18 maio 2012

O Palácio Humano, Demasiadamente Humano (FINAL)

Mantinha no palácio alguns empregados (os únicos seres vivos além de mim), para a realização de tarefas imprescindíveis para minha sobrevivência, e que os robôs não podiam fazer, como cozinhar, realizar tarefas de limpeza, a segurança da propriedade (apesar de ela possuir os mais seguros alarmes eletrônicos, não quis correr o menor risco). No entanto, o meu contato pessoal com os empregados era mínimo, somente ocorria quando absolutamente necessário. E isso raramente acontecia. Estavam todos perfeitamente avisados de que só deveriam se dirigir a mim quando não houvesse alternativa. Até mesmo contratei um outro empregado de total confiança para que cuidasse e tratasse dos assuntos dos demais empregados, como dúvidas com relação ao palácio, aos meus gostos e necessidades, para efetuar os pagamentos etc. Como o palácio era enorme, destinei áreas somente para os empregados, onde eu jamais entrava. As minhas refeições eram trazidas pelos robôs. Quando algo deveria ser feito por algum empregado em um local onde eu me encontrasse, como limpeza, algum conserto, eu era previamente avisado através de bilhetes trazidos pelos robôs, ou então simplesmente ligavam para meu celular. O que eu não podia era ouvir a voz física das pessoas. Através de máquinas, não haveria problema, desde que fosse algo realmente necessário. Também não poderia ficar conversando à toa pelo telefone.

Porém se engana quem pensa que eu estava completamente isolado do mundo. Não. Eu acompanhava tudo o que acontecia ao redor do planeta, do meu país, de minha cidade, através da internet. E também mantinha ativas as minhas diversas redes sociais, por meio delas travava relações com todos os meus amigos e conhecidos, conversava pelo MSN, e todos sabiam onde eu estava e o que estava fazendo. Apenas não sabiam o porquê do que eu fazia.

Principiei o meu isolamento (relativo) de todas as formas de vida no dia 1º de junho de 2010, logo após a conclusão da construção do palácio, finalizando-o em 15 de dezembro de 2011. Durante esse período, logicamente, não me ausentei por um só segundo de minha propriedade. Antes de retirar-me à solidão, conversei longamente com aquele empregado de absoluta confiança a que me referi explicando-lhe sobre o meu isolamento e o motivo do mesmo. Ele entendeu perfeitamente. E sabia exatamente o que deveria fazer durante a minha “ausência”.

A data de 1º de junho de 2010 para o início de tudo foi estabelecida por mim. Porém eu não definira uma data para o término. Eu prolongaria o isolamento de forma indeterminada até quando me fosse suportável. E no dia 15 de dezembro de 2011 não mais o foi. Creio que se permanecesse isolado daquela maneira, enlouqueceria verdadeiramente. Além do mais, não seria mais necessário continuar. Eu já havia compreendido. E compreendido não só graças às profundas reflexões em que mergulhei durante os mais de 18 meses de absurda solidão, mas também, e principalmente, pela vivência direta; pela experimentação de como seria viver privado de todo contato direto com qualquer forma de vida, ainda que isso ocorresse em um local onde existisse todo o luxo e todo o conforto possíveis, tendo à disponibilidade as mais avançadas e capazes tecnologias, rodeado de máquinas inteligentes que me faziam companhia em tempo integral, seguro e protegido, enfim, tendo tudo ao meu redor que o dinheiro poderia possibilitar.

Foi assim que compreendi, não com teorias, mas com a vida, que ela mesma, a própria vida em si, é um mistério que jamais alcançaremos. Por mais que as máquinas, os robôs, os computadores, todos da mais perfeita tecnologia, fizessem muito por mim, jamais poderiam substituir ou mesmo se comparar com o menor dos seres vivos. Houve momentos em que desejei que ao menos um rato ou uma barata cruzasse o meu caminho para que eu pudesse visualizá-los, tocá-los até mesmo. Quando via animais e árvores pela televisão ou em livros lágrimas desciam pela minha face. Como sonhei terrivelmente estar na companhia de uma mulher, ouvir a sua voz suave, fitar o seu sorriso, sentir o seu toque delicado, contemplar o fundo de seus olhos. Como, aflito, desejei estar na companhia de meus amigos, seja em bons ou em maus momentos, trocando ideias, divertindo-se, confessando os estados da alma.

Sentia-me profundamente irritado, mergulhado em ânsias e angústias ao perambular pelos infindáveis calçamentos e construções que circundavam o meu palácio, belos, admiravelmente trabalhados, sedutoramente confortáveis, porém deprimentemente estéreis. Como desejava deitar-me em um verdejante gramado, aspirar novamente o perfume das flores, voltar a ouvir o canto dos pássaros. Queria sentir a terra, a terra nua, repleta de insetos, de lesmas, de aranhas, o chão úmido de orvalho, silenciar-me enquanto meditava ao som dos rios, dos córregos, das correntezas por entre as pedras de um riacho, contemplando o desfile aquático dos peixes, ao mesmo tempo em que animais selvagens observavam-me ocultos por entre o mistério da mata. Passei a sonhar todos os dias em viver tais sensações, após determinado período de meu isolamento. Ah, pensava, “se eu pudesse acariciar um pequeno felino, ter um gato de estimação, sentir a maciez do seu pelo, a beleza hipnotizante de seu olhar, a sua presença enigmática ao meu lado...”  E assim passava a maior parte dos meus dias, mergulhados nestes desejos, nesses sonhos, mesmo enquanto lia, enquanto ouvia música, enquanto me alimentava...

Eu refletia: “tantos aquelas máquinas e computadores e robôs que tenho aqui comigo assim como qualquer ser vivo, do mais simples ao mais complexo, são agrupamentos organizados de moléculas, de átomos. Onde se encontra a diferença? Fala-se em vida artificial. Porém, vida e artificial são duas palavras contraditórias. Por que eu desejava a VIDA e não só a companhia das máquinas, por melhor que ela fosse? O que é, onde está o ponto em que ocorre essa diferença milagrosa em que um gato se torna um ser vivo e um robô não? O que é a VIDA, afinal?”

A resposta parece óbvia? Quem não teve a experiência que tive talvez encontre uma resposta pronta lida em algum lugar que já não mais se recorda. Mas para mim, que compreendi o real valor da vida e a sua essencial e abismal diferença de tudo o que é criado pela mão humana... Ah, nunca mais esquecerei que para isso não há resposta. E nada que façamos compreenderá ou substituirá aquilo a que chamamos. Só o que posso dizer é que a vida, em sua substância primordial, é a antiteoria. Ela não admite conceito ou explicação, é absolutamente impenetrável. A lição de Frankenstein é uma lição eterna. E ai de quem não a aprenda.

(Na imagem, o quadro "O Jardim dos Poetas" de Van Gogh)

17 maio 2012

O Palácio Humano, Demasiadamente Humano

Todos os que me conheciam julgavam que eu tinha enlouquecido. E conforme a minha proeza se espalhava através do mundo, não havia uma só pessoa que não considerasse um absurdo o que me determinei a realizar. No entanto, elas não sabiam de nada. E ainda não sabem. Saberão, talvez, quando eu concluir de contar minha história.

E minha história é bastante simples e não demorarei em relatá-la. Eu tinha muito dinheiro. Tanto, que mal sabia o que fazer com ele. Era um dos sócios de uma empresa que trabalha com tecnologias de ponta. Meus lucros anuais eram incalculáveis. E eu investia grande parte desses lucros em outras empresas que tornavam meus lucros ainda maiores. Verdadeiramente astronômicos. Passei a doar uma considerável parcela de meus dividendos para instituições que auxiliavam os miseráveis da África. No entanto, pensava em desenvolver um projeto próprio, de grande originalidade, algo que fosse bastante pessoal. E que contribuísse com algo para a humanidade. Foi então que surgiu, como em uma inspiração, a ideia que espantou meio mundo. E agora, contando minha história, divulgo os seus resultados.

Minha ideia consistiu em construir uma mansão, não, mais que isso, um verdadeiro palácio em um local totalmente afastado das áreas urbanas e onde não existisse nele nenhum tipo de forma de vida, a não ser a humana. E mesmo a vida humana deveria ser a mínima possível. Posso dizer que ela restringia-se somente à minha vida. Porque, muito embora houvesse outras pessoas no palácio, conforme mais adiante será esclarecido, eu não poderia entrar em contato direto, em contato físico com nenhuma delas, nem mesmo presenciá-las fisicamente, nem mesmo ouvir suas vozes. Nem com elas nem com nenhum outro ser humano, fosse quem fosse. A não ser que o contato se desse através de telefones, celulares e coisas do tipo. E quando digo que não deveria existir nenhuma forma de vida, refiro-me, é claro, às formas de vida cujas existências pudessem ser controladas. É claro que inúmeras espécies de microorganismos, de insetos e outros seres indesejáveis estariam lá presentes. Porém, em meu palácio, não haveria nenhum animal ou planta com os quais se pudesse conviver ou estabelecer qualquer tipo de contato voluntário.

Não havia nenhum tipo de animal de estimação, nenhuma árvore, nenhum arbusto, nenhum gramado, flores, folhagens, enfim, nada, absolutamente nenhuma planta. Isso não só no interior do palácio como também em toda a sua extensão externa, que não era, diga-se de passagem, exígua. Construí, para cercar o palácio, muros elevadíssimos, de concreto maciço. Fora insetos, nenhum animal conseguiria escalar. Sobre toda a extensão do terreno, de uma ponta a outra, mandei que fossem estabelecidas gigantescas redes, para evitar que qualquer pássaro pousasse em minha propriedade. Tais redes eram de orifícios tão minúsculos que até mesmo insetos voadores teriam enorme dificuldade em atravessá-la. Ademais, ainda que não houvesse as redes, seria muito difícil que algum pássaro ou borboleta ou coleóptero, enfim, tivesse algum interesse em entrar em minha propriedade absurda. Ali não existia qualquer planta que pudesse atraí-los.

Construí também uma enorme piscina, certificando-me, em seus arredores, que não havia a menor possibilidade de algum anfíbio dela se aproximar. Anfíbios e insetos e vermes e moluscos... enfim. Para tanto, coloquei concreto e piso em todo meu terreno de aproximadamente 10.000m². Não restou um só milímetro onde se pudesse observar o marrom da terra. O terreno foi totalmente calçado com enormes lajotas. Também construí monumentais garagens, áreas de estar providas de todos os objetos que uma área de estar deve possuir, além de terem sido enfeitadas com pilares e estátuas suntuosas e outros detalhes ornamentais. É claro que quando digo “construí” quero dizer que paguei para que outros o fizessem. E fiz com que ao longo da propriedade fossem colocados aparelhos para ginástica e para diversão. Porém nessas áreas de estar não poderia uma planta sequer.

Para a minha casa, ou melhor, para o meu palácio, obtive todas as conquistas da mais avançada tecnologia. Comprei computadores de última geração, assombrosamente inteligentes, ipods, iphones, instalei a mais potente internet. Adquiri televisores moderníssimos, aparelhos de som, home theater, enfim, todas as maravilhas tecnológicas que se possa imaginar, e tudo dentro do mais absoluto luxo e conforto. Como era um dos altos sócios de uma empresa de tecnologia de ponta, conforme já mencionei, pedi que fossem criados para meu uso máquinas robóticas o mais próximo possível da aparência e da inteligência humanas; e posso afirmar com absoluta segurança que os cientistas e técnicos que trabalharam na confecção de tais máquinas (estimulados por generosíssimas retribuições financeiras de minha parte) realizaram verdadeiros prodígios, milagres! Era incrível o que aqueles robôs conseguiam fazer, a sua capacidade de discernimento, as habilidades manuais, o poder de raciocínio, tudo me surpreendia, até mesmo a mim, já habituado com as criações tecnológicas. E eu permanecia durante longas horas, todos os dias, na companhia desses magníficos robôs, observando-os e tentando interagir com eles.

(Amanhã, o final do conto.)

15 maio 2012

Crer no Nada

a minha melancolia
(o há de haver do verbo ia)
não me permite
crer nisso que aí está:
inútil blábláblá
em intelectuais reais
da ilusão do que se existe

o melhor do que creio
(e sem enganoso anseio)
é em que não pode ser:
o que realmente vale
são os vales do que não há
de haver
se o que é é isso que é
é óbvio que não é
o que deveria ser:
em verdade
(pergunto  e perturbo)
para que crer na humanidade?

inflamo-me por ser insano
(uni)versar é tudo que me resta.
mais alto
é crer no que não existe
e naquilo que não vejo...
como crer no este humano
se estou vendo que não presta?

14 maio 2012

Conto cujo Final é de Fernando Pessoa*

quem só percebe a parte
percebe a parte como sendo o todo
e não parte do todo
e então parte dessa parte
como se ela fosse o todo do todo

quem percebe somente a parte
percebe a sua parte
e não a parte do outro
e para o outro
a sua parte que é o todo
mas para um
a parte do outro não pode ser parte
pois a sua parte é que é o todo
logo, a outra parte está fora do todo
e então é um erro
a verdade só estaria em sua parte
que é o todo para ele
e não pode haver outro todo
logo, não pode haver verdade em outra parte
e vice-versa

aquele que percebe o todo como todo
de longe
contempla as ligações das partes
e conhece que uma parte é uma parte
e que cada parte tem uma parte do todo
mas como a parte não é todo
não pode apresentar-se como sendo
logo, sempre faltará algo em toda parte
que será completa
quando se alertar do todo que a inclui

mas é inútil falar do todo
para quem só percebe a parte
porque se para ele a parte é que é todo
não pode haver um todo que inclua outra parte
porque para ele outra parte
não é outra parte
é um nada sem nada de verdade

e assim quem só percebe a parte
combate a outra parte
não se alertando que a outra parte
também faz parte do todo
e que traz uma parcela
(e só uma parcela)
da verdade

logo, quem percebe o todo como todo
vê a verdade sendo uma parte em cada parte
e o ponto e a linha
(de um ponto ao outro
e de linha em linha)
que ligam uma parte a outra
e o todo formado entre uma e outra
onde
“Deus é um grande Intervalo, 
Mas entre quê e quê?..."

* Os dois últimos versos (entre aspas) são de Fernando Pessoa




12 maio 2012

Então És Livre?

ainda que tenhas que trabalhar
durante as melhores
as mais claras
as mais belas
horas do dia
és livre
completamente livre...

e que trabalhes
5 meses por ano
apenas para pagar impostos
és livre
imensamente livre...

e que pagando teus impostos
ainda tenhas que pagar
planos de saúde
escolas para os filhos
seguranças para a noite
pedágios nas estradas
e faculdades particulares...
és livre
divinamente livre...

e se um dia
houver uma pane na internet
um colapso na energia elétrica
o esgotamento da água potável
verás como és livre
sublimemente livre...

és livre
para pensar como todos pensam
para sentir o que todos sentem
para ouvir o que todos ouvem
para andar como todos andam
para viver como todos vivem:
na moda.

e por hora
és livre para consumir
e deves consumir sem parar
senão
o que é que os outros
vão pensar?

11 maio 2012

Revista Veja e a Imprensa Comprada

É claro que a imprensa em geral não está divulgando muito, como é o caso da Globo e suas afilhadas, que não estão divulgando nada, pois sempre tiveram conluio com a Veja, mas  fato é que a revista semanal de maior circulação do Brasil exibia reportagens DITADAS por um bicheiro corrupto e corruptor, ladrão do dinheiro público, o famoso Carlinhos Cachoeira.

O caso está sendo divulgado por vários blogs Brasil afora, e a reportagem foi veiculada pelo jornal Correio do Povo de 8 de maio, na página 8. Segundo o jornal, as "informações" do Cachoeira resultaram em, no mínimo, cinco capas da revista Veja. Quando o bicheiro queria, por exemplo, a demissão de funcionários de ministérios que atrapalhavam os seus interesses e o da construtora Delta, ele falava com o diretor da Veja em Brasília, Policarpo Júnior, e "sugeria" certas matérias com determinadas informações. Foi o que aconteceu com o Ministério dos Transportes de Dilma. Parece que a cúpula desse ministério havia se desentendido com Cládio Abreu, diretor da construtora Delta e aliado de Cachoeira. Acompanhem o diálogo abaixo, que está em uma das inúmeras gravações de conversas de Cachoeira feitas pela polícia.  O diálogo se dá entre Cachoeira e Cláudio Abreu, diretor da Delta:

Cláudio: Você chegou a ler a matéria deles hoje, não?
Cachoeira: Não, o que falou? Foi boa?
Cláudio: "Agora, às 15h12min, a Presidente Dilma Rousseff convoca ministro dos Transportes e manda afastar todos os citados na reportagem da Veja..."
Cachoeira: É mesmo? A reportagem saiu e ela mandou afastar todo mundo?
Cláudio: Já mandou afastar todo mundo! Fodeu! Essa matéria fodeu pra cacete! E ele ainda citou a reunião!

Querem ler mais conversas? Procurem no Correio do Povo ou em blogs, há muitos divulgando. 
E assim caminha a imprensa brasileira. Comprada. Dizem que a imprensa é livre. Ótimo. Mas livre para o quê? Livre também para se vender e para veicular notícias do interesse de cafajestes?
A imprensa é livre para mostrar somente um lado das questões, coincidentemente o que lhe interessa? É livre para ocultar certas verdades? Para manipular informações de acordo com os interesses de quem paga mais? E pior, para criar notícias falsas mesclando trechos de verdade?

E em Santiago?  A nossa impressa aqui não se vende? Não serve a interesse de terceiros? Também é livre para se vender? Estou perguntando, é bom questionar.

Balzac escreveu: "Se a impressa não existisse, seria preciso NÃO inventá-la."  É claro que essa frase não é para ser levada ao pé da letra nos dias de hoje. A imprensa é necessária. Talvez um mal necessário. Mas que a frase de Balzac nos deve fazer refletir e nos deixar bastante atentos... Ah, isso deve.

10 maio 2012

Melodia do que Anoitece

melodia do que te ias
(no que era de meio dia)
e agora é companhia
à minha matilha de finais...

quanto mais eu quanto contigo
quantifico-me no que me frio
melodia de rastro e foice
no dia-a-dia em que me arrasto
ao fogo-fátuo do meu não-fosse

(foste
vós que mais não me olhais?)
melodia do que me tarde
(tempestade
de um antes
sem os sinais)
e mais o teu voo se vaga
som que te busca e me perde
rosa esmagada entre o ver-te
rosa que mais entardece
a messe por entre o meu verde...

melodia do que te ocaso
sangue por entre o que vejo
sino flautando ao que beijo
melodia do que te lua
( é ela faltando ao que nua)
corte no opus do olho
látego flagelo e açoite
melodia...
melonoite

08 maio 2012

Amar é o Quê?

quando dizemos
que somos todos irmãos
dizemos o quê?
que dividimos uma mesma essência
um impalpável ponto em comum
entre a nossa substância?
enfim, eu sou o outro
e vice-versa?
e tudo que há em mim
no outro também universa?

sou irmão do tigre
porque somos filho da mesma Terra
e onde corre sangue que é rubro
ou porque o seu sangue
é uma parte do meu em onda espiritual?
se ele morre
escorre
algo do meu vital?

se os homens se dilaceram na guerra
ou se degeneram em miséria
que sonho do meu ser é que se vai?
que olho do meu peito chora e se contrai
se a floresta se esvaece em fumaça?
quando o planeta sofre
que vida ou que sonho
se derrama da minha taça?

sofro porque eu sofro
ou porque o todo sofre?
o sangue derramado lá
sou eu derramado aqui?
o que é isso que goteja das minhas mãos
quando uma cabeça é esmagada?
é lágrima é sangue é mentira
ou é a indiferença do nada?
quando o sol se obscurece no céu
anoitece uma luz no que sou eu?

e isso que digo é para algum fim
ou sou só eu que sinto assim?

07 maio 2012

Johannes Brahms, um Forte

Hoje, 7 de maio de 2012, comemoro os 179 anos daquele que é o meu compositor  favorito, a quem dedico uma profunda devoção, Johannes Brahms. Os meus três compositores preferidos, na ordem, são Brahms, Beethoven e Bach. Os 3B’s, como dizem (não, não me venham com BBB). Não é difícil as pessoas incluírem esses três gênios como os seus compositores preferidos. Difícil é colocar Brahms como o primeiro da lista. Geralmente é Beethoven ou Bach. Às vezes, Mozart, às vezes, Wagner, e por aí vai. Mas eu coloco Brahms. Sei que não sou o único, sei de outros casos, mas poucos, bem poucos, se compararmos com os outros compositores mencionados.

Claro que isso é uma questão de gosto pessoal, obviamente, é algo subjetivo, de identificação particular, não há um critério objetivo que se apresente para afirmar: Brahms é melhor que Beethoven ou Bach. E não digo que Brahms é melhor que eles. E nem desejo realizar comparações. Apenas digo que Brahms é o meu favorito porque sua música reúne uma série de características com as quais me identifico total e profundamente e que não encontro reunidas em nenhum outro compositor. Não há uma só composição de Brahms que eu não aprecie com intensidade. Diria mais, não há um só trecho de Brahms que eu posso dizer: “não gostei dessa parte”. Isso não existe para mim. Obviamente, conheço a fundo toda sua obra. Ao menos, aquelas obras que ele não destruiu. Brahms, um perfeccionista, quando não se dava por satisfeito com um trabalho, destruía-o, queimava-o. Fico imaginando, inconsolável, quanta música de qualidade ele deve ter queimado. Sim, porque mesmo que o próprio Brahms não estivesse satisfeito, estou certo que eu iria apreciar.

Mas o que há em Brahms que eu tanto admiro? Muita coisa, a começar pelo seu perfeito equilíbrio entre mente e coração. Brahms era um romântico, sua música inclui-se na época do Romantismo, porém não se limita a ele. Brahms não era um romântico como qualquer outro. Sua música não se deixa levar por sentimentalismos, por emoções fáceis, por inspirações não lapidadas. Sua obra é intensamente emocional, porém fruto de uma emoção densa, profunda, autêntica, exaustivamente trabalhada, concentrada, pensada, refletida, sem impulsividades, sem precipitações, sem exageros, sem grandiloquências desnecessárias.

Ouvir Brahms exige real concentração, devoção, eu diria. Sua música não é de fácil assimilação, não foi feita para agradar ouvidos, mas para comunicar ao mais profundo de nossa sensibilidade, mente, espírito, como queiram. Sua substância densa, complexa, de cores predominantemente sombrias, geralmente melancólica e emocionalmente pesada não é para momentos de descontração ou de amenidades. Não se encontram na obra de Brahms firulas de exibicionismo técnico ou artificialismos. É arte verdadeiramente vivida. É música séria, severa, firme, segura, assentada sobre bases sólidas, de uma força áspera, às vezes, selvagem, que jamais se rende.

Mas Brahms também sabe ser lírico, apaixonado, amável, terno, suave, luminoso, porém nunca derramado. É trágico, mas jamais melodramático. É vitorioso, sem nunca descambar para felicidades incontidas. Brahms sonha, mas é um sonho cuidadoso, cauteloso, sem expectativas ilusórias. Não há espaço para otimismos de sorrisos fáceis.

Brahms é um forte.

05 maio 2012

Romantismo Pós-Moderno

o romantismo
nunca sai de moda:
gosto de beijar mulheres que morrem...

e acaricio seus cabelos dourados
cintilantes areias dos desertos novos...

perdendo-me em seus olhos claros
sóis de duas bombas atômicas...

aspiro o seu alento morno
ar enfumaçado pairando sobre os trópicos...

enquanto sorvo sua saliva macia
mares ondulantes recobertos de petróleo...

sinto o sangue pulsar em suas veias
e lembro-me  do golfejo lento
do guará esmagado no asfalto...

dei a ela
esta flor, oh, tão triste
flor esta
devastada...

eu te beijo
oh, Humanidade...

04 maio 2012

Palavra que Não...

qual é palavra que é a palavra?
aquela que sem ser precisa
é a necessária?
qual dita devo encontrar
para que se me conceda o ar
de ser dita?
devo encontrar o que não deve
em contra algum vir de encontro?
talvez  o ela existir
seja todo o meu confronto
talvez resulte em palavra mágica
que ao ser dita me desfaça
veneno tragado
em proibido gole de taça
ou talvez seja a exata aquela
que a(s)cende o que há febre na vela

há uma
palavra
perdida em tudo que faço
e por mais que lance o meu laço
acaba o meu escrevo suspenso
caos que se cansa de aceso
aquela palavra que Deus disse
que talvez não (me) existe:

sonhei que estivesse
nas auras de algum átomo
e depois
na almas de uma plêiade

como quem conta estrela
(ah, eu que a busquei tanto)
encerro este poema
sem ter conseguido dizê-la

por enquanto...

03 maio 2012

Consumismo e Futuro Planetário

Comento, em parte, sobre um assunto abordado pelo colunista do jornal Correio do Povo, Juremir Machado da Silva. Não é a primeira vez que o faço. Apesar de geralmente apreciar e concordar com as colunas do Juremir, que sem dúvida é um ótimo escritor, de grande inteligência e capaz de profundas análises sociais, há momentos em que, na ânsia de contrariar o senso comum de que “antigamente era melhor”, exagera, a meu ver, em alguns de seus “otimismos” com relação à sociedade atual. Já realizei um contraponto ao seu otimismo aqui. Volto a tratar do assunto. Embora não seja exatamente o mesmo, a relação é bastante próxima.

Juremir, nas colunas dos dias 30/4 e 1º/5, aborda a questão dos valores atuais da sociedade e do seu individualismo. Afirma o jornalista que os valores não estão tão perdidos ou ausentes assim.  E que em muitos pontos estamos melhores como seres humanos, mencionando a preocupação com os animais, a luta contra o preconceito racial, a ecologia. Afirma também que se por um lado o individualismo tem o seu aspecto de irresponsabilidade, com o culto ao prazer e à satisfação do desejo, há também o individualismo responsável, que atua como um freio ao outro individualismo.

Não discordo totalmente do colunista. É claro que não há somente pontos negativos em nossa sociedade atual, em nada há somente o negativo ou somente o positivo. E concordo também com ele de que vivemos uma época de grandes paradoxos. Sem dúvida que sim. Porém, o que parece que Juremir não percebe ou não quer perceber, a despeito de toda a sua cultura e inteligência e do embasamento em autores consagrados, são as consequências a médio e a longo prazo de tamanho individualismo em nossa civilização. E do que está por trás dele.

Toda essa preocupação atual com problemas sociais e ambientais é real, autêntica, ou é apenas um sintoma de um egoísmo mascarado e do culto à aparência?  Juremir menciona a crescente preocupação com animais. Sim, ela existe. Porém, por outro lado, nunca aniquilamos tantas vidas animais na história da humanidade, seja com a poluição, com o tráfico de animais, com os atropelamentos nas estradas, com a destruição infrene de habitats, com os testes em laboratórios, enfim.  E toda essa preocupação ecológica, no fundo, tem adiantado de quê? Será que isso não passa, em geral, apenas de uma moda, uma forma de se “sentir moderno”, de aparentar preocupação? E ainda que muitos se preocupem, o que realmente fazem? O que podem fazer? É suficiente o que pode ser feito? O que está sendo feito? Produzimos cada vez mais lixo, poluímos cada vez mais, consumimos os recursos naturais de forma ilimitada. Ou como se eles fossem ilimitados. E quem, em seu individualismo, seja responsável ou não, está realmente preocupado em consumir menos e poluir menos? Raríssimos. Quais os verdadeiros sinais de que isso pode vir a ser resolvido nos próximos anos?  Como exatamente reverter o quadro?

E ainda se mencionarmos a luta antirracial, até que ponto ela expressa uma real mudança da sociedade? O preconceito está de fato deixando de existir ou ele está sendo sufocado porque está se tornando “feio” ser preconceituoso perante a sociedade da aparência?  E quanto ao crescente preconceito contra árabes e outros povos (inclusive brasileiros) nos EUA e na Europa?  Claro, dirão que é melhor um preconceito sufocado do que um preconceito ostensivo. É. Porém, em um momento isso pode explodir.

O grande problema da humanidade atual é a falta de sentido para a vida. Nunca a humanidade esteve tão vazia de ideais e de sonhos. Procura-se, então, esse sentido na própria busca incessante do prazer, em atender aos mais diversos desejos e necessidades psicológicas, muitas vezes fabricadas pela própria sociedade. E o objetivo da vida passa a ser a busca em si, e não o resultado dela. É a ditadura do consumo. Se for lançado um modelo novo de celular, de micro, de carro, todos devem obter o seu, a qualquer custo. Se não, o que é que vão dizer? É a ditadura do ser igual a todos. O que os outros fazem, são ou têm, os outros também têm que fazer, ser ou ter, ou serão esquecidos, ridicularizados, deixados de lado. É claro que contra todo esse estado de coisas surgem reações. Mas sempre bastante minoritárias.

Aí se encontra a terrível questão. Como atender a esse objetivo sem ser por um consumismo sem limites?

O que percebo em muitos de nossos intelectuais fãs do ser humano é aquela expectativa de que a humanidade resolverá por si só todos os seus problemas sem a necessidade da ocorrência de “medidas extremas”.  Parece que para eles o planeta é um bem, um patrimônio da humanidade, e que os homens têm absoluto poder e controle sobre ele. O crescimento populacional e, com ele, em uma progressão geométrica, o do consumo, ainda é um gravíssimo problema, fatal, eu diria, para o qual não foi apresentada solução alguma, apenas paliativos, ineficazes, em geral, e ao qual nossos intelectuais, em sua maioria, evitam abordar.

Um dia não haverá possibilidades físicas de nos sustentarmos. As nações ricas somente são ricas graças ao consumismo desenfreado de todos em todas as partes do mundo. Aí estão as multinacionais para provar, que ajudam a enriquecer seus países de origem servindo-se de nosso consumismo que não dá sinais efetivos de que irá regredir.

O otimismo de alguns intelectuais contemporâneos assemelha-se muito, a meu ver, àquele otimismo dos finais do século XIX, quando se acreditava, devido aos impressionantes progressos da ciência, que o século XX seria o da solução de todos os problemas, que não haveria doenças, miséria, guerras, violência, enfim. É uma confiança demasiada na espécie humana.  Quando se trata de se perceber, de se captar as decadências psíquicas das quais sofre a humanidade, muito mais eficiente do que nossos sensos intelectivos são nossos sensos artísticos. É a arte que percebe e identifica e expressa tudo aquilo que não está bem com o ser humano. Porque capta a essência das questões, não por frias análises racionais, mas pela vivência psíquica direta. Alguns gênios o fizeram com inacreditável antecedência, como é o caso de Bosch, de Poe, de Baudelaire. Os artistas são a antena da humanidade.  Em nossos dias, na música clássica, Penderecki expressa um cenário de total pessimismo quanto ao futuro da humanidade. Apenas para deixar um exemplo fora da literatura e da pintura.

Para finalizar, lembro que o universo sempre busca o equilíbrio em todas as coisas. A humanidade faz parte do universo. E, menos ainda, faz parte do planeta. Pertence a ele. E ele não permitirá que o desequilíbrio causado pela humanidade o destrua. Gostaria que a própria humanidade alcançasse este equilíbrio. Porém, não acredito que o faça. Crer que a sociedade evitará que o consumismo prossiga com a destruição planetária até que atinjamos níveis insustentáveis, é, para mim, uma utopia. A humanidade está para a Terra assim como a Terra está para o seu sistema solar. E um planeta não pode destruir o sistema solar ao qual pertence. O planeta se encarregará de restabelecer a ordem, como sempre o fez. E não é necessário acabar com a humanidade para tanto. Apenas colocá-la em seu devido lugar. Alguém dirá que, falando dessa forma, até parece que há alguma espécie de inteligência no planeta. E por que não poderia haver?

Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?
Em que geometria é que a parte excede o todo?
Em que biologia é que o volume dos órgãos
Tem mais vida que o corpo?”

Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa)

(Na imagem, detalhe da asa direita do tríptico "O Jardim das Delícias", de Hieronymus Bosch.)

02 maio 2012

(des) Graça

tempos paradoxais
(em que deves ser feliz
com teus egoísmos
individuais)
e tornou-se engraçado
como de risível
(nos dois sentidos)
há esta humanidade tornado
o seu sem-sentido
num mundo-circo sem graça
(nos três sentidos)

por mais que a Terra seja aniquilada
não falta sequer um motivo
de riso
ou um siso
de piada

pesar de aves massacradas...
pairam sobre ti levianas
as asas das gargalhadas

e aos olhos da desgraça dos tempos
a dor tornou-se sarcasmo
o amor:  deboche
o poema:  ironia
ah... o branco de saliva entre dentes
e o negro entre a água sombria...

sorria!
que este planeta aos estilhaços
tornou-se um palco de palhaços...

30 abril 2012

Nada a (me) Declarar

o que há
no jornal de hoje que leio
( já ido
de mais um dia vazio e feio)
é o nada de amanhã
inútil fato fatídico:
o que é já foi
e o que vem
já nasce sendo passado...
e nada restará do meu lado


tu, humanidade do agora
(já quase um avantesma)
que observo
(como quem vê passar uma lesma)
vais me dizer o quê? 
da filosofia uma oferta?
(cadáveres de boca-aberta)
esperanças de ilusões aladas? 
(ridículos finais de piadas)
ou políticas das altas esferas?
(têm mais a me dizer as cadelas)


lá vaga o teu nada
(-adiantar)
nadando na baba
dos sapos dos sábios...
e o que eu farei
com tanta risada
derramada
dos lábios?


aqui neste planeta exangue
(tu bem o sabes)
o que importa é o Sangue...