07 setembro 2021

Pentassânguino

tudo nesta vida
sangra numa taça
(meu sangue caído
vermelho no frio)

nada nesta vida
nunca traz desgraça
(meu sangue sozinho
com abutres num rio)

tudo nesta vida
é a morte que traça
(meu sangue aos pedaços
num copo vazio)

nada vence a morte
por mais que se faça
(meu sangue acabado
allegro con brio)

tudo mata a vida
mata o amor e a graça
(meu sangue já vinho
bebido em barril)






02 setembro 2021

A Palavra mais Forte

não me venham dizer 
que são os atos que valem e não as palavras.
é só bobagem, falácia, lugar comum.
(não há nada pior que o lugar comum)
por acaso alguém faz alguma coisa
sem sentir e pensar antes em palavras?
tudo o que se pensa se pensa em palavras
tudo o que se sente se sente em palavras.
alguém pensa em amar 
sem pensar na palavra amar?
alguém sente amor
sem sentir a palavra amor?
alguém ama sem DIZER
(pelo menos a si mesmo)
que está amando?
a palavra é tudo
começo e fim do mundo
(no Princípio era o Verbo)
e a palavra mais forte
é o Verso.

30 agosto 2021

Symbolismus et Decandentias

I - se desanoitou e não me desbebo.
desoro que inamanheça donnada
para eu poder lassentir  a almadrugada.

II - eu me músico até não águaentrar mais 
depois reacabo com migo convinho
de acordo-me convém a Dôr do meu nãocaminho.

III - ah esses que vêm me malembrar que havida
eles malessabem que eu desexistus
enquanto meiformo o dessangre en vino
a-parando o Gothejo da Cruz (e Sousa) de Christus.



27 agosto 2021

Só mais um nome na lista

não reconheço nenhuma autoridade instituída
nenhuma autoridade humana
(só entre a natureza)
não reconheço nenhum tipo de autoridade
nem legal 
nem governamental
nem policial
nem civil
nem milical (de milico)
nem intelectual
nem profissional
nem de patrão nem de dinheiro
nem religiosa
muito menos presidencial.
também não chamo ninguém de doutor
principalmente se não o é
e se o for, só vai provar que sabe muito
sobre quase nada.
não reconheço autoridades humanas
é um problema que eu tenho.
desses humanos
inferiores aos macacos.
por favor, não insista.
e se alguém por causa disso
não gostar de mim
vai ser só mais um nome na lista.




26 agosto 2021

Poema com um só Ponto Final

não há nada pior
do que aquilo que poderia ter sido
e não foi
o que poderia ter acontecido
do que o que poderia estar sendo
e não está
e nunca ninguém saberá
aquela coisa de oportunidade perdida
tortura até o final da vida
(é pior do que a vida vivida)
porque é o que nunca se soube
o que era mas que nunca se houve
sabendo que se poderia viver
ou se poderia perder
e que nunca ninguém diga
que não teve uma chance perdida
uma porta aberta em que não entrou
porque se ficou no talvez ou no ou
a humanidade inteira mesmo
foi uma grande promessa
(todo mundo um dia olha pra trás)
como quem tem a faca na mão 
e o queijo na mesa
e nunca cortou o pedaço
de que era capaz.

25 agosto 2021

Meu Terceiro Livro: "O Adeus da Humanidade"

 "O Adeus da Humanidade" é meu segundo livro de poesias, que deveria ter sido lançado em 2017, mas por uma série de fatores externos e internos acabou sendo adiado ano após ano, até, finalmente, ser publicado neste mês de agosto de 2021, contando com mais poemas do que inicialmente eu havia planejado: foram publicados cerca de 300 poemas escritos entre 2015 e 2020. 

O livro possui 253 páginas, foi publicado em formato e-book/epub pela editora carioca Bibliomundi e já está sendo distribuído  pelo próprio site da editora e por livrarias digitais nacionais e estrangeiras.  Pela publicação deste e-book, agradeço o imprescindível auxílio técnico do meu amigo Guilherme Hirt.

Abaixo, a sinopse do livro:

"Este livro consiste em uma reunião de quase 300 poemas compostos entre 2015 e final de 2020 sobre uma temática primordial: o ser humano e a humanidade, as suas grandes questões,  seus principais problemas, a destruição do planeta,  as crises  ambiental, existencial, espiritual que nos assolam e nos desafiam na busca do sentido para a vida e que ao mesmo tempo ameaçam a continuidade da civilização.

Mas os poemas aqui reunidos não se limitam a esta temática. Utilizando-se de uma linguagem intensa, que desfila entre o áspero e direto e o sugestivo e simbólico, o autor aborda a arte e seus gênios, o  trabalho e a criação artística, a exploração dos seus próprios estados emotivos e o questionamento de tudo o que é tido como certo e correto pela nossa sociedade pós-moderna."

Links para adquirir o livro:

Pelo Google Play (disponibilizado pela editora):

https://play.google.com/store/books/details/Alessandro_Reiffer_O_Adeus_da_Humanidade?id=yWk-EAAAQBAJ


Pela Livraria Cultura:

https://www3.livrariacultura.com.br/o-adeus-da-humanidade-890963706/p







21 agosto 2021

Não reconheço nenhum sucesso

a vida é essa merda, cara:
não existem vencedores ou perdedores
existem egoístas que acham que venceram
e as vítimas desses egoístas.
se achar vencedor num planeta que agoniza
(e a cada dia mais)
numa humanidade que sofre e faz sofrer
(e mais a cada dia)
é um puta de um egoísmo.
é pequeno. é vazio. é nada.
grande é quem sabe do seu fracasso
é quem compreende a sua derrota
como ser humano
que não foi capaz de em verdade amar
nem o ser humano ao seu lado
nem os outros seres humanos
nem os outros seres
nem porra de vida nenhuma
que não fosse a sua.

agora eu escuto a Cantata BWV 21 de Bach.
Bach não ganhou nada compondo essa cantata:
nem dinheiro nem reconhecimento 
nem amor nem sucesso.
por muitos anos ficou esquecida 
até que alguém a achou
depois de Bach estar morto 
e enterrado há décadas.
hoje essa cantata traz um pouco 
de amor e inspiração
a alguns corações perdidos pelo mundo
como o meu.
só algo como isso 
eu reconheço como vitória.




19 agosto 2021

Versos Diretos nº15, 16 e 17

15 - os extremos 
da vida são simples:
se um não quer dois não brigam
se um não quer dois não amam.
o que complica são os meios
termos.

16 - quando se perde tudo
se perde tudo:
se perde o medo
se perde o medo de perder
porque não se tem nada
a perder 
a não ser a vida
e por fim
se perde o medo 
de perder a vida.

17 - a esperança
essa vampira:
sempre morta
sempre viva.

16 agosto 2021

Vidas de Plástico

vidas de plástico, descartáveis
que se rasgam se amassam e se jogam no lixo
que só servem para um uso e se acabou
que são só pra um momento e nunca mais
vidas de plástico de utilidade prática e porca
em que não importa consequência nenhuma
ninguém se importa com o que acontece depois
ninguém se importa com O QUE se fode depois
com QUEM se fode depois
ninguém se importa com porra nenhuma.
vidas de plástico
entupindo a autêntica vida do rio
só uma embalagem oca
só um saco vazio.







12 agosto 2021

Versos Diretos n°13 e 14

13 - quando não se aguenta mais 
não se aguenta mais:
algo tem que ser feito 
e esse algo por melhor
ou pior que seja 
é a única coisa que poderia ser feita 
porque a vida tem por princípio 
a todo instante
ser desfeita.

14 - quando me dizem 
que o que vale é a profundidade 
e não a superfície 
eu pergunto: quem é que se aventura 
nas águas do rio
e não fica só na margem
ou entra no interior da mata 
e não fica só na beira?

03 agosto 2021

Quem disse que não podes chorar?

quem disse que tu não podes descer?
nunca ninguém esgotou o infinito dos teus mares.

quem disse que não podes brotar?
nunca aterraram o fundo dos teus lagos
nem aprisionaram as nuvens das tuas névoas.

quem disse que não podes correr?
nenhuma mão supérflua fútil frívola
pode pôr um dique nas correntezas dos teus rios.

quem disse que não podes sulcar?
tu marcas a terra da Terra inteira
com os vinhos dos teus sangues
com os sangues das tuas águas.

Lágrima, imperatriz do profundo!
tu serás o líquido mais puro
que restará sobre a finitude do mundo.

01 agosto 2021

Marcha Lúnebre


meus olhos-clima de fim
fim-lábio negro de lua
lua que rosa meus lagos
lagos de valsas aos gritos
gritos com sono no sangue
sangue de pulsos me selam
selam meus braços e caem
caem os abraços na luz
luz que te perco e me sonha
sonha em teu canto entre noite
noite tua alma me espia
espia orando e de beijos
beijos de fim nos meus olhos

29 julho 2021

Sem que tu Perceba

eles (esse eles podem ser os outros as pessoas
a sociedade o mundo o sistema o governo
o teu patrão os teus egos...)
nunca vão te deixar em paz.
seja onde for que tu esteja
onde for que te esconda
eles vão te encontrar e vão vir atrás de ti
para que tu faça e aja e seja como eles querem.
(sem que tu perceba)
eles vão te pressionar te chantagear
para que tu trabalhe para que tu produza
(mas não o que tu quer mas o que eles querem)
sem que tu perceba.
eles vão tirar ou ameaçar teus direitos 
vão tirar teu sono teu descanso
até que tu reconheça que só o direito deles vale.
(sem que tu perceba)
e se tu reagir eles vão te foder
te colocar contra a parede te apontar o revólver
vão te espremer até fazer suco
com sorrisos de propaganda na cara
(ou só vão te comprar)
até que tu deixe de ser tu
para ser eles (sem que tu perceba).
eles vão te falar de autenticidade de "seja tu mesmo" 
e blábláblá, mas é tudo mentira:
eles não querem ninguém diferente
e vão te convencer a não querer também
(sem que tu perceba).
enfim eles nunca vão te deixar em paz
até que tu te entregue
ou ache a morte mais honrosa
(e talvez seja mesmo).





25 julho 2021

Nosso Medo do Profundo

dizem que temos medo do desconhecido
mas temos medo do que é profundo.
medo de ser sugado 
pelos buracos negros do cosmos e da vida.
nem todo desconhecido é profundo
mas todo profundo é desconhecido.

nós temos medo do mergulho
de penetrar no coração da floresta
medo de nos perder
medo de conhecer demais
de entender demais
e mais ainda
de sentir
(e eu nem digo demais
porque só se sente se for demais).

nós temos medo de olhar muito alto
de ver muito fundo
nós temos medo do extremo
seja do abismo seja do céu
temos medo das nossas almas
nós temos medo de ir além
e quando eu digo nós
é porque eu e tu também.


24 julho 2021

Sem Sentido

mas qual sentido que há
no sentido do que sinto?
se tudo é um sonho seco
afogado em vinho tinto
sentimento sem saída
taça cheia do que minto
soco inútil por desertos
vãos derrames indistintos
gota em vaso carcomido
sangue em quadro que não pinto
verso-vento sem destino
vulto-anseio não me vindo
vasto plano sem motivo
deus-deboche sempre rindo
sol perdido em noite e sino
mesmo assim me sou sentido.

22 julho 2021

A Tempestade II


sempre há algo que se prepara:
o lobo pode de repente
abrir a ameaça da boca
e trazer à tona
a impiedade do dente.

a fúria já era fúria
antes de enfurecer-se
é cansaço que se levanta
do latente ao que não se aguenta.

há um ponto em que não há mais ponto
que se ergue como surpresa
diante da nossa arrogância
de que nunca seremos a presa.

há uma vingança que se futura
pela quietude da noite escura.

às vezes
é no cair tranquilo
da nossa tarde clara
que a tempestade se prepara.

17 julho 2021

Lembrança

luz que adeja sobre meu sonho
não pensas que eu te esqueci:
sei do teu canto vasto pelos finais
sei que te acimas sei que te imensas
ouço teus lábios cheiro teus olhos

não pensas que te descri
do mar em que te oceanas
do sempre em que te eternas
do cosmos em que te infinitas

por ti eu caí das verdades
mergulhei no que erra
abismei-me no Fim

se cada vez mais
me aprofundo na sombra
é para cravar tua flâmula
nos abismos em que te hás de brilhar
inclusive dentro de mim

14 julho 2021

A Propósito de Cagar

a humanidade morreu.
não a humanidade como civilização
(esta está a caminho, como direta
consequência).
mas a humanidade como alma-coração.
a humanidade abdicou da vida há muito.
não vivemos e não deixamos viver.
tanto não vivemos que nem mais sabemos
o que é vida e do que se trata.
só temos uma ideia vaga abstrata
sem força sem ânimo sem vitalidade.
não há um ideal real que nos mova
a não ser o ideal do nosso próprio umbigo.
olhamos para o profundo e não vemos nada.
para dentro de nós e dos outros nem olhamos.
achamos que sentir é uma forma de se empunhar.
nada nos comove
nada nos enleva
nada nos sublima.
e estamos certos de que estamos certos.
é hora de admitir: nada na real nos importa.
às vezes doamos uns pilas para alguma instituição
e vamos dormir o sono dos justos.
somos uma civilização sem alma
sem colhões sem sal sem paixão.
não passamos de uns covardes acumuladores
escondidos atrás de um suposto intelecto
que não passa de um laxante de farmácia.
a propósito, só uma coisa 
nossa civilização faz muito bem:
cagar. 



08 julho 2021

A Tempestade


Parte I
primeiro foi um toque de flauta ao longe
piscar de olhos no horizonte
febre elétrica no vermelho daquele olho
morno-gélido sopro de lábios 
as lentas folhas se espalhavam nas ruas 
sob a ameaça de um acorde beethoveniano
e se avastaram pela minha esperança.

Parte II
uma lágrima sanguínea gotejou na minha taça
e com seu peso a derrubei aos pés
os gritos dos réquiens
e o sangue do olhar em fúria
dominaram o que eu sentia.

Parte III
o céu se cobriu de avisos
e despencaram sobre a minha sorte.

Parte IV
espadas por sobre as asas
as árvores por meus cabelos
e uma Leoa rugiu no que não fiz
no que não pude
no que não tive no que não sou.

Parte V
era Ela, a Tempestade:
só ela faz que sintamos
só ela põe fim ao tédio da existência
só ela revoluciona 
vidas e mundos e cosmos...













04 julho 2021

Literatura tem Sangue

escrever é como a vida:
não se vive só o que se quer
não se escreve só 
o que os outros querem ler.
escrever é sobre o que se vive
e o que se vive está muito além do que se espera
seja para o bem seja para o mal.

escrever não é deixar manual e cartilha
de como se viver ou de como ser feliz:
isso é particular de cada vida vivida.

quem escreve não pode deixar o leitor confortável
e seguro nas suas certezas:
há que se ler e se sair perturbado
como a pedra jogada no lago
perturba a placidez da água parada.
não há vida vivida
sem que se sinta o gosto de sangue na boca
sem que se engula o vermelho do amor.

"escreve com sangue
e aprenderás que sangue é espírito"
escreveu Nietzsche.
ou "sangue é vida"
como disse Bram Stoker.

não espera literatura sem sangue.
a palavra limpa e sã não diz nada para a vida
(porque a vida não é limpa e sã)
o que há de mais belo e fundo
veio do sangue derramado
da ferida aberta escancarada.

e a poesia é a navalha nessa ferida.