24 maio 2011

Ele que Está entre Nós (Parte Final)

Mas quando fito aqueles olhos fundos, enormes e encovados, quase que imperceptíveis, negros, perturbadoramente negros, sinto como se minha alma emudecesse diante do que não se pode conceber. Sua altura gigantesca, hercúlea, assombra-nos e nos inquieta, ainda mais se levarmos em conta que de momentos em momentos ele consegue ficar completamente invisível aos olhos de todos. E nesses instantes ele solta um sorriso arrepiante, não perverso, apenas assustador, anomalamente assustador. E sua risada como um trovão retumba por todos os céus congestionados de nuvens carregadas. Surgem tempestades de todos os tipos. Mas elas passam. E logo, o céu clareia-se novamente e o sol brilha. Por alguns poucos instantes, porém.

Conforme ele vai se movendo, as coisas existentes, sejam elas quais forem, desmoronam ao se redor, mas desmoronam de forma tão lenta que quase não se percebe que realmente desmoronam, que se desintegram, transformando-se em pó, em uma degradação, em uma degeneração insidiosa e torturante. Nesses instantes, seus olhos injetam-se de sangue, um sangue vivo e intensamente escarlate, transbordante. O vermelho daqueles olhos infunde em nossos corações um medo diabólico. Mas em outros, sua fúria é tão extrema e determinada que não há lentidão alguma naquilo que vai deixando de ser enquanto seus olhares impiedosos miram a tudo e a todos. Sua visão absurda e formada por algum elemento desconhecido abarca tudo o que pode existir. Talvez até mais. E somente com o fato de olhar e passar pelas coisas que olha tudo se desconstrói. É como se algo que não sei nomear ocorresse. E a destruição é plena. Nada resta.

Mas a grande maioria dos que presenciam seus atos não o reconhecem como seu causador. Fica aquela impressão de que algo terrível aconteceu, mas não se sabe exatamente por quê. Nem mesmo o quê. E então ele sorri enigmaticamente, pálido, cadavérico. Há um sarcasmo quase palpável em sua boca de tigre. E, às vezes, quando observo com redobrada atenção aquele olhar perturbador, aquela face ominosa, tenho uma desesperadora impressão de que alguém olha atrás dele. Como uma presença misteriosa que estivesse por trás de tudo o que através dele se realiza. Mas não é possível distinguir sua face, que sempre está em segredo. Mas sei que ela está lá. E me parece ser desprovida de misericórdia. Não sei se de fato é assim.

Um dia toquei em sua mão. Era fria, fatalmente fria. Foi um toque muito rápido, mas o suficiente para sentir todo o horror que nele se concentra. Horror para o qual não há descrição possível. Aquela impressão nunca mais me deixou, nem sequer por um instante, por um segundo, e me perturba todos os dias, todas as noites. Desde aquele dia soube das coisas que ele é capaz.  Sei também que ainda não se revelou às claras.

 Há sempre uma névoa espessa envolvendo sua catastrófica presença. Mas um só relâmpago de seu olhar, quando percebido por uma parcela mínima de nossa consciência, o que já se constitui em uma tarefa dificílima, deixa em nossa alma a pior das sensações. Realmente, a pior. E incompreensível. Mas havia algo mais naquele toque. Uma tênue refulgência de algo esverdeado que eu não ainda não pude captar sua essência. No entanto, senti um ainda mais incompreensível consolo. Igualmente terrível. Mas agora eu sei das coisas que ele é capaz... E talvez ele seja o mais necessário de tudo. Ele que está entre nós.

Ele que Está entre Nós

Ninguém percebeu quando ele surgiu. E ainda agora poucos são os que realmente se deram conta de que ele está entre nós. Não é que as pessoas não o vejam, elas o veem todos os dias, às vezes várias vezes ao dia, porém, não percebem que ele está aqui, ou simplesmente não identificam ele como sendo ele. Sabemos que ver não é o mesmo que perceber. O sentido da visão também se realiza de forma inconsciente.

            E mesmo muito daqueles que o veem não o veem como ele realmente é. Muitos afirmam categoricamente que ele não é tão horrível quanto aparenta ser e nem tão fatal. Não sei se verdadeiramente se referem a ele. Talvez nem eles saibam. Porém, tentando compreender o caráter de tal afirmação descabida, somente pude chegar à conclusão de que ela é fruto da lentidão daquilo que está entre nós. Pois pude verificar que sua lentidão é espantosa. Tanto quanto sua aparência, absolutamente assustadora. Constantemente o tenho em vista. Ele sempre assombra meus miseráveis olhos.

            Eu não saberia o descrever com exatidão. De fato, é extremamente complexo. Pode ser que eu deixe alguns detalhes em falta, e exagere em outros. Mas o mais provável é que eu não tenha fôlego o suficiente para descrever todo o seu terror cósmico. Até porque ele nunca se mostra por inteiro. Mostra-se apenas por partes, e mesmo assim, tais partes nem sempre são completas. E suas aparições invariavelmente duram pouco tempo. No entanto, são sempre diárias e ocorrem diante dos olhos de todos. Alguns parecem não dar atenção a elas. Ou dão uma atenção que não é a mais adequada. Já outros percebem seu terror de forma QUASE clara, porém, geralmente, tal percepção não se mantém por muito tempo. E, estes, quando têm a percepção, não sabem exatamente o que fazer com ela. Ou o que deveriam fazer com ela. Há ainda os que riem dele, estando certos de que ele não existe, que é um ilusão ou uma má interpretação de alguns sinais obscuros que foram sensacionalizados. No entanto, ele parece não dar a mínima atenção para os que dele se riem. Limita-se a sorrir ironicamente. E um silêncio de morte é seu sinal mais evidente. Como diria Goethe, “Os que não fazem barulho, são perigosos.

            Seja como for, algo verdadeiramente pavoroso é vê-lo se arrastando em sua lentidão funebremente irritante, que deixa, em alguns, uma impressão de crueldade, de impiedade desmedida, e, em outros, uma simples sensação de que ele nem está ali. A qual é a mais comum. Contudo, tal lentidão absurda deixa de ser tão lenta no momento que conseguimos compreender o seu contexto, o qual é extremamente amplo, e, por isso mesmo, compreendê-lo é uma tarefa nada fácil. Eu próprio não conseguiria explicar tal contexto, embora o entenda para mim. Acredito, pelo menos. E, a bem da verdade, se eu o explicasse, certamente seria considerado louco.

(Amanhã, o final.) 

22 maio 2011

Um pouco sobre a Oposição Brahms - Wagner e sobre a Tristan Und Isolde, a Maior das Óperas

Daqui a dois anos o mundo comemorará os 200 anos do nascimento de Wilhelm Richard Wagner, um dos maiores compositores de óperas da história, para muitos, inclusive para mim, o maior, inventor do chamado drama musical. 

Wagner está entre meus quatro compositores preferidos, após Brahms, logicamente, Beethoven e Bach. Curiosamente, os quatro são alemães. E foi na Alemanha, na segunda metade do século XIX, que ocorreu uma das maiores polarizações da história da música. De um lado, Wagner e Liszt e a música programática, chamada também de "futurista", aquela que deveria servir a algum programa preestabelecido, geralmente ditado pela literatura (como no caso dos dramas musicais), e, de outro lado, Brahms, adepto da música absoluta, da música pura, que nunca compôs uma ópera, concentrado principalmente na música instrumental e nos lieder (canções, geralmente um poema cantado acompanhado pelo piano) acusado de ser conservador em demasia, retrógrado. 

Seu eu vivesse na época, creio que seria um adepto de Brahms. Mas o tempo passou, e hoje a genialidade de ambos os compositores é compreendida cada uma em seu devido lugar. Wagner elevou a um patamar máximo o drama na música, o canto wagneriano é inigualável, suas óperas são monumentos da arte humana, onde se reúnem música, literatura, teatro, mitologia, obras de uma força e de uma grandiosidade indescritíveis. Mas na música absoluta, na música apenas instrumental, na música de câmara, Wagner não existe. Foi necessário Brahms para renovar a fundo a música absoluta pós-Beethoven, de forma mais contida que Wagner, mais discreta, de acordo com seu temperamento sombrio de alemão do norte, mas não menos importante. Ambos os gênios ocupam hoje cada um o seu lugar, cada um trilhou de forma perfeita o seu caminho.

Entre os gêneros da música erudita, a ópera, de forma geral, não está entre os meus preferidos. Tanto que entre os meus três compositores favoritos, há apenas uma ópera: a "Fidélio", de Beethoven, a única que ele compôs. Brahms e Bach não compuseram óperas. Agora, as óperas, ou dramas musicais, de Wagner são um caso à parte. São diferentes de todas as outras óperas, absolutamente revolucionárias, de uma profundidade de expressão inédita no campo operístico, e de uma potência sonora devastadora. É o caso da ópera Tristan und Isolde, para mim, a maior ópera já composta.  A obra trata da lenda medieval celta de Tristão e Isolda, enriquecida e transformada por Wagner em um verdadeiro mito do amor impossível e da morte. Esse drama musical é como um hino enlouquecido ao amor desesperado, onde novas possibilidades de expressão musical são exploradas até as fronteiras do sistema tonal. É música absolutamente revolucionária e perturbadora. Envolve-nos como um encantamento, como um feitiço noturno, como uma magia terrível e impiedosa, arrasta-nos por nebulosas, inflama-nos de uma febre ardente.

Inspirada no amor impossível de Wagner por Mathilde Wesendonck, esposa de seu amigo Otto Wesendonck, a escrita wagneriana nessa obra transcende as regras clássicas da composição, e, ao mesmo tempo, e também por isso, leva-nos a um outro mundo de absurdos sonoro-emocionais. Wagner foi, musicalmente e psiquicamente muito longe. Abriu as portas do atonalismo. Influenciou decisivamente toda uma geração. Em Tristan und Isolde, tudo parece se dissolver entre si, é como um trabalho alquímico, canto e orquestra se dissolvem, os temas entrecortam-se infinitamente em incessantes modulações, como numa vertigem, fundem-se, assim como o amor e a morte, a luz e a noite, a magia, o sonho e o desespero, a ilusão e a realidade. O canto wagneriano vai se desenrolando e nos hipnotizando, deixa-nos em transe, impregnado de desejo e de dor, de fúria e alucinação, entre o sublime e a desgraça, entre o consolo e o veneno do amor. Nessa obra de extremos e de audácias, a noite é a grande heroína, só ela possibilita o amor, enquanto o dia e a luz são sinônimos da opressão da vida.  E a morte acaba sendo a única libertação.


21 maio 2011

...e vi que havia Sangue em minha Espera

tateei no vinho em treva
o Prenúncio
e vi que havia Sangue em minha Espera
colerizavam nos meus olhos
congestionados de ler sinais vermelhos
em Lao-Tsé e em Confúcio 
os sintomas rubros de uma fera...

a culpa fulva
lacrimejou nos cortes dos meu dedos
e vi que havia Sangue em minha Espera
um sabiá golfejou da laranjeira
entre cantos das cortes dos meus medos
uma envenenada amarela...

degolei a laranjeira no auge
da sua menstruação
e vi que havia Sangue em minha Espera
semeei seus ovários pelos horizontes
com a espada em zodíaco da minha mão
furiando aquele incêndio com uma vela

sonhei que um sapo e um cavalo
urinavam líquidos escarlates pelas águas
do poço em que ceifei das tulipas a mais linda
que era Ela
e o pulso do meu coração se vinagrava
ainda
e vi que havia Sangue em minha Esfera...

20 maio 2011

Um Momento do Vento

se fosse um quando antes ao depois
talvez agora eu estivesse
mas sempre é tarde
quando se chega cedo
quando se pensa na oportunidade
o que é possível já passou
se te lacei um raio de sol
é porque ao laço já me raia a lua

porém
talvez quando
o tudo já for passado
venha o retorno da hora da volta

quando não se deseja e não se espera
a observação é silêncio por si
(observe apenas)
e é como a serpente
que se envolve em seu vago
e atenta-se quando o atento se distensa

o vento velado sempre passa
e há que se laçar seu passe
naquele instante que é
e não podia de-ser:
o que há-de, sempre haverá
quando ao que de si se sai
não houver saída
será o meu desígnio
o de beijar-te a (à) vida

18 maio 2011

Poemas do Término e Contos do Fim 42

Foi lançada hoje a edição nº42 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim. Na verdade, esta edição deveria ter sido lançada em março, porém, devido a dificuldades financeiras daquele momento, o lançamento ocorreu com dois meses de atraso. Mas, finalmente, aqui está ela. O número 42 do zine inclui 5 poemas e mais o final do conto Agora vou lá. Tenho que Degolá-la

O Poemas do Término e Contos do Fim está disponível nas versões impressa e digital. A versão impressa pode ser enviada para qualquer local do país e exterior gratuitamente, mediante o pagamento das despesas postais (1 um selo de 1º porte). Também possui distribuição em várias cidades gaúchas. Em  Santiago, pode ser encontrado nos costumeiros pontos de distribuição. 

Para o recebimento da versão digital, também gratuita, peço apenas que o interessado deixe aqui o seu e-mail, ou então que o envie para reiffer@gmail.com. 

O trabalho de design do zine é realizado pelo amigo Guilhermes Damian.

17 maio 2011

Daquilo que se Perdeu

olho para a humanidade e me...
para aqueles olhares que passam e não...
ou vão como se vão os vãos existentes
em vão pelo que nunca há de amor
que existem sem ser e ir
que não hão de se alcançarem
tudo aquilo que se brilha e perde
cristal de rosa onírica
desvidraçada ao chão
imenso do que foi sentido
em que há sempre um mas

emissões de pensamentos que se deixaram
galáxias de possibilidades desfragmentadas
luz de atrações desmagnetizadas
altos desígnios revogados
grandeza de livro jamais escrito
páginas de um vasto universo em branco
do latente de um vazio que quase
mas não...

sei que fracassei
meu poema não foi...
melhor assim
a humanidade também
não atingiu o seu fim

16 maio 2011

Propaganda Mentirosa do PMDB está sendo veiculada

Está sendo veiculada na RBS TV uma propaganda mentirosa do PMDB, o partido mais em cima do muro do Brasil. A propaganda afirma duas mentiras: a primeira é que os produtores rurais gaúchos estão sendo criminalizados pelo novo Código Florestal, a segunda é ainda mais descarada: afirma que a vegetação nativa aumentou no RS nos últimos anos. A quem eles querem enganar?

Vamos aos fatos. Ninguém está criminalizando o produtor rural, muito menos os pequenos, e todos reconhecem a sua fundamental importância para todos nós. O verdadeiro culpado é o agronegócio, são aqueles que lucram fortunas plantando para exportações e não medem consequências ambientais ou sociais para lucrar cada vez mais. O absurdo dessa situação é que parece que produtores rurais devem ser inimigos da preservação ambiental, quando deveria ser exatamente o contrário. Eles são os mais diretamente atingidos pela destruição do meio-ambiente, eles sofrem na pele com as secas, com as enchentes, com os rios poluídos e assoreados, com a ausência dos predadores das pragas das lavouras, com a desertificação, com a erosão, enfim, são as maiores vítimas e acham que preservar é errado? Todos os anos aparecem nos jornais pequenos produtores arrasados com a perda de toda sua produção devido a catástrofes ambientais. Não dá para entender, é simplesmente um absurdo quererem jogar produtores rurais e ecologistas uns contra os outros. Deveriam estar unidos.

Outra mentira da propagandinha do PMDB é que a área de preservação nativa aumentou no RS nos últimos anos. Um absurdo. Só se eles estiverem contabilizando como vegetação nativa as plantações de pinus, que estão descaracterizando o Pampa gaúcho e contribuindo com sua desertificação. Vejamos o que diz o site www.planetasustentavel.abril.com.br: "De acordo com o IBGE, a região do Pampa perde, em média, 364km² de vegetação nativa todos os anos". Vejam bem, todos os anos. Se duvidam, cliquem aqui. Pronto, mentira desmascarada.

Mas há uma terceira mentira naquela propagandinha idiota: a moça diz que o PMDB "tem cara". Cara de quê? Só se for de melancia. Não tem personalidade nenhuma, a não ser a de querer cargos. Lá em Brasília, apoia o PT, tanto que tem a vice-presidência. Aqui no RS, é contra o mesmo PT, haha! tudo isso é uma piada. Uma grande piada de mau gosto.

15 maio 2011

da Lição Colorada

I

gremistas com a alma lavada:
foi um Banho de Sangue

II

aula de biologia:
Falcões são predadores,
gazelas são predadas

III

aula de português:
Joãozinho Tricolor,
escreve no quadro até aprender:
imortal é quem nunca morre

14 maio 2011

Prenúncio de Pesadelo

pensam que não há preço
e pisam no que se passa
mas passam como não fossem
e poucam como passados
e poçam no que é sem pressa

pensam que há mais prazos
mas pendem como desprezos
presas das próprias pistas
presos aos próprios passos
pingos de perda e podre

pensam que não há peso
mas patos em pretos pastos
postos a perdas plúmbeas
e pensam que não há poços
mas pagam, que são pisados

13 maio 2011

Bateram em Tua Porta

bateram em tua porta
e tu não atendeste
foi alguém ou foi algo
e tu nunca soubeste
e tu nunca tentaste
e tu sempre temeste
o que foi que perdeste?
pela noite descendo
bateram em tua porta
mas não foi duas vezes
e teus olhos fechaste
e de novo dormiste
é tão cômodo o sono
do qual nunca acordaste
é tão cômoda a vida
como não se findasse
mas a noite caía
e tão alta era a treva
e tão firme a batida
sinfonia em Beethoven
e tu nunca a ouviste
nem pensaste na morte
mas bateram na porta
e saber não quiseste
te viraste de lado
e o olhar não provaste
que o temor era forte
e o final te falava...

mas te não atendeste

12 maio 2011

Ainda Há Tempo de Derrubar o Perverso Novo Código Florestal

Por incrível que pareça, ainda me resta uma gota de esperança de que um dos projetos mais imbecis e perversos da história brasileira não seja aprovado. Devido à falta de quórum, ontem,  na Câmara dos Deputados, a votação foi mais uma vez adiada. Há tempo para mais protestos, mais pressão, mais conscientização da população de que este projeto do senhor Aldo Rebelo, o comunista vendido ao capitalismo, é tão somente mais uma arma da bancada da motosserra para ter a autorização legal para devastar e destruir mais em nome do "progresso". Progresso para esse gente, obviamente, é ganhar  mais e mais dinheiro a qualquer custo. Principalmente, se esse custo for pago pela natureza. E mais tarde, consequentemente, pela população.

Não me canso de repetir aqui todos os horrores que esse Código degenerado trará ao nosso país. Acompanhem:

1) O texto do Novo Código autoriza o cultivo em topos e encostas de morros. Isso é inacreditável, será que esse pessoal não está vendo os deslizamentos catastróficos que todos os anos acontecem no Brasil? Aonde eles querem chegar, afinal?

2) Mais inacreditável ainda é que o Código permite que, em pequenas propriedades, a área de preservação às margens de rios caia de 30 para 15m. Se com 30m nossos rios já estão como estão, imaginem com 15m! Será o atestado de óbito definitivo das águas doces brasileiras. Ah não, ainda restará o Aquífero Guarani para eles destruírem.

3) A Reserva Legal das propriedades, com exceção da Amazônia, ficará em 20% nos demais biomas brasileiros. Vejam bem, amigos, miseráveis 20%. Por exemplo, o Pampa gaúcho ainda possui 45% de sua vegetação original. Pelo Novo Código, ele poderá ser destruído, COM AUTORIZAÇÃO LEGAL, em mais 25%. Ah sim, e sejamos justos. No cerrado, devem manter 35% de Reserva Legal. Nossa, é mato demais! E quem é que respeita a lei neste país? Se tiverem que deixar 20%, vão deixar 10%. Isso, se não acabarem com tudo.

4) As propriedades que possuírem até 4 módulos fiscais (cujo tamanho varia de região para região) ficam isentas de recompor a Reserva Legal. Em outras palavras: desmataram tudo e serão perdoados. Não pagarão multa alguma, nada. É até capaz de ganharem um troféu por terem desmatado. Heróis do progresso brasileiro! Esse é o Brasil, país da impunidade. Precisa dizer mais?

Por favor, ajudem-me a manter a minha gota de esperança. Protestem de alguma forma contra esse crime que significará o fim das nossas florestas... 

11 maio 2011

Não Melodio por Mim...

a-final melodia que mais criei
é mais triste que tudo que crio
que é a melodia que não me sei
que melodias não rio
mas melodias sinais
é tudo que faço
e traço

fracasso
que só crio tudo que é tarde
um som não-visto de alarme
e ex-curo
mas traço o final mais puro
o estrago
a melodia que for mais triste
em tudo que não me existe
e o final que for mais duro
e trago

o vinho que for mais largo
cansaço
de amarguro
e sangue
na desgraça do braço
que me lance
in pulso

foi com ele
que (al)cansei o laço
errado
onde ando arrastando
o rastro
ondeando em vão
para lassar teu astro
na  minha passada desastre
em passados abraços
de finais e múltiplos
os últimos
com-passos...

10 maio 2011

Contra o Otimismo de Juremir Machado da Silva

O escritor e colunista do jornal Correio do Povo é sem dúvida de grande talento e inteligência. E eu muito aprecio e concordo com várias de suas colunas. Porém, creio que em algumas de suas análises ele é otimista em demasia. Em seu texto de ontem, o jornalista me pareceu de certa forma parcial, tendencioso, omisso, no intento de contrariar o senso comum de que “antigamente era melhor”.

            Utiliza-se de argumentos inteligentíssimos, e até certo ponto inquestionáveis, para afirmar que os tempos atuais são melhores. Argumenta, por exemplo, que acabou a ditadura, que hoje somos livres para nossa expressão. Que não há mais guerras tão horríveis quanto a  2ª Guerra Mundial. Que aumentou a expectativa de vida e reduziu-se a mortalidade infantil. Que diminuiu o analfabetismo e o preconceito. Que há inúmeros progressos técnico-científicos, como internet e carros com ar-condicionado. Tudo isso é verdade. E são conquistas que não podem ser ignoradas, logicamente.

Porém, o Juremir deveria lembrar-se do outro lado. Todos sabem que sou um pessimista. A seguir, enumerarei os meus pessimismos:

1)      Primeiramente, o jornalista parece ter esquecido completamente a questão ambiental, como se isso não tivesse efeito algum em nossa qualidade de vida, na sensação de como se vive. Lembro que meu pai dizia que se banhava e pescava em uma sanga nos arredores de Santiago. Hoje, absurdamente poluída. Os rios no Brasil, de um modo geral, estão agonizando ou no caminho da agonia. Assoreados,  quase sem vida, contaminados por agrotóxicos e tudo o mais que se possa imaginar. Certamente, isso não deve ser muito agradável. O jornalista também se esqueceu que nunca vivemos tantas catástrofes ambientais. O próprio Correio do Povo noticiou que 2009 foi o ano recorde em desastres naturais aqui no RS. Nunca houve tantas secas, enchentes, tornados, tempestades em um ano apenas. De nossas florestas, campos, não vou nem falar. Precisa? É visível que o planeta não poderá suportar por muito mais tempo o crescimento populacional. E população esta que consome seus recursos sem limites.

2)      Se por um lado não nos preocupamos mais em sermos torturados pela ditadura, o que já é uma grande coisa, por outro, tememos sermos assaltados, assassinados, ou morrer em um acidente automobilístico a qualquer momento. Antes, tal sensação de insegurança restringia-se às capitais, aos grandes centros urbanos (e em menor grau), hoje se instalou em todo o interior do Brasil. Vivemos a era dos cercados. Querem cercar tudo, inclusive a Redenção, lá em Porto Alegre. Será que somos tão livres assim?

3)      E a epidemia das drogas? O brasileiro fuma menos, mas usa muito mais drogas. Creio que Cocaína e Cia (i)Limitada são bem piores que o cigarro...

4)      Nas escolas, os alunos não são mais castigados, é verdade. Em compensação ameaçam, batem , esfaqueiam e matam professores e colegas. O respeito e a educação entre alunos e professores é algo comovente. É fácil dizer que a educação melhorou para quem não está em uma sala de aula de escola pública. Tanto que ninguém mais quer ser professor de Ensino Médio e Fundamental. Só querem dar aulas em cursinhos e em universidades. Por que será? Talvez, hoje em dia seja um pouquinho estressante...

5)       O analfabetismo diminuiu, mas aumentou a taxa de imbecilizados, aqueles que passam o dia inteiro ou na frente da TV ou do computador, completamente insensíveis, alienados, que não estão nem aí para nada. Qual é a violência causada pela ditadura da mídia, da internet?

6)      Nunca a sensação de solidão e de egoísmo foi tão intensa entre a humanidade. As pessoas sentem-se como se estivessem absolutamente sozinhas e desemparadas, como se ninguém se importasse com ninguém, o individualismo atingiu um nível extremo. A própria internet é um fator de isolamento. Podemos falar com quem quisermos, porém, sem o contato, sem o calor humano. Inúmeros jovens queixam-se desse fato hoje em dia. Tudo se tornou frio e artificial.

7)      As taxas de suicídio aumentaram em mais de 60% ao redor do mundo nas últimas décadas. Nunca a humanidade esteve tão vazia de ideais e de sonhos. Nunca houve tanta depressão. O vazio existencial assola a civilização. Muitos se tornam, devido a ele, fanáticos religiosos. Viver perdeu o sentido. Ou melhor, modificou-se o sentido da existência. Agora é apenas o de consumir, aparentar e entregar-se a mais e mais prazer e diversão. Uma hora isso cansa.

8)      Para outros talvez não seja, mas para mim é uma tortura sair na rua e ser obrigado a ouvir funk. Isso para ficar apenas no funk, porque a porcaria musical da atualidade é algo que vai muito além.

9)      Não há mais ditadura política, mas e as outras? E a ditadura da aparência, por exemplo? Hoje, somos obrigados a aparentar cada vez mais. O  importante não é ser nem mesmo ter, mas aparentar ser e ter. E ai de quem não siga a regra. É visto como um pária. Será que acabou mesmo o preconceito ou ele está apenas muito bem disfarçado dentro de cada um de nós? E a ditadura do consumo? Se lançaram um modelo novo de celular, de micro, de carro, nossa! eu tenho que ter, tenho que ir lá comprar. Se não, o que é que vão dizer de mim? É a ditadura do ser igual a todos. O que os outros fazem, são ou têm, eu também tenho que fazer, ser e ter, ou serei esquecido, ridicularizado, deixado de lado.

10)   E para os demais seres vivos (afinal, os humanos não são os únicos seres aqui do planeta, não é mesmo?) Será que a vida está melhor? A vida em nosso planeta não está bem, muito pelo contrário, anda de mal a pior. Será que isso não determina em nós uma sensação de horror e de que coisas horríveis estão prestes a acontecer? Não somos influenciados pela extinção de seres vivos e o desaparecimento dos recursos naturais em todo planeta? Isso não nos afeta, ainda que inconscientemente? Podemos viver bem enquanto ao mesmo tempo destruímos a passos largos o lugar em que vivemos? Como os intelectuais pensam em solucionar essa questão? Ou será que imaginam que as catástrofes ambientais que cada vez mais violentam nosso planeta é apenas um acidente de percurso? Talvez alguns admirem o crescimento brasileiro, o chinês, o indiano, enfim, porém... qual é o seu preço? Até que ponto ele irá? Até quando?

Poderia ir além, mas vou parar por aqui, o texto já está bastante extenso. É um contraponto ao que escreveu o jornalista Juremir. O mundo está melhor ou pior? Várias coisas melhoraram, é verdade, mas outras pioraram, algumas de forma extremamente grave, como a questão ambiental. Que cada um tire sua própria conclusão.

09 maio 2011

Não Tens Certeza de Nada

tens certeza?
não, não tens certeza de nada.
ter certeza é a ilusão
da projeçao equivocada:
achar que o hoje é o amanhã
e que tu serás sempre
o mesmo de agora
é julgar que não muda o clima
ou que não passa a hora

amanhã serás outro:
e o teu outro eu
te dirá: menti!
pensarás o que não pensas
e o que hoje sentes
não estará mais em ti

amanhã negarás tranquilo
o que ontem disseste
comovido de certeza
amanhã viverás planos que não sabias
amanhã tua felicidade será tristeza

tens certeza?
não, não tens certeza de nada.
verás que o tempo
desmentirá tudo
e que viver é saber
com a alma enganada

nem a morte é certa:
que ela pode estar longe
ou pode ser já.
só é certeza
que o que tu és
sempre passará...

07 maio 2011

Concerto para Piano e Orquestra nº2 de Brahms, o Maior ( E os 178 anos do Compositor)

Há exatos 178 anos, nascia, em Hamburgo, Alemanha, Johannes Brahms, o meu compositor de coração, de alma, o meu favorito, o que está, para mim, sem desmerecer os outros, é claro, acima de todos. Mal saberia expressar o quanto sua música é a mim importante, o quanto me identifico com ela. Por isso, não posso deixar passar em branco a data de hoje.

Aproveito para comentar um pouco sobre o seu magnífico Concerto para Piano e Orquestra nº2, Op 83. Já falei dele aqui, mas agora comento um pouco mais. Com todo respeito a Beethoven, a Mozart, a Bach, o Concerto nº2 de Brahms é para mim o maior de todos. O que foi mais longe e o mais perfeito. Não que não existam outros concertos perfeitos. Os nº4 e 5 de Beethoven, os nº20 e 24 de Mozart, o primeiro de Bach (originariamente para cravo), para ficar apenas com alguns exemplos,  também são absolutamente perfeitos.

Porém, o de Brahms marca, na minha humilde opinião, uma evolução definitiva no gênero, um passo além de Beethoven, onde o equilíbrio absoluto entre piano e orquestra, em um rigor formal magistral, torna a obra algo como uma sinfonia com piano. É o  auge dos concertos para piano. Jamais superada. É uma obra típica de Brahms: conteúdo terrivelmente romântico organizado sob uma forma severa e impecável. Apaixonado e melancólico, sem ser melodramático, grandioso e poderoso, sem ser exagerado. Sempre firme, sempre forte, sempre denso, sempre sério, sem perder a ternura. 

O Concerto para Piano nº2 é uma obra dificílima, mas em nenhum momento vai em busca de virtuosismos de abusação técnica, Brahms detestava as exibições virtuosísticas. É uma composição séria, complexa e pesada sem jamais perder a grande beleza e originalidade de sua invenção melódica. Sua intensa profundidade e complexidade temática exige muita concentração do ouvinte. 

O meu movimento preferido é o segundo, de caráter violentamente trágico e atormentado, algo como um aprofundamento na tragédia com relação ao primeiro movimento, também trágico, poderoso e apaixonado, embora um pouco mais sereno e luminoso. O piano principia com uma força monumental e avassaladora, secundado pela angústia da orquestra. É música devastadora, de majestosa força sinfônica. Ao seu final desesperado, mas que jamais se curva, segue-se a impressão de que não sobrou pedra sobre pedra. O lento terceiro movimento, algo como uma série de variações sobre um único tema, onde o violoncelo tem papel preponderante ao lado do piano, é de uma tristeza quase palpável. A melancólica ternura outonal de seu princípio dá lugar a um sofrimento que nos dilacera. Por fim, o concerto finaliza de forma triunfante, contudo sem deixar de lado a tragédia que o acompanha do começo ao fim.

Deixo aqui um link para quem quiser conhecer os dois concertos para piano de Brahms, sob a regência de Leonard Bernstein. O nº1 é quase tão bom quanto o nº2. É música que está entre o que de melhor foi criado pela humanidade.

Finalizo com o humilde poema abaixo, que escrevi para homenagear Brahms em seu aniversário no ano passado:

7 de Maio de 1833


que importa
a esperança
que se fecha a cada porta
e o fracasso
que me ronda a cada passo?


que importa
o esfomeado sonho
que se alimenta
de um mingau medonho?

que importa
a vida e a morte
essas duas faces
da moeda da sorte?

que importa o que não veio
o que não tive
o que não pude?

que importa afinal
que eu não possa esperar
que tu me ames?

nada disso tem importância...
o que importa
é que existe Brahms.

06 maio 2011

Poema Negro de Auto-Ajuda

se quiseres ser feliz
não espera
nada de coisa alguma ou algo
de isso ou de aquilo nem
do sol nem de Deus nem
de si e de ninguém
muito menos do que vem

lembra-te que esperança
rima com quem cansa
e que qualquer expectativa
não vale um cuspe qualquer
da tua saliva

quando tiveres uma esperança
executa-a entre a dança
com uma flecha entre a testa
ou enforca-a
ou dá-lhe um tiro
(na cabeça,
não te esqueças)
ou atira-a num rio
atada com um peso
e terás o  lírio-alívio
do confiante desprezo

quando disserem de ti
ou a ti
coisas que gostas de ouvir
acredita com toda confiança
que é mentira
e se ainda não é
um dia será
recorda-te que qualquer pessoa
(antes de prova ao contrário)
é má

lembra-te que se pensas
que não estás sozinho
é porque não olhaste bem
ao teu lado
e que tudo que nos sorri demais
está a um lábio
de dar errado

não espera
deixa o rio correr
ser feliz
é nunca esperar ser...

05 maio 2011

Um Enigma (Trágico)

quando a estrela não brilha
o sonho reflete ao contrário:

segredo jamais segregado
tornou-se o fim da glória de César
o que era de César
a César nunca foi dado

um adeus ao vermelho de sangue
da capa derramada no peito

se colocares ao espelho o que digo
verás que o que é dito não é o que é escrito
e não há outro jeito

é que a estrela caiu dentro em um lago
quando a colhi para ir mais ao alto

e quando a estrela é sem luz
o sonho reflete invertido...

o legionário caiu do cavalo
e o digo em palavras do fim ao começo
do sonho só o  s  é bonito...

se o beijo osculou-se de um corvo
em angelical adejo
sempre a maldição se assoma:
Nunca Mais um poema de roma.

03 maio 2011

Três Rápidas Considerações sobre EUA, Bin Laden e Al Qaeda

I – da Vingança

olho por olho
(dente por dente)
com tudo o que mordo
não estou satisfeito
(com tudo o que vejo
não me dou por contente)

II – do A(r)mor

o objetivo de todo homem
é a(r)mar
e ser a(r)mado

e um casa(r)mento perfeito
é aquele
em que um a(r)ma mais
e o outro a(r)ma melhor


III – da Disputa

quem mais ama?
Osa ama...
Oba ama...
seja em Meca seja em Roma

- mentira!
quem mais ama sou eu!
filho da puta

toma!

02 maio 2011

Crer em Nada

a minha melancolia
que é aquilo que vem e que ia
não me permite
crer nisso que aí está
e nesse inútil blábláblá
de intelectuais reais
dessa ilusão que se existe

só creio em que não pode ser
mais vale o que não há
de haver
se o que é é isso que é
é óbvio que não é
a verdade
então não
creio na humanidade

(uni)versar é tudo
que me resta
e é melhor insano
crer no que não existe
porque este ser humano
eu estou vendo
que não presta

30 abril 2011

Aquilo que Não Disse

não há nada que não
que já não tenha sido
que já não fosse dito
o que direi é a mesma coisa
daquilo que ainda não é
e os sábios deveriam saber disso
e não cairem (en)laçados
pela letra ao pé

 toda árvore que agora existe
(e quando lembro dela fico triste)
é ser que não sendo si sempre foi
desde a pele da cobra ao olho do boi
é repetição representada de outro outro
que  não está aqui para ser pensado
e a senti-lo há que ser maldito
ou um vale preso ao infinito

bom escrito é o que diz
aquilo que não diz
é como o professor
escrevendo ao quadro negro
sem ter na mão o giz
pois sabe-se que a árvore ali deixada
não é ela como sendo
a coisa imaginada
e o melhor verso
é o que nunca trata dela
mas o que apenas a pinta
(já que ela sempre foi pintada)
ao canto irreal de uma tela

29 abril 2011

Para Onde Vai o Dinheiro do que é Produzido no Brasil?

Essa é uma pergunta que sempre me fiz. E nunca ninguém me respondeu satisfatoriamente. Como pode um país que está entre as 10 maiores economias mundiais ter bolsões de miséria gigantescos?  Má distribuição de renda? Óbvio. Mas por quê? Por que a renda é má distribuída? De que adianta o desenvolvimento se ele não resolve os problemas sociais e ambientais? Obviamente, não é desenvolvimento, pode ser crescimento, assim como é um crescimento a proliferação das células de um câncer.

A melhoria da distribuição de renda dos últimos anos é, na verdade, pífia, apesar do esforço do último governo. E isso é uma questão que governo nenhum resolve sem uma mudança de mentalidade dos indivíduos. Eu, às vezes, fico pensando desconsolado quando leio as notícias de jornais: empresas estatais têm lucro recorde, bancos estatais têm lucro recorde, país bate recordes de produção, país bate recordes de exportação e por aí vai. É tudo muito belo, mas e daí? Eu sou um brasileiro e não vejo benefício nenhum com todos esses recordes de produção. Pelo menos para mim, para minha família, para os que conheço, não. Servem para quê? Para quem?  Para ocorrer uma verdadeira distribuição de renda, não só no Brasil, mas em muitos outros países, deveria haver uma reforma moral, ética, mental, psíquica, enfim, não uma reforma de governo, mas do próprio ser humano. Coisa que, em meu pessimismo, duvido muito.

O texto abaixo não é uma resposta à minha pergunta, mas tem bastante relação com o que acabo de afirmar. Foi escrito por Caco Coelho, em sua coluna do último sábado no jornal "Correio do Povo". Não é o texto integral, mas apenas o trecho que julgo mais pertinente.

"O Brasil, desde sempre, adequou a divisão de suas riquezas ao privilégio de poucos. (...) A maior parte dos investimentos públicos, subserviente a esses princípios seletivos, sempre foi feita para aqueles que possuem mais. O princípio público nunca foi respeitado. No lugar de promover a coletividade, a maioria da população permanece tendo que dedicar o seu esforço para locupletar os mais abastados. Assim é o investimento em educação, onde a maior parte é destinada ao ensino superior. A este privilégio têm acesso aqueles que tiveram a oportunidade de estudar em escolas particulares, de frequentar cursinhos eletistas. (...)

Agora mesmo, foi divulgada a safra recorde de grãos de nosso Estado: 24 milhões de toneladas foram produzidas. O Rio Grande do Sul possui uma população de pouco mais de 10 milhões de pessoas, sendo que 3 milhões estão na linha da miséria absoluta, ou seja, não sabem o que vão comer na próxima refeição. Toda essa produção injetará na economia gaúcha mais de 13 bilhões de reais, o mesmo que o lucro liquido de um banco. Ou seja, o que representa a oportunidade de colocar por ano na mesa de cada cidadão o correspondente a quase duas toneladas e meia de grãos, é o mesmo que um grupo pode lucrar explorando o capital."

Quantas toneladas de grãos tiveram em sua mesa aqueles cadavéricos humanos da foto acima?

27 abril 2011

Sei que Algo Acontece...

sei que algo acontece...
o fundamental é o que está latente
o que não está simplesmente atrás
mas à frente
como consequência não-sólida
mas astralizada
o que se move como sopro e tigre
há passos de tudo
que se passa em passado
que ela se ergue em olho
levantado

qual sábio é que garante
que um vento que se veste inofensivo
lá em processos desvistados
não se tornará tornado furacão?
tudo o que hão não são o que são...

quando cai uma flor
há outro algo além da sua queda
e este outro nos envolve
em insondável onde:
há um ato que é fato
e há outro que se esconde

tudo traz um além-motivo
ainda que a ele (rindo)
não nos motivemos
mas ele sempre sorri
acima
do nosso riso...  

25 abril 2011

"Julgas que uma grande cidade dura para sempre?", diz Walt Whitman

Walt Whitman (1819 - 1892) é considerado um dos maiores poetas norte-americanos, muitos consideram até como sendo o maior. Não entrarei na questão se realmente  é ou não o maior, mas que sua obra é riquíssima e revolucionária não resta a menor dúvida. Em termos de forma, foi de fundamental importância para a poesia moderna, pois foi o responsável  pela introdução dos versos livres na literatura universal, feito de excepcional coragem. Em termos de conteúdo, também inovou no tratamento dos temas, abordando com profundidade e naturalidade a vida nas cidades, os progressos científicos, a democracia, a liberdade, sem esquecer, no entanto, as questões espirituais, o contato com a natureza, a elevação humana, a igualdade entre os indivíduos.

Abaixo, deixo dois trechos de seu extenso poema "Canção do Grande Machado", onde realiza, entre outras, uma funda reflexão sobre a passagem do tempo, a transitoriedade de todas as coisas. Confiram:

Canção do Grande Machado (trechos)
Aquilo que dá vigor à vida dá vigor também à morte,
E a morte faz avançar tanto quanto a vida faz avançar,
E o futuro não é mais incertto que o presente...
(...)
O que pensas que resiste ao tempo?
Julgas que uma grande cidade dura para sempre?
Ou um estado industrial produtivo? Ou uma bem elaborada constituição?
Ou os navios mais bem construídos?
Ou os hotéis de granito e ferro?
Fora! Nada disso deve ser cultivado com afeto,
Eles cumprem o seu momento, os dançarinos dançam, os músicos tocam para eles,
O espetáculo passa...
(...)
O que são agora os teus ganhos financeiros?
O que podem fazer eles agora?
O que é agora a tua respeitabilidade?
O que é a tua teologia, instrução, sociedade, tradições, estatutos, agora?
Onde estão agora tuas zombarias sobre o ser?
Onde estão as tuas críticas sobre a alma agora?

Walt Whitman