21 dezembro 2013

de Por que as Pessoas Preferem Cães a Gatos

as pessoas
em geral
preferem cães a gatos
porque cães
submetem sua personalidade
e gatos a mantém

porque a amizade dos cães
é doada a quem eles consideram
seus superiores
e os gatos
oferecem sua amizade
a quem eles consideram
seus iguais

porque os cães
não dão atenção
aos defeitos dos homens
e os gatos
sabem que os homens
não são confiáveis

porque os cães
simbolizam a segurança
daquilo que achamos
que conhecemos
os gatos
simbolizam o temor
ao que não confessamos
como desconhecido

enfim
os cães
merecem ser amados
porque são como enfermeiros
da fraqueza humana
os gatos
merecem ser amados
porque são como sábios
que ensinam o homem
a ser mais forte

(Na imagem, o quadro "Julie Manet com um gato", de Renoir.)

18 dezembro 2013

(Não-)Palavras a Beethoven*

Tu
que só dizes
ao que é:
de  Ser
a Ser

(quanto a mim
não digo palavra
só verso
um algo de próximo
ao fim)

o som
do teu Ser
é silêncio
sublimado em Verbo
e em Verdade
calada
aos que escutam
mas não ouvem
de nada

Tu só
ouvias...

teu Ser
(que música)
é um arquetípico
de ideia-alma
substância-essência
síntese e única
em cada nota
ao que se consciência

não mais.
que além
é um a-final.

o quê
em tua música há?
tudo aquilo
que o (não-)homem
(que não houve)
jamais será?

*Poema reelaborado e republicado

17 dezembro 2013

Fragmentos Absurdos e e-mail do Escritor Assis Brasil

Os leitores do blog devem conhecer os contos da série que estou escrevendo, Fragmentos Absurdos de Uma Existência Futura, onde tento expressar uma civilização futura decadente e violenta, assolada por desastres ambientais, em que os  seres humanos são obrigados, ou convencidos, a seguir o "pensamento único", na completa ausência de sensibilidade e reflexão, verdadeiros autômatos. Já foram concluídos e publicados cinco contos da série. No momento escrevo, o 6° conto, e já penso no 7°.

Três desses contos, há alguns dias, enviei para a leitura do escritor Antônio de Assis Brasil, também secretário de cultura do Estado do RS (mas o que importa realmente é que ele escreve), e domingo recebi sua resposta. Assis Brasil, não há dúvida, é um dos maiores prosadores gaúchos, e brasileiros, da atualidade. Em agosto deste ano, em formação de professores realizada pela SEC, em Porto Alegre, tive a oportunidade de acompanhar um curso bastante interessante ministrado por Assis Brasil sobre a arte da escrita em prosa.

Bem, como dizia, enviei para o escritor alguns contos da série "Fragmentos". Na sua resposta, entre outras coisas, Assis Brasil afirma o seguinte: 


Li os três textos que me mandaste. Olha, fiquei impressionado com a tua capacidade de fabular, contar histórias. E também impressiona a condução dessas histórias, que não deixam furos nem nada sem explicar. Quanto às temáticas, bem, essa uma escolha tua, e cada qual sabe o que quer contar. Gostei muito do terceiro texto, "Aquele sorriso estúpido", pois, ao lado da violência, comum a todos eles, este acrescenta uma dose de humanidade e, até, de solidariedade, o que o institui como literatura, isto é, que mexe com nossas emoções dentro de um padrão humano. 
Estás de parabéns. É possível que já tenhas um bom material para publicação, um livro. Afinal, tudo termina (ou começa) num livro, não é mesmo? Vai em frente, e aproveita bem esse talento.

Deixo este e-mail para estimular os leitores que ainda não leram a conhecer os contos, pois muitos se sentem instigados a ler apenas após a opinião de alguém conhecido na área literária. Alguns poderão pensar: "ah, ele está se autopromovendo". Óbvio que estou. Afinal, quem não tem dinheiro para pagar por propaganda na grande mídia e nem apoio de governos tem que fazer sua própria propaganda. 

Os contos já publicados podem ser lidos aqui:


O primeiro conto estou o reelaborando e vou republicá-lo em breve.


16 dezembro 2013

Esta é a Tua História Real (ou O Pesadelo) - Final

As cédulas serão necessárias para o necessário investimento. Tudo na vida é investir no futuro, sempre foi teu pensamento, tua filosofia. Futuro que talvez não chegue. E a tarde vai passando. O momento vai passando, e com ele o que se convencionou chamar de vida. Passando como se não passasse. Ou como se passasse de forma total e devastadora. E não deixaste nada de nada. Como se não fosse nada. Mas sendo tudo para ti. O tempo morreu. Foste tu que o mataste.

Finalmente, o instante de deixar o escritório. Alívio. Dever cumprido. Poder pensar em outras questões... Talvez mais profundas... Talvez mais sublimes... Mas o que há de mais profundo e sublime que o trabalho? E aquele relatório, que não há maneira de concluir, não te abandona a racionalidade. Sempre foste um homem racional. E como ser de outra forma? Ser racional é saber o certo. E o que é certo? É o que é, dirás, o que convencionamos, nós como humanidade, determinar como certo, correto e que dever ser feito, ser seguido porque assim é. É o sensato. Não pode ser outra coisa. Qual outra coisa poderia ser? E jamais se finda aquela angústia de ter que fazer o que tens que fazer pelo simples fato de que tens que fazer.

É o que pensas enquanto conduzies dormindo o veículo pelas ruas povoadas. Dormindo não de dormir, embora com os sonhos já sonhasses. Com os sonhos não da vida, mas do sono. Pouco sono, aliás. Que o teu pesadelo voltará... Tu sabes. Mas os sonhos da vida... Estes não germinam na alma empedrada de compromissos.

Na avenida de intenso movimento, um acidente. O motorista da moto morreu. Contemplas como se nunca irás morrer. Com piedade do morto. Mesmo não sabendo o que acontecerá com ele agora. O que acontecerá com ele agora? O homem pensa em tudo para ter uma vida cada vez mais cômoda. Mais tecnológica. E lógica. Tudo deve ser lógico e confortável... Para isso o dinheiro. Para explicar tudo. Aliás, amanhã deves comprar um sofá novo. Dás duro para isso. Mereces. Mas o motoqueiro morreu. O vermelho do sangue no calçamento. Para onde ele haverá de ir? Acabou? Foi no que pensaste, sem querer. Sabes? Não queres nem saber. Um pouco de medo, nada mais. Rapidamente substituído pelos olhos da moça do escritório. Rapidamente substituídos pelo relatório de amanhã.

Chegaste. Belíssimo jardim ostenta tua casa. Mal pisaste nele desde que foi construído. Para não matar as gramas, argumentas para ti mesmo. Sabes que mentes. Mas nem pra ti admites. Para não matar teu tempo. Tempo é trabalho. Exausto, a cerveja desce aliviando teus músculos e nervos. Isso é reconfortante. Ainda antes da academia, para revigorar. Uma latinha apenas.

Tua esposa também chegou. Os olhos da moça do escritório são mais doces que o da tua esposa. Aliás, ela também está muito cansada. Até porque recém chegara da academia. Agora é a tua vez de ir. Beijo no rosto. Tchau. De carro para a academia. Por que não a pé? A violência. Estás certo. A violência das grandes cidades não combina com a preservação ambiental. Nada combina com a preservação ambiental. Principalmente o homem. Principalmente o mundo de que o homem necessita. Mas não é coisa para se pensar agora. É coisa para se pensar no nunca. Agora pensarás na academia, pois já estás nela. Ou melhor, nem na academia, mas no relatório de amanhã. E agora nos olhos da moça. E então no sofá novo que tens que comprar. No dinheiro que estão te devendo. No crescente da tua empresa. Estás conseguindo. Mesmo. Só não consegues o que não sabes que queres.

Exercitar-se é um saco, pensaste. Já não aguentas mais. Mas é necessário. Assim como trabalhar. Não fossem os exercícios, talvez a moça do escritório não teria te olhado. Ainda assim, terias bolso. Sim, talvez ela tivesse te olhado mesmo sem academia.

Em casa, outra vez, que alívio. Fazes todas as coisas do dia querendo que elas passem logo, até que venha a hora de se deitar e dormir. Mesmo assim és feliz, dizes. E como nos dias de hoje dizer-se que não se é feliz? Um crime. Imperdoável. Pensas agora em algumas impossibilidades da vida. Rios límpidos e serenos emitindo sinfonias aéreas e reflexivas. Tranquilizantes. Como gostarias de estar tranquilo neste momento. Quanto pagarias para isso? Os sons aéreos dançantes de tudo que não podes. E eles queimam rápido naquilo que tu sentes. Quase nem conversas com tua mulher. Nenhum dos dois está com alguma disposição de diálogo.

Mas é noite, e a noite nunca tarda, e a noite é um réquiem. Descanso. Delicioso jantar escorreu mecânico pelo teu organismo. Até te sentiste um pouco mal. O jeito foi deitares mais cedo do que o habitual, mesmo com o medo do pesadelo... Na noite que convidava ao amor... Que espécie de amor? O que sentes pela tua esposa? Sentes? Ou é o desejo que se intensifica pelo olhar da moça do escritório? Não sabes. Mas certamente era esse tipo de amor que a violência emocional em silêncio da noite te convida. O sonho...

Dormiste pensando em coisas importantes... No relatório de amanhã, por exemplo. No sucesso da tua vida, sem dúvida, plena de sucesso. Mas o pesadelo te despertou. Pesadelos têm por princípio despertar os homens que dormem. Agora, o silêncio da noite era fúnebre. Havia algo de estranho pairando no ar. Pensaste lento em coisas distantes. O pesadelo foi, como sempre, de um mistério inquietante. Mistério era tudo o que respiravas agora... Estavas certo que nele, alguém ou algo chamou teu nome. No pesadelo, tu não eras tu. Tu fingias que era feliz, mas sabias que não eras. Tentavas enganar a ti mesmo. Em outro momento de teu pesadelo, enlouquecias, eras o mais insensato dos homens, e então te sentias bem.

Acordava sempre imerso na dúvida. Alguma coisa esquisita vibrava em tua alma. Lembravas da música do pesadelo. Estavas certo que era Bach, mesmo não conhecendo quase nada de Bach. Talvez não fosse pesadelo, talvez fosse um sonho mirífico. Não sabias. Alguém batia na porta, pesadas batidas. Não tinhas coragem de atender. Sinuoso e enigmático. Densificou-se  tua respiração. Algo de impalpável te alarmava.

O sopro das narinas em sono de tua mulher intensificava a tensão. Algo de oculto flutuava no desconhecido da noite. O Desconhecido... Soava uma voz de fêmea. O mistério que te falava e que eternamente sustinha suas asas negras sobre tua alma. Que crescia e te fitava nos olhos, em paroxismos e apoteoses, falando-te de tudo que nunca fizeste. Que nunca viveste.

Mas amanhã é dia de trabalho. Isso é o que fazes. Trabalhas para um algo. Sejamos sinceros: na verdade nem sabes para que trabalhas. Deves dormir. Isso é o que sabes. Tentando esquecer o pesadelo, conseguiste.

Passaram-se horas. Acordas para o teu novo dia. Novo... Como será o teu novo dia? Basta que releias esta história, que é a tua história. Serão bem poucas as variações.

(Este conto foi reelaborado e republicado.)


14 dezembro 2013

Esta é a Tua História Real (ou O Pesadelo)

Esta é a tua história. Tiveste um sono perturbado, acordaste banhado em suor, os lençóis úmidos. Sonhos e pesadelos durante toda a noite, infinitos de desejo. Abriste os olhos com receio. Alguma coisa não estava correta. Mas os teus pesadelos eram demasiado reais. Desespero foi a primeira palavra que ensombreceu a tua mente, quando puseste o pé esquerdo no chão. Talvez tudo não estivesse correto. Fracassaste tão logo acordaste. Mas disso não te deste conta. Para ti e para os outros, vivias a vida dos sonhos de todos. Um homem de sucesso.

Olhaste pela janela. 7 horas da manhã. Raios de sol iluminavam teus olhos. De nada adiantaria. Fazias isso todos os dias, todas as manhãs o mesmo ato. Já estavas anestesiado e mecânico. Passado e futuro digladiavam-se em tudo o que sentias. Nunca o presente. E o presente é extremamente cruel. Sempre o presente é cruel. Tinhas saudade do passado e planos concretos para o futuro. E o futuro chegava, e os planos eram realizados, grandiosos objetivos para ti. Enfim, conseguiste. Mas mesmo conseguindo, o presente era sempre uma merda. Se falasses em público essa palavra, “merda”, o que diriam aqueles que te admiram? Fracassaste em teu presente, por mais que tenhas tido sucesso. Tens tudo. Mas no fundo não queres nada do que tens. O que realmente, ou na ilusão, queres é sempre o que não alcanças. Mas não sabes disso. Não sabes disso.

Abriste a geladeira, e ela estava abarrotada de coisas. Sem tempo para comer. Um suco escorregou sem graça pelo teu esôfago. A garganta continuou seca. A laranja não tinha culpa de nada, pensaste.

A roupa que vestiste era impecável. Hoje precisarias de teu melhor terno. O trabalho dignifica. És um homem digno. As ruas pelas quais passas agora são de uma magnificência encantadora. Muito bem ornadas para o Natal que se aproxima. Todos os dias o mesmo trajeto. Mal as viste. Exausto sem ainda estar, cansado sem cansaço, o cosmos falava pelo canto dos pássaros. Não ouvias. Sem tempo. Sem vontade. Ou nem sabes do que tens vontade.  Já estás atrasado. O salário é alto, bastante alto, como não poderia deixar de ser para alguém inteligente e trabalhador como és. Sempre valia a pena o esforço, o sacrifício e a dedicação extremados. Imensidões de esperança despencavam do céu de irrepreensível azul. Já estavas no escritório. Janelas fechadas.

Cumprimentaram-te de acordo com toda a necessidade do respeito que te é devido. Há muito tempo teus olhos não se enchiam de lágrimas. E assim permaneceram. Mandou que um subordinado abrisse as janelas. Fitaste a imponente figueira filtrada pelos vidros espelhados do escritório. O verde irradiava-se livre pela ascensão triunfante do dia. Fracassaste em teu emprego de sucesso. Porque não querias estar no emprego, mas nos galhos da figueira. Mas não sabias disso. Trabalhaste para ser livre. Mas te tornaste ainda mais escravo. Os homens livres dos sistemas democráticos e capitalistas são os cruéis escravos.

Afogado nos papéis, uma sede insaciável debatia-se na tua alma. Córregos, rios, mares, oceanos cintilavam pelo longínquo sob o crepuscular das estrelas. O olhar da moça que passou dirigiu-se de forma sinuosa aos teus. E tua assinatura era agora imprescindível. Em centenas de documentos que em verdade não diziam nada. Mas eram tudo. E quem poderia se pronunciar contra? Lembras-te que há muito tempo não via olhos como aqueles? Reminiscências espirituais de estrelas que há muito séculos partiram.  Ou mentira. Tanta faz agora. Tristeza, só isso era certo. Um pequeno besouro chocou-se contra a parede envidraçada. E uma gota de tinta manchou o terno impecável.

Ninguém é impecável. Como é da natureza humana, e animal, a fome sempre chega. Ao meio-dia, o sol atinge o seu auge. Mas não há tempo para considerações sobre auges, sobre, por exemplo, a queda do auge da humanidade. Em teu carro de modelo importado colocaste uma música da moda. Não te agradava realmente, mas não havia tempo para encontrar aquela em que pensavas há meses. E, já que era da moda, ninguém acharia ruim tu a estares escutando. Serias incluído no gosto geral, e isso é bom, é agradável e simpático. Em um buraco furaste o pneu. Ficaste tenso. Já não estavas bem. Tens andado nervoso ultimamente, talvez seja devido aos pesadelos. Mas furaste o pneu. O azar e o imprevisto voam sempre tão alto que não dá para avistá-los. Descem suas asas negras sobre os minutos de calmaria. Mas não há tempo para divagações. Trocaste.

O restaurante era belo. E caro. E impregnado dos mais vários e lindos alimentos. Ao longe os pomares em jardins impactantes e comoventes aspergiam o pólen de suas flores pelos ares límpidos e vivos de borboletas. Mas há certa poesia antiga nessa frase. Já ninguém sente assim. Ao longe... O restaurante era o mesmo de todos os dias. Não há nada de novo sobre a terra. Pediste o de sempre. Antes de entrar, porém, um pequeno gato roçou-te a calça. O felino fitou teus olhos. O que fazia um gato naquele restaurante de classe? Animal inconveniente, pensaste. Sim, até são bonitinhos. Mas tu não tinhas tempo para sentimentalismos. E sem tempo para considerações. Comeste. E isso é tudo. É prático. Haveria algo de maior em cada molécula ingerida? Levantaste da mesa, teu terno estava maculado pela tinta da caneta. Aborrecido. O terno manchado maculou tua alma. Pagaste. Dinheiro não é problema.


Problema eram os olhos da moça que entrara no escritório. Ela não trabalhava contigo. Onde estaria agora? Amanhã, tu terás reunião. “Lembras-te disso espírito da terra.” E depois de amanhã também. Quem sabe a moça retorne... Pelo acaso. Voltaste. Passaste pela mesma rua de sempre. A fronde das árvores evaporando-se em sonhos? Não, bobagens. Agora não há como lembrar. Principalmente de sonhos. Principiava a tarde. Era tarde. É sempre tarde. Irritou-te com as infinitas questões do trabalho. Sempre haverá problemas, e se os resolveres, surgirão outros. Esse é o infinito para ti. Porém, vale a pena preocupar-se com eles. Foi isso que te tornaste o grande homem que és. Grande homem para os medíocres. Vale a pena irritar-te e estressar-te. Vale. O estresse está na moda. Vale? Ainda há vales nas distâncias inatingíveis e somente imaginadas, ou contempladas através das ondas da TV ou da internet, vales floridos e verdejantes, onde em pequenas casas simples e rústicas alguém com um violino toca uma melodia de Bach? Talvez lá houvesse cintilantes olhos como os da moça relampejante do escritório. Aquele dinheiro que não te pagam continua te tirando o sono. Teria o fato alguma relação com teu pesadelo recorrente? Sim, agora pensavas no pesadelo... E ele voltará...
(Amanhã, o final do conto.)

13 dezembro 2013

da Arte de Não se Importar

olho aquele olhar
que nos olha
sem que dirija algum olhar
a nenhum lugar:
vejo-o lá
quando ele
que não ele
não o vejo
porque nem está

não se houve palavra
no seu dessilêncio
verbo-instante do denso
que se pensa dito:
é o tudo
só mais uma gota na taça
e o imenso
do nada quanto se faça

o que é feito em verdade
é feito não se importando
deixando que se fale ou cale
é assim que ficará
um sopro no alto
e um passo no vale

ele que passa sempre
a um passo
enquanto se pensa
no que pode (seu) ser...

mas quem julga
pensar que entende
há muito
nada entendeu
que pensar
é ter em mente um algo
e só serei o que sou
quando do mim mesmo
me estiver falto

aliás
o de Olhar
não se diz
de nenhum jeito
eu mesmo
não falo de coisa alguma
e este poema
como bem podem (não) ver
nem sequer

chegou a ser feito

10 dezembro 2013

Confessa-te tua Miséria*

confesso-me
que sou um doente
um estranho
um mau
demente
que não consegue ver
bondade amor verdade
nos olhares ditos humanos
por mais que jurem
que ali existam tais
para mim não passam de montes
de nadas e de jamais

atrás dos convincentes discursos
dos homens de bem
de reputação intocável
a minha doença
vê a mentira a farsa a cobiça
e a risada secreta
e o intuito funesto:
não há honestidade alguma
em se mostrar como honesto

há no pastor inflamado em certeza
a vaidade estúpida
de se achar um algo de Deus
e a ocultação
do que perverso
do que egoísta
e todos seus seguidores
entram na lista

bem como o empresário
que dá emprego aos pobres
não para ajudá-los
mas pelo lucro fácil
que corre pelas suas veias
sugadas
de trabalhadores

assim também
as deslumbrantes mulheres
da sociedade alta
(de merda)
que com seus pés com bactérias
e seus intestinos fedendo a fezes
sentam como cadelas e reses
em seu carro do ano
achando que isso
as torna melhores
que as demais mulheres

a minha doença
também vê farsa e fingimento
no sorriso daqueles que andam
sorrindo e andando
com ares de jumento
amigos de todos
felizes com tudo
com uma flor numa mão
e a miséria na outra

e a minha demência escrota
chega ao ponto
de olhar pra uma criança
e imaginá-la esfregando
a bunda pelada
em um baile funk

em todas essas coisas tristes
eu pensava
enquanto ouvia
os quatro trios
de César Franck

*Poema em homenagem aos 191 do gênio da música, César Franck, completados hoje.



08 dezembro 2013

O Aumento da Expectativa de Vida Humana e a Aniquilação da Vida na Terra

Peço licença ao amigo Ruy Gessinger, que publicou em seu blog  o texto abaixo, de autoria do médico Franklin Cunha, para aqui postá-lo e comentá-lo. O texto do médico me pareceu otimista em demasia, utópico, fantasioso inclusive, não levando em conta inúmeras variáveis. . Lembrou-me a crença das pessoas em geral ao final do século XIX. Devido ao progresso e aos inquestionáveis avanços científicos da época, muitos acreditavam que o século XX seria algo como a realização do paraíso na Terra. Diziam que não haveria mais guerras, nem doenças, nem miséria, nem injustiças, enfim. Bem, não preciso explicar o que foi o século XX. Vamos ao texto de Franklin Cunha (a postagem pode ser conferida na íntegra do blog do Ruy Gessinger: http://ruygessinger.blogspot.com.br/2013/12/viveremos-140-anos.html

"A expectativa de vida sobe para 74,6 anos. ( Dos jornais)

 No anuário L´Année  Scientifique et Inustrielle de 1891, lê-se que a duração média da vida humana à época era de 33 anos. Hoje, segundo o IBGE, cento e pouco anos  depois, nossa  expectativa de vida mais do que dobrou. Outros fenômenos biológicos ocorreram nesse mesmo período de tempo. A idade da primeira menstruação caiu de 16 para 12 anos e a da menopausa cresceu de 45 para 50 anos. O número de filhos baixou de sete para menos de dois e de cada quatro cidadãos do primeiro mundo, um tem mais de 65 anos. E o casamento monogâmico e perene tornou-se quase um achado arqueológico.

A visão futurista é a de um mundo onde se poderá viver 140 anos. E tal fato, com a crescente velocidade dos avanços da biotecnologia e das condições sócio-ambientais, não levará um século.

As implicações sociais de um mundo habitado por macróbios pode nos preocupar, no entanto o progresso das ciências naturais nos faz imaginar um futuro homem de 140 anos com a vitalidade e as potencialidades físicas e intelectuais de um executivo atual de 50 anos.

A velhice, esta condição do passado humano – dirão os médicos do futuro – era acompanhada por uma desorganização da memória que podia diminuir ou desaparecer, o que anulava as vantagens de uma vida longa. Se a senectude equivale a uma baixa na entropia por degradação da energia celular, a informação, ao se acumular, torna-se uma entropia ao contrário. Por exemplo: a que se acumulou através do tempo no código genético,se renova constantemente no sentido de uma organização cada vez mais elaborada . E Chomsky provou este fato pela sua descoberta da existência da gramática generativa.

As histórias de ficção científica que traçam cenários habitados por seres humanos a salvo das degenerações física e metal, fazem uso de bancos de memória, transplantes de cérebros, clones e robôs bióticos.Os clones em cadeia tornariam os indivíduos cada vez mais ricos de informações, pois cada  nova duplicação conservaria  a memória dos clones anteriores. Estes e os robôs bióticos poderão, em nome da eficiência no trabalho, ser programados tanto para executar tarefas específicas como também ser impossibilitados, de rir, chorar, amar e reivindicar alterações em sua tarefas. A idéia é antiga, Huxley,Orwell, Zamiatin, Karol Capek, já imaginaram e se preocuparam com tais panoramas  possíveis no futuro."

Franklin Cunha (médico)

Agora, minhas breves considerações:

A princípio, lembro que os mesmos autores citados por Franklin Cunha, como Huxley e Orwell, também imaginaram outros cenários muito menos otimistas, pelo contrário, bastante sombrios e descrentes na humanidade, aos quais o autor do texto não faz referência

A questão do aumento da expectativa de vida, que sem dúvida é um fato, esbarra em alguns pontos. Primeiro, quando se diz que em 1891 a média de vida humana era de 33 anos, algo precisa ser explicado. A diferença daquele tempo para o de hoje é tão ampla porque havia muita mortalidade infantil. As pessoas tinham muitos filhos e vários deles morriam nos primeiros dias ou primeiros meses de vida. Essas crianças que morriam entravam nas estimativas de vida geral, o que puxava a expectativa para baixo. Mas se considerarmos aquelas crianças que passavam dessa idade, dos primeiros meses, a média de vida aumenta bastante. Então, 33 anos era a média de vida porque nasciam muitas crianças e muitas morriam. Não era a média esperada de quem atingia a idade adulta. Se analisarmos sob esse ângulo, claro que a média de vida aumentou, mas não foi tanto assim quanto parece. 

Um outro ponto é que o autor do texto não menciona que há inúmeros locais do planeta onde vivem bilhões de pessoas em que a expectativa de vida continua baixíssima (em algumas regiões ela até diminuiu, como é caso de alguns países da África subsaariana), em que a miséria impera, onde doenças como a aids continuam dizimando a população, onde os progressos da ciência não chegam, e pouco estão preocupados em fazer com que a situação se modifique.

Mas o que achei mais absurdo no texto foi a total desconsideração por parte do autor quanto à pergunta: viveremos mais, mas onde? Ele afirma que as situações ambientais facilitarão o aumento da expectativa de vida... Em que planeta vive o senhor Franklin? Parece-me que os entusiastas da ciência desconsideram que o ser humano é um animal que necessita de um planeta para sobreviver, que a nossa existência demanda o consumo dos recursos naturais, e que tais recursos não são infinitos, muito pelo contrário, já dão sinais claros de seu esgotamento, e que necessitamos da saúde e do equilíbrio dos ecossistemas para nossa qualidade de vida. Qual é o custo, qual o preço, de nossas existências? De mais de 7 bilhões de habitantes? Estimativas indicam que a população atual da Terra supera em mais de um terço a capacidade do planeta em sustentá-la, sem falar que cada um de nós consome muito mais para viver do que o planeta pode oferecer a cada habitante.

Obtivemos um progresso na expectativa de vida, porém, no meu entender, este progresso encontra-se hoje ameaçado por um motivo bastante simples: nossa casa pode desabar sobre nossas cabeças. Enquanto o homem vive mais, em um nível de consumo absurdo e predatório, sem apresentar sinais reais de redução, o planeta torna-se cada vez mais doente, e sua vida é progressivamente aniquilada. Acreditamos realmente que conseguiremos viver mais em um  planeta sem vida, sem que soframos nenhuma consequência? Seria uma imperdoável ingenuidade.

07 dezembro 2013

Qual o Sentido?

mas qual sentido que há
no sentido do que sinto?

se tudo é um sonho seco
afogado em vinho tinto?

sentimento sem saída
taça cheia do que minto?

soco inútil por estercos
vãos derrames indistintos?

gota em vaso carcomido
sangue em quadro que não pinto?

verso-vento sem destino
vulto-anseio não me vindo?

vasto plano sem motivo
deus-deboche sempre rindo?

mesmo assim é o sentimento
que entre sóis e noites-sinos

traz à vida algum sentido 

05 dezembro 2013

Gosto de Não Ser Entendido*

gosto de não ser entendido
é bom não ser o que se é
(é o que mais me faz sentido)
que a poesia é para se ser
(independente de clara ou grega)
e isso chega

além do mais
(poesia é só sinais)
por que querer que eu seja
o que sou aqui?
sou no verso que deixo
mas não sou o que deixo do verso
vou muito mais disperso
e falo do que não é meu eu

não me confundam
com o que eu disse
e vice-versa e versa-vice

as palavras que (fatalmente) digo
nem sei se estão comigo
elas vieram e eu as disse
como o mafioso que atira
porque tem que atirar
não importando
o quem vai matar

porém
cada palavra
é cálcula meditada
(ou me ditada)
que tudo é cálculo
por mim mesmo feito
ou de algum jeito
(talvez de outrem
ou talvez imperfeito)
captado
e este mesmo poema é um plano
(que o não sei)
num além executado

(talvez meu talvez não
talvez um nada
talvez prenúncio
de furacão)

não é meu eu que se é
o que sou não é o que sei
ou o que me conduz...

e talvez um poema
seja a verdade
daqui a alguns anos
luz

*Poema reelaborado e republicado


03 dezembro 2013

do que as pessoas precisam ser salvas?

de alguma coisa
(não há dúvida)
as pessoas precisam ser salvas
mas elas não sabem do quê
e quando sabem
não querem salvar-se
e exatamente por isso
ou isto:
precisam salvar-se
e não serem salvas

é mais fácil
ser salvo
do que se salvar
só que ninguém na verdade
é salvo
só se pode salvar-se

porque ser salvo
implica um outro alguém
e ninguém salva ninguém
e salvar-se
implica assumir-se como nada
e sendo merda
destruir-se a si mesmo
mas ninguém
quer deixar de ser o que é
pois todos acham que são algo
ou que suas merdas
não fedem

então preferem crer
que alguém os salva
só de acreditar
e curvar os joelhos

mas do que afinal
precisamos ser salvos?
ora, de nós mesmos...
e isso é tão óbvio
quanto se olhar no espelho

01 dezembro 2013

Isto que não foi Dito

venho dizer que não digo
escrevo estas palavras
para afirmar que as não escrevi
aliás  nunca afirmo nada
nem o que foi afirmado

que fique estado
que não estive aqui
nem sei o que é estar
nem me posso saber
ou deixar de saber
qualquer algo que seja
ou deixe de ser
porque vem a ser um ato
e nunca realizo um ato
ou deixo de o realizar
acredite que não há por que
em acreditar-me

eu não me sou possível
e já provei
que não me podem provar:
é óbvio que não me existo
isto que fiz ou criei
está visto (ou nem visto)
que não foi feito ou criado

não há nenhuma palavra aqui
que tenha por si uma vida
e que diga alguma coisa
é só vento perdido no ar
fruto de acaso irrealizado
que ao fim resulta em nada
e que se formaram porque se formaram
sem causa motivo ou consequência
(e se houver não há de mim)

ao que se conclui
que não tenho existência
(e nem se pode concluir nada)
e não me podem falar de meu eu
que nem constitui um eu
e estejas certo
que o que aqui leste
não foi por ti lido