Nunca fomos tão egoístas (Parte 2)

perdemos tudo
mas estamos certos
de que tudo temos.
esse é o grande paradoxo
dos tempos do pós-tudo.
não pensamos mais em nada
porque achamos que já pensamos 
tudo o que deveríamos.
não somos mais capazes 
de sentir as grandes coisas
porque nos afundamos
sentindo o que é minúsculo..
nosso senso estético se atrofiou:
não é mais senso
é um "descenso"
uma queda vertiginosa
ao medíocre e ao mau-gosto.
não aceitamos mais o diálogo
porque estamos certos
de que estamos certos:
não importa a verdade do outro
porque a verdade está toda com a gente.
nos trancamos em nossa bolha
com medo que ela estoure
pelo contato com a bolha do outro.
estamos tão doentes
que atingimos a certeza
de que somos saudáveis
e que a doença está nos outros.

e estamos tão vazios
que transbordamos de aparências.

Versos Diretos n°22 e 23

N°22: o primeiro pensamento de Satã
após sua queda:
"Ah, mas isso não vai ficar por isso mesmo, 
isso não vai ficar assim."

N°23: eu não domino a Palavra 
é a Palavra que me domina.
é ela que me obriga 
a dizer o que quero que eu diga

A Coruja é o Símbolo da Sabedoria

me sinto bem 
me sinto seguro na escuridão da noite
como um filho que retorna à casa da mãe.

não é à toa que a lua
é símbolo da maternidade.
existem dois tipos de animais noturnos:
os que são biologicamente da noite
e nunca vivem durante o dia
(como as corujas)
e os que escolheram viver à noite
por ficarem mais distantes do ser humano
(como a maioria dos felinos).
eu sou um pouco dos dois.
não é que eu não goste do dia:
amo e respeito o sol
mas o sol é masculino
e a noite é feminina:
é mais profunda
é mais sensível.
enganam-se os que acham
que gosto da noite pelo silêncio:
gosto da noite porque se pode ouvir mais:
quem é que escuta o canto dos pássaros
durante o dia, sufocado pelo caos e balbúrdia
da vida pós-moderna? 
cem pássaros cantam ao mesmo tempo
e ninguém dá bola
todas as pessoas estão imersas 
em seus problemas trabalhos responsabilidades.
mas na noite até os morcegos são ouvidos
e pra quem não sabe
os pássaros começam seu canto 
sempre durante o escuro da noite
bem antes do amanhecer
e se pode perceber cada detalhe
do que dizem.
e já que este poema à noite
é também uma ode aos pássaros
a noite também tem 
seus representantes durante o dia
que são os corvos 
e os urubus.

Versos Diretos nº20 e 21

20 - Adeus, Humanidade
é algo dúbio.
pode significar
que os seres humanos 
perderam sua humanidade
ou que eu estou partindo

do meio desta humanidade
ou que esta civilização como um todo

está indo pro saco.
ou os três.

21 - quando as pessoas
perdem o controle sobre o que controlavam
(controlar no sentido
de manter sob seu domínio)
elas culpam o que era controlado
por ter saído do seu controle:
é a ultima tentativa de ainda controlar.

Nunca fomos tão egoístas

a humanidade nunca foi tão egoísta como na era atual.
a chamada preocupação (ou amor) com o próximo
é tão somente uma união de interesses 
problemas ou finalidades em comum.

se mudar o interesse, muda a união.
nunca fomos tão individualistas
nunca nos achamos tanto o máximo.
cada um de nós está convicto 
de que é melhor que o outro
(o que o torna melhor que todos)

"o outro é culpado, eu sou inocente.
o outro é fracassado, eu sou vencedor.
o outro é pobre porque quer.
o outro é infeliz porque escolheu assim.
o outro errou e não tem motivos
eu errei mas tenho meus motivos
(quer dizer, na verdade, nem errei).
o outro é problemático, eu sou de boas.
o outro é tóxico, eu sou saudável."

sempre minimizamos o que fazemos contra o outro

sempre maximizamos o que o outro faz contra nós.

o problema de tudo é sempre os outros
o mundo está como está por causa dos outros.
olhamos tanto para nossos próprios umbigos
que nunca nos olhamos no espelho.
falamos tanto em conhecer a verdade
mas ninguém quer conhecer a verdade por inteiro
somente aquela parte da verdade
que vai de acordo com nossas crenças ou expectativas
ou simplesmente que faça nos sentir bem e justificados
e paramos por aí.

ah sim, claro, há exceções
mas ninguém é uma delas.

Aryael

sim o meu Ser ainda vive 
nada se impõe ao meu Ser.
que proclamem as cruzes da estrada
que  se ergam as almas penadas
que flamejem as asas das fadas
se ainda estou no meu Ser.

sim o meu Ser ainda vibra
e nada bate o meu Ser.
que desabem as noites imensas
que levantem as músicas densas
que extremem as almas intensas
se ainda sentem o meu Ser.

sim o meu Ser ainda canta
e nada abate o meu Ser.
que trombetem as glórias dos corvos
que sonatem os longes dos mortos
que vaporem  os sangues dos corpos
se ainda é vasto o meu Ser.

sim o meu Ser ainda é grande
e nada vence o meu Ser.
que espadem os anjos de Marte
que  sublimem os gênios da arte
que te diga o que eu for falar-te
se ainda Sou o meu Ser.

Por que me abandonaste?

amanheci sem conseguir 
escrever nada 
como se não tivesse mais inspiração.
então perguntei para Deus:
"Pai,  por que me abandonaste?"
ao que prontamente Ele me respondeu:
"Sim, meu filho,  eu te abandonei.
A inspiração é tudo que te resta.
É (do corvo) uma pena."
então ergui meu olhar ao céus
tomei um gole de whisky

(havia lágrimas nos olhos meus)
e escrevi esta merda de poema.

Por que, diabos, eu ando só de preto?

faz anos que me perguntam
por que eu ando só de preto.
eu respondo com uma pergunta:
e por que você não anda só de preto?
ao que geralmente me respondem:
porque o normal não é só andar de preto
todo mundo não anda só de preto.
às vezes digo que, bem, eu não sou normal
e nem sou todo mundo.
também não é porque quero ser diferentão
tem muita gente que anda só de preto.
mas eu ando só de preto por causa do luto
ando só de preto por causa da luta
ando só de preto por causa do sangue

ando só de preto pela maldição 
ando só de preto por causa da morte
ando só de preto por causa da vida
ando só de preto por causa da noite
ando só de preto por causa da arte
ando só de preto por causa da dor
ando só de preto por causa do amor
ando só de preto por causa da alma
ando só de preto por causa da falta
ando só de preto por causa dos olhos
ando só de preto por causa do sonho
ando só de preto por causa do fim
ando só de preto porque eu sou assim
ando só de preto por causa de Deus
ando só de preto por causa do adeus
ando só de preto por causa do corvo
ando só de preto pela minha missão
ando só de preto por causa do gosto
e sobre gosto não há discussão.

Sem Alma, sem Ganho

se não há alma

não há nada.

não se chega a céu nenhum

não se vai a inferno algum

o que Deus quer é nossas almas

o que o Diabo quer é nossas almas

sem alma não valemos nada.

mas a vida é céu ou inferno?

não, mas meio-termos não têm graça.

mas alguém metido a inteligente 

poderá perguntar:

mas o que é alma?

quem pergunta 

é porque não tem.

É melhor tomar um Porre

um poema que preste
vem no tempo certo
depois de muita chuva 
depois de muita lama
depois de tempestades de alma
e de muito muito drama
depois de pouca calma
queimado de tanta chama
depois de tanta lágrima
que o coração é uma lástima
e nada nada de fama
um poema vem no erro certo
vem depois de pouca sorte
e de noites de olho aberto
vem depois de muita fúria
depois de tanta música
depois de tanta morte
e nada nada de paz
um poema que preste
aqui se paga aqui se faz
um poema que preste
vem quando não dá certo
é como toda Arte
tem tão alto preço
e um tão raro selo
e tão amargo prêmio
(doce é só o sangue que escorre)
que é melhor tomar um porre
e nem ir recebê-lo.

Sopra Tua Trombeta, Oriphiel

deixar destar
tornarse o que non ver
desexistir desparecer
exvaporar sediluir
sedesluzir alnoitecer
sedesphazer almasteamar
anonpoder  indesruir
medissipar al soussurgir
volathizar y innebriar
de un vino extinto
athé que só serreste
o que eu sinto.

Almas dilaceradas despertam mais interesse

pessoas felizes não são interessantes.
não tem graça escrever sobre elas:
não dão grandes histórias
delas nunca saem grandes obras
nunca deixam grandes vidas.
pessoas felizes são tediosas
falta(m) alguma(s) coisa(s)
tempero e alma pra início de conversa.
eu sempre achei quem se acha feliz
um puto de um egoísta insensível superficial.
pessoas felizes não se mancam
estão sempre tentando enfiar sua felicidade
goela abaixo dos outros.

(sei que alguns vão me odiar por este poema... sinto muito, sinto.)
mas eu não quero dizer com isso
que as pessoas devam ser infelizes
há uma grande diferença entre um infeliz
e um não-feliz.
mas as pessoas (que se dizem) felizes
(talvez eu seja um sociopata)
eu não consigo admirá-las
eu não consigo amá-las.

Lições das Trevas

I – do Gato

tu gato noturno
atento ao vazio da treva
vês ainda mais vezes
que vazio sou eu
que não estou
no que te leva

tu sabes, gato
que todas as religiões 
não valem o sentido
do teu olfato.

II – da Coruja

e o teu canto
coruja hermética
de olhos autônomos
jamais será alcançado 
nem por toda uma legião 
de humanos robóticos 
e autômatos

e, por fim
há mais sabedoria no teu pio
do que em todo
o povo do Brasil.

III – da Estrela

tu que não nos sabes
nunca te fracassas:
sendo estrela és distante
e sendo distante és verdade

triunfas ao iluminares nuncas

e dar as costas

à humanidade.

Soneto ao Porre

deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama

eu fiz de tudo e o teu futuro eu trago
morde minha alma até quando se inflama
queima estas asas em álcoois e chamas

Versos Caídos (ou Sobre um Trecho de Augusto dos Anjos)

"E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra."
Augusto dos Anjos

o que é uma queda geral nas redes sociais
comparada a uma queda geral da energia elétrica?
acontecendo, cai tudo. acabou.
até mesmo o controle sobre bombas nucleares
cairá (pra quem não sabe).
as pessoas falam tanto em independência
mas não passam de miseráveis dependentes.
dependemos de que todas as merdas tecnológicas
das quais nos tornamos dependentes
não caiam.
só que tudo um dia cai. é inevitável.
tudo o que foi erguido, construído
o foi para um dia cair.
e cairá. é a lei da vida.
caem governos caem cidades
caem impérios caem civilizações.
caem certezas caem eras.
e a nossa civilização cairá
porque fizemos cair as florestas.
da queda de cada árvore
virá a queda de cada homem.
acreditem
porque aqui vos fala
um especialista em Quedas.

Versos Diretos n°18 e 19

 18 - Redes Sociais:

"ah porque a humanidade depende
das redes sociais para existir."
não,  a humanidade depende da comunicação 
depende da palavra.
se fôssemos falar de dependência tecnológica 
teríamos que ir mais fundo:
redes sociais dependem da internet
que depende da energia elétrica
que depende das hidrelétricas 
que dependem dos rios 
que dependem da água.
e a água depende da preservação ambiental.
logo,  as redes sociais dependem da natureza.

19 - Prevenção ao Suicídio:
não se mate.
não vale a pena,
ninguém se importa.

Poesia e Felinos

você paga 2 mil por um celular
4 mil por um notebook
5 mil por uma televisão
50 mil por um carro
você gasta com comida roupas viagens
com estética presentes bobagens
você gasta com vinho whisky cerveja
maconha remédio sexo amor ilusão
e qualquer coisa que a consciência embriague...

você só não gasta com poemas e gatinhos:
poemas e gatinhos você consegue de graça.
porque não há preço que pague.

Definição Didática de Arte

o que é arte?
arte é não ter saída.
ou a saída ser só a arte.
arte é ver o sol nascer
e não poder sentir esperança
por estar bêbado demais.
arte é ser esquecido por ter dito

por ter feito.
arte é ter que quebrar a socos 
os dentes de um imbecil
enquanto recebe um chute no saco.
arte é morrer do fígado.
arte é apostar todas as fichas e perder.
arte é se suicidar na pobreza e deixar 
milhões de dólares futuros em obras.
arte é saber que a tempestade está chegando.
arte é não conseguir se adaptar ao mundo
arte é não conseguir.
arte é ter que fazer outra coisa para sobreviver.
arte é ter que sobreviver
para que exista a arte.
arte é buscar até NÃO alcançar.
arte é o golfejo de sangue na toalha da mesa.
arte é não ser correspondido em nada.
arte é receber o mundo a bala
e ser recebido a tiro.
arte é ver que o sucesso é dos imbecis 
e preferir o fracasso.
arte é a loucura o vício a desgraça
o abandono a lama o desprezo 
arte é a vida vivida 
a minha,  inclusive.





 

Não sei ser prático

praticamente não sei ser prático:
na vida prática não há praticidade pra mim
nem só de prático vive o homem
a vida é além que feijão no prato
que catar como um rato
as migalhas do chão
alguém vai me dizer que estou errado 

ao que contestarei: 

sim o senhor tem toda a razão. 

pratico o não-prático.

eu nunca aprendi a prática lição:
só ver ouros e pratas
onde elas não estão
sou um inútil: só vejo pórticos e matas
antes da destruição.

que me perdoem os práticos felizes:
só estou aqui contemplando as estrelas
que nem mais são
e sentindo-as em meu peito
como se ainda existisse 
o coração.

Uma Roleta Russa por cada Verso deste Soneto

aqueles desastres são do meu sangue
meu sangue pelos vinhos já afogado
incêndios pelo meu álcool inflamado
todo o Horror deste meu sangue se expande

minhas veias pelas sangas exangues
minhas hemácias nos tigres tombados
minhas artérias no mato acabado
eu sangro por onde sangrar que tu andes

eu que sangro em cada beijo que é morto
eu e meu sangue jorrados e tortos
como se o mundo os derramasse em mim

o meu sangue pelos bicos dos corvos
o meu fígado é que comem é meu rim
o mundo e meu sangue estão pelo fim.