um tapa um soco ou coice
um vasto travo de droga
espuma do que se afoga
antigo cheiro de ópio
sangue deixando rastro
mijo e baba de sapo
peçonha e silêncio de cobra
um frasco negro de coca
e uma alta dose no sangue
fatal
quem dera deixar um algo
verdade última
que te abrisse os olhos
que te acordasse
por te fazer mal
26 julho 2020
22 julho 2020
A Peste do Beijo
A Netflix estreou uma série nacional intitulada Boca a Boca (parece que está fazendo sucesso), cuja ideia central, a epidemia de uma doença transmitida apenas pelo beijo, é a mesma ideia que tive em um conto que publiquei. A diferença é que tive a ideia 13 anos antes. Meu conto, intitulado A Peste do Beijo, foi publicado em 2007, no site nacional de literatura, Recanto das Letras. A seguir, republico meu conto.
A enfermidade surgira há algumas décadas. Seu desconhecimento pela ciência oficial era completo, e logo a doença tornou-se uma pandemia sem controle. Inicialmente, a moléstia incurável ficou conhecida como Peste Sanguínea, devido ao fato de afetar o aparelho circulatório dos seres humanos, em particular o sangue, e gradualmente ir causando o apodrecimento do líquido sanguíneo. Com tais características, logicamente, a Peste Sanguínea era sempre fatal e, uma vez surgidos os primeiros sintomas, quais sejam, hemorragias e enegrecimento dos vasos sanguíneos, a morte tornava-se questão de algumas poucas semanas.
Verificou-se que a enfermidade era causada por um vírus mutante. Com suas incessantes mutações gênicas, “driblava” todas as tentativas dos cientistas de criar medicamentos ou vacinas contra a moléstia. No entanto, o problema maior da peste era que o agente causador possuía um período de incubação um tanto longo, cerca de 5 anos. Dessa forma, as pessoas contaminadas não sabiam que possuíam o vírus e, durante o tempo de incubação, transmitiam-no incontrolavelmente a um número indeterminável de indivíduos. Como era uma doença do sangue, a transmissão da Peste Sanguínea obviamente ocorria através do contato direto com o sangue ou por secreções corpóreas a ele relacionadas, como esperma e leite materno. Relação sexual, uso de drogas injetáveis e transfusões sanguíneas consistiam as principais formas de contágio.
Um terrível espetáculo dantesco era a contemplação da morte de uma vítima da Peste Sanguínea. Em uma primeira fase, o enfermo apresentava hemorragias pelas narinas, febre alta e leves dores por todo o corpo, semelhantes à de uma gripe. Ao mesmo tempo, as veias assumiam gradativamente um tom negro sob a pele. Na fase secundária da doença, as dores corporais se intensificavam a um nível insuportável, as hemorragias nasais tornavam-se muito freqüentes, sendo que o sangue expulso era negro, viscoso e fétido. O enfermo agora também expelia profusas quantidades de sangue através de vômitos e diarréias espantosas, golfadas de um líquido espesso e gosmento, em apodrecimento, de um mau-cheiro nauseabundo, de um aspecto repulsivo. Uma tosse constante e insidiosa contribuía para agravar o quadro, ocasionando a expectoração de um muco negro e sanguinolento.
O enfermo já não se alimentava mais, e a morte vinha com a terceira fase da peste, absolutamente horrível. Não se passava 5 minutos sem que o enfermo expelisse sangue podre, quer por um impiedoso ataque de tosse, quer pela diarréia, quer pelo vômito. Enquanto a triste vítima definhava implacavelmente, e suas veias apresentavam-se em uma tonalidade morbidamente escura, um fedor insuportável e pestilento exalava-se de todo seu corpo, uma vez que devido aos freqüentes vômitos e diarréias, o sangue pútrido acumulava-se ao seu redor, e as pessoas temiam limpá-lo, receando que pudessem se contaminar. Se o desgraçado não morresse pelas incessantes hemorragias, em um derradeiro estágio surgiam por todo o corpo feridas e chagas infeccionadas, purulentas, sangrando e fedendo asquerosamente.
Completava-se então o quadro funesto, e o doente falecia no horror e no abandono absoluto, esquecido nos hospitais especialmente construídos para isolar aqueles infelizes do restante da população, locais estes cada vez mais lotados, posto que uma vez identificado o vírus na vítima, ela era levada aos mencionados hospitais, ainda que à força.
Um outro aspecto tenebroso da Peste Sanguínea consistia no fato de que o vírus somente podia ser identificado pelos testes somente 3 anos após o contágio. Ou seja, o indivíduo, durante 3 anos, se estivesse contaminado, não teria como sabê-lo, e poderia alastrar a moléstia de forma assustadora. De modo que o número de doentes não cessava de aumentar, e nenhuma das medidas adotadas surtiu o efeito desejado, principalmente no que se relacionava ao uso de preservativos nas relações sexuais. Como é já sabido, o vírus apresentava uma alta capacidade de mutação, assim, posteriormente comprovou-se que o vírus causador da peste havia reduzido consideravelmente suas já ultramicroscópicas proporções, tornando-se capaz de penetrar através dos “poros” invisíveis do material dos preservativos, contaminando dessa forma o parceiro.
As autoridades relutaram por muito tempo em tornar pública tal terrível informação, temendo o pânico generalizado e intentando aperfeiçoar os preservativos, no que foram frustrados. E quando o número de doentes assumiu proporções catastróficas, não houve outro jeito, tudo foi divulgado. Muitos não acreditaram e prosseguiram mantendo relações usando as afamadas “camisinhas”, outras mesmo acreditando na revelação, permitiram que o desejo sexual falasse mais alto, ignorando o perigo da doença para satisfazê-lo. E ainda houve os que foram tomados de um verdadeiro pavor pelo sexo, o que alterou dramaticamente suas relações sociais.
Muitos indivíduos, temendo contrair a peste, principiaram a manter relações amorosas, digamos, um pouco mais “castas”, ou seja, contentando-se apenas com os beijos e com as carícias, que acabavam desembocando na masturbação mútua. No entanto, muitas vezes, não conseguiam frear o imperioso apetite sexual, concretizando então o ato. Porém, mesmo com todos os temores e cautelas, o número de infectados crescia em progressão geométrica, e já havia povos quase que totalmente dizimados pela Peste do Sangue.
Já fora dito que o vírus era altamente mutagênico. Pois mais uma mutação deve ter se desencadeado. Ocorreu que a doença passou a se manifestar bem mais cedo, reduzindo seu período de incubação para pouco mais de 6 meses. No entanto, ela permanecia fatal somente após 5 anos. Durante o longo tempo precedente, os sintomas consistiam em chagas e feridas que, gradativamente, iam se espalhando por todo o corpo. No princípio, surgiam nos órgãos sexuais, nas mãos e nos lábios. Eram como verrugas arroxeadas e/ou avermelhadas que eventualmente sangravam. Ao longo dos anos, as feridas nodosas alastravam-se pelo restante do corpo e se intensificavam os sangramentos, porém o progresso era lento. Verdadeiramente horrível e repugnante era contemplar uma vítima da peste tomada de feridas roxas e vermelhas, ainda que fosse somente no início, quando os lábios assumiam um aspecto monstruoso devido à concentração de feridas no local. Às vezes, as feridas também exalavam um fétido odor.
Um outro sintoma surgia alguns meses após o aparecimento das primeiras feridas. Tratava-se da impossibilidade dos homens em ter uma ereção completa; o pênis, mesmo durante a mais extremada excitação, permanecia parcialmente flácido. Já nas mulheres, quando sexualmente excitadas, não mais ocorria a lubrificação natural do órgão genital, mas era liberado um muco espesso, purulento, e, assim, como as feridas, um tanto mau-cheiroso. Tal era o quadro que se prolongava quase sem alteração durante os quase 5 anos, tempo necessário para a peste ocasionar a morte do enfermo.
Todavia, os leitores devem estar concluindo que se os primeiros sintomas já ocorriam dentro de poucos meses após o contágio, conseqüentemente haveria pouco tempo para que o infectado transmitisse o vírus. Assim também pensavam médicos e cientistas; no entanto, para espanto e horror de todos, isso não se concretizou, isto é, o crescimento do número de casos não se reduziu como se imaginava, mas continuava crescendo rapidamente. A doença passou então a ser estudada com mais afinco pelos cientistas, até que foi constatado que jovens que jamais tiveram relações sexuais, que não eram usuários de drogas, que jamais necessitaram de transfusões sanguíneas e que afirmavam nunca ter mantido o menor contato com algum infectado (visivelmente, ao menos) estavam doentes. O que se sabia era que tais jovens, durante os meses precedentes ao surgimento da doença, freqüentaram, em todos os casos de estudo, casas noturnas onde “ficaram” com pessoas aparentemente saudáveis. O contato físico máximo que ocorreu em tais casos foram inofensivos beijos na boca, boca sem feridas, diga-se de passagem.
Foi então que surgiu a horripilante suspeita de que o vírus, através de alguma ominosa mutação, tornou-se transmissível através da saliva. Foram realizadas pesquisas em pacientes infectados e, diferentemente do que ocorria com o vírus no sangue, o vírus na saliva era facilmente identificável. E comprovou-se: a Peste do Sangue era agora transmissível pelo contato com a saliva...
Após a divulgação da funesta descoberta de que o vírus da Peste do Sangue era transmissível pela saliva, o beijo, um dos mais belos e ancestrais costumes humanos, foi quase que banido das relações sociais. Somente beijavam-se pessoas que se conheciam de forma íntima, e ainda assim com certas reservas. O temor de contrair a fatal enfermidade era tão intenso que a grande maioria das pessoas que antes possuíam mais de um parceiro ou parceira decidiu de uma hora para outra permanecer com apenas um, com o mais conhecido ou com o par “oficial” conforme o caso. Claro que alguns se recusaram a aceitar o fato, ou nem mesmo se importaram, e continuaram saindo e “ficando” com diversas pessoas. Geralmente, alguns meses depois, tais pessoas percebiam em seus lábios o lúgubre surgimento de algumas feridas arroxeadas...
É desnecessário que eu explicite ao leitor uma descrição do quadro desolador que se seguiu à descoberta da presença do vírus na saliva e que o infectado poderia permanecer com ele em sua boca por seis meses sem apresentar sintomas. O beijo transformou-se de um símbolo de amizade, de prazer, paixão ou amor, em um símbolo de medo e morte. As pessoas já não iam a festas, ou a casas noturnas, porque não poderiam “ficar” com ninguém, uma vez que qualquer contato erótico sem o ato do beijo era naturalmente inconcebível. Quando duas pessoas se apaixonavam, a tortura era quase insuportável, uma vez que se temia a aproximação mútua e os conseqüentes beijos, no entanto, muitos enfrentavam o risco e davam asas à sua paixão, não sem ter o coração repleto de temores.
Posteriormente, percebeu-se que naqueles casos onde o casal de enamorados ainda permanecia unido, aparentemente mantendo-se em verdadeiro sentimento amoroso, não houve manifestação da doença em nenhum dos indivíduos, enquanto que os casais que iniciavam o relacionamento e logo o terminavam, a Peste do Sangue sempre apresentava seus sintomas, mesmo que os ex-namorados não beijassem ninguém mais após o término da relação.
Da mesma forma, foram identificadas pessoas que jamais desenvolviam a enfermidade, embora mantivessem relações sexuais com indivíduos comprovadamente infectados. Foi o que ocorreu com certas esposas que, afirmando amarem seus maridos doentes, continuavam dispostas a manter contatos sexuais com os mesmos. É claro que a ciência estudou exaustivamente tais mulheres, seu sangue, seu sistema imunológico, tentando decifrar esse mistério, na esperança de desenvolver algum medicamento. Tudo em vão. Nada, absolutamente nada de diferente das outras pessoas foi encontrado, e os casos seguiram sem explicação.
Porém... eu... eu tenho minha teoria, talvez absurda, talvez simplória, talvez já imaginada pelo leitor, mas vamos a ela... Creio firmemente que as pessoas que não desenvolvem a doença são aquelas que amam seu par ou que ao menos buscam amá-lo com sinceridade. A Peste não afeta tais pessoas, ela, de alguma forma, por algum motivo desconhecido, respeita seus sentimentos, quando verdadeiros, é como se fosse uma moléstia inteligente, que discernisse o sentimento de um e de outro. É por isso que não esperarei mais. Irei me declarar àquela jovem de olhar tão meigo que arrebatou minha alma... Amo-a. Ou será que apenas julgo que a amo? E se eu estiver enganado com meus sentimentos? E se minha teoria estiver errada? E se após beijá-la eu contrair o vírus? Meu Deus, que dúvida massacrante!!! Mas não, eu irei, eu irei, não posso mais, confiarei no que sinto, confiarei na minha alma, e que se cumpra o que me reservar o Destino...
20 julho 2020
O Amigo de Todos não é Amigo de Ninguém
Visto que estamos no Dia do Amigo, republico texto aqui postado em abril de 2016:
"Ter muitos amigos é não ter nenhum." Essa frase de Aristóteles sempre me chamou a atenção. Mas qual, afinal, o seu significado? Em geral, as pessoas a interpretam como a velha questão de que mais vale a qualidade do que a quantidade de amigos, e que ter muitos significaria que, na verdade, vários desses "muitos" não seriam amigos autênticos, seriam falsos, ou apenas conhecidos, enfim. Discordo dessa interpretação. Primeiro, porque é óbvia demais, segundo, porque, de acordo com esse entendimento, mesmo alguém não tendo tantos amigos como diz ou pensa, ainda assim teria alguns. Mas Aristóteles afirma que quem tem muitos não tem nenhum.
Uma outra interpretação possível seria a de que aquele que acredita que possui muitos amigo não sabe avaliar ou reconhecer o que é a verdadeira amizade. Consideraria como amigo qualquer tipo de relacionamento que, muitas vezes, seria apenas superficial ou momentâneo. De modo que, se fizesse uma análise profunda de suas amizades, poderia acabar por dar-se conta de que não possui nenhum amigo de verdade. Creio ser esse entendimento melhor que o primeiro, mas, ainda assim, falho, porque também poderia se reconhecer entre essas amizades "de superfície" algumas que fossem profundas e reais.
A melhor interpretação da frase de Aristóteles, a meu ver, é aquela que traz relação com frase semelhante, atribuída ao padre jesuíta e professor de filosofia, o francês Louis Bourdaloue (1632 - 1704). Afirma Bourdaloue, muito provavelmente influenciado pelo genial filósofo grego, que "O amigo de todos não é amigo de ninguém". Creio ser essa a melhor interpretação, porque a verdadeira amizade acarreta um posicionamento, uma escolha, é indissociável da lealdade, da fidelidade. Nesse sentido, ser amigo de alguém, é também ser, se não inimigo, ao menos "não simpático" às inimizades de seu amigo. Quem é amigo de todos, não tem um posicionamento na escolha das amizades, logo não poderá ser leal e fiel a nenhum dos amigos, porque não terá um "lado". E como se confiar em alguém que pode ser amigo de seu inimigo? Não se pode estabelecer amizade com alguém em quem não se confia. O "amigo de todos" é mais ou menos algo como aquele que acende uma vela a Deus e outra ao Diabo. A expressão popular "Amigo da Onça" ilustra muito bem meu comentário.
16 julho 2020
O Limite da Maldade
não há limite para a maldade humana.
a maldade tornou-se algo banal natural aceitável
cada vez é preciso algo pior para nos chocar
e poucas categorias ou intensidades de maldades
podem nos surpreender
(e cada vez menos somos surpreendidos).
quando você vê alguém cometendo algo
absolutamente horrível
(não há limite para a maldade humana.)
não é verdade que logo mais
você se depara com algo pior?
a maldade é o normal.
e será o novo normal.
quando alguém pensa que não é possível
que alguém cometa algo tão mau
alguém vai lá e comete até pior
e talvez esse alguém um dia seja você
ou eu.
não há limite para a maldade humana.
mas para tudo há um limite.
e o da maldade humana está próximo.
a maldade tornou-se algo banal natural aceitável
cada vez é preciso algo pior para nos chocar
e poucas categorias ou intensidades de maldades
podem nos surpreender
(e cada vez menos somos surpreendidos).
quando você vê alguém cometendo algo
absolutamente horrível
(não há limite para a maldade humana.)
não é verdade que logo mais
você se depara com algo pior?
a maldade é o normal.
e será o novo normal.
quando alguém pensa que não é possível
que alguém cometa algo tão mau
alguém vai lá e comete até pior
e talvez esse alguém um dia seja você
ou eu.
não há limite para a maldade humana.
mas para tudo há um limite.
e o da maldade humana está próximo.
14 julho 2020
(Não-)Palavras a Beethoven
Tu,
que só dizes direto
(na veia, na alma)
e direto ao que é:
de Ser a Ser
(sem intermediários)
tua música é o som tornado em verdades
o silêncio tomando sentidos
arquétipos de ideias-alma
substâncias de essência-síntese
e cada toda nota
é um vasto em si.
em ti o que sentimos
toma plena consciência
ponto.
se eu disser mais
direi menos.
o que em tua música há?
tudo aquilo que o mundo
jamais será?
(na veia, na alma)
e direto ao que é:
de Ser a Ser
(sem intermediários)
tua música é o som tornado em verdades
o silêncio tomando sentidos
arquétipos de ideias-alma
substâncias de essência-síntese
e cada toda nota
é um vasto em si.
em ti o que sentimos
toma plena consciência
ponto.
se eu disser mais
direi menos.
o que em tua música há?
tudo aquilo que o mundo
jamais será?
10 julho 2020
Contra a Manhã
algo que fosse apenas Noite
noite que fosse só em si mesma
neste jamais deixar de sê-la
e o sonho fosse por senti-lo
sem ter que ser a que não seja
longe de toda estas manhãs
estas manhãs de ações inúteis
de se fazer acontecer em que só o nada
é o que acontece.
noturnos sem amanheceres
sem trabalhos que a nada levam
sem barulhos de humanos vácuos
sem problemas de homens de bens
no seu mundo que anda
(mas só ao abismo).
que as ruas fossem sempre desertas
assim como as vidas são sem caminhos.
as manhãs nunca foram minhas.
nunca me trouxeram esperança.
bem disse Fernando Pessoa:
noite que fosse só em si mesma
neste jamais deixar de sê-la
e o sonho fosse por senti-lo
sem ter que ser a que não seja
longe de toda estas manhãs
estas manhãs de ações inúteis
de se fazer acontecer em que só o nada
é o que acontece.
noturnos sem amanheceres
sem trabalhos que a nada levam
sem barulhos de humanos vácuos
sem problemas de homens de bens
no seu mundo que anda
(mas só ao abismo).
que as ruas fossem sempre desertas
assim como as vidas são sem caminhos.
as manhãs nunca foram minhas.
nunca me trouxeram esperança.
bem disse Fernando Pessoa:
"Manhã dos outros! Ó sol que dás confiança
Só a quem já confia!"
07 julho 2020
O que Fica
a vida passa tão rápido
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
e logo são águas passadas
ao longo são mágoas pesadas
ao largo são folhas pisadas
e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
flores cantos olhares
passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é a vida)
a poesia (essa maldição)
é o que fica.
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
e logo são águas passadas
ao longo são mágoas pesadas
ao largo são folhas pisadas
e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
flores cantos olhares
passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é a vida)
a poesia (essa maldição)
é o que fica.
04 julho 2020
Monumento ao Erro
quanto mais me tento acertar
mais me longínquo do acerto
se me aproximo me vejo entre o cosmos
por entre netunos me visto de frios
como o lago que é sempre mais fundo
quanto mais se vê de vazios
talvez porque o certo
não seja o que é acerto
nem o que mais perto
falo para um além
que está num longo aonde
e quando digo ao meu ouvido
é distante o que está comigo
é um sopro que ao não me responde
e ecos que se vão pela terra
errando pelo caminho
largando pós pelas valas
e letras pelas lamas
deixei minha morte
no alto do cerro:
um monumento ao Erro.
mais me longínquo do acerto
se me aproximo me vejo entre o cosmos
por entre netunos me visto de frios
como o lago que é sempre mais fundo
quanto mais se vê de vazios
talvez porque o certo
não seja o que é acerto
nem o que mais perto
falo para um além
que está num longo aonde
e quando digo ao meu ouvido
é distante o que está comigo
é um sopro que ao não me responde
e ecos que se vão pela terra
errando pelo caminho
largando pós pelas valas
e letras pelas lamas
deixei minha morte
no alto do cerro:
um monumento ao Erro.
30 junho 2020
Onde está a Evolução?
no que foi que evoluímos?
no que foi que melhoramos?
quando foi que aprendemos a amar?
a sentir a dor do outro?
da outra pessoa, do outro animal, do outro ser vivo?
me digam, eu quero saber: onde está a evolução?
o que foi que fizemos de melhor?
que grandeza foi que demonstramos?
qual grande sentimento? qual grande ideal?
quando foi que olhamos nos olhos da outra pessoa
e compreendemos sua alma?
no que melhoramos a não ser no disfarce?
em fingir que não somos maus?
sempre foi tudo só aparência.
não mudamos nada em nosso interior.
e nosso Ser sempre estava lá
e nós nunca o ouvimos.
no que foi que melhoramos?
quando foi que aprendemos a amar?
a sentir a dor do outro?
da outra pessoa, do outro animal, do outro ser vivo?
me digam, eu quero saber: onde está a evolução?
o que foi que fizemos de melhor?
que grandeza foi que demonstramos?
qual grande sentimento? qual grande ideal?
quando foi que olhamos nos olhos da outra pessoa
e compreendemos sua alma?
no que melhoramos a não ser no disfarce?
em fingir que não somos maus?
sempre foi tudo só aparência.
não mudamos nada em nosso interior.
e nosso Ser sempre estava lá
e nós nunca o ouvimos.
27 junho 2020
Despedida de Minha Mãe
Minha amada mãe, Maria de Lourdes, partiu dia 25/11, à tarde, após lutar com coragem por vários anos contra um câncer de mama, que acabou atingindo outros órgãos. A despedida dela, no mesmo dia pela manhã, foi uma das coisas mais belas que já vivenciei. Ela estava a grande mulher que sempre foi: firme, confiante, amorosa, sem desesperos, sem abatimentos, transmitindo luz, esperança e amor. E em paz, numa paz profunda, que só as pessoas que cumpriram sua missão na vida têm na hora da passagem. E ela cumpriu, com tudo e com todos, com sua força, com seu grande coração, com sua imensa alma. Minha mãe, tens a minha gratidão e o meu amor eternos.
24 junho 2020
#humanidade
cansado desta humanidade.
de gente correndo bistonta pelas ruas
moscas tontas robóticas nas calçadas
dentro das casas fora das casas
nem faz diferença não muda nada
que nem sabem por que vêm e vão
cheias de metas atoladas nas merdas
plenas de merdas disfarçadas de metas
vidas vazadas vazias furadas
gente que se acha e não vale o que caga
filhos da puta dando tiros em animais inocentes
homens de bem que só se importam em ter mais bens
cansado desta humanidade.
humanidade de sonhos mortos
de amores mortos de futuros mortos
que mata águas mata terras mata ares
que mata bichos mata almas mata árvores
mata esperanças mata luzes mata olhares
que mata matas mata artes
até te matares
cansado desta humanidade.
quando te fores, civilização,
irás tarde.
de gente correndo bistonta pelas ruas
moscas tontas robóticas nas calçadas
dentro das casas fora das casas
nem faz diferença não muda nada
que nem sabem por que vêm e vão
cheias de metas atoladas nas merdas
plenas de merdas disfarçadas de metas
vidas vazadas vazias furadas
gente que se acha e não vale o que caga
filhos da puta dando tiros em animais inocentes
homens de bem que só se importam em ter mais bens
cansado desta humanidade.
humanidade de sonhos mortos
de amores mortos de futuros mortos
que mata águas mata terras mata ares
que mata bichos mata almas mata árvores
mata esperanças mata luzes mata olhares
que mata matas mata artes
até te matares
cansado desta humanidade.
quando te fores, civilização,
irás tarde.
22 junho 2020
Poema Antigo
o alto perigo em não ter meta
(o autoperigo em ser poeta)
quem dera fosse só perigo
sobre o rio da navalha
(quem dera fosse um sol comigo)
só consegui me ser maldito
fazer destino virar hino
e onde não me esperam
é que (a)fundei esperanças
(já morri por entre tranças)
e assassinei-me sem um tiro
não sou nem o que imagino
nem me vivo o que me sinto
nos confins do que se fode
na busca do que finda
me larguei por sobre um piso
(e compreendi que se não pode)
mas me ergui com um respiro
me cansei pela não-estrada
que dizer não vale um som
e ouvi que a vida é um suspiro
e o que se busca é só uma piada
e ao fim nem mesmo um não
de gratidão.
(o autoperigo em ser poeta)
quem dera fosse só perigo
sobre o rio da navalha
(quem dera fosse um sol comigo)
só consegui me ser maldito
fazer destino virar hino
e onde não me esperam
é que (a)fundei esperanças
(já morri por entre tranças)
e assassinei-me sem um tiro
não sou nem o que imagino
nem me vivo o que me sinto
nos confins do que se fode
na busca do que finda
me larguei por sobre um piso
(e compreendi que se não pode)
mas me ergui com um respiro
me cansei pela não-estrada
que dizer não vale um som
e ouvi que a vida é um suspiro
e o que se busca é só uma piada
e ao fim nem mesmo um não
de gratidão.
18 junho 2020
Vocês acreditam? Eu não.
I - as pessoas acreditam
porque não olham pra frente
II - as pessoas caem
porque não olham pra baixo
III - as pessoas morrem
porque não olham pra dentro
porque não olham pra frente
II - as pessoas caem
porque não olham pra baixo
III - as pessoas morrem
porque não olham pra dentro
15 junho 2020
Ao Fim da Rosa
rosa que álcool pelo meu sangue
quem foi que sangrou-te à tormenta?
quem foi que matou-te em meu peito
rosa que paira pelo meu grave?
quem foi que falou-te de amor-te
daquilo que voa e sempre te parte
que alguém arrancou-te da noite
rosa que doente pelo meu sempre?
quem te avassala pelas espadas
e bate o martelo em tua cabeça
e derrama teu lago no som do meu rastro
rosa que morre pela minha veia?
em que lama deixaram teu passo
rosa que afoga em tudo que chove
no medo que corta e que te consomes
rosa que vai-te em tudo que passa?
quem comeu tuas pétalas no almoço?
rosa que afunda em tudo que é podre
rosa que finda em todo meu nada
rosa esmagada.
quem foi que sangrou-te à tormenta?
quem foi que matou-te em meu peito
rosa que paira pelo meu grave?
quem foi que falou-te de amor-te
daquilo que voa e sempre te parte
que alguém arrancou-te da noite
rosa que doente pelo meu sempre?
quem te avassala pelas espadas
e bate o martelo em tua cabeça
e derrama teu lago no som do meu rastro
rosa que morre pela minha veia?
em que lama deixaram teu passo
rosa que afoga em tudo que chove
no medo que corta e que te consomes
rosa que vai-te em tudo que passa?
quem comeu tuas pétalas no almoço?
rosa que afunda em tudo que é podre
rosa que finda em todo meu nada
rosa esmagada.
11 junho 2020
Da Indiferença
I - Indiferença de verdade
não é vazio.
não é não-sentir.
é saber quando for sentimento
ou o sustento de um olhar frio
II - a suprema indiferença
é a sensibilização
de saber que não há nada no homem
e no seu desejo.
e é a intuição impassível
de não ver esperança
naquilo que vejo
III - ser indiferente
é permanecer
a que seja o Ser
não é vazio.
não é não-sentir.
é saber quando for sentimento
ou o sustento de um olhar frio
II - a suprema indiferença
é a sensibilização
de saber que não há nada no homem
e no seu desejo.
e é a intuição impassível
de não ver esperança
naquilo que vejo
III - ser indiferente
é permanecer
a que seja o Ser
07 junho 2020
Ao Após
lembrança que sinto quando me esqueço
que sangue de mim lembrar-te me faz?
que alma me alonga ao instante fugaz
que ânsia que traga meu não ao avesso
seja comigo ao altar do teu preço
morte-destino que segue-me atrás
silêncio que os gritos quebra do mas
sonata que mata ao som do que esqueço
ah se eu corresse em teu rio sempre em chama
íris que fosse no som desta voz
soro sanguíneo que se ergue da lama
verso de nunca que se alta no após
ah se teu quem fosse aquilo que chama:
deixa esquecer-me e lembrar-te entre nós
03 junho 2020
O Horror ( ou o Óbvio) no Brasil
O horror habita o interior do ser humano, o que é óbvio.
Também é óbvio que esse horror está sempre acontecendo e/ou se expressando de alguma forma.
Outra obviedade é que esse horror também se expressa politicamente, que é uma das formas do horror tentar convencer os demais de que não é horror.
Geralmente, a expressão política do horror se chama EXTREMA DIREITA.
E a extrema direita é óbvia: ignorante, egoísta, desumana, perversa, autoritária, fanática, racista, imbecilizada, militarista, mentirosa, destrutiva.
Então, tudo o que acontece, hoje, no Brasil, havia sido previsto e alardeado desde antes das eleições. Era tudo óbvio.
31 maio 2020
Como se trata um fascista
se ele te ameaçar
você ameaça em dobro
se ele quer discutir ideias
você mostra que ele não tem nenhuma
se ele te xingar
você manda ele à puta que pariu
se ele gritar na sua cara
você escarra na dele
se ele cuspir no seu rosto
você quebra os dentes dele
mas se ele vier com conversinha
você manda ele à merda
se ele fingir carinha de bom moço
você coloca um espelho na frente da cara dele
se ele vier falando em paz
você manda ele se foder.
não se pode perdoar um fascista.
a não ser se ele deixar de ser.
(e olhe lá...)
você ameaça em dobro
se ele quer discutir ideias
você mostra que ele não tem nenhuma
se ele te xingar
você manda ele à puta que pariu
se ele gritar na sua cara
você escarra na dele
se ele cuspir no seu rosto
você quebra os dentes dele
mas se ele vier com conversinha
você manda ele à merda
se ele fingir carinha de bom moço
você coloca um espelho na frente da cara dele
se ele vier falando em paz
você manda ele se foder.
não se pode perdoar um fascista.
a não ser se ele deixar de ser.
(e olhe lá...)
29 maio 2020
Epitáfio para a Poesia
sempre foste muito intensa
para ser fácil
sempre foste muito trágica
para ser prática
sempre foste muito autêntica
para ser próspera
sempre foste muito foda
para ser pop
sempre foste muito funda
para ser (f)útil
para ser fácil
sempre foste muito trágica
para ser prática
sempre foste muito autêntica
para ser próspera
sempre foste muito foda
para ser pop
sempre foste muito funda
para ser (f)útil
25 maio 2020
Deixa que Durmam
Sol, para que fazer que acordem
os que não ouvem nenhum acorde?
as mulambentas múmias humanas
marionetes mancas mecânicas
aquelas
no que resta do que são elas
entre poeiras e esteiras
caviar e mortadela.
em seus vazios plenos de pena
o sorriso do sucesso amarelo
enfeites entre as duas orelhas
intervalos vãos das cabeças
descabidas guilhotinadas.
Sol, para que iluminas?
que luz entrará pelos porões de ratos
dos corações humanos?
arrebentados corações humanos
com seus fúteis inúteis trabalhos.
Sol, para que ainda brilha nesses olhares
por entre ruas pátios e lares?
para que clarear
o abismo da nossa derrota esquecida?
ninguém mais quer saber de vida.
deixa-nos e vai além
para que nascer para todos
se já não iluminas ninguém?
os que não ouvem nenhum acorde?
as mulambentas múmias humanas
marionetes mancas mecânicas
aquelas
no que resta do que são elas
entre poeiras e esteiras
caviar e mortadela.
em seus vazios plenos de pena
o sorriso do sucesso amarelo
enfeites entre as duas orelhas
intervalos vãos das cabeças
descabidas guilhotinadas.
Sol, para que iluminas?
que luz entrará pelos porões de ratos
dos corações humanos?
arrebentados corações humanos
com seus fúteis inúteis trabalhos.
Sol, para que ainda brilha nesses olhares
por entre ruas pátios e lares?
para que clarear
o abismo da nossa derrota esquecida?
ninguém mais quer saber de vida.
deixa-nos e vai além
para que nascer para todos
se já não iluminas ninguém?
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