Todos os que me conheciam julgavam que eu tinha enlouquecido. E conforme a minha proeza se espalhava através do mundo, não havia uma só pessoa que não considerasse um absurdo o que me determinei a realizar. No entanto, elas não sabiam de nada. E ainda não sabem. Saberão, talvez, quando eu concluir de contar minha história.
E minha história é bastante simples e não demorarei em relatá-la. Eu tinha muito dinheiro. Tanto, que mal sabia o que fazer com ele. Era um dos sócios de uma empresa que trabalha com tecnologias de ponta. Meus lucros anuais eram incalculáveis. E eu investia grande parte desses lucros em outras empresas que tornavam meus lucros ainda maiores. Verdadeiramente astronômicos. Passei a doar uma considerável parcela de meus dividendos para instituições que auxiliavam os miseráveis da África. No entanto, pensava em desenvolver um projeto próprio, de grande originalidade, algo que fosse bastante pessoal. E que contribuísse com algo para a humanidade. Foi então que surgiu, como em uma inspiração, a ideia que espantou meio mundo. E agora, contando minha história, divulgo os seus resultados.
Minha ideia consistiu em construir uma mansão, não, mais que isso, um verdadeiro palácio em um local totalmente afastado das áreas urbanas e onde não existisse nele nenhum tipo de forma de vida, a não ser a humana. E mesmo a vida humana deveria ser a mínima possível. Posso dizer que ela restringia-se somente à minha vida. Porque, muito embora houvesse outras pessoas no palácio, conforme mais adiante será esclarecido, eu não poderia entrar em contato direto, em contato físico com nenhuma delas, nem mesmo presenciá-las fisicamente, nem mesmo ouvir suas vozes. Nem com elas nem com nenhum outro ser humano, fosse quem fosse. A não ser que o contato se desse através de telefones, celulares e coisas do tipo. E quando digo que não deveria existir nenhuma forma de vida, refiro-me, é claro, às formas de vida cujas existências pudessem ser controladas. É claro que inúmeras espécies de microorganismos, de insetos e outros seres indesejáveis estariam lá presentes. Porém, em meu palácio, não haveria nenhum animal ou planta com os quais se pudesse conviver ou estabelecer qualquer tipo de contato voluntário.
Não havia nenhum tipo de animal de estimação, nenhuma árvore, nenhum arbusto, nenhum gramado, flores, folhagens, enfim, nada, absolutamente nenhuma planta. Isso não só no interior do palácio como também em toda a sua extensão externa, que não era, diga-se de passagem, exígua. Construí, para cercar o palácio, muros elevadíssimos, de concreto maciço. Fora insetos, nenhum animal conseguiria escalar. Sobre toda a extensão do terreno, de uma ponta a outra, mandei que fossem estabelecidas gigantescas redes, para evitar que qualquer pássaro pousasse em minha propriedade. Tais redes eram de orifícios tão minúsculos que até mesmo insetos voadores teriam enorme dificuldade em atravessá-la. Ademais, ainda que não houvesse as redes, seria muito difícil que algum pássaro ou borboleta ou coleóptero, enfim, tivesse algum interesse em entrar em minha propriedade absurda. Ali não existia qualquer planta que pudesse atraí-los.
Construí também uma enorme piscina, certificando-me, em seus arredores, que não havia a menor possibilidade de algum anfíbio dela se aproximar. Anfíbios e insetos e vermes e moluscos... enfim. Para tanto, coloquei concreto e piso em todo meu terreno de aproximadamente 10.000m². Não restou um só milímetro onde se pudesse observar o marrom da terra. O terreno foi totalmente calçado com enormes lajotas. Também construí monumentais garagens, áreas de estar providas de todos os objetos que uma área de estar deve possuir, além de terem sido enfeitadas com pilares e estátuas suntuosas e outros detalhes ornamentais. É claro que quando digo “construí” quero dizer que paguei para que outros o fizessem. E fiz com que ao longo da propriedade fossem colocados aparelhos para ginástica e para diversão. Porém nessas áreas de estar não poderia uma planta sequer.
Para a minha casa, ou melhor, para o meu palácio, obtive todas as conquistas da mais avançada tecnologia. Comprei computadores de última geração, assombrosamente inteligentes, ipods, iphones, instalei a mais potente internet. Adquiri televisores moderníssimos, aparelhos de som, home theater, enfim, todas as maravilhas tecnológicas que se possa imaginar, e tudo dentro do mais absoluto luxo e conforto. Como era um dos altos sócios de uma empresa de tecnologia de ponta, conforme já mencionei, pedi que fossem criados para meu uso máquinas robóticas o mais próximo possível da aparência e da inteligência humanas; e posso afirmar com absoluta segurança que os cientistas e técnicos que trabalharam na confecção de tais máquinas (estimulados por generosíssimas retribuições financeiras de minha parte) realizaram verdadeiros prodígios, milagres! Era incrível o que aqueles robôs conseguiam fazer, a sua capacidade de discernimento, as habilidades manuais, o poder de raciocínio, tudo me surpreendia, até mesmo a mim, já habituado com as criações tecnológicas. E eu permanecia durante longas horas, todos os dias, na companhia desses magníficos robôs, observando-os e tentando interagir com eles.
(Amanhã, o final do conto.)
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