Durante o conflito, O Sanguinário matou 117 chimangos, vários deles durante as degolas de prisioneiros, ocorrência bastante comum na Revolução Federalista. Os prisioneiros tinham suas gargantas cortadas como forma de execução não exatamente por crueldade, mas porque não havia meios de mantê-los durante a guerra, e também era uma maneira de poupar munição, não se utilizando de balas. E essa forma sangrenta e impiedosa de matar um prisioneiro era, naturalmente, a preferida de O Sanguinário. Sempre que ocorriam degolas (e ele sempre sugeria para seus superiores que elas deveriam ocorrer o quanto antes), ele era o primeiro a degolar e o que degolava mais prisioneiros, sempre de forma extremamente brutal, fazendo jorrar sangue das gargantas para todos os lados, como se carneasse um animal qualquer. Não, de forma ainda mais violenta do que o faria com um animal, porque seu ódio naqueles instantes era verdadeiramente indizível. Porém, era um ódio frio, sem extravasões além do ato de matar, sem gritos, sem emoções de êxtase. O Sanguinário matava e, depois, praticamente embebido no sangue das vítimas, fixando seus grandes olhos de uma frieza glacial em seus companheiros de batalha dizia, calmamente, com uma calma que assombrava: “eles mereciam, cada um deles mereceu o que teve.”
O Sanguinário, como já foi dito, matava sempre por vingança. Matando os partidários da situação, ele entendia que se vingava daqueles que exploravam ou permitiam a exploração do povo gaúcho da época, daqueles que enriqueciam à custa da miséria dos trabalhadores do campo. Seus motivos eram justíssimos. E todos deveriam pagar com a morte. Mas esses atos de morte por vingança eram também o motivo da vida de O Sanguinário. Se não houvesse os motivos acima mencionados, ele encontraria outros motivos para saciar a sua monstruosa sede vingativa. O importante era a vingança. Havia em O Sanguinário um desejo de vingança infinito, nunca plenamente satisfeito, algo que nem mesmo ele sabia explicar, e nem buscava fazê-lo, e nem queria. No entanto, ele não se vingava de ninguém se não encontrasse um motivo justo. Justo no seu entender, que fique bem claro. E ele acabava sempre por encontrar um motivo. E se justificava. E se vingava.
E não havia, para ele, sentimento melhor do que o de sentir-se vingado, era o seu céu, a sua glória, a sua religião, a sua filosofia, o seu motivo de manter-se vivo e de acordar todas as manhãs. E o cheiro da vingança era o cheiro do sangue, a sua cor era a vermelha, o seu gosto, o gosto do sangue. Se não houvesse sangue, a vingança não teria sido plena. E quando O Sanguinário sentia-se plenamente vingado, saboreava o gosto da vingança durante todo o tempo em que se mantinha acordado. Aliás, dormindo, também sonhava com sua vingança concretizada.
O Sanguinário pensava (não exatamente com estas palavras, mas traduzindo para uma linguagem mais civilizada, seria mais ou menos isso): “Estar vingado... Sentir-se grande, sentir-se forte, sentir-se firme, ter orgulho e ser temido. Rir por último. Ver os desgraçados ajoelhados aos meus pés implorando piedade. Eu não tenho piedade! Isso, estar vingado! Mostrar a eles quem eu sou, a minha força, a minha vitória. Mostrar que sou mais forte que todos eles e que não levo desaforo para casa! Acabar com o riso na cara daqueles desgraçados, acabar com a alegria deles. Estavam pensando que eu iria esquecer, que iria deixar por isso mesmo, que tudo ficaria assim enquanto eles se divertiam às minhas custas? Mostrei que eles se enganavam, vi eles sofrendo como eles me fizeram sofrer, fiz eles pagarem pelo que fizeram, fiz justiça com o fio da minha adaga. Naquele sangue derramado está a minha alegria, agora me sinto em paz, agora é que vi que tudo que passei e sofri não foi em vão. E não me arrependo. Mataria todos aqueles desgraçados quantas vezes fosse preciso. Pensavam que poderiam cagar em mim e que eu não faria nada... Pensavam que aqui não teria homem e fibra o bastante para uma vingança... Mas eu esperei o momento, alimentando a minha raiva, e me vinguei. Estou vingando, e é só isso que importa.”
Em 1930, com 57 anos, depois de participar de vários outros conflitos e revoluções e ter perdido a conta de quantas pessoas já havia matado, de quantas vinganças cruéis já haviam perpetrado, O Sanguinário contraiu tuberculoso e recusou-se a receber qualquer tratamento contra a doença: Dizia: “Eu quero morrer assim mesmo, esvaído em sangue, só que esse sangue não será nenhum outro homem que derramará... O meu sangue ninguém derrama, e nele ninguém toca. Agora o destino se vinga de mim. Deixa ele se vingar. Vou morrer no meio do meu sangue, mas derramado pela mão do destino, não pela de um homem. É assim que quero. É assim que será.”
E assim foi. O Sanguinário morreu esvaído em sangue, após uma brutal crise de hemoptises causada por uma tuberculose galopante. E sanguinária...
(Na imagem, o quadro "Death Pale Horse" de William Blake)