A inteligência, a sagacidade, a perspicácia, em si, não são virtudes. São armas. E como armas, elas ajudaram-me a atingir meus objetivos. Antes disso, minha inteligência me demonstrou que por mais bem que façamos em meio a esta sociedade, sempre será tudo completamente inútil para atingirmos o que chamamos de felicidade. Ninguém dará valor para o que exista de realmente bom em nós.
E para matar da melhor forma possível, fiz uso da minha grande inteligência, dessa arma que pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Einstein usou sua inteligência superior para o bem. Hitler, para o mal. Pelo menos, é o que conta a história. No entanto, mesmo sem Einstein desejar, ele contribuiu para a bomba atômica. E Hitler, antes de cometer suas atrocidades, reergueu a Alemanha e encheu de força o seu povo. De modo que há uma fronteira muito tênue entre o bem e o mal. Eu, irão dizer as pessoas, escolhi o caminho do mal. No entanto, para mim, o meu mal era uma forma de justiça.
Seja como for, a verdade é que me tornei um assassino frio e cruel. Mas que matava me utilizando de cuidados e critérios absolutamente refletidos com larga antecedência. A minha capacidade de premeditação para que meus crimes jamais fossem descobertos era realmente espantosa, devo confessar. Dizem que a astúcia é a maior virtude do diabo... Talvez, seja.
Os assombrosos desgostos de minha existência foram encharcando da mais negra amargura o meu coração. E vendo a vida com esses olhos congestionados de funesta amargura, transformei-me em um poço fatal de ódio. Contudo, não foi aquele ódio irracional, de fazer ferver o sangue, de agir impensadamente apenas para satisfazer-se de forma intempestiva. Meu ódio era um ódio perfeitamente frio, racional, calculado, controlado pela força de minha mente. Em nenhum momento eu deixei transparecer a profunda malignidade que se ocultava em minha psique.
O demônio não seria demônio se fosse sincero. De forma que criei para mim a mais perfeita das máscaras. Estou aqui confessando que modifiquei minha psique integralmente. De um indivíduo originariamente bom, tornei-me um assassino em série. Porém , ninguém nunca soube disso. Sim, para todos, absolutamente todos, eu continuava sendo aquele jovem bondoso, terno e inocente. Nunca ninguém desconfiou de mim, ainda que muitos suspeitassem que eu não fosse tão bondoso quanto aparentava, conforme já explicitei. Mas daí a imaginar que eu pudesse ser um assassino, seria um absurdo que jamais passou pela cabeça de ninguém. E assim, aquilo que antes em mim era sincero, a minha bondade, passou a ser o melhor disfarce para manter-me incólume enquanto matava sem levantar a mínima suspeita.
Tornei-me a mais hipócrita e dissimulada das pessoas e aniquilei com toda a minha espontaneidade e naturalidade. Toda e qualquer palavra que eu dissesse em meio a outras pessoas era perfeitamente refletida antes. Não ia a qualquer lugar sem prever antecipadamente o que lá poderia ocorrer. Não me relacionava com nenhuma pessoa sem ter algum interesse em vista. As expressões do meu rosto eram sempre calculadas, assim como meus gestos, como meus olhares, como minhas ações. Nenhum acontecimento externo era capaz de me abalar aos olhos dos outros, procurava ao máximo manter uma calma gélida, ainda que por dentro eu me sentisse profundamente perturbado. Nada do que eu sentia verdadeiramente eu deixava transparecer, absolutamente nada. E assim, executando esse sórdido papel com maestria, permaneci sempre acima de qualquer suspeita. Eu não era aquela pessoa bondosa e ingênua? Pois bem, então que assim todos continuassem pensando a meu respeito...
(Amanhã, a parte 4)