O uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) escreveu algumas das grandes páginas da literatura latino-americana, em especial na sua obra-prima "A Trégua", romance publicado em 1960 e posteriormente filmado, concorrendo ao Oscar de melhor filme estrangeiro e que assombra por sua profundidade psicológica a agudeza na expressão e análise do drama humano. Extraí dois trechos da obra em questão. O primeiro dedico a alguns diretores de empresas, empresários, administradores, enfim. O segundo dedico a alguns médicos. Sei que os leitores reconhecerão muitos desses profissionais aqui pelo Brasil...
Para os diretores de empresas:
Imagino que
eles, quando se refestelam em suas poltronas estofadas da sala da Diretoria,
devem se sentir quase onipotentes, pelo menos tão perto do Olimpo quanto deve
se sentir uma alma sórdida e negra. Chegaram ao máximo. (...) Para esta pobre
gente, o máximo é chegar a sentar em cadeiras presidenciais, experimentar a
sensação (que para outros seria por demais incômoda) de que alguns destinos
estão em suas mãos, ter a ilusão de que resolvem, de que dispõem, de que são
alguém. Hoje, contudo, enquanto os olhava, não conseguia considerar suas caras
como pertencentes a Alguém, mas sim a Algo. Parecem-me coisas, não pessoas.
(...) Mas são pessoas. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa
piedade, da mais infamante das piedades, porque a verdade é que eles formam
para si uma casca de orgulho, um invólucro repugnante, uma sólida hipocrisia,
mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem da mais horrível variante
da solidão: a solidão de quem não tem sequer a si mesmo.
Para os médicos:
Há médicos
que gostam de aterrorizar, ao menos de anunciar a proximidade de terríveis
complicações, de perigos indefinidos e implacáveis. Depois, se a realidade não
é tão sinistra, sobrevém uma grande sensação de alívio, e o alívio familiar é,
no mais das vezes, o melhor clima possível para pagar sem aborrecimento, até
com gratidão, uma conta ABUSIVAMENTE ALTA. Quando alguém pergunta ao médico,
com humildade, quase com vergonha, sentindo claramente o constrangimento de
tocar em um tema tão vulgar e grosseiro diante de quem sacrifica sua vida e seu
tempo pela saúde do próximo: “Quanto é, doutor?”, ele sempre diz, acompanhando
suas palavras com um gesto generoso e compreensivo de desconforto: “Por favor,
amigo, logo mais tratamos desse assunto. E não se apresse, pois comigo não
haverá problemas.” (...) Depois, quando chega finalmente a hora de discutir o
assunto, vem a conta gorda, em separado.
(Acima, todo o charme de Benedetti)