11 setembro 2011

O Triunfo da Morte

em breve não haverá o longe
ao longe no horizonte
em breve o sempre será ontem
e o silêncio esgotado
de uma fonte...

em breve não haverá o leve
só o calo de um canto de um pássaro
calado num eterno vago de neve
passará o pássaro
e o desmanche de um sorriso lasso
desmoronando por entre os olhos
de cuja luz
não restará um traço

e daquela alva árvore que me olha
despencando pela vitória do abismo
cairá folha por folha
ao abalo do trago de um sismo

em breve haverá um nada
se desfazendo em furacão...

e tudo se igualará
ao meu coração.

(Na imagem, detalhe do quadro "O Triunfo da Morte" de Brueghel)


09 setembro 2011

Três Rápidas Considerações à Humanidade

I

ser humano
é chegar sempre tarde
por entre a bonança
que precede a tempestade


II

de ti
não espero nada
e o digo em alta voz:
é que multiplico por 7 bilhões
o zero que espero
de cada um de nós

III

talvez o melhor
é não estar contigo:
já nem sei
se ser teu benfeitor
é estar do teu lado
ou ser teu inimigo

08 setembro 2011

O Genocídio (Final)

Todos sabiam, é claro, que deveriam morrer. Chorando, suspirando, gemendo, gritando ou sombriamente calados, todos aguardavam o momento em que seriam chamados para a execução. E teriam que aceitar, não havia saída ou solução para os seus casos. Nenhuma. Sabiam disso. E foi no momento daquela ventania luminosa com o surgimento do brilho absurdo dos dois orbes simultâneos que souberam de tudo. Um “Não acredito!...” foi tudo o que puderam pronunciar em um fúnebre desalento.  E baixaram as cabeças em terrível resignação, como que curvados sob o peso de um martelo hercúleo.

            Seguiu-se um arrastado e doloroso instante de lembrança de todas suas vidas, de tudo que viveram, o que fizeram, o que amaram e o que odiaram... Imploravam, gritavam, berravam, arrastavam-se no lodo do chão suplicando por misericórdia, mas no fundo conheciam que era tarde demais, e tudo resultaria completamente inútil. Por fim, desabaram em uma crise de choro desesperado.

            Fui para o fim da fila, sem precisar que para isso me ordenassem. Fui porque não havia o que fazer. E porque sabia que essa era minha obrigação, era um fato inexorável. Aos poucos, em horas que pareciam milênios, minha vez foi chegando. Havia milhares na minha frente. Quando restavam apenas seis miseráveis para chegar a minha vez, percebi que alguns, raros, não eram mandados para a execução, mas levados a uma mesa em cujo redor estavam sentadas sete pessoas estranhas com uma expressão de intensa gravidade em suas duras fisionomias. Enquanto tentava observar o que ali se passava, minha vez chegou. Nesse momento, virei para trás. Havia milhares de desgraçados atrás de mim em meio ao cinza avermelhado daquela noite interminável.

Um homem que não parecia humano olhou fixamente nos olhos. Quando digo que não parecia humano, não sei com o que compará-lo. Seu semblante grave e carregado não irradiava maldade. Bondade, tampouco. Parecia que estava ali unicamente para cumprir uma missão, qual seja, a de enviar as pessoas da fila para algum tipo de execução: fuzilamento, envenenamento ou enforcamento. Ou então, o que era raríssimo, conforme pude constatar, enviá-las para a mesa com os 7 homens estranhos. Pois ele olhou-me, e seu olhar foi uma das coisas mais terríveis que presenciei em toda a minha vida lamentável.   E não gostei de sua expressão. Um arrepio impiedoso fez com que uma crise de choro me dominasse. O homem aguardou a crise passar. Pensei comigo: seja qual seja o meu desígnio, ele será justo. Era uma forma de consolo.

            O homem apontou seu longo dedo para a mesa com os 7 homens. Lentamente e carregado de medo e dúvida dirigi-me até lá. Todos me olhavam fixamente. Aqueles olhos que me perscrutavam de forma assustadora. Esse foi o instante em que o medo atingiu um auge insuportável. Aquele medo ancestral de que já falei. Será isso pior que a morte? perguntei a mim mesmo.  Talvez fosse. Uma vergonha absurda principiou a me estarrecer, eles sabiam tudo de mim, eles não me falavam, mas eu sabia que eles sabiam. Aliás, eles não me diziam absolutamente nada. Um misto de medo infinito, vergonha degradante e culpa avassaladora estavam acabando comigo. Já não me era suportável aquela tensão, aquela expectativa que me consumia. Foi quando um deles mexeu em uns papéis e me alcançou um deles. Gelei, nesse instante.

            - Está faltando muito, muito mesmo, ainda assim, aqui está, outra chance.

            Foi o que ele me disse. Não sabia o que responder. Talvez, nem devesse fazê-lo. Creio que agradeci. Não lembro. Ainda tento entender o porquê de receber outra chance. Seja como for, ela deve ter sido justa. E creio realmente que a mereci. Embora pensasse todo o tempo que não a merecesse. Ainda me é difícil acreditar. Saí daquele local absurdo. Entrei em uma sala iluminada e caminhei por um corredor de tonalidades claras. Só minutos depois percebi que havia uma sacola em minha mão. Eu a carregava, mas não lembro do instante que me fora dada. Verifiquei o que havia nela. Três toalhas, de cores diferentes. Mas deveria ainda pegar mais alguma coisa que não posso revelar.  Olhei para o lado. Ela me acompanhava...

(Na imagem, o quadro "O Grito" de Munch.)

06 setembro 2011

O Genocídio

Mal prestava atenção ao barulho incessante das metralhadoras. Lembro-me que era noite. Ou talvez não fosse, tudo continua vago e difuso. Mas a impressão que sempre trago comigo é de uma noite profunda, densa e anômala. Algo de extremamente inquietante pairava no ar. E tudo surgira de forma súbita. Nem sei quanto tempo estive ali presenciando a matança. Corpos de seres humanos amontoavam-se aos milhares. Eu já me acostumara ao barulho das metralhadoras, com o cheiro nauseabundo do sangue espalhado por todo lado, com as cenas de enforcamento, com o estertorar dos envenenados e com os corpos, corpos aos montes sob um céu negro, cinza e avermelhado.

Eu nunca sentira tanto medo. Não o medo comum e corrente do dia a dia, mas o medo ancestral, do âmago humano, o medo de se saber impotente, de se saber que tudo o que mais temíamos sempre foi verdade, e que a hora havia chegado. O medo de se estar diante de algo que é infinitamente maior do que nós, em todos os sentidos, e que não se pode enfrentar, que está acima de tudo o que somos, de todas as nossas possibilidades, de qualquer meio que tenhamos de reagir ou de buscar uma indefinida forma de salvação.

 Eu simplesmente estava ali, como muitos outros, ao dispor do que eles iriam me dizer, se é que me diriam algo, do que iriam querer de mim, do que fariam comigo. E o mais grave é que eu sabia que eles estavam com toda a razão e que o errado era eu. Nunca me esquecerei daqueles olhos sentenciosos perscrutando tudo o que havia em mim. Saber-se culpado, encontrar-se diante da culpa e nada poder fazer é uma sensação arrasadora. E o pior de tudo era ter que suportar a sensação que aqueles olhares me transmitiam, aquele “está vendo, nós avisamos...” E não ter a condição de mencionar uma só palavra em protesto. Permanecer mortalmente calado numa angústia dilacerante era tudo o que eu podia fazer. Desnecessário mencionar a suprema tensão em que me encontrava.

Mas o medo foi algo que surgiu um momento depois. Antes disso, anoitecia (creio que anoitecia). O clima de ocaso iminente... Palavras que jamais esquecerei. Surgiram como que sopradas no meu espírito. Houve então uma reviravolta no tempo, até então sereno, mas de uma calma estranha. A calma que precede as tempestades. Eu jamais imaginei que aquilo fosse acontecer. Não naquele momento. Embora acreditasse, parecia sempre soar como impossível. Aqueles momentos esperados ou temidos que deixam a impressão que nunca chegarão. Mas aquele chegou. Quando eu menos esperava. Dois brilhos gigantescos ao fundo do horizonte. Amarelos, em tons laranja, avermelhados. Antes ainda um vento intenso, profundo, luminoso, mas sem ser violento. Sobrenatural, apenas.  Porém,  aquele vento trazia consigo uma reviravolta, uma transformação  em todas as coisas como eu nunca antes presenciara. Metamorfoseou-se o céu em um infindo campo incendiado. De uma hora para outra.

E um dos dois orbes gigantescos que brilhavam ao fundo do horizonte assomou-se triunfante e ameaçador diante de mim, monumental, supremo, devastador. Reconheci-o imediatamente. Meu coração, naquele instante, sentiu uma felicidade tão intensa quanto passageira. Senti que triunfava ao lado daquele orbe impávido e invencível. A cor marcial, fulva, avassaladoramente rubra dominava todo aquele ambiente transformado. Olhei para minhas mãos, elas sangravam.

Foi então que dirigi minha atenção a uma escuridão densa e palpável que ao meu derredor principiou a se formar. Avistei uma fila absurda de pessoas, centenas, milhares delas, ou talvez ainda mais, que se perdiam nos horizontes cinzento-avermelhados. Não me era, obviamente, possível divisar o final da fila. De um outro lado, eu contemplava estarrecido as montanhas de seres humanos mortos, que aparentavam tocar a treva espessa do céu. Uma doentia luminosidade funérea, cinzenta, parecia cair sobre os cadáveres em intervalos semelhantes às luzes de um relâmpago. Mas eu não via relâmpago algum, muito embora a atmosfera estivesse febrilmente carregada. Nem escutava som de trovões. Talvez estivessem abafados pelos gritos dos miseráveis. As rajadas de metralhadoras, os envenenamentos, os carrascos executando o seu dever nas forcas nunca cessavam. A fila interminável era para a morte. Cada um esperava seu fim com uma resignação suprema, em uma desolação absoluta. Nada poderia ser feito. Agora eles compreendiam. Nada poderia ser feito. Nem fugir, nem protestar, nem lutar, nem argumentar, nem mesmo cometer o suicídio. Só se podia aguardar na fila a sua vez de morrer.

Amanhã, o final do conto. (Na imagem, o quadro "Medo", de Edvard Munch.) 

05 setembro 2011

Peso

leve contigo
o que não tenho
o que não pude
o que não vou
o além do meu além de te deixo
em inúteis transcendentais
leve contigo o meu mais
e o meu não sou

leve contigo o meu limite
o que não será no meu destino
tudo aquilo que nunca me trará um sim
leve contigo o meu acima
e o meu fim

leve contigo
o que não poderei falar-te
o que não chego e o que fracasso
leve te seja a minha arte

leve contigo
o que nem minha alma escreve
o que não pude deixar leve pelos ares
leve te sejam os meus pesares
no teu voo leve...


03 setembro 2011

Presidente Dilma: "Vamos vencer a crise consumindo e investindo"

É a manchete de capa do jornal Correio do Povo deste sábado. Consumindo... Consumir.  O que é consumir? O Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa diz o seguinte: Consumir - gastar, despender, extinguir. Extinguir. É exatamente isso que estamos fazendo. Nós, a humanidade. Consumir é extinguir. É o que fazemos com tudo no planeta. Extinguimos. E eu não culpo a presidente Dilma pela sua afirmação. Isso é o que faz o mundo inteiro. É o que cada um de nós faz, quer queira, quer não. Todo governante diria a mesma coisa que Dilma. Todo político. Todo empresário. E por aí vai. Se não diz, pensa, e age de acordo. E é o que precisa ser dito. Consumir mais para que haja mais produção e assim mais lucro e mais dinheiro e mais trabalho e mais alimento para a população que não para de crescer e que quer e precisa consumir cada vez mais e mais e...

Mas se torna, no mínimo, interessante uma presidente de um país afirmar publicamente: "Vamos vencer a crise consumindo". A sociedade do consumo. Magnífica! O auge de nossa evolução. Cantada por intelectuais e filósofos. Nunca estivemos tão bem. Mas consumindo o que? Quem? Já pararam para pensar?  O que é que nós consumimos afinal? Certamente, "consumindo" deve ser a forma que todos os países e povos encontram para sair da crise. Qual crise? Por que estamos em crise? Quem é que paga o preço do nosso consumo? Até quando poderemos consumir para sair da crise? Quem consome, consome alguma coisa. Sim, eu sei, estou me tornando chato, repetitivo, mas parece que ninguém entende. Ou  melhor, entendem, mas não compreendem. Entendeste? Só rindo. Esta civilização é uma piada. E também, o que adianta compreender?  Ninguém vai mudar mesmo. 

Esta civilização é exatamente como aquela pessoa que precisando se esquentar, e com o estoque de lenha já acabando, começa a queimar tudo o que possui em casa. Assim, vai espantando a "crise" do frio. Queima os móveis, os utensílios, os alimentos, os livros, cds, roupas, aparelhos, enfim, tudo. Até tenta poupar, mas uma hora sabe que vai acabar queimando tudo. Pois o frio não passa. Podemos parar de consumir? Até chegar o momento em que não haverá nada na casa e nem mesmo a própria casa, somente a lareira queimando. É o que esta civilização faz com o planeta. Ou não é?

02 setembro 2011

Três Rápidas Considerações sobre a Hipocrisia

I – da História

existem escrituras apócrifas
(que ninguém aceita porque são falsas)
que dizem que todos são hipócritas

II – do Demônio

eu não sou eu
e a água nunca molha:
o diabo é diabo
porque não é diabo
para quem olha

III - do Lado Oculto da Lua

se tu fosses sempre
aquilo que tu és
eu não te olharia nos olhos
mas te pisaria nos pés

31 agosto 2011

Soneto à Solidão

o tudo que perdi foi a qual onde?
em que céu planam os planos do meu céu?
e que som vingará do que foi meu
desta música que ao meu alto esconde?

mas da minha alma nunca cala a fonte
nem a voz que em silêncio prometeu...
há no que finda o erguer desse troféu
e um olhar desde o barco de Caronte...

do que morri retiro minha espada
do que não fui eu sagro o meu maldito
há uma águia que se oculta entre o meu nada

e um nada que me águia ao infinito...
há uma flor que de si mesma se escada
deste horror que do meu alto eu te escrito...

30 agosto 2011

Construção de Hidrelétricas é Crime Legalizado

Crime legalizado e necessário, é verdade, mas nem por isso menos crime. Crime contra o planeta, contra sua fauna e sua flora, contra seus rios. Agora mesmo, serão construídas as hidrelétricas de Belo Monte, na Amazônia, e de Panambi, aqui no RS. Claro que as dimensões da de Belo Monte não são comparáveis a de Panambi. Porém, cada uma será um desastre em sua região. Sim, um desastre ambiental, que a sociedade aceita, porque não há alternativa, não há o que ser feito. Alguns, os que mais lucram com as obras, aceitam com um vasto sorriso no rosto. E os governos proclamam aos quatro ventos que estão promovendo o desenvolvimento de forma sustentável. Para eles, talvez sim. Para o planeta, definitivamente não.

Sempre é realizado um estudo de impacto ambiental antes de se construir uma hidrelétrica, que, no fundo, não passa de um paliativo praticamente inútil. Tudo vai ser destruído de qualquer forma. Quilômetros e quilômetros de florestas inundados. Milhares de animais afogados. Mesmo que muitos sejam retirados antes da construção, é óbvio que grande parte sofrerá e morrerá com a inundação. Magníficas construções naturais sepultadas pela necessidade do “progresso”. E ninguém se preocupa com isso. Ou, se há alguma preocupação verdadeira, ela logo dará lugar à inexorabilidade do crescimento da civilização.

Segundo estudos, a América Latina terá que dobrar sua produção de energia elétrica nos próximos anos para evitar os apagões. Ficamos loucos quando não há energia elétrica, não é mesmo? Não sabemos o que fazer. Eu mesmo não poderia publicar este texto. A humanidade se transforma em um nada. Contudo, a população aumenta, há que se ter energia para todos, as indústrias não podem parar, pelo contrário, têm que produzir cada vez mais, a humanidade tem que se mover, seguir adiante, rumo ao infinito.

Não há mais espaço para os outros seres vivos. “O homem é a medida de todas as coisas”, o Rei da Criação, não é mesmo? Tudo deve ser dele, tudo deve servir a ele, ser escravizado, dar a vida, se necessário. Mas a humanidade não é infinita. O olhar furtivo da morte a ronda de momento a momento. Saberá ele a hora de dar o bote. Chegará o momento em que não será possível seguir adiante. Todos sabem disso, consciente ou inconscientemente. A maioria finge não saber. Outros, não querem nem saber. Mas sabem. Há os que criam todo tipo de evasivas. Fundamente argumentadas. Mas, no fundo, também sabem. É que ninguém, nunca, jamais, gosta de admitir o fim. É politicamente incorreto. O correto é crer que se irá sempre em frente. Mesmo que seja à custa da morte do planeta. Só que o planeta não pensa assim...

29 agosto 2011

Palavras de Sangue


antes de ser sagrado
sagre-se
antes de ser sacado
saque
antes de ser sangrado
sangre
atire no ponto
antes que te atirem da ponte
e puxe a faca
antes da maca...

o tigre é tigre porque tem dente
e ameaça à frente
a águia é águia porque tem garra
e mata na marra...

no cavalo se coloca o encilho
e no homem o gatilho...
como ter confiança na esperança?
e alegria no hoje em dia?
ou verdade na humanidade?

há que ser mais forte que a morte
pois não há como se livrar dessa roda:
o sangue está sempre na moda.

28 agosto 2011

Homem Fraco


homem fraco
que mal se aguenta nos cascos
com uma dor de estômago
homem trôpego
pouco mais do que de macacos
pedaços de mentira aos cacos
vazio de pensamento em vácuo
fraqueza lépida
que não sabe o que se faz
na falta de energia elétrica

homem fraco
estilhaços de espírito
trancafiado em frasco
homem lerdo
que não sabe o que fará
pelo próprio deserto
vieste de que ontem?
por que vives o que vives?
vais para que onde?

o que é que sabes disso que não sabes?
onde é que sentes isso que não sentes?
o teu futuro me dá asco
ergues um túmulo para o teu si mesmo
e para o meu desprezo
ah quem me dera
ser o teu carrasco
homem fiasco.

26 agosto 2011

Demônio


som de tormenta e vingança
somente a Marcha é que avança
lua e infortúnio na tarde
doença de um sol que não arde
céu que se cai e desmancha
som de teu lábio e vingança

lábio de seca esperança
um vulto então que te alcança
lago de funda desgraça
morte que olha e não passa
olho no abismo se lança
lábio de valsa esperança

valsa ao desejo que dança
baratas pela tua trança
sonho que nunca me leva
sangue afogado na treva
Marcha de morta esperança
valsa ao Demônio que dança...


25 agosto 2011

Suspiro de Lobo


às vezes
fico pensando
no que hei de pensar
e tentando achar
o que hei de fazer
mas por que
hei de pensar e fazer alguma coisa?

quem disse
que pensar é pensar
e fazer é fazer?
o melhor pensamento
é aquele que lua
sem ter que pensá-lo luar
a melhor das ações
é aquela que sol
sem ter que fazê-la solar

então deixo
que minha obra viva
quando há de viver
e durma
quando há de dormir
o mais é nada:

não desejo além
que minha obra seja
como um suspiro de lobo-guará
se ocultando na mata...

23 agosto 2011

“Meu Coração, não sei por que...”


meu coração...

se eu disser que tu estás mal
todos vão dizer
que estarei sendo um melodramático
ou um ressentido
ou um egoísta
que só se importa
com seu próprio lado
e sua própria crista

meu coração...

se eu disser que tu estás bem
todos vão dizer
que estarei sendo água-com-açúcar
um enjoadozinho
poesia fraquinha sem graça
que não vale um tostão
se declamada em sorrisos
no meio da praça

e meu coração...
se eu disser que tu sofres
pelo sofrimento do mundo
serei acusado
de ser falsamente profundo

então
meu coração
não sinta nada
mantenha-te frio...
entre a neve lerda
ou
melhor ainda
vai  à merda

20 agosto 2011

Soneto ao Tempo


deixa que passe o que de mim se corre
verás então que cada vez mais rápido
cada vez mais o que se bebe ao trágico
é todo um sonho em correnteza em porre...

deixa que esguiche e que de mim se jorre
tudo que sinto ao cada vez mais ávido
verás então que é cada vez mais válido
este meu Fim que a outro Fim socorre...

verás ao não como ocultei meu lago
com som de pulso este meu sim pressago
inundará tudo o que em ti derrama...

o teu dormir eu sempre sou que trago:
quando se dorme o sangue queima em chama
quando se morre um rio de olhar se inflama... 

18 agosto 2011

O Teu Sorriso Esperado


o teu sorriso  encantado
cantado por entre os sisos
o teu sorriso despido
caído por entre os pisos
o teu sorriso esvaziado
encatarrado o teu riso
o teu só riso calado
frio de lábio manchado
esse teu riso macabro
irônico do meu destino
o teu sorriso sarcástico
o teu sarcasmo descido
escárnio do meu maldito
se rindo do meu sangrado:

o teu deboche divino

17 agosto 2011

A Genialidade dos Buracos, Desníveis e Lombadas das Ruas de Santiago

Abro um pequeno parênteses aqui no blog para elogiar as ruas da minha cidade. As pessoas geralmente reclamam, mas é porque não percebem a genialidade incompreendida que as ruas de Santiago ostentam, encontrando-se cheias de buracos, com valas e desníveis absurdos e enfeitadas de lombadas involuntárias por todos os cantos. 

Para que querem ruas lisinhas e arrumadas? Para correrem com seus veículos e ainda se acidentarem? Para atropelar pedestres incautos? Ou para dirigir de forma absolutamente despreocupada, tediosa até, sem ter que realizar nenhum desvio, sem necessitar utilizar-se de nossa faculdade da concentração, que tenderá, dessa forma, a se atrofiar?

Pense bem, o estado de nossas ruas é a forma mais eficiente e mais barata de evitar acidentes de trânsito. Por isso que cada vez que é necessário abri-las, o calçamento que é recolado fica daquela forma horrível, completamente mau feita. É proposital, é para que os motoristas redobrem sua atenção e não fiquem dormindo enquanto dirigem. Se ele sentir um forte solavanco capaz de quebrar o carro, vai aprender a lição. Dirija devagar, a 20, 30km/h no máximo. Ou nem dirija, saia a pé, estará evitando poluir ainda mais.

E convenhamos, não é muito mais emocionante dirigir realizando desvios, dando freadas aqui e acolá, tendo um solavanquinho de vez em quando, furando um pneu? Sim, isso é a vida. Queriam o quê? Um tedioso mar-de-rosas? Além do mais, dirigir atento é uma forma não só de evitar acidentes, mas também de manter o cérebro ativo. Não é genial?

16 agosto 2011

Mais Alto

um outro sol
um outro sol mais ao alto
se erguerá sobre o sol derradeiro
vitorioso em som sonho e pesadelo
e um outro som mais alto e vermelho
se erguerá em de cada perdido instante
em teu vasto sim de guerra e mais adiante
um outro sou se erguerá em que vai avante
mais alta em larga prata e mortífera espada
de ponta adiante e ainda mais e mais elevada
de ultra e além lâmina e mais afiada em adaga
e um outro canto em soprano surgirá mais além
de sublime em sublime e mais ainda em quem vem
se erguerá mais acima e acima em que nunca ninguém
e se erguerá mais um passo ao alto do horizonte que espanta
e um outro verbo mais grave com fúria aguda venta e se lança
e outro olho mais fundo e avante em outra Força mais alta levanta

14 agosto 2011

no Auge do Fracasso


a minha parte em tudo isso
é a parte do depois de isso...
sei de tudo o que já foi estado
e do que ainda é
mas não posso
estar com o que aí está
pois sou-me um outro passo
pé por pé

nem sei porque digo
isso que passo
mas sei que passo:
e digo o porquê...
que é eu ter que passar-me
e insistir no que não:
quedo a olhar-me onde ninguém me vê

um todo formado por parte
tem sempre última que é a última
que é a que nunca ninguém quer
e ali beijei o meu mister

por isso sou isso
que te canto só
e o meu sucesso
(que é em tudo que não é)
será quando todo sucesso
for apenas pó

não espero que me ouças
(tu – tu mesmo – e todo mais)
e nem espero o que me espera:
o meu objetivo
é ele não ser alcançado
(tu me alcanças?)
por isso já o tenho
e por isso nada faço:
terei minha vitória
no auge do fracasso

12 agosto 2011

Noturno


tu...
em sono mozartiano
dormes intocata:
sonata

eu...
sorumbático sonâmbulo
vou sozinho pelo sempre
em silêncio de verso preto:
soneto

tu...
aos sons sonhos soturnos
com sinos sóis de adorno
adormeces
a dor...
preces

eu... só
pelo sereno da madru...gata:
serenata