11 abril 2011

Noturno

ali onde olhos
ao canto da noite
há um  outro canto de atrás
de um outro olho de noite
de um outro sinto inaceito
outro invisível de paz...

acimou-se a sensação
do que não é
como névoa que está sem ser
no gosto que não cheiro do café
para onde dirijo minha vista
visto todo onde que se esconde
há algo ali que nunca se alga
à superfície do oceano
onde me estranho
que ainda que não haja age alma
ali se alta um desígnio em denso
todo mistério saudade propenso
pelo além do que me acalma...

que o meu lugar é ali
no que não está
nem no cá nem que vi...

09 abril 2011

Nem Tu És o que És

verás que o ser de tudo que é
não é aquilo que demonstra ser,
o ser das coisas
não é o que elas são...

vê mais fundo
no alto fundo que não se olha
e verás que por trás do todo
há um outro outro além de tudo...

o que se mostra
não é o que está ali,
ninguém vê o que olha:
o que está ali
não pode ser tido como estado...

o que sabes não é o que conheces,
o tudo que pensas saber
é aquilo que há em ti
mas não em teu ser,
o que há em teu ser
talvez agora esteja longe
e esse longe talvez seja o real...

há sempre outro verso
em tudo que é reverso:
verás que quanto mais com a luz
universares pelo escuro
mais começo e fim
verás em faces a existirem...

nem tu és o que és:
teu eu não é teu ser,
talvez teu eu agora seja noutro abismo,
como um sismo,
talvez teu ser então te chame mais acima,
noutra rima...

08 abril 2011

Palavras Sem-Sentido sobre o Massacre de Estudantes no Rio *

ele as matou.
- não faz sentido -
(talvez sendo elas não sendo elas mas sendo)
e ele as deixou que ficassem
(aquelas)
com algumas baladas
- não há sentido -
matou porque elas
- não é sentido -
não o deixaram que ficasse
(com elas)
em algumas baladas


*Este poema foi composto antes de ser divulgada a notícia de que o assassino sofria bullying na escola, principalmente por parte das meninas. Segundo o que foi divulgado, o atirador era ridicularizado por colegas, e as meninas fingiam interesse no mesmo, para depois "dar um fora".

07 abril 2011

do Amor

o amor é a verdade
(sem) vista pelo espelho...

é um shakespeare tóxico
o amor é um paradoxo:

é fraco como a sorte
e forte como a morte

05 abril 2011

Plêiades

o que não está aqui
o além do lado do meu lado
o que cai se erguendo
pelo atrás da noite
fragrâncias de perfumes que não hão
o extrestelar de átomosferas
que não vê(e)m e que não são
langues longos de outros lugares
outros astros de ventos vagares
vagos estros de vindos que tragam
tragam-me ao sim
o que não mas que sinto
que seja em verdade o longe que minto
tinto ares de áries das plêiades
outros sigos pelo que signo
e ólheo do eterno do gato de alice
que só vale a pena o distante do disse

03 abril 2011

e Quieta e Lenta...

infiltrando-se pelas avenidas
da degradação das metrópoles
e rastejando pelos corredores
da decadência das instituições
ela penetra na toca dos tribunais
exala seu cheiro úmido
na espuma do balbuciar das autoridades
e se ouve seu hipnótico mantra
perfurando com peso imperceptível
o vácuo das declarações dos políticos...

abrindo caminho pela sala das universidades
e lambendo com língua lânguida
as lépidas teorias dos intelectuais
ela vai formando ser círculo cíclico
e entre as máquinas das indústrias e usinas
e quieta e lenta no silêncio dos laboratórios

enroscada

ela já prepara seu bote
e o fim da picada...

02 abril 2011

Decadência da Educação - Colapso da Água

O título desta postagem refere-se a dois editoriais do jornal Correio do Povo. Dias atrás escrevi aqui no blog que as estatísticas afirmam que a educação brasileira está melhorando, mas que na prática eu não vejo nada disso, muito pelo contrário, parece-me cada vez pior. Pois o editorial publicado em 28/03/2011 sob o título de "A degradação do espaço escolar" reforça minha visão. Eis alguns trechos:

"Têm-se tornado cada vez mais comuns as notícias sobre agressões entre colegas e até mesmo contra professores e membros do corpo diretivo. Em Porto Alegre, foi bastante divulgado o caso de um estudante que agrediu violentamente a professora por causa de uma nota baixa.(...)

São muitos os motivos que levaram a que chegássemos ao atual estágio. Os professores estão cada vez mais desmotivados pelo estresse dos baixos salários e das condições de trabalho, com a autoestima em baixa. Além disso, sofrem um processo de desmoralização constante com a perda da autoridade na sala de aula, tendo que se submeter a uma tirania hierárquica que os transforma em peça sem valor de uma engrenagem obsoleta. Também a aprovação automática, que virou rotina, faz com que os mestres sejam obrigados a aprovar alunos sem condições de avançar". 

Quanto ao colapso da água, com o título Um bilhão sem água, o editorial do Correio do Povo de 30/03/2011 afirma o seguinte: 

"De acordo com um  estudo publicado na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, até 2050 mais de 1 bilhão de pessoas deverão ficar sem acesso à agua, principalmente as que vivem nas grandes cidades. (...) As péssimas condições sanitárias nesses grandes conglomerados urbanos tornam ainda mais graves os riscos para a fauna e a flora".

Será que só em 2050? Eu acho que antes, hein...

"E assim caminha a humanidade..."

31 março 2011

O Suicídio (ou Por que eu me Matei?) - Final

Viviam aqueles suicidados com a firme aceitação geral. Eram tomados como exemplos, para todos, de pessoas decididas, conscientes de seu lugar no mundo, sensatas, trabalhadoras, vitoriosas, que obtiveram o pleno sucesso na vida. Os outros, os que não se mataram, os poucos, os raros, que ainda insistiam em não se suicidar, eram duramente condenados, acusados de mil e uma tolices, erros, equívocos, fracassos, absurdos e, até mesmo, de infâmias e crimes. De modo que a pressão psicológica para que também se matassem era gigantesca.

Eu, hesitando em me suicidar, era visto com muito maus olhos, naturalmente. Chamavam-me de louco. Não entendiam, os suicidados, o que eu buscava na vida, se é que eu buscava alguma coisa. Era ostensível, para eles, que eu só obteria derrotas e fracassos, desgostos e desilusões, aflições e angústias, miséria financeira, todo tipo de insegurança e de incompreensão, que sentiria na pele a crueldade do mundo, talvez me tornasse um pária, um marginalizado, e provavelmente acabaria meus dias na mais completa solidão, sem família, sem amigos, sem trabalho, talvez até mesmo em um hospício ou na prisão.

Até que não vendo saída, cercado por todos os lados, pressionado por aqueles que supostamente vinham me ajudar e convencido por seus irrepreensíveis e avassaladores argumentos, decidi-me pelo meu suicídio.

E o cometi. Agora sou um suicidado. Sinto uma moderada tranquilidade que, no entanto, não é sinônimo de paz. Casei-me com outra suicidada, não creio que realmente a ame. E isso também não importa. Ela também não deve me amar de uma forma verdadeira. Aliás, quem ama de verdade? Temos uma linda filha, que, com o tempo, também aprenderá a se suicidar. Assim desejamos, assim devemos desejar. Vivemos de forma relativamente segura, com uma regular independência financeira. Não temos grandes preocupações. Praticamente, não há alterações nos dias de nossa rotina, creio que atingimos, de forma mediana, todos os nossos medianos objetivos. Sim, objetivos moderados. Grandes objetivos, ideais, vastos sonhos são sempre inatingíveis. E trazem dores insuportáveis. Aprendi que devemos sempre evitá-los.

Tenho um bom emprego, trabalho 40h por semana, não é muito, há alguns suicidados que trabalham bem mais. Não é o emprego de meus sonhos, admito, um pouco estressante, é verdade, meio sem graça, mas paga bem. Nos fins de semana, saímos para nos divertir, tomamos umas cervejas, jantamos fora, às vezes viajamos, é uma vida agradável. E é isso. Não há muito que acrescentar. Não me interesso pelas coisas que acontecem no mundo exterior, a não ser aquele interesse indiferente de quem assiste a um telejornal. Lamento as tragédias, sorrio com as boas notícias, mas também o que poderia fazer por elas? Sou, agora, uma pessoa sossegada, não quero nada mais que venha me inquietar, perturbar o meu morno sossego. Agora sou como todos. Agora estou morto.
           
(Na imagem, o quadro "Velho na Tristeza", de Van Gogh)

30 março 2011

O Suicídio (ou Por que eu me Matei?)

Um dia me disseram que seria bem melhor se eu me matasse.  Obviamente, não acreditei. Mas aos poucos, bem aos poucos, muito gradualmente, através de insidiosos detalhes, de sugestões sordidamente subliminares, de fatos e acontecimentos quase que imperceptíveis, a ideia nefasta do suicídio foi tomando forma no meu universo psíquico...

            Na verdade, era algo extremamente difícil, quase impossível, escapar à atuação daquelas sugestões suicidas. Muitas vezes, chegavam a ser mais do que sugestões, tornavam-se mesmo imposições, não imposições violentas ou forçadas, mas imposições daquela categoria que, sem deixar de ser elegante, não nos deixam alternativa. Era como pisar nosso pé com educação, com um doce sorriso no rosto. Diziam-me eles, e me provavam, que todos já haviam se suicidado. E que não se arrependiam. Que assim estariam de acordo com todos aqueles que pensavam no que seria melhor para as nossas existências. Insistiam que eu deveria ser sensato e analisar com racionalidade a questão. Assim exigia a categoria de mundo em que vivíamos.

Durante muito tempo hesitei. Havia algo dentro de mim que me transmitia a sensação de que eles mentiam, ou que, ao menos, omitiam uma parcela fundamental da verdade. Ou ainda que talvez eles estivessem realmente convencidos do que me preconizavam, mas que deveriam ter sido enganados, iludidos por outros, assim como agora intentavam fazer comigo. Seja como for, seus argumentos eram irresistivelmente convincentes, duvidar de suas palavras chegava a ser um sacrilégio.

Com o tempo, descobri que eram sinceros e que estavam imbuídos das mais nobres boas intenções. O que não significa que estivessem com a razão. Acreditavam no que diziam, pensavam de fato aquelas coisas, que pareciam soar em suas palavras com tanta sensatez e bom senso. Porém, creio que tais pensamentos não eram autenticamente seus, talvez fossem incutidos em suas mentes por outros, ou por algum poder obscuro, que eu desconhecia, algo como uma lavagem cerebral. Agora, a lavagem seria em mim.

Para eles, o suicídio era o padrão a ser seguido. Por não tê-lo ainda cometido, causava-me espanto o isolamento em que aos poucos fui constatando que me encontrava. Quase todos os outros já haviam se matado ou estavam a caminho de fazê-lo. Alguns, para tomarem coragem, antes de cometer seu suicídio, tentavam convencer as demais pessoas a realizar o mesmo. Desejavam veementemente o suicídio em massa. Já outros, após o ato suicida, vinham para provar que agora viviam absolutamente tranquilos, sem nenhum tipo de preocupação, existindo como se não existissem, o que constituía, para eles, o auge de uma vida perfeita, aceita e compreendida por todos. Enfim, acreditavam-se felizes. E muitos vinham, por piedade, para ajudar os que ainda não tinham se matado, dispostos a ensinar e encorajar o maior número possível de suicídios.
           
 Amanhã, o final.
(Na imagem, o quadro, "O Suicídio", de Edouard Manet)

28 março 2011

Pela Chuva

cai a chuva monó-tona-maci-lenta
a chuva é a alma lenta que vem à tona...

quando a alma é úmida como pântano-banhado
sem a chuva ela resseca como o sapo
na ressaca do desfortúnio e assortilégio
de um trágico que singrou o seu mau-fado

a alma já seca se rasteja pelo claro
e não suporta do que seja ao ver-se nua
o seu nada em só enfeite pendurado
pelo mundo da rua

estar seguro
é tocar o que dor
sem a segurança da luva
e felicidade
não é só o sempre sol
mas o som do tudo que se passa
a nota constante de ameaça
da probabilidade da chuva

27 março 2011

"Pessimismo Abismal"

De "pessimismo abismal" é como o crítico e ensaísta Otto Maria Carpeaux denomina as "Canções Graves", Op.121, de Johannes Brahms, o meu compositor preferido. Pessimista, sombria, severa e melancólica é quase toda a obra de Brahms. Carpeaux afirma que é necessário amadurecimento para compreender a música do gênio alemão, "Só a partir dos 40, 50 anos de idade, com a experiência da vida, abrem-se as portas desse reino fechado", escreve o crítico  em seu "O Livro de Ouro da História da Música".

Como sabem os amigos que acompanham o blog, sou um pessimista crônico. Creio ter a alma muito velha, pois sou fanático pelo pessimismo de Brahms desde minha adolescência. E esse meu pessimismo é sempre confirmado quando se trata da política. Vamos a alguns exemplos:

No segundo turno, votei na Dilma, porque dos males o menor, não aprecio o seu perfil desenvolmentista, mas para mim o Serra, representando os partidos dos ricos, seria ainda pior. E continua achando que seria. Porém, a Dilma está aquém das expectativas. Já chegou cortando profundamente o orçamento e cancelando concursos e aumentos salariais. É esse tipo de coisas na política que não entendo. O país exporta mais, as empresas estatais batem recordes de lucros, como a Petrobrás, a arrecadação de impostos cresce sem parar, mas sempre falta dinheiro. Para onde que ele vai?

Aqui no RS, votei no Tarso Genro, tinha esperança com ele com relação à educação, afinal implantou, quando ministro da educação, o piso salarial para todos os professores do país. Agora, como governador, diz que não pode pagar, a mesma conversa, o mesmo blábláblá de todos. Não dá para ser otimista.

Aliás, as estatísticas dizem que o Brasil melhorou na educação. Engraçado, porque o que vejo são professores sempre mal pagos, alunos cada vez mais ignorantes, acríticos, acomodados, indisciplinados, violentos. Não consigo enxergar onde está essa melhora.

Eu estava até um pouco otimista com relação à Amazônia, o desmatamento estava caindo... Porém, no último trimestre de 2010 houve um aumento de 50% com relação ao trismestre anterior. Não dá para ser otimista. A floresta vai acabando aos poucos. Não adianta.

Com relação à política internacional, bem, poderia falar dos governantes de vários países, mas falo só do Obama. Havia muito otimismo com sua eleição, por ser o primeiro negro presidente dos EUA, um homem vindo das camadas sociais menos favorecidas, que teria mais compreensão com outros povos, enfim... Mas não é o que tem acontecido. É tão imperialista quanto todos os outros. Não dá para ser otimista.

Fico com Brahms e seu pessimismo abismal.

25 março 2011

Não-Soneto nº2

deixar cada verso como se fosse
versar cada fosse com uma foice
e após plantar aquilo que não tenho
colher do nada o nada que não sou

o que queres será feito não sendo
morto do que fracasso vencerás
terás aquilo que talvez não queiras
não conseguindo cumprirei ao erro

sabes como obrigar deixando livre
do horror retiras as sublimes causas
de vão sacrifício se revela o alto

do que não veio surgirá teu sim
a luz que nasce em tudo que se perde:
sabendo nada o que devo conheço

aos Finais*

vós amais
ao jamais...

então quais?
só normais
racionais
sempre iguais...
nada mais.

ideais?
irreais
já demais
infernais
e fatais.

imortais 
me esperais?
me cansais
me acabais
me deixais
sem sinais

vendavais
terminais...

e o que mais?
nunca mais:
corvo e tais...


*poema revisado

23 março 2011

A Fúria já era Fúria

sempre há algo que se prepara...

o lobo pode
de repente
abrir a ameaça da boca
e trazer à tona
a impiedade do dente

a fúria já era fúria
antes de enfurecer-se
é cansaço que se levanta
do invisível do seu latente

há um ponto de esgotamento
que se ergue como surpresa
diante da arrogância
da fragilidade da presa

há um vingança que se futura
pela quietude da noite escura...

às vezes
é no cair tranquilo
de uma tarde clara
que a tempestade se prepara...

21 março 2011

Soneto de um Rastro de Paz

azul de gatos ao alto da rua
e dois sóis que águiam como passado
não ser o que tenho aqui do meu lado
vento-concerto de Bach à hora tua...

somente tua face sempre tão lua
vasto guará te sorriso em cansado
por que é que Bach não compôs o meu fado
sobre um jardim de floresta não-nua?

céu que não é mas que nunca me esqueço
do denso das tardes sempre fitando
dia de flores de um beijo ao avesso...

violino de sono e incenso-acalanto
te trago em tragédia de onde me desço
rastro de paz  se tristando em meu canto...

19 março 2011

O que está à Frente

todo passo a ser dado
já é passado
o futuro é o esquecimento do ontem
cada segundo que vem
já foi
pertence a outra era
era
o que já havia se acontecido
antes de nos acontecer
viver
é dar passos de um ponto
do começo do círculo
para passar a um ponto
do começo do círculo
a vida é uma hora
que sempre foi embora
e aquele que faz
é quem se sabe fugaz
na eternidade do instante:
o que há muito passou
é o que está mais adiante

olhai então para os montes...
o que está lá na frente
são os horiz...ontens

18 março 2011

Declaração Vazia

não há alguma nem nenhuma
nem há outra (outro)
ou alternativa
nem do lado de cá
nem no que está por lá
nem daqui para ali
e vice-versa
nem de ti para mim
nem de si para si
há o que se versa
há talvez a volta vasta
velha vaga branca
curva reta manca
ou largo lago claro
talvez um som um sem um não
um voo um vão um raro
palavra em nota e tinta
há o note o pague o sinta
mas nenhuma ou alguma
não há
seja em gota ou em pá
há o que não é
e o jamais do que se veja
há o além do nada
e talvez o Nada Seja...

16 março 2011

Pós-Moderno

sou um homem pós-moderno
e a máquina não pode parar
mais combustível para o carro
e mais energia para a casa
que o carro não para
e a casa
há de sempre ser clara
lâmpada acesa
geladeira e comida na mesa
e indústria a todo vapor
que o progresso não cessa
e não se confessa
e não pode haver atraso
no navio para o lado que for
e hidrelétrica e termelétrica
e nuclear
mais e mais energia
mais força e mais poder
o progresso ninguém pode deter
e o shopping e a fábrica e a loja
a lavoura o fogo a forja
e a mina e o carvão
mais alta e vasta energia
para o micro o celular o avião
seja na água na terra no ar
a máquina e o mundo
não devem parar
até que exploda o meu canto!

mas o pulso da alma
vai parando...

(Na imagem, o quadro "O Dia Sombrio", de Bruegel) 

15 março 2011

Sem Energia Elétrica, a Humanidade não é Nada

Não é. E o que está acontecendo no Japão é uma prova disso. O Japão, um dos países mais desenvolvidos do planeta, líder em tecnologia de ponta, com uma ciência avançadíssima, potência mundial, está agora mendigando. E não é principalmente porque o terremoto e o tsunami destruíram casas, prédios, veículos, portos, fábricas e mataram milhares de pessoas. O principal motivo da penúria japonesa é que não há energia elétrica para mover nada, nada mais funciona nas regiões atingidas pela catástrofe. Sem energia elétrica, a humanidade faz o quê? Nada. Eu não poderia, por exemplo, estar publicando este texto. Até já escrevi um conto sobre o assunto. Isso parece algo óbvio, e é, mas as pessoas parecem não se dar conta. Não estão preocupadas com um possível colapso de energia, que pode ocorrer em qualquer local do planeta.

A verdade é que a humanidade está desesperada por mais energia. A construção de uma usina nuclear é um ato de desespero. Todos sabem das funestas consequencias de um possível vazamento de radioatividade. Por mais tecnologia que esteja envolvida na construção de uma usina, nunca haverá segurança total. O Japão que o diga.  Porém, a humanidade quer e precisa de mais e mais energia, necessita se manter em seu implacável e caótico crescimento e "desenvolvimento". Por esse motivo, corre o risco das usinas nucleares. E constrói mais e mais hidrelétricas, que acabam com quilômetros e quilômetros de florestas virgens, como ocorre aqui no Brasil. E extrai mais e mais petróleo, até a exaustão. E assim vai. Um dia o planeta não mais suportará. Enquanto isso, as fontes limpas e renováveis de energia, como a solar e a eólica, estão em um estágio de desenvolvimento que eu denomino como risível. Por que será que não se investe nessas fontes de energia?

Continuando assim, um dia ficaremos sem energia elétrica. E voltaremos a ser os bárbaros de antanho. Não, seremos muito pior, porque os bárbaros estavam preparados para sua vida. Nós não estamos. A humanidade com sua ciência não é nada. É um castelo de areia que uma tempestade arrasa.


14 março 2011

Sou a Favor do Imbecil Novo Código Florestal

Sim, eu sou. Venho confessar que sou idiota, mas e quem não é? Mais vale ser medíocre, não é mesmo? Afinal, são os medíocres que ganham os melhores salários na política, estão a frente de instituições, fazem sucesso entre o povo, conseguem empregos com facilidade, enfim, essas coisinhas que todos já sabem. 

E quero contribuir com o "debate" que se realizará em Santiago. Deixando meu brilhante ponto de vista mais uma vez. Na verdade, sou tão imbecil que vou repetir algo que já disse aqui, do mesmo jeito, não tenho imaginação para escrever coisas novas. Escrevi o texto abaixo em 13 de abril de 2010. Na ocasião, queria apoiar nosso simpático deputado comunista-capitalista (vejam só que gênio! qual outro homem conseguiria unir de forma tão coerente os dois extremos?), o senhor Aldo Rebelo. Disse o seguinte, do alto de minha estupidez:

"Parabéns, deputado Aldo Rebelo. É de homens ousados como o senhor que o planeta precisa, para morrer o mais rápido possível.
Venho deixar aqui o meu apoio ao seu justíssimo, digníssimo, excelentíssimo projeto de alteração do Código Florestal, que vai anistiar nossos queridos desmatadores e deixar menos rígidas as leis de proteção de nossas florestas (claro, lei tem que ser flexível, frouxa, que é para se adequar aos interesses dos homens que pensam grande, pensam à frente, aqueles que já pensam em desmatar muito mais). Está certo. Mato pra quê? Só pra esconder macacos, gatos pintados e raposas? Tem é que acabar com tudo pra plantar, plantar mais e mais. Isso é desenvolvimento!

Plantar pra vender para os ricos, é claro, não para matar a fome do povo. Como diria o Chico Anísio com seu deputado: "Pobre tem que morrer!" Eu concordo. Ainda bem que veio um deslizamento no Rio e matou um monte de pobres. (Ah, e este ano veio outro e matou ainda mais, ufa! ainda bem!)

Que ninguém nos escute, excelentíssimo deputado (porque têm uns ecologistas chatos de plantão que ficam pegando no seu pé), mas o senhor está muito certo em querer avançar Amazônia adentro, desmatando e plantando e criando gado! O senhor é um desbravador, um herói de nossas terras! Tem a coragem de acabar com aquela floresta inútil para encher o mundo de soja e enriquecer o bolso dos ruralistas.

Eu sempre pensei que tem que se desenvolver a qualquer custo, destruir tudo em nome do progresso."

Isso eu escrevi há quase um ano. Mas durante esse tempo cometi um ato inteligente de que muito me arrependo, sim, afinal, devo honrar minha imbecilidade: EU NÃO VOTEI NO CHICÃO. Foi uma mácula na minha idiotice. Mas tudo bem, terei uma nova oportunidade de reparar meu erro. Ah, e vejam que lindo aquela foto acima? Não é muito mais estético e agradável ver um mato recortado do que tudo só mato, naquela monotonia insuportável? 


12 março 2011

Poema Catastrófico nº6 – Fora do Lugar*

tudo o que está
fora do que devia estar
errando o seu lugar
é sinal de morte...

a água nunca erra
e a Terra é sempre sábia
o racional é que é errado
habitante-homem-ingrato
que pensa em sua suspensa inconsciência
e em ciência e arrogância
e prepotência e ganância
que pode domar o mundo inteiro
e fazê-lo cativeiro e chiqueiro

tudo o que está fora do lugar
é sinal de morte
desde quem vive onde não pode
a quem põe o que põe
onde não poderia
como a sacola de plástico
que vaga pela vaga vazia

o homem perdeu seu sentido
(em todos os sentidos)
e mal sabe o mal que (se) faz
há água demais pela água
e lixo demais pelo cais...

e em final o que é pior?
a água fora do mar
ou o homem “fora do ar”?

*Poema para o megaterremoto e tsunami no Japão

11 março 2011

“Se essa rua, se essa rua fosse minha...”

tudo ruindo aos poucos
pela rua em ruínas
réstias de rancores de postes
sobre os rabos dos ratos
e um rastro que ronda
de réproba fumaça de matos
pelo relevo em lama
um jaguara rengo
roendo
faz meu peito de cama
uma ratazana roída
rengueando
faz meu dedo de cana
sob uma garoa rala
derrama
um raio roto de lua
sobre a água da vala
e a rã vai tristando um rondó
com o riso rouco de um abutre
em seu ríspido refrão:
estou só
estou só
o ronco branco da queda do pó
das ruínas de um arranha-céu
e a aranha arrancada da toca
que toca e arranha
a minha alma de réu
rasgam e rolam baratas
correndo pelos catarros
remando pelos esgotos
e se arrasta raquítico um gato
de quem arrancaram o seu rosto
e o resto da razão roubada
que era errada
na reza do ruído do sangue
que era meu
arrependido nos olhos remoídos
do horror daquela rainha
que arruinou a rua
que era tua
se fosse minha

10 março 2011

"Tudo isso levou-me ao auge do desespero..." Beethoven

"Tudo isso levou-me ao auge do desespero e pouco faltou-me para tirar-me a vida (...), somente o amor à arte o evitou (...), me parecia impossível abandonar o mundo antes de realizar tudo o que me está predestinado e, por isso, continua vivendo esta vida horrível"
"Vem, morte, quando queiras, porque eu estou preparado para receber-te!".

Ludwig Van Beethoven, em seu Testamento de Heiligenstadt.

08 março 2011

Não é todos os dias que nos chamam de gênio...

Sim, não é, por isso fiquei me achando e vou me exibir um pouco, até para suscitar maior interesse com relação aos meus escritos. Como sempre digo, se eu mesmo não me promover, quem é que vai? O amigo Ruy Gessinger recebeu o e-mail abaixo do desembargador Alfredo Foerster e me passou. O comentário se refere ao Poema Antipático para o Carnaval. Publico-o aqui no blog, deixando meus agradecimentos a ambos:


Ruy,

esse nosso patrício, o Reiffer, é simplesmente um gênio;
em que qualidade sintética ele disse tudo; e fê-lo de modo
tão magistral.

Great !

Cumprimentos a ti, e a ele.

Don AFoerster.


Poema para o Dia Internacional da Mulher

senhoras e senhores
respeitáveis expectadores
deste  espetáculo pós-pós-moderno!

quem vencerá
esta sensacional disputa?...

uma Mulher
ou uma puta?

O Poema Antipático para o Carnaval é divulgado até na praia...

O blog Praia de Xangri-lá, de Jorge Loeffler, publicou o Poema Antipático para o Carnaval:
http://praiadexangrila.com.br/poema-antipatico-para-o-carnaval/
Fico contente, talvez o poema não seja tão antipático assim.

07 março 2011

Villa-Lobos: Música Autêntica Autenticamente Brasileira

Muito, mas muuuito melhor que carnaval é Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Porém, a maioria dos brasileiros não conhece suas músicas. No máximo, ouviu alguma melodia perdida, sem saber e sem querer, em alguma propaganda ou programa de TV. A mídia apoia o carnaval, porque o carnaval é, quase sempre, algo medíocre, e o que é medíocre é adorado pelo povo e dá retorno financeiro. Villa-Lobos é esquecido, porque é um gênio. Assim é o Brasil. Não direi que o carnaval deve ser esquecido pelo brasileiros, isso nem seria possível, obviamente. Porém, Villa-Lobos mereceria ser bem mais lembrado.  

Anteontem, dia 5/03, completaram-se 124 anos de nosso maior compositor. Quem é que sabia? Há pessoas que pensam que música erudita nada tem a ver com Brasil, que é algo da cultura europeia, essas bobagens de ignorantes. É claro que a música erudita tem sua origem e seu desenvolvimento na Europa. Mas e o carnaval tem origem onde? No Brasil é que não é. Pois Villa-Lobos compunha música erudita genuinamente brasileira, incorporando coerentemente aos padrões europeus (muito bem assimilados e perfeitamente dominados por ele, diga-se de passagem) a música do nosso folclore nacional, dos ritmos e canções populares, da música indígena, a imitação do canto de nossos pássaros, a expressão de nossa colossal natureza, criando uma obra nacionalista e universal ao mesmo tempo. Basta ouvir algumas de suas obras mais conhecidos para verificarmos esse fato, como O Trenzinho do Caipira, as Bachianas Brasileiras, os Choros, as Serestas, as Modinhas e Canções, a Floresta do Amazonas, enfim, há muita coisa, a obra de Villa-Lobos é imensa. E pelo próprio título de muitas de suas composições já identificamos seu caráter nacional.

Compôs inúmeras obras para violão, impregnadas do verdadeiro espírito do interior brasileiro, música de verdade nascida na alma, não era para fazer sucesso imediato com qualquer lixo, como essas ridículas duplinhas sertanejas que abundam por aí como erva-daninha, ou como esses rançosos e insuportáveis grupos de samba/pagode que fazem sucesso num ano, enchem os bolsos,  e no outro desaparecem no nada. Grupinhos que são uma vergonha e uma ofensa ao verdadeiro samba de raiz. 

A obra de Villa-Lobos é verdadeiramente brasileira e foi reconhecida em toda a Europa como música de altíssimo nível. Enquanto aqui no Brasil era duramente criticado, na Europa era reconhecido como um gênio da música erudita moderna. Já disseram que se Villa-Lobos fosse europeu, seria tão importante como o foi o russo Stravinsky, um dos maiores nomes da música do século XX. Querem conhecer cultura brasileira de alto nível? Vão lá, escutem Villa-Lobos, sua vasta obra para piano, seus quartetos para cordas, seus concertos, seus trios, suas sinfonias, suas canções... E aproveitem e escutem também outros compositores brasileiros como Francisco Mignone e o gaúcho Radamés Gnattalli. Se ficam uma semana de carnaval, que que custa dedicar uma horinha a esses gênios da música brasileira?

05 março 2011

Tu (não) Sabes

tu que não nos sabes
e nunca te fracassas
é que realizas verdade:
Estrela do longínquo disperso
o teu triunfo
é que iluminas
dando as costas
à humanidade

Gato da noite
atento ao vazio da treva
tu sabes que vazio sou eu
que não me vou no que te leva
tu és quem sabes, Gato
que toda a ciência humana
não vale a vida
de um piolho-chato

o teu canto, Coruja
hermetizado na paz do oculto
e que sempre correu-me
pelo que não tive
equivale a uma europa de filosofias
e há mais sabedoria no teu pio
do que em todo povo do Brasil

e a mim
só me resta
ao fim da reta
ser poeta...
o verso é o outro caminho
do paralelo ao fracasso
com vida de vento
e alma de aço

03 março 2011

Poema Antipático para o Carnaval

gosto de de vez em quando
escrever um verso antipático
isso me faz sentir
sendo aquilo que não sou:
um cara prático

gosto de alguns versos ranzinzas
tipo aqueles
de mancha em prazeres
e de ser algo como um relâmpago
pela janela de uma festa...
são coisas como essas
que à poesia ainda resta...

então desculpa
se digo coisas
que o povo não gosta
é que eu continuo achando
esta cultura brasileira
uma bosta
e há tanta gente lerda
que dá vontade
de mandar à merda

não é que eu não te ame
ó inacreditável Brasil
mas este teu carnaval
que val
à puta que pariu

01 março 2011

há lago o princípio do verso
com tudo aquilo que há na minha sina
há salto o que havia em teu verbo
que há voo
há queda
e há lado
busquei no que passa o que há sombra
há sempre menos no que há de mais
o que há funda (me)
é o que há no céu
e há as sentenças
que vós há sinais
por onde há rasto
o meu há lento
por onde (há) olhar
e por fim há sopro
há claro
há solo
mas não há mar

28 fevereiro 2011

"Ser hipócrita é não ter o próprio olhar." Victor Hugo

Anteontem, dia 26, falei de Balzac. Hoje, falo de Victor Hugo (1802 - 1885). Deveria ter invertido. Ter falado de Victor Hugo dia 26/02, porque nesse dia completaram-se 209 anos deste outro gênio da literatura francesa. Gênio, a meu ver, ainda maior que Balzac, porque este só foi grande na prosa. Victor Hugo foi tão imenso na prosa como na poesia. 

Sou um grande admirador de Victor Hugo. O poeta francês é sem dúvida um dos maiores nomes da arte universal. Criou obras absolutamente imortais, como Os Miseráveis, Os Trabalhadores do Mar, O Corcunda de Notre-Dame, levou o romantismo ao auge e foi além dele, analisando a alma humana com uma rara profundidade psicológica, indo do ideal ao real, do sublime ao grotesco com uma comovente naturalidade. 

Victor Hugo foi um grande humanista, sua obra está repleta de uma preocupação psíquica-espiritual com o ser humano. Como fundador do Condoreirismo na literatura (representado em nossas terras por Castro Alves), Victor Hugo foi um batalhador artístico da liberdade e da elevação do homem. Difícil ler a obra deste grande homem sem nos emocionarmos. Victor Hugo tem asas que tocam a nossa alma.

Em seu magnífico e trágico romance Os Trabalhadores do Mar, o gênio francês deixa-nos uma das páginas mais memoráveis da literatura sobre a hipocrisia, encarnada no personagem de Clubin. Vamos a alguns trechos dela:

"(Clubin) Passou a vida  a ter vontade de morder aquela mão que lhe tapava a boca. E querendo mordê-la foi obrigado a beijá-la.(...) O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra: calcula um triunfo e sofre um suplício. (...) A infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar cotidianamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. (...) 

Querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fabricar com perfeição a perversidade, fazer cócegas com o punhal, pôr açúcar no veneno, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. (...) 

Causa náuseas beber perpetuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjoo em que o hipócrita vomita quase seu pensamento. Engolir essa saliva, é coisa horrível."

(Na imagem, Victor Hugo em sua adolescência.)

27 fevereiro 2011

"O amor da humanidade é uma mentira." Augusto dos Anjos

Acusam, muitas vezes, o nosso bom e velho Augusto dos Anjos  de ser doentiamente pessimista. Talvez, realmente seja. No entanto, sempre soará terrível aos nossos ouvidos a verdade impiedosa de muitos de seus versos inigualáveis.  Lembra-te, leitor, destes versos, quando falares de amor...

Idealismo


Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaira,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

Augusto dos Anjos
(1884-1914)

Adeus a Scliar

Faleceu hoje, vitimado por falência múltipla dos órgãos, causada por sua vez por um AVC, uma infecção respiratória e um tumor no intestino, um dos maiores escritores gaúchos (e brasileiros) da atualidade: Moacyr Scliar (1937-2011). 

Não posso dizer que sou propriamente um fã de Scliar, mas aprecio sua literatura e reconheço seu imenso valor.  Obras como O Centauro no Jardim e O Exército de Um Homem Só encontram-se entre as melhores páginas de prosa escritas no Brasil. Sem falar nos seus contos, vários de nível universal e que já estão imortalizados em nossa literatura.

Deixo aqui o final de seu genial conto Estado de Coma: "Não consegue levantar-se. Pega os cabelos dele com as mãos trêmulas, leva-os ao rosto. Filho, murmura, vou para o céu, vou pedir por ti... Morre. Não fosse isto - a morte - teria visto Jorge Henrique abrir os olhos, sorrir, espreguiçar-se, dizer numa vozinha fraca de nenê: ai, gente dormi um bocado."

26 fevereiro 2011

Balzac Contra os Jornais -"Um jornal não é feito para esclarecer, mas para lisonjear as opiniões."

O gênio da literatura francesa Honoré de Balzac (1799-1850) dispensa apresentações.  É um dos maiores romancistas de todos os tempos e realizou em sua obra uma profunda e coerente união entre o romantismo e o realismo, sendo um precursor da escola realista. Escreveu quase uma centena de romances. Não conheço todos, mas entre os vários que li destaco como melhor, na minha opinião, o magnífico Ilusões Perdidas. Trata-se de uma obra monumental em todos os sentidos (a edição que possuo tem quase 700 páginas). 

Pois nesse romance, entre outros temas, Balzac realiza uma profunda e devastadora crítica da mídia da época, particularmente dos jornais e seus jornalistas, mídia que se encontrava em definitiva ascensão.  Crítica perfeitamente válida para nossos dias. O próprio jornalista Juremir Machado da Silva em sua coluna no jornal Correio do Povo afirmou, há alguns meses,  que Ilusões Perdidas é a "bíblia da crítica de mídia" e aconselhou todos os estudantes de jornalismo a estudarem a obra de Balzac. Eu aconselho o mesmo. 

Nesse livro, o romancista francês acusa de forma direta, sustentada e impiedosa a mídia jornalística de assassinar os verdadeiros talentos, de tentar impedir o desenvolvimento da genialidade, de manipular os interesses da sociedade para disseminar suas ideias egoístas, de entronizar tudo o que é medíocre, de fazer procriar a hipocrisia e a vaidade, enfim... a verdade é que Balzac odiava os jornalistas. Certamente, deve haver jornalistas bons e maus. Em Ilusões Perdidas, o estudante de jornalismo aprenderá a não ser um dos maus profissionais. Estou certo que a maioria dos jornalistas brasileiros não leu essa obra. A seguir , alguns dos trechos do livro a respeito do jornalismo:

"O jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos, e de um meio passou a ser um negócio. Não tem fé nem lei. (...) Um jornal não é feito para esclarecer, mas para lisonjear as opiniões. Desse modo, todos os jornais serão, dentro de algum tempo, covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos. Matarão as ideias, os sistemas, os homens, e, por isso mesmo, hão de tornar-se florescentes."

"O jornal pode permirtir-se o procedimento mais atroz, ninguém se julga pessoalmente conspurcado com isso. (...) Assim, digamos que o rei faça o bem. Se o jornal for contra ele, tera sido o ministro quem fez tudo, e reciprocamente. Se o jornal inventa uma calúnia infame, foi alguém que lhe sussurrou. (...) E pode, ao fim de algum tempo, fazer acreditar tudo o que quiser às pessoas que o leem todos os dias. Depois, nada que o desgoste será patriótico, e ele não errará jamais. (...) O jornal, governado pelos medíocres, servirá o próprio pai cru, sem mais tempero que o sal de seus gracejos, de preferência a deixar de interessar ou divertir seu público."

E isso é só um minúsculo exemplo do que há no livro. Se relacionarmos tais palavras não só com os jornais propriamente ditos, mas também com as revistas e com as redes de televisão dos dias de hoje não temos aqui a verdade nua e crua? É, o tempo mudou. Essa é a evolução...

24 fevereiro 2011

Imperceptível

cai lento em sentimento sobre os olhos
óleos do sono imenso e leva embora
ao fecho da hora em véu sanguinolento
olhos do sonho tenso em larga espera
cai como sangue à hora dos avisos
sons de aviso em imensos que tu sentes
cai lento com o sonho impercebido
sangue do que espera entre a hora calma
óleo do sono denso que te tensa
olho que fecha e o sino não percebe
tudo que vem com véu e sangra embora
prenúncio que se vai no que se sina
sono lento que cai no que é humano...

(Nas imagem, o quadro "O Pesadelo", de Füssli)

23 fevereiro 2011

"Eu acredito ter visto o próprio Deus..." Händel

Georg Friedrich Händel (ou Haendel), ou ainda Handel, em sua versão inglesa, nasceu em Halle, Alemanha, em 23 de fevereiro de 1685. Hoje, portanto, o mundo comemora os 326 anos deste que é um dos maiores gênios da música de todos os tempos. Juntamente com Johann Sebastian Bach, Händel é um dos maiores nomes da música barroca, cuja influência foi decisiva para os compositores dos períodos posteriores, principalmente para o Classicismo e para o Romantismo.

Apesar de ter nascido na Alemanha, em 1713, com 28 anos, Händel muda-se para a Inglaterra, onde viveu o resto de sua vida, adotando, inclusive, a nacionalidade inglesa, em 1726. E foi na Inglaterra que desenvolveu a plenitude de seu gênio, criando obras imortais que ainda hoje nos emocionam profundamente. Mesmo não tendo sangue inglês, pelo fato de ter se naturalizado como tal é considerado o maior compositor inglês de todos os tempos. Foi considerado o compositor oficial da corte inglesa.

Sua fama, na Inglaterra, cresceu a níveis estratosféricos, fazendo jus à sua vasta genialidade, à sua inteligência penetrante e à integridade de sua vida.  O que não impediu que Händel enfrentasse uma série de problemas, como endividamentos frequentes, fracassos de algumas obras importantes, a oposição de inimigos e alguns sérios problemas de saúde, como a cegueira, que o vitimou em seus últimos anos. 

Se Bach foi o maior compositor abstracionista do Barroco, Händel pode ser considerado como o mais teatral do período. O seu domínio da teatralidade na música era espantoso, tanto que foi um dos maiores compositores de óperas da época. Marcada pelo perfeccionismo, pela intensa beleza estética e pela ousadia emocional, sua obra  é vastíssima. Händel legou-nos uma imensidade de óperas e oratórios, odes, cantatas, concertos grossos, concertos para instrumentos solos, sonatas, as famosas "Música Aquática" e "Música para os Reais Fogos de Artifício", suítes, árias etc. No entanto, foi nos oratórios que sua genialidade atingiu um nível nunca igualado. 

É possível que algum leitor não tenha um conhecimento sobre Händel, no entanto, todos já ouviram alguma vez o seu assombroso "Aleluia", música famosíssima, incluída em seu supremo oratório O Messias. Trata-se do maior oratório da história, obra fundamental dentro da música erudita, capaz de emocionar até mesmo os céticos com relação a Deus ( e eu tenho provas disso). Se Händel tivesse composto somente essa obra, já poderia ser considerado um gênio. Logo após finalizar a composição de O Messias, o compositor escreveu: "Eu acredito ter visto o Céu diante de mim e o próprio Deus sentado em seu trono, na companhia dos Anjos". 

Esgotado, doente e na solidão, apesar de toda sua fama, Händel faleceu em 1759, aos 74 anos de idade. Beethoven afirmou sobre o compositor de O Messias: "Händel é o maior compositor que já viveu. Eu cairia com a cabeça e os joelhos em seu túmulo." E Haydn disse o seguinte: "Ele é o mestre de todos nós.".

Para finalizar, deixo abaixo um pequeno poema em homenagem a Händel, certamente indigno de toda sua grandeza:

O Teu Nome

Haendel
Händel
Handel
não importa...
o que importa
é que o teu nome
deveria ser também
uma palavra oxítona
para que rimasse
com a imensidão
do Céu...


(Lembro que em alemão céu escreve-se Himmel, palavra paroxítona, como Händel. Rimam, portanto.)