22 junho 2009

Suprema Indiferença

agora, que me importa
que caia tudo à minha volta
que desmorone o que me cerca
e que restem só as auras
pairando em fúnebres clarões?
como todo real louco
eu só sigo vultos almas
sombras fantasmas
e aparições...

se a nuvem cobre o sol
se ouviu-se um raio insano
se o canto queda mudo
se a casa já desaba
se apodrece logo o fruto
se bateram em mim a porta
se o pior inda há de vir
se o poço é mesmo fundo
que me importa?
deixai-me dormir
caguei pro mundo!

mas... a meu redor tudo corre
aos gritos de “me socorra me socorra!”
Céus! a humanidade morre!
ora... deixai que morra

21 junho 2009

As Litanias de Satã


Charles Baudelaire foi o precursor do Simbolismo na Literatura. Hoje, ele é considerado o pai da poesia moderna, pois uniu os voos sublimes do romantismo ao horror e ao grotesco da realidade. Juntamente com Allan Poe, a quem Baudelaire deve sua maior influência, foi o mais maldito dos poetas. Maldição essa, amargamente expressa no poema abaixo. (Acima, a escultura "Lúcifer" de Guillaume Geefs)

As Litanias de Satã

Charles Baudelaire

Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

ORAÇÃO

Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!

19 junho 2009

Elementar

se tu me chamas
em mar de chamas
eu mergulho em febre
afogueado
ao teu mar de fogo
em meus incêndios d'águas
como um fogoethe ao céu
refletido em lagos
me werthe sangue
ao afoguear-me insano
em teus profundos olhos

se
há fogo
me
afogo

17 junho 2009

Meus Pêsames

meus fúnebres sinfônicos:
melodiosa e melancólica
tua voz de orquestra em cordas
já me avisa em horizontes...

meus lúgubres letárgicos:
sonolenta e sorumbática
teu cansaço em noite e lua
já me afaga em rosa e sangue...

meus tétricos majésticos:
mal fadada e magnífica
tua luz de morte em punho
já me sonha em cruz e espada...

meus trágicos catárticos:
carinhosa e catastrófica
teu olhar de amor e fim
já me beija em nuvem-inferno...

meus pêsames tristíssimos!

14 junho 2009

Conto de Fadas Fatal

Era uma vez um barco, e um maldito sobre ele. Eu estava no barco no centro de um imenso rio, o rio Noite das Almas, em um barco sem remos, sem leme, sem nada, desgraçadamente perdido, desorientado. Foi então que 9 fadas violetas emergiram das águas, ergueram o barco e puseram-me em terra firme. Agradeci, e uma delas, a mais bela, a mais triste, disse:

- Olha! Ali, atrás daquele angico, vive o gnomo que toca violoncelo eternamente. Vai até ele. O elemental tem muito a te dizer. Vai logo, pois é quase tarde.

Imediatamente, fiz o que a fada ordenou e acerquei-me do estranho ser. Junto com ele estavam um silfo e uma ondina. O primeiro tocava violino, e a segunda, piano. Era um fantástico trio de Beethoven, o trio fantasma. Depois tocaram um de Schubert. Escutei e voltei a um gramado de corujas da infância, muito antigo. Mas em seguida, exerceu-se a atmosfera de crepúsculo inevitável no interior das músicas, e tive que questionar o gnomo antes que fosse tarde. O que tens a me dizer, pequeno amigo?

- Nada. Só que no Castelo de Gumercindo, a Donzela Bradante está gritando, gritando como nunca, obscuramente louca, desesperada. Outra vez está na janela da torre emitindo suas absurdas sentenças. Rápido, tu deves encaminhar-se para lá e salvá-la.

Dei um salto por sobre as moitas e como um raio passei a percorrer florestas infindas, enevoadas, sombrias de um verde-negro. Em cada canto desciam das gigantes árvores velhas bruxas decrépitas, bruxas doentes, e sensuais vampiresas que nos ensejam o desejo de ser mordido e sentir o cheiro do sangue e o gosto da vida se esvair pelas veias. Mas não o fiz. As bruxas cochichavam e debochavam expectorando:

- Atirem flechas, dêem tiros de canhões, metralhem, detonem bombas nucleares, não vai dar, é tarde demais, tarde demais. E dispararam numa carreira desabalada pelo meio do mato.

Eu tinha que ir logo, meu Deus, ir logo, violento, desbragado, infrene. Está tudo prestes a tudo. Não tinha tempo de pensar, por isso intuía. Foi então que ante minha fronte febril um nimbo principiou a derramar uma chuva ácida, e vi, por entre as gotículas prismadas em arco-íris, vi Siegfried, o herói do Anel dos Nibelungos, bebendo hidromel com o Deus Wotan, descansando ao lado a espada Nothung e a Lança do Poder. Mas como uma flecha de bestas medievais, dirigiram a mim seus olhos de fogo, empunharam as espadas, berraram:

- O Crepúsculo dos Deuses, as iminências cósmicas, esgotou-se o tempo, a simbologia do derradeiro. Usa tua energia sexual-volitiva e relampejando vai em frente.

E fui, como o vértice de um furacão, o vórtice de um trovão, tufão, de ciclones, de vendavais, de tormentas, de tempestades, temporais. Alucinado, eu “era todas as guerras”.

E o tempo passava implacável, cada minuto, cada segundo escorria e eu não conseguia mantê-los em minhas mãos que notei passar a metamorfosearem-se em mãos de lobo. Calamidades! Agora sou um lobo e corri, corri desesperado, cruzei matos, campos, banhados, açudes e sangas, e cheguei. Mas nunca se chega a tempo. Estou sempre atrasado. Abandonei o lobo e voltei a ser homem, um pouco mais alto e exausto. Cansado, fatigado, esgotado, mas eu prosseguia, tinha que prosseguir, tinha que me sacrificar, mortificar, ainda que todos fossem incompreensivos e injustos. O tempo não parava e tudo estava nas últimas forças definitivas, tudo acabava, morria, findava-se e eu em desabalada carreira atônita e assombrada. Troares de trovões catastróficos de outros planetas holocáusticos que corroíam as luzes ligeiras do sol. Em fuga desceram extraterrestres de Vênus, sacis e curupiras amazônicos, a agourar e abençoar meus caminhos... Então retumbaram as seguintes tragédias:

- Destrói o quanto antes. Sem piedade, arranca do teu interior aquele tumor maligno e acharás a porta do Castelo e a escada para a torre.

E eu parti como uma águia voraz, como um tigre, um jato de cometas explodindo núcleos de hélio, faíscas e incêndios nos cosmos varridos por ventos solares.

Trágico, cheguei até o Castelo onde se encontrava a Donzela Bradante. Situava-se no alto de uma coxilha no vasto pampa roxo-esverdeado. Lá estava ela vociferando. Ao redor da torre, uma imensa multidão se acumulava. Ao observar aquela gente, senti espanto: todos exibiam em seus rostos expressões de horror, medo, desespero... E punham as mãos nas faces e na cabeça e arrancavam os cabelos, rangiam os dentes, piscavam nervosos os olhos e irradiavam ódio e desdém e cerravam as sobrancelhas e vomitavam sentindo dores intestinais e suavam frio sangue gelado e gritavam com ânsias com nojo e tédio e cortavam-se com sofreguidão e oravam erguendo as mãos aos céus e curvavam-se e encolhiam-se e atiravam-se no chão batendo as mãos na terra e... Tentei saber o porquê de todo aquele horror e foi então que dirigi minha atenção aos gritos da Donzela na torre. Eram os seguintes berros que desesperavam a população:

- E quando chegar a morte? O que vocês vão fazer? E quando chegar a morte? De onde vocês vieram? Por que estão aqui? Por que vivem? E quando chegar a morte? Por que não querem falar na morte? E quando vier a tormenta? Por que não querem falar na tormenta? E as coisas que ninguém sabe? O que é aquilo que não se explica? E quando chegar a tormenta? E a morte? Por que não querem falar na morte?

E ao finalizar de falar, ou melhor, de berrar desesperada, a Donzela sentou-se, e toda a multidão permaneceu imóvel, estarrecida em absoluto silêncio aterrador. Então eu subi até a torre por uma escada de trovões, e eu já estava sangrando. Ao chegar à torre, a Donzela Bradante também expelia sangue pela boca. Golfejando juntos um sangue absurdamente vermelho, fomos até a beira da janela e nos atiramos sanguinosos sobre a multidão que agonizava. E fomos felizes para sempre...

12 junho 2009

Lei


de ação
e reação:
o Tempo: cobra
o preço e a pressa
dos nossos atos

dentre cravado
veneno inoculado
que o dente da cobra
pica
quando não é esperado
que a língua é bifurcada
e é o Fim
da picada...

a picada
o tempo...
Cobra

10 junho 2009

Ponto *

até certo ponto
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?

na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.

*Este poema foi realizado em parceria com meu amigo Marcus Vinícius Manzoni. Ele o está musicando.

08 junho 2009

Sobre Minc e Sobre Crusius

Sobre Carlos Minc

O ministro do meio ambiente chamou os ruralistas de “vigaristas”. O erro do ministro foi ter generalizado. É claro que existem ruralistas decentes e honestos, com consciência ecológica, que trabalham para produzir e ao mesmo tempo preservar o ambiente, e esses merecem todo o meu respeito e admiração. Porém, infelizmente, grande parte dos produtores rurais não possui essa consciência. O que querem é lucrar cada vez mais, visam somente o lucro imediato, e não deixam de ser uns vigaristas. Não estão nem um pouco preocupados em preservar as matas, os rios, os animais selvagens que estão em suas terras. Aqui mesmo, no RS, em várias regiões, os agricultores devastaram todas as matas de suas terras, inclusive as matas ciliares, e agora, em épocas de seca, os cursos d’água se esgotam com assustadora rapidez, uma vez que já não possuem a mata para reter a umidade. Os resultados são grandes conhecidos nossos.

Por que será que sempre os ministros do meio ambiente são motivos de briga, discussões, e são mal vistos pela maioria dos ruralistas e até por outros ministros? Com a ex-ministra Marina da Silva ocorreu o mesmo. Ninguém gostava dela. Agora isso acontece com o Carlos Minc. Será porque no fundo ninguém quer preservar o ambiente e os recursos naturais? Será que todos odeiam tudo que for sinônimo de preservação? Será que é porque acreditam que deixar pelo menos uma parte de uma floresta em pé atravanca o progresso? Progresso é plantar cada vez mais, é construir estradas, rodovias, fazer hidrelétricas, é devastar para criar gado? É explorar à exaustão os recursos naturais? Isso é progresso? Progresso para a morte do planeta, e consequentemente da humanidade, com certeza é.

É impressionante como o ser humano, por mais que sofra na pele as consequências dos seus atos, não muda sua forma de pensar. Como diria um grande filósofo contemporâneo, “o homem não aprende as lições da vida nem a canhonaços”. Para o homem, progresso continua sendo a luta contra a natureza, como se ela fosse algo a ser vencido, dominado e explorado. Aquele antigo e nefasto pensamento de Descartes e de outros filósofos que julgavam que a natureza devia ser inteiramente subordinada, escravizada à vontade do homem. Progresso continua sendo aumento de lucro, aumento de produção, crescimento financeiro. Sempre se comemora o aumento da produção de determinado bem, seja na agropecuária ou na indústria. Porém, nunca se questiona qual o preço que foi pago por esse “crescimento”. Chegará o dia em que não se poderá mais pagar o preço...

Sobre Yeda Crusius

Sobre a governadora, muito pouco tenho a falar. Apenas comento que segundo pesquisa do DataFolha, mais de 57% dos gaúchos acreditam que há corrupção em seu governo, e que desses, 70% querem o seu impeachment. Eu me incluo entre eles. E acrescento que antes dessa nova onda de corrupção vir à tona, comentei aqui sobre a campanha do CPERS e outros sindicatos, onde a imagem da governadora era relacionada à corrupção. A maioria do povo gaúcho julgou exagerada tal campanha e se voltou contra o CPERS. No entanto, agora a maioria desse mesmo povo gaúcho crê que há corrupção em seu governo. Mais uma vez, os professores saíram na frente e foram incompreendidos. E, como sempre, odiados.

05 junho 2009

Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Op.60, de Brahms


Em 1874, Brahms compôs o seu 3º e último quarteto para piano e cordas, o mais sombrio e trágico dos três. A violência da paixão e do amor desesperado vibra terrível do começo ao fim da obra. Os raros momentos de melancólica serenidade são bruscamente interrompidos por uma fúria infrene e dilacerante. As melodias são sinistras e lacônicas, os ritmos, febris e caóticos, e o diálogo entre os instrumentos é de uma alucinada inquietação e de um desespero inconformado.

Sobre essa obra, afirmou o próprio Brahms, ao escrever à editora Simrock: "Na capa deverá ser colocado o desenho de uma cabeça com uma pistola apontada para ela. Acredito que isso dará uma ideia dessa música. Tratarei de enviar-lhe uma foto minha."

Com o Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Brahms intentou pôr um ponto final no seu amor por Clara Schumann, viúva do também gênio musical Robert Schumann. Brahms a amava desde os seus 20 anos de idade, quando Schumann ainda vivia e era um grande amigo de Brahms. Amava-a platônica e secretamente. Acredita-se que após a morte de Schumann, Clara, 14 anos mais velha que Brahms, também o amou. Porém, se existiu o amor entre ambos, jamais foi concretizado.

Aos 41 anos, Brahms intentou com seu quarteto expressar tudo o que sentia por Clara, e assim, esquecê-la. Conseguiu expressar o que sentia, mas não conseguiu esquecê-la. Morreu amando Clara, um ano depois dela, na solidão.

Transcrevo abaixo um trecho do livro "Vida de Brahms", de Willibald Nagel, onde o autor comenta sobre a referida obra:

"É uma das obras de mais difícil compreensão do mestre. Brahms já falara dela a Billroth, dizendo ser uma produção um tanto original, 'como que uma ilustração do último capítulo do homem do fraque azul e do colete amarelo', referindo-se ao suicídio de Werther. É isso o que nos dá a chave do segredo; Brahms, com inflexível força de vontade, lutou contra os impulsos do seu próprio eu, a fim de renunciar às suas pretensões acerca da esposa do seu melhor amigo, Schumann. Este Quarteto em Dó menor se nos apresenta como uma confissão de um ente que sofreu um terrível abalo moral. É uma obra dominada por uma paixão diabólica, pela queixa torturante, contra a qual é inútil resistir, refletindo uma harmonia e um ritmo inquietos e selvagens. Apenas no 3º movimento surge um fundo de romântica doçura e beleza, mas que é quebrado pelo último movimento, onde retorna o conflito e o martírio noturno."

Finalizo com uma questão: quanto é necessário sofrer o artista para criar sua obra?

03 junho 2009

Última

esta é a última vez
porque depois de tudo
se o tudo for o nada

a minha voz mal dita
se abismará nos cantos do impossível...

as minhas mãos contritas
se perderão no espaço esvaziado...

a minha febre em vida
se queimará nas cinzas do já morto...

o meu olhar m...aguado
se afogará no mares do não-visto...

meu coração cravado
se enfartará nas garras dos abutres...

essa minha arte em chamas
se apagará nos incêndios do inútil...

e esta minha alma em flamas
se voará às bandeiras do fatal...

01 junho 2009

Oculto

os teus olhos
que brilham
diante de mim

as luzes do sol
que vieram brilhar
nos teus olhos

o corpo solar
de onde vem a luz
que te veio brilhar

o fogo atômico
que forma o corpo
do sol que em ti brilha

o fósforo cósmico
que acendeu o fogo
que brilha no sol

a mão que acendeu
o cósmico fósforo
e que nunca brilha

30 maio 2009

Do Fausto de Goethe


Um trecho da 1ª parte do "Fausto" de Goethe, uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Qualquer comentário meu sobre os versos abaixo é absolutamente desnecessário.


Fausto:


"A coisas muito altas anseia a nossa alma,
A matéria, porém, a prende sempre ao chão;
Se alcanças desse Mundo os bens e a loura palma
Da glória, tudo é engodo e constante ilusão.
E às belezas da vida, e aos puros sentimentos,
Envilecem da Terra os ferozes tormentos;
E quando a Fantasia abre asas e voa
No espaço, para o Eterno, em sonhos e esperanças,
Basta pequeno abrigo, enquanto além ecoa
Vendaval que desfaz venturas e bonanças.
O Infortúnio se esconde e se abisma no peito,
As dores acalenta então insatisfeito
E da vida perturba o sossego e o prazer;
Sempre com nova máscara a fazer sofrer,
Ora luxo, ora lar, mulher, criança aflora;
Qual fogo, água, atroz veneno, até punhal;

Treme perante tudo o que não tens, mortal!
E aquilo que perdeste, em lágrimas, deplora!
Não sou de Deus a imagem! Sinto-o profundo.
Pareço mais um verme, e no pó vivo imundo;
Que do pó se alimenta e nele sempre exulta,
Se o pé do itinerante poupa e não o sepulta."

27 maio 2009

Nada

nada
a
declarar

só um canto de treva
no canto negro do céu
só um canto
de tormenta em noite
paira
a um canto
de violino preto

aos cantos
de urubu escuro
pairando
aos cantos

sobre
marcha
mancha
de sangue
aos cantos
da morte

nada

de clarar

25 maio 2009

Eu Não Sou Brasileiro

Sim, não posso ser. Afinal, tudo que dizem que o brasileiro é, eu não sou. Dizem que o brasileiro é isso, é aquilo, que possui determinadas características, mas elas não condizem comigo. Então não posso ser brasileiro. Afinal, se já se criou um estereótipo do que é ser brasileiro, se é através desse estereótipo que as pessoas em geral, principalmente as de outros países, veem os brasileiros, e se eu não estou de acordo com tal estereótipo, então, não sou ou não devo ser brasileiro.

Vejamos:
1) Brasileiro é alegre e de alto astral. Eu não sou alegre e nem tenho alto astral.
2) Brasileiro é extrovertido. Eu não sou extrovertido.
3) Brasileiro adora verão e calor. Eu detesto verão e calor e amo o inverno e o frio.
4) Brasileiro adora praia. Eu até posso achar bonita uma praia se não houver pessoas lá. Detesto aquele monte de gente amontoada na areia, surfistas, cerveja, pessoas bronzeadas etc. Acho tudo isso um saco.
5) Brasileiro prefere bumbuns. Um bumbum pode ser bonito, mas eu prefiro os olhos.
6) Brasileiro adora cerveja. Eu não gosto de cerveja, prefiro um bom vinho.
7) Brasileiro gosta de andar com pouca roupa. Para mim, nada melhor que vestir um longo e pesado sobretudo.
8) Brasileiro gosta de samba, pagode, axé, forró, sertanejo. Eu detesto todos esses tipos de música, e nada têm a ver comigo nem com a região onde vivo.
9) Brasileiro ama carnaval. Eu detesto carnaval.
10) Brasileiro não perde uma festa. Uma festa às vezes é legal, mas na maioria das vezes acho melhor ficar em casa, ou fazer outra coisa, a ir numa festa.
11) Brasileiro tem o seu famoso jeitinho. Para mim, o jeitinho brasileiro é um eufemismo de canalhice.
12) Brasileiro gosta de coisas coloridas. Eu prefiro cores sóbrias e discretas.


Enfim, talvez existam outros pontos em que eu nada tenha a ver com o que se classifica como “brasileiro”. Mas há algo que tenho em comum. Brasileiro adora futebol. Bem, eu também gosto de futebol. Será que só por isso sou brasileiro?

23 maio 2009

Além

o que há além do Limite?
pela outra face da estrela
na noite virada de costas?
o que há no avesso do céu?
afora de todos o dias?
contrário a todas as vistas
diverso de todo o normal?
o que além do bem
e do mal?

o que tem do lado de lá?
do outro lado da sanga
do outro lado do cerro
no lado escuro do sono
no lado oculto da sorte?

o que há além da vida
e da Morte?

21 maio 2009

De Sangue

Choro. E duas gotas de sangue sangram de meus olhos avermelhados. Olho a minha frente. E em um lago com a cor e com o cheiro de sangue coagulado, um bando doentio de corvos e urubus fita fixo os meus olhos desesperados. Eu não sei definir se seus olhares são sentenciosos ou sarcásticos. Creio que os dois. O cheiro quente de sangue se espalha pelo ar denso e lúgubre. O grasnar agourento dos corvos me ensurdece.

Ergo-me da grama sangrenta onde eu sentara sobre o meu próprio sangue derramado. Olho ao alto. Nuvens vermelhas lentamente assomam e tornam-se de um rubro intenso e mórbido, com algumas tendências para o negro. Um raio de fogo avermelhado parece partir o céu congestionado em dois. Um trovão úmido de sangue retumba nas minhas veias inflamadas.

Em breve despencará uma tempestade sanguínea. E o meu banho de sangue será completo e definitivo. Encharcado com o sangue de todas as tormentas, eu ando pelas estradas inundadas com o sangue de tudo que morreu na minha vida.

O bafo sanguinolento dos urubus queima-me os cabelos. Uma linda e nua mulher menstruada cai morta a cinco passos de mim. Seu sangue escorre por suas pernas brancas e magras. Nada a minha frente. Nada ao meu redor. Somente horizontes e mais horizontes de funestos montes devastados e avermelhados. De um vermelho anomalamente triste e melancólico. Uma tristeza fúnebre de febres fulvas férvidas de sangue, canta-me tensas melodias de saudade.

Meu pulso vibra a uma velocidade assombrosa, minhas veias tornam-se proeminentes sob a pele. Sinto o bater absurdo e derramado de meu coração sem freios. Meu sangue arde por todo meu organismo e pela alma. A chuva sanguínea não cessa. Os corvos e urubus revoam em hordas canhestras do lago profundo de sangue e acompanham lentamente meus passos desolados por entre os rios sanguinolentos.

Dezenas de aves mortas e sangradas com seus peitos abertos em hemorragias e com seus corações à mostra caem pelo meu caminho. Ao longe, o grito de um gato no cio assola meus ouvidos. Creio que uma imagem do coração sangrento de Cristo surgiu como uma miragem a minha frente. Não sei dizer com certeza, foi tudo muito rápido.

Um sol de apocalíptico escarlate se ergue acima das nuvens da tempestade de sangue que se estanca subitamente. Um sol estranhamente vermelho de rosto dilacerado. Será mesmo um sol? Não sei. Mas sei que seu brilho vermelho de sangue encanta e consola meus olhos congestionados. Sorrio, com gotas de sangue na boca, uma sanguinolenta esperança.

18 maio 2009

Soneto ao Infinito

Todas as ânsias do meu sonho infeito,
toda a grandeza que me impele à frente,
toda minha alma, minha psique, a mente
a que luz irão no horror derradeiro?

O ser que pulsa pelo mundo inteiro,
a alta lágrima que se alastra quente,
serão perdidos para todo o sempre,
aniquilados do universo ao meio?

Não... pois há uma viva e eternal sentença
que paira livre além de todo mito,
que canta plena de verdade imensa...

Mesmo esquecida no oculto maldito,
A Grande Lei governa forte, intensa
No audaz segredo do além e infinito.

15 maio 2009

Poema ao Frio

Vento glacial e franco
do meu fracasso
fremente fúria invernal
sopra em minha frustrada febre
gela minha frente e sangue
neva em minha frase frágil
em minhas ânsias sem freios
pelas névoas infrenes
que fruem da lua forte
despedaçadas em frutos negros
das frondes fantasmagóricas
em noite fria de beijo em gelo
geada frenética sobre meu peito
em minha fronte trágica
em desgraça frígida
em lufada cáustica:
é em tua friagem que me ergo
em tua frieza que me alargo...

Frio! meu antimundo abrigo
agora que tudo que amo morre
traze teu frêmito a morrer comigo.

13 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.Final)

Enfim, eu havia vivido e praticado todas, ou quase todas, as maldades possíveis, sempre me alimentando das sombras negras que eu absorvia dos olhos de todas as pessoas com as quais eu entrava em contato. A humanidade é uma fonte infinita de tudo o que é maligno. Porém, eu ainda não me tornara um assassino. Sim, era isso o que faltava para a integridade de meu mal.

Tomei então a resolução de cometer o mais cruel dos assassinatos. Não desejava apenas matar alguém, mas matar da forma mais fria e torturante possível. E, claro, de maneira que meu crime jamais fosse descoberto. Tornando-me um cruel homicida, eu teria então resumido em mim, finalmente, todo o horror humano, como se eu fosse um microcosmo da humanidade.

De modo que passei a imaginar qual seria o mais cruel dos crimes. Pensei que deveria escolher uma moça indefesa e inocente, ou a mais inocente possível, já que uma pessoa totalmente inocente não existe. Antes de matá-la, eu iria torturá-la física e psicologicamente. Eu imaginava as perversidades que poderia cometer. Poderia queimar partes de seu corpo, aos poucos, sentir o cheiro da pele queimada. Poderia perfurar seus olhos e beber o líquido intraocular, arrancar fios de cabelo e fazê-la os engolir. Poderia abrir seu abdômen e retirar seus intestinos, obrigando-a a olhar para eles, enquanto eu os cortava e os queimava. Poderia arrancar seus dedos, beber seu sangue, enfiar insetos em seus ouvidos, estuprá-la, arrancar seus mamilos, enfim, as possibilidades de tortura eram infinitas. Eu estava, portanto, decidido.

No início da noite, saí às ruas portando uma pistola, e não foi difícil encontrar minha vítima. Era uma linda moça de cerca de 20 anos, com belos olhos castanhos. Calcei-a com a arma e ordenei para que me acompanhasse em silêncio, que assim nada aconteceria com ela.

Caminhamos, da forma mais natural possível, até minha casa. Entramos, e ordenei à moça que sentasse em uma cadeira. Ela protestou e, muito nervosa, perguntou o que eu queria com ela. Então disse friamente que se ela abrisse a boca para falar qualquer palavra sem a minha permissão, eu meteria uma bala na sua cabeça e teria prazer em comer seus miolos. Ela se calou, apavorada. Em seguida, atei seus pés e suas mãos firmemente e sentei-me diante dela para contemplar sua beleza aterrorizada.

Perguntei seu nome. Chamava-se Luísa. Decidi, então, antes de iniciar a sessão de tortura, olhar nos seus olhos para absorver o mal que havia nela e fortalecer-me ainda mais. Porém, nesse instante, algo totalmente inesperado aconteceu. Nenhuma sombra negra saía de seus olhos. Pelo contrário, o que vi em seus olhos foi o brilho de uma luz profunda, creio que a mesma que as pessoas diziam perceber nos meus olhos durante minha infância e no princípio de minha adolescência.

Por instantes, permaneci absorto, extático, extasiado contemplando aquela luz sublime que emanava dos olhos de Luísa. E a moça, percebendo meu estado de alucinação, com receio, mas revelando coragem, declarou com firmeza: “Se vai me matar, por favor, faça logo”. Eu não disse nada. Levantei da cadeira, libertei Luísa das amarras e a conduzi até a porta. Ao abri-la, murmurei, profundamente abalado: “Sublime Luísa, eu te agradeço infinitamente e do fundo da minha alma miserável, te peço um inútil perdão”.

Ela me olhava fixamente, não entendendo absolutamente nada, porém percebi que já não estava com medo. Então, com seus lindos olhos fixos nos meus, falou com voz suave: “Que estranho, tem uma luz brilhando nos teus olhos...” Ao que respondi: “Sim, e essa luz é tua, não minha. Agora vá”. E ela partiu rapidamente.

Fechei a porta e sentei-me na cadeira. Desesperado, não consegui chorar. Somente um pensamento perturbava minha mente: era o de que a luz dos olhos de Luísa, tendo-se fixado uma só vez em mim, havia anulado toda a sombra de treva que acumulei no meu interior durante todos esses anos. Eu havia voltado a ser o que um dia fui. Depois de ter sido o pior dos monstros e vivido uma vida de maldade, horror e crime, eu poderia voltar a ser o que era em minha infância?

Não, não poderia. Se quando comecei a absorver o mal dos humanos, eu tivesse encontrado uma pessoa, uma só que fosse, como Luísa, que possuísse essa luz nos olhos que ela me transmitiu, eu não teria me tornado o demônio que até bem pouco tempo fui. Eu não teria. Mas eu não encontrei ninguém assim. Eu só vi sombra e trevas nos olhos das pessoas.

Agora é tarde demais. Decidi então escrever este relato, para testemunhar a minha desgraça. Que pelo menos ele sirva para algo de bom, já que eu não servi. O meu objetivo foi resumir em mim todo o mal da humanidade. Só faltou eu ter sido um assassino. Não fui. Porém, ainda falta mais uma coisa: a humanidade se autodestrói. Eu ainda não me autodestruí. Farei agora. Largo a caneta. E aponto a arma para a minha cabeça...

12 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.II)

Carregando em meu interior a maldade de milhares de pessoas, pensei em qual seria o comportamento inicial de alguém com um caráter perfeitamente diabólico. E, friamente, determinei que eu deveria transmitir a todos uma aparência e uma sensação primordial de que eu era o melhor dos humanos, como até então todas as pessoas próximas a mim, com razão, consideravam-me. Não foi difícil, portanto, ser o mais hipócrita dos hipócritas.

Eu pregava a todos o amor, a paz, o altruísmo, a honestidade, enquanto o horror e o ódio fervilhavam em minha psique. Utilizando-me de minha inteligência calculista e de minha total falta de escrúpulos, fui galgando degraus na vida social, passando impiedosamente por cima de meus adversários, humilhando-os e prejudicando-os de todas as formas ao meu alcance. No entanto, sem jamais que alguém soubesse que eu era o responsável pelos atos abomináveis.

Assim, entrei para a vida pública, mentindo descaradamente, não perdendo oportunidades de ser desonesto, acumulando bens materiais pelos meios mais escusos. Tornei-me um perfeito corrupto: um ladrão irrepreensível. Roubava o máximo que podia sem despertar a mínima suspeita.

Quando reuni um montante de dinheiro que julgava suficiente, abandonei minha carreira para dedicar-me plenamente à maldade e à depravação. Então pude finalmente retirar minha máscara hedionda de hipocrisia e ser descaradamente mau. Esmaguei todos os sonhos e ideais de nobreza e dignidade que um dia nutri em meu ser, desisti definitivamente de encontrar o verdadeiro amor em uma mulher e lancei-me a mais extrema e absurda promiscuidade. Participei das piores orgias, chafurdei em todas as lamas, pisei sem pena nos corações de todas as mulheres que diziam me amar. Explorei-as sexualmente, para logo depois as desprezar como um monstro, ridicularizando-as e debochando de seus sentimentos. Eu nunca acreditei que alguma delas realmente me amasse, e o que nutria por todas era um profundo e amargo ódio.

Viciei-me em todos os vícios, experimentei todas as drogas e influenciei para que o maior número de pessoas fizesse o mesmo que eu. Desestimulei todos os ideais, todos os pensamentos nobres, todos os sentimentos elevados. Desprezei todas as manifestações verdadeiras da arte para cultuar o que havia de mais imundo.

Tornei-me um consumista irrefreável, consumia tudo o que me era possível, desperdiçando o máximo que podia os recursos naturais. Com um prazer infinito, eu jogava lixo nos rios, queimava produtos de fumaça tóxica com o intuito único de poluir o ar. Eu agredia árvores e plantas e torturava animais sem a mínima clemência. Caçava sempre que podia apenas para ter o prazer de ver o animal morrendo. Enfim, eu queria simbolizar o mal da humanidade em todos os sentidos, em todas suas possibilidades, desejava levar a cabo a plenitude da malignidade que existia no ser humano.

Eu sentia-me na obrigação de ser perverso. Eu invejava, cobiçava, odiava, não porque isso aflorasse em mim naturalmente, mas porque eu assim desejava. Porque esse era o desejo das sombras dentro de mim, e o desejo delas era o meu. Eu buscava realizar-me a fundo dentro da vastidão do mal. Era como uma missão que eu devesse cumprir. E estou certo que eu a estava cumprindo. Com méritos. E isso me enchia da mais ominosa vaidade, do mais perverso orgulho.

E que deleite eu sentia em humilhar todos os que se aproximassem de mim. Eu os ridicularizava pela feiura de seu aspecto físico, ou pela sua falta de inteligência, ou por ser gordo, por ser negro, por ser pobre, por ser deficiente físico, enfim, eu sempre encontrava um motivo para humilhar os outros, para utilizar-me de meu devastador deboche.

Eu tinha uma especial predileção por ridicularizar todas aquelas pessoas que ainda possuíam, ou pensavam possuir, algo de profundo, de ideal, de nobre em seus corações. Jogava-lhes na cara o quão eram imbecis em crer em algo elevado, o quanto tudo isso era inútil e anacrônico, e que estavam desperdiçando suas vidas em quererem ser “grande homens”. Meus olhos brilhavam ao ver aqueles jovens enfurecidos ou desolados por eu ter pisado nefastamente em todos os seus sonhos, seja de grandeza, de dignidade ou de amor.

Quando percebia que meus recursos financeiros estavam se reduzindo, para não ter que trabalhar ou ganhar dinheiro de alguma maneira honesta, eu formulava uma maneira de enganar os incautos e roubar-lhes o máximo que pudesse. Alguns dos procedimentos de que fiz uso foi emprestar certas quantias a juros exorbitantes e associar-me ao tráfico de drogas. Porém, o mais eficaz para obter imensas somas de dinheiro foi utilizar-me de minha antiga convivência na vida pública com os mais distintos políticos. Eu os chantageava. Sim, porque eu sabia de muitas coisas e poderia denunciá-los, caso não fosse devidamente recompensado. Isso se tornou para mim uma fonte inesgotável.

Uma satisfação indescritível eu sentia correr pelas minhas veias quando eu via nos noticiários todas as abominações, todos os horrores, todos os absurdos que assolavam a humanidade nos quatro cantos do planeta. Assassinatos, genocídios, corrupção, violência e exploração de todas as espécies, vícios, devastações impiedosas, poluições nunca vistas, massacres de animais, os crimes mais monstruosos, as degradações mais repulsivas, a injustiça, a fome, as doenças, a miséria, as catástrofes ambientais, a desigualdade, o reinado do egoísmo, o império da aparência, todas as atrocidades que diariamente bombardeiam nossos olhos eram para mim um colírio que me enchia de alegria. Eu me regozijava em saber que em um mundo cada vez pior, eu era o pior dos humanos.

(Amanhã, o capítulo final)