12 dezembro 2009
Otimismo (piada)
na humanidade...
o homem se a(pro)funda
no ato de merditar
e usa as folhas das árvores massacradas
pra bem limpar
... a consciência
a Merda
é o fruto
sublime
da humanidade:
é algo sólido
prático
concreto
palpável
bem material
é o nosso futuro
espe... rançoso
11 dezembro 2009
Projeto Pequenas Histórias
Venho então fazer a propaganda dos mesmos. Caso o leitor tenha interesse em adquirir um dos livros, ou os dois, pode fazê-lo através do seguinte link:
http://www.cidadelaeditorial.com.br/euautor.htm
Anexando ao pedido do livro o código Arte e Fim, o leitor obterá um desconto de 10%. Agradeço imensamente aos que se interessarem pelas publicações.
10 dezembro 2009
Escolha a sua Opção
é sofrer à vista:
sofre-se um pouco
e depois passa
e até se pode ganhar um desconto...
ter esperança
é sofrer a prazo:
adiar a desgraça
com um cheque
de sonhos sem fundos
com um cartão de crédito
com limite de sorte excedido
para 30 dias
30 meses
30 anos...
mas um dia tem que se pagar
com juros
e acréscimos
escolha a sua opção...
09 dezembro 2009
I Fórum Latino-Americano de Literatura Contemporânea
08 dezembro 2009
Aquecimento Global, Caos Planetário e a Cegueira Humana
07 dezembro 2009
Se a Alma Foi?
que faço-te a mim
e faço-me a Ti
de quatro porquês sem princípio nem fim
porque silenciar não posso
porque te gritar não devo
além de tudo que pergunto ao mundo
além do todo que responde e afundo
neste meu poço onde tudo posso
neste meu posso com um porquê no fundo
por que a vida se viver não há?
por que esta alma se a alma foi?
por que a arte se minha arte só?
por que meu sonho se teu beijo não?
só um olho em verbo
que nada ganha e tudo vê:
uma verdade em dúvida...
por quê?
05 dezembro 2009
Crueldade Contra Animais na UFSM - Parte II
Art. 14. São considerados métodos inaceitáveis:
I - Embolia Gasosa;
II - Traumatismo Craniano;
III - Incineração in vivo;
IV - Hidrato de Cloral (para pequenos animais);
V - Clorofórmio;
VI - Gás Cianídrico e Cianuretos;
VII - Descompressão;
VIII - Afogamento;
IX - EXSANGUINAÇÃO (SEM SEDAÇÃO PRÉVIA)
X - Imersão em Formol;
XI - Bloqueadores Neuromusculares (uso isolado de nicotina, sulfato de magnésio, cloreto de potássio e todos os curarizantes);
XII - Estricnina.
Atentem, leitores, para o inciso IX: é um método INACEITÁVEL de eutanásia a exsanguinação sem sedação prévia. O mestrando sedou o animal antes de o sangrar com uma faca? Parece claro que não. Ele não sabia que deveria sedar? O MESTRANDO não sabia? Se não sabia, como chegou ao mestrado? Ou sabia e teve preguiça? Se teve preguiça, foi vergonhosamente negligente. Que profissional teremos no futuro? Ou sabia, mas quis ser propositalmente cruel? Queria se divertir com o sofrimento do gato? São perguntas que faço.
Então, amigos leitores, mesmo sendo verdadeira a história desse estudante, ela ainda é absurda, ainda é desumana, ainda é cruel. Sangrar um gato sem sedar, vendo o sangue escorrer, esguichar, espalhando o sangue por todo o local, seja ele qual for, estando o animal CONSCIENTE de tudo, sofrendo em desespero, sem nem ao menos ter certeza do que tinha o pobre gato, sem nem levá-lo para fazer um exame, sem nem tentar tratá-lo, sem nem tentar alimentá-lo, e ainda dizer que o matou por PIEDADE!!! Francamente...
04 dezembro 2009
Ainda sobre o Equívoco no Método Científico
Outra ressalva que faço é que mesmo nos dias de hoje há vários países da África e da Ásia em que a expectativa de vida não passa dos 30 anos. Até mesmo na América.
Não nos esqueçamos do 1 bilhão de miseráveis... Será que eles vivem 80 anos?
E uma última ressalva. Na Idade Média, por exemplo, um homem que vivesse 30 anos não teria vivido uma vida mais autêntica que um homem que hoje vive 80? Hoje vivemos sempre cheios de compromissos, sem tempo para nada, numa vida mecânica, robótica, sempre reclamando que a vida “voa”, que é como se um ano passasse como um mês e que 10 anos atrás “é como se fosse hoje”? Esses 80 anos não passaram como se fossem apenas 30? São questionamentos que deixo...
Mas tudo bem, reconheço sim, o aumento na expectativa de vida é uma conquista do atual método científico, negá-lo seria um absurdo. Mas percebam que no texto abaixo não neguei os avanços materiais e físicos da ciência com seu método. O que questiono é no que tais avanços tornaram o homem realmente melhor? Ou a ciência não é para tornar o homem melhor? Por que não, pergunto eu? Por que ela não pode modificar sua visão puramente racionalista e mecanicista para outra mais holística, que englobe outras capacidades e necessidades humanas.
Como afirmei abaixo, Einstein também questionava sobre isso, e não só ele, mas também outros grandes cientistas, como Carl Jung. Este afirmou que a ciência ocidental obscurece a visão quando apregoa que a única forma de conhecimento é o conhecimento racional. Por que a ciência insiste em sua visão mecânica das coisas? É isso que questiono. Creio que a ciência poderia ser mais e melhor se não se mantivesse arrogantemente nessa visão retrógrada. O pensamento medieval, ainda que com vários pontos em atraso, possuía um bem mais avançado que o atual: o de que o homem devia ver a si mesmo como uma parte integrada da natureza e não como seu dominador e explorador.
Que fique bem claro que não sou contra a ciência, somente um idiota é contra o conhecimento. Sou contra a maneira como a ciência é vista pelos cientistas e intelectuais em geral, questiono seu método, que para mim é realmente atrasado. Ninguém é obrigado a concordar comigo, obviamente. E o blog está aberto a outras visões.
Mas o que não se pode negar é a responsabilidade que recai sobre o corrente método científico na destruição do planeta, pelos motivos que mencionei abaixo. Claro que a responsabilidade não é só dele, mas sua parcela de culpa é imensa. A natureza sempre foi vista pela ciência como algo a ser explorado, algo a ser torturado até que nos contasse seus mais íntimos segredos. Tanta exploração levou-nos a que caminho? De nada adianta vivermos 80, 100, 200 anos se não houver um planeta para vivermos...
03 dezembro 2009
O Método Científico é Responsável Pela Destruição do Planeta?
A meu ver, a ciência deve buscar a verdade, o conhecimento sobre as coisas, sejam elas materiais ou não. E utilizar tal conhecimento para melhorar a humanidade. Mas o que vemos hoje? Vemos uma ciência cujo objetivo maior tornou-se apenas desenvolver técnicas ou fazer descobertas para tornar nossa vida mais cômoda ou mais “saudável”, ainda que esse “saudável” seja um tanto discutível. E ainda que essas “conquistas científicas” somente sejam acessíveis aos que têm condições financeiras de bancá-las. E o mais de 1 bilhão de miseráveis do mundo? O que a ciência faz por eles? No que a ciência contribuiu para tornar o homem melhor? O mundo melhor? A ciência não serve para isso?
Então, para a ciência, somente o que é mensurável, material, e adquirível materialmente é que pode e deve ser científico? É o que diz o método científico? Então, ao meu entender, o método científico está equivocado. Quem disse que ele deve estar necessariamente correto? Pois eu estou o contestando. O método científico é como a ciência atua, e para mim a ciência está atuando de forma equivocada.
O próprio Einstein condenava essa visão materialista e racionalista da ciência, inclusive não foi com esse método, ou unicamente com ele, que Einstein chegou à Teoria da Relatividade. Einstein, segundo suas próprias declarações, chegou a essa genial teoria inicialmente através da imaginação, através de uma sensibilidade artística que trouxe geniais insights ao cientista, os quais mais tarde se transformaram em uma teoria revolucionária. Einstein foi antes de tudo humano, sensível, não somente frio e racionalista. Não é à toa que uma das frases mais célebres de Einstein é esta: “A imaginação é mais importante que o conhecimento.”
Este método científico em vigor é absolutamente mecânico. Assim construiu uma ciência mecânica, que não está preocupada, comprometida com o verdadeiro desenvolvimento humano. De onde provém o atual método científico? Em grande parte, ele é oriundo da filosofia de Descartes. Descartes pensava que tudo era material ou explicável pela matéria, que tudo era mecânico, mensurável, que o universo inteiro poderia ser reduzido às leis físicas já conhecidas, e que o homem poderia fazer o que quisesse com o planeta e com os seres nele existentes, inclusive torturá-los em prol da ciência, pois não haveria alma nenhuma neles. Descartes afirmou: “o grito dos animais sendo torturados em prol da ciência é como o som do funcionamento de uma fábrica”.
Um absurdo? Um método um tanto atrasado? Pois é o método que ainda está em vigor na ciência. E o seu resultado está diante de nossos olhos. Uma civilização que destrói seu planeta a passos largos, afinal foi ensinada pela ciência com seu método que a natureza deve ser explorada ao máximo, pois ela não teria alma e nós, os homens, seríamos seus donos. Esse é o resultado mais elevado deste método científico.
02 dezembro 2009
dos Fins
desci descendente e desço
em queda
livre a serviço
mal sei o que soube em fim
mal vim de saber não sendo
mal sendo me vou e toco...
de sina em sinos
ao som me ensino
silencio
e sinto...
vela em crepúsculo
de chama à morte
aos Fins a(s)cendo...
01 dezembro 2009
Crueldade Contra Animais na UFSM
Bateram em Tua Porta...
e tu não atendeste
foi alguém ou foi algo
e tu nunca soubeste
e tu nunca tentaste
e tu sempre temeste
o que foi que perdeste?
pela noite descendo
bateram em tua porta
mas não foi duas vezes
e teus olhos fechaste
e de novo dormiste
é tão cômodo o sono
do qual nunca acordaste
é tão cômoda a vida
como não se findasse
mas a noite caía
e tão alta era a treva
e tão firme a batida
sinfonia em Beethoven
e tu nunca a ouviste
nem pensaste na morte
mas bateram na porta
e saber não quiseste
te viraste de lado
e o olhar não provaste
que o temor era forte
e o final te falava...
mas tu não atendeste
29 novembro 2009
Schubert - Um Gênio Não Reconhecido
Alguns leitores, após lerem a postagem sobre a trágica canção "Der Atlas" de Schubert, pediram-me para que escrevesse algo mais sobre o compositor. Prometi que o faria. Cumpro agora o prometido.
Franz Peter Schubert nasceu em 1797, em Viena, na Áustria. Foi um dos pioneiros do Romantismo na música, porém, quase que no anonimato, nunca tendo sua genialidade reconhecida em vida. Vida que foi curta, pois Schubert morreu em 1828 , com apenas 31 anos de idade, demonstrando uma precocidade raras vezes conhecida no mundo musical, comparável à de Mozart.
Com apenas 17 anos de idade, Schubert, que é considerado o maior compositor de lieder (a canção clássica) da história, compôs o famoso lied "Gretchen am Spinnrade", um dos maiores lieder de todos os tempos. Já na adolescência, Schubert prova toda a sua assombrosa facilidade para a criação de melodias e dá mostras da veia trágica que lhe possibilitaria a criação de sublimes obras-primas no final de sua existência.
A sua capacidade criativa era infinita, espontânea, poética, lírica, viva de inspiração. Pode-se dividir sua obra em duas grandes fases: a 1ª, ainda classicista e fortemente influenciada por Mozart, e a romântica, onde a influência de Beethoven se torna preponderante. Assim, Schubert é um dos compositores responsáveis pela transição do Classicismo para o Romantismo, dando continuidade à revolução beethoveniana. É na fase romântica que se encontra a grande maioria de suas obras-primas.
Porém, a imensa criação de Schubert foi silenciosa, sem a grandiloquência de Beethoven. Nunca atingiu reconhecimento em vida, ninguém o considerava um gênio, a não ser seus amigos mais próximos, e o próprio Beethoven, que antes de falecer reconheceu todo o raro talento de Schubert. Grande parte das obras máximas de Schubert nunca foram executadas durante a vida do compositor. Seu imenso sucesso em todo o mundo artístico só veio décadas depois. Suas músicas não lhe traziam uma renda suficiente para a sobrevivência, tendo que ser por várias vezes sustentado por amigos e familiares, morrendo na pobreza. No entanto, possuía um círculo de fiéis admiradores em Viena. Bem mais tarde, graças a esses amigos e a alguns músicos e musicólogos, sua obra foi resgatada, e Schubert tornou-se um dos maiores gênios do Romantismo.
Em 1822, com 25 anos, Schubert descobriu que estava com sífilis. A partir de então, como se a sombra da doença lhe intensificasse ainda mais a inspiração, Schubert passou a compor num ritmo febril. Ao mesmo tempo, aprofunda-se no Romantismo, iniciando sua última fase de criação, marcada pela produção de uma obra-prima atrás da outra, como se pretendesse deixar ao mundo o maior número possível de obras, pressentindo a aproximação da morte. As composições desse período caracterizam-se pela grande originalidade, pelo caráter trágico, melancólico e sentencioso, embriagado de um clima de fim, sem perder, no entanto, a espontaneidade e a beleza melódicas, que sempre caracterizaram as músicas de Schubert.
São dessa época a enigmática Sinfonia Inacabada, os terríveis últimos quartetos para cordas, as sublimes últimas sonatas para piano, de uma misteriosa originalidade, uma infinidade de lieder de absoluta maestria, além de uma série impressionante de outras obras-primas, como óperas, composições de câmara, composições sacras (entre elas a comovente Ave-Maria, capaz de enternecer o mais empedernido coração), as quais mais tarde serviriam de inspiração para inúmeros compositores, românticos ou não.
Em 19 de novembro de 1828, vítima provavelmente de febre tifóide, Schubert faleceu, deixando para um mundo um dos mais ricos legados da música clássica, sem nunca, no entanto, poder ouvir grande parte desse legado. Não por ter perdido a audição, como Beethoven, mas porque as obras nunca foram executadas.
28 novembro 2009
Não Gosto de Praia*
da praia infestada
de vazio humano
tal praia
é a profanação do mar
o que busco
é o oculto da sanga
entre o escuro do mato
como é escuro e oculto
o destino do meu olhar
com o que restou
do sopro livre de minha alma
quero o que restou
do vento livre destes campos:
o meu peito que nada espera
busca os capões brabos
peraus de cobras
onde há mosquitos
da febre amarela
há muito as febres me consomem
que eu só sou vacinado
contra o homem
e meu coração é uma tapera
quero me sumir pelos banhados
com os mistérios
que em mim somem
liberto de tudo que vi
quero me perder
por entre sapos
louco e bem longe de ti
até que se forme
a ventania em mim...
cumprir-se-á então
o que já está cumprido
do começo ao fim
*poema republicado com 2 versos a mais
27 novembro 2009
Campanha Publicitária - Casa dos Poetas
26 novembro 2009
Esta é a Tua História (ou O Pesadelo) - Parte Final
Eras o que pensavas enquanto conduzias dormindo o veículo pelas ruas povoadas. Dormindo não de dormir, embora com os sonhos já sonhasses. Com os sonhos não da vida, mas do sono. Pouco sono, aliás. Que o teu pesadelo voltará... Tu sabes. Mas os sonhos da vida... Estes não germinam na alma empedrada de compromissos.
Na avenida de intenso movimento, um acidente. O motorista da moto morreu. Contemplaste como se nunca morrerás. Com piedade do morto. E refletiste sobre o que iria acontecer com o motorista. Talvez nada. Talvez tudo. O homem pensa em tudo para ter uma vida cada vez mais cômoda. Mais tecnológica. Tecno lógica. Tudo deve ser lógico e confortável... Para isso o dinheiro. Para explicar tudo. Aliás, amanhã deves comprar um sofá novo. Dás duro. Mereces. Mas o motoqueiro morreu. O vermelho do sangue congestionando teus olhos. Para onde ele haverá de ir? Foi no que pensaste. Sabes? Não queres nem saber. Não sabes o porquê de saber? Rapidamente substituído pelos olhos da moça do escritório. Rapidamente substituídos pelo relatório de amanhã.
Chegaste. Belíssimo jardim ostenta tua casa. Mal pisaste nele desde que foi construído. Para não matar as gramas, argumentas para ti mesmo. Sabes que mente. Para não matar teu tempo. Tempo é trabalho. Exausto, a cerveja desceu aliviando teus músculos e nervos. Isso é reconfortante Principalmente antes da academia, para revigorar.
Tua esposa também chegou. Os olhos da moça do escritório são mais doces que o da tua esposa. Aliás, ela também está muito cansada. Até porque recém chegara da academia. Agora é a tua vez de ir. Beijo no rosto. Tchau. De carro para a academia. Por que não a pé? Ah, a violência. Estás certo. A violência das grandes cidades não combina com a preservação ambiental. Nada combina com a preservação ambiental. Principalmente o homem. Principalmente o mundo de que o homem necessita. Mas não é coisa para se pensar agora. É coisa para se pensar no nunca. Agora pensarás na academia, pois já estás nela. Não, pensas no relatório de amanhã, no sofá que irás comprar, no dinheiro que estão te devendo, no crescente da tua empresa. Estás conseguindo. Mesmo. Só não consegues o que não sabes que queres.
Academia é um saco, pensaste. Já não aguentas mais. Mas é necessário. Assim como trabalhar. Não fosse a academia, talvez a moça do escritório não teria te olhado. Ainda assim, terias bolso.
Em casa, outra vez, que alívio. Nas impossibilidades da vida, os rios límpidos e serenos emitem as vozes aéreas dançantes de tudo que não podes. E elas queimam rápido no teu sentir. Mas é noite, e a noite nunca tarda, e a noite é um réquiem. Descanso. Delicioso jantar escorreu mecânico pelo teu esôfago. Até te sentiste um pouco mal. O jeito foi deitares mais cedo na noite, mesmo com o medo do pesadelo... Na noite que convidava ao amor... Que espécie de amor? O que sentes pela tua esposa? Sentes? Ou o desejo que se intensifica pelo olhar da moça do escritório? Não sabes. Mas certamente era esse tipo de amor que a cumplicidade da lua, que a violência emocional em silêncio da noite te convida. O sonho...
Dormiste pensando em coisas importantes... No relatório de amanhã, por exemplo. No sucesso da tua vida, sem dúvida, plena de sucesso. Mas o pesadelo te despertou. Pesadelos têm por princípio despertar os homens que dormem. Agora, o silêncio da noite era fúnebre como a morte. Havia algo de estranho pairando no ar. Pensaste lento em coisas distantes. O pesadelo foi absolutamente misterioso. Mistério era tudo o que respiravas agora... Estavas certo que nele, alguém ou algo chamou teu nome. No pesadelo, tu não eras tu. Tu fingias que era feliz, mas sabias que não eras. Tentavas enganar a ti mesmo. Em outro momento de teu pesadelo, enlouquecias, eras o mais insensato dos homens, e então te sentias bem.
Acordava sempre imerso na dúvida. Alguma coisa esquisita vibrava em tua alma. Lembravas da música do pesadelo. Estavas certo que era Bach. Talvez não fosse pesadelo, talvez fosse um sonho mirífico. Alguém batia na porta, pesadas batidas. Não tinhas coragem de atender. Sinuoso e enigmático. Densificou-se o alimento de tua respiração. Algo de impalpável te alarmava.
O sopro das narinas em sono de tua mulher intensificava a tensão. Algum oculto flutuava no desconhecido da noite. O Desconhecido... Um sino soava como uma voz de fêmea. O mistério que te falava e que eternamente sustinha suas asas negras sobre tua alma. Que crescia e fitava-te nos olhos, em paroxismos e apoteoses, dizendo-te de tudo que nunca fizeste, que nunca tentaste, que nunca viveste, que nunca beijaste...
Mas amanhã é dia de trabalho. Deves dormir. Tentando esquecer o pesadelo, conseguiste. E horas depois, acordaste para o teu novo dia. Novo... Como seria o teu novo dia? Basta que releias esta história, que é a tua história...
25 novembro 2009
Esta é a Tua História (ou O Pesadelo)
Olhaste pela janela. 7 horas da manhã. Raios de sol iluminavam teus olhos. De nada adiantaria. Fazias isso todos os dias, todas as manhãs o mesmo ato. Já estavas anestesiado e mecânico. Passado e futuro digladiavam-se em tudo o que sentias. Nunca o presente. E o presente é extremamente cruel. O presente é sempre extremamente cruel. Fracassaste em teu presente. Tens tudo. Mas no fundo não queres nada do que tens. O que realmente, ou iludidamente, queres é sempre o que não alcanças. Mas não sabes disso.
Abriste a geladeira, e ela estava abarrotada de coisas. Sem tempo para comer. Um suco escorregou sem graça pelo teu esôfago. A garganta continuou seca. A laranja não tinha culpa de nada, talvez pensaste.
A roupa que vestiste era impecável. Hoje precisarias de teu melhor terno. O trabalho dignifica. És um homem digno. As ruas pelas quais passavas agora eram de uma magnificência encantadora. Todos os dias o mesmo trajeto. Mal as viste. Exausto sem ainda estar, cansado sem cansaço, o cosmos falava pelo canto dos pássaros. Já estavas atrasado. O salário era alto, como não poderia deixar de ser. Sempre valia a pena o esforço, o sacrifício e a dedicação extremados. Imensidões de esperança despencavam de céu irrepreensivelmente azul. Já estavas no escritório.
Cumprimentaram-te de acordo com toda a necessidade do respeito que te é devido. Há muito tempo teus olhos não se enchiam de lágrimas. E assim permaneceram. Fitaste a vetusta figueira filtrada pelos vidros espelhados do escritório. O verde irradiava-se livre pela ascensão triunfante do dia. Fracassaste em teu emprego. Trabalhaste para ser livre. Mas te tornaste ainda mais escravo. Escravo de teu sucesso.
Afogado nos papéis, uma sede insaciável debatia-se em tua alma. Córregos, rios, mares, oceanos cintilavam pelo longínquo sob o crepuscular das estrelas. O olhar da moça que passou dirigiu-se aos teus. E tua assinatura era agora imprescindível. Em centenas de documentos que em verdade não diziam nada. Mas eram tudo. Lembras-te que há muito tempo não via olhos como aqueles? Reminiscências espirituais de estrelas que há muito séculos partiram. Tristeza. Um pequeno besouro chocou-se contra a parede envidraçada. E uma gota de tinta manchou o terno impecável.
Ninguém é impecável. Como é da natureza humana, e animal, a fome sempre chega. Ao meio-dia, o sol atinge o seu auge. Mas não há tempo para considerações. Em teu carro de modelo importado colocaste uma música da moda. Não te agradava realmente, mas não havia tempo para encontrar aquela em que pensavas há meses. Em um buraco furaste o pneu. Ficaste tenso. Já não estavas bem. Tens andado nervoso ultimamente, talvez seja devido aos pesadelos. Mas furaste o pneu. O azar e o imprevisto voam sempre tão alto que não dá para avistá-los. Descem suas asas negras sobre os minutos de calmaria. Mas não há tempo para divagações. Trocaste.
O restaurante era belo. E caro. E impregnado dos mais vários e lindos alimentos. Ao longe os pomares em jardins impactantes e comoventes aspergiam o pólen de suas flores pelos ares límpidos e vivos de borboletas. Ao longe... O restaurante era o mesmo de todos os dias. Não há nada de novo sobre a terra. Pediste o de sempre. Antes de entrar, porém, um pequeno gato roçou-te a calça. O felino fitou teus olhos. Sem tempo para sentimentalismos. Sem tempo para considerações. Comeste. E isso é tudo. É prático. Haveria algo de maior em cada molécula ingerida? Levantaste da mesa, teu terno estava maculado pela tinta da caneta. Aborrecido. O terno maculou tua alma. Pagaste. Dinheiro não é problema.
Problema eram os olhos da moça que entrara no escritório. Ela não trabalhava contigo. Onde estaria agora? Amanhã, tu terás reunião. “Lembras-te disso espírito da terra.” E depois de amanhã também. Quem sabe a moça retorne... Pelo acaso. Voltaste. Passaste pela mesma rua de sempre. A fronde das árvores evaporando-se em sonhos? Agora não há como lembrar. Principalmente de sonhos. Principiava a tarde. Era tarde. É sempre tarde. Irritou-te com as infinitas questões do trabalho. Sempre haverá problemas, e se os resolveres, surgirão outros. Até quando serás saudável? Esse é o infinito. Porém, vale a pena preocupar-se com eles. E irritar-te. E estressar-te. O estresse está na moda. Vale? Nas distâncias inatingíveis e somente imaginadas, ou contempladas através das ondas da TV, vales floridos e verdejantes, onde pequenas casas de rústica beleza e simplicidade espargem melodias de Bach, ou eram como que eternamente. Talvez lá houvesse cintilantes olhos como os da moça relampejante do escritório. Aquele dinheiro que não te pagam continua te tirando o sono. Teria o fato alguma relação com teu pesadelo recorrente? Sim, agora pensavas no pesadelo... Ele voltará...
As cédulas serão necessárias para o necessário investimento. E a tarde vai passando. Passando como se não passasse. Ou como se passasse de forma total e devastadora. E não deixaste nada de nada. Como se não fosse nada. Mas sendo tudo para ti. O tempo morreu. Foste tu que o mataste.
23 novembro 2009
Que eu sei muito bem...
com teu sorriso mentido
ao cair lento
invisível da treva
no escuro
ao silêncio do verbo em trovão
melhor te conheço
que eu sei muito bem...
eu sou aquilo que vem...
então achaste mesmo
que o tenso do raio primeiro
fosse o encerrar da tormenta?
secreto medo nos olhos te leio...
a Tempestade ainda nem veio...
quer dizer que pensaste
que o intenso da tormenta inicial
fosse o findar do tufão?
há um aviso no teu lábio ao meio...
o Furacão ainda nem veio...
então tiveste certeza
que o denso do horror que desaba
fosse todo o horror já no fim?
tu sabes que em ti eu não creio...
o Horror ainda nem veio...
que eu sei muito bem...
eu sou aquilo que vem...
O que é Poesia?
jogada num poço
chama de incêndio
acesa na chuva
lava vulcânica
jogada na antártida
e o poço e a chuva e a antártida
é o teu coração
21 novembro 2009
O que Fica...
seja mais forte mais vasto mais alto
que o nada
que me impele pra baixo
se alvejarem meu tigre
não apagarão a força
com que ele sangrou suas presas...
se flecharem minha águia
não apagarão o espaço
que percorreram suas asas...
se serrarem meu cedro
não apagarão a altura
que atingiram seus galhos...
20 novembro 2009
Schubert e a Canção mais Trágica do Mundo
Die ganze Welt der Schmerzen muß ich tragen,
(Na imagem, Schubert, aos 15 anos de idade)
19 novembro 2009
I FÓRUM LATINO-AMERICANO DE LITERATURA / II ENCONTRO DE ESCRITORES DO MERCOSUL.
O evento internacional ocorrerá naquele mesmo local, nos dias 22, 23 e 24 de janeiro de 2010.Maiores informações podem ser obtidas no site da casa: http://www.casadopoetadesantiago.com.br/ .
18 novembro 2009
Na Praça Pública
Levantado
Por minhas mãos esgarçadas...
E, da tribuna mais alta,
Arrepelando os cabelos,
Gritei à malta:
“Eh, Camaradas!... Ouvi,
Que vou dizer-vos quem sou.”
Depois
Tudo o que penso de mim,
A minha boca gritou.
Gritou assim:
“Desde Jó
Que sofro as minhas feridas
E as minhas resignações.
Bastou: preciso falar!
Jó, deixa uivar os leões!
(Tens uma jaula no seio...)
Que este é o meu ar.
Estas vagas mãos caídas,
Estes vagos olhos fitos,
Este vago riso alheio,
- Não sei quem foi que mos deu!
Eu?!...
Eu sou um doido aos gritos,
Um que torce as mãos e berra,
Com olhos cegos de pó,
Com boca cheia de terra,
Com sangue roxo nas unhas,
Com micróbios nos pulmões...
Jó,
Abre a grade dos leões!
Camaradas!... Camaradas!...
Eu sou um velho realejo
Velhas valsas descoradas
Que farto já de esmoer,
Desandou,
E desatou a gemer
Coisas que ninguém no mundo
Lhe ensinara,
E que ele sempre guardara
No fundo
Lá tão no fundo!...
Eu?! camaradas!
Eu sou o esboço de Alguém
Que esteve quase a nascer
Mas não nasceu.
...Quem não me deixa ser eu?!
Viver
É, para mim, duvidar,
Desvairar,
Interrogar,
Procurar-me
Torturar-me
Agarrar fumo nas mãos
E acenar a uns meus irmãos
Que sinto perto, e não vejo
Por causa da multidão...
Sou um desejo
Que não tem satisfação!...
Embrião
Que nunca pode ser flor,
(É esta minha tragédia
E é esta a minha comédia)
Sou a linha do Equador,
Que fica entre Cá e Lá...
Senhor!
Meu Autor,
Criador nosso,
Culpado disso que sou!:
Ah, Camaradas!...”
E eu ia enfim, revelar-me...
Não sei que vento
Me levantava os cabelos
E me arrastava
Num turbilhão...
Todo eu era um alarme
Que vibrava
Abria-se-me a prisão!
Abriam-se
As minhas fontes fechadas!
Meus olhos doídos, fundiam-se
Em lágrimas que nasciam
Do coração...
Então,
Parei, sentindo risadas
Entre aqueles que me ouviam.
E as suas caras diziam:
- Que charlatão!
17 novembro 2009
Sobre um Tema de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
é belo o sol
imperador classicista dos céus...
mas a peste romântica da tempestade
amargura do caos
violência de tigre que ataca
vem e não se detém:
finda-se a paz do sol
no desespero das nuvens
carregadas...
é belo o azul
dos céus inatacavelmente felizes...
mas a pata em silêncio do lobo da noite
decadência do olhar
peso do sonho que esmaga
vem e não se detém:
finda-se a paz do azul
no desespero das trevas
carregadas...
é belo o rio
sereno e límpido sob azul e sol...
mas violento e túrgido sob noite e chuva
vem e não se detém:
finda-se a paz do rio
no desespero das águas
carregadas...
é vão lutar
contra o que deve vir:
o Fim sempre vence...
então deita nas águas do rio
e deixa por elas ser
carregado...
(Na imagem, o quadro "A Tempestade" de Giorgione)
15 novembro 2009
E uma Ave que Voa...
como se não estivesse
como se tirassem o mundo
debaixo do meu sou
coruja que clama pela noite
e a noite amanheceu
como se fugisse o ar
ao meu erguer de asas
promessa branca
cumprida ao contrário
pacto de sangue
em sangue sem hemácias
descompactado
divino sorriso
só aberto em ironias
horizonte em mar
salgado
quando se tem sede
e uma ave que voa
na aurora da chuva
como se dissesse a deus...
14 novembro 2009
Limites
no jardim
pensa que o mundo
é o jardim
o tubarão
no mar
penso que o mundo
é o mar
o periquito
no mato
pensa que o mundo
é o mato
o morcego
no escuro
pensa que o mundo
é o escuro
e o homem
no mundo
pensa que o mundo
é o mundo
12 novembro 2009
A Grandiosa Farsa de Yeda
VOCÊ SABIA que o governo Yeda prometeu dobrar o salário da Brigada Militar, mas agora contempla os brigadianos com um reles aumento de 20%, e que continuam sendo os mais mal pagos do Brasil na área de segurança?
VOCÊ SABIA que o “reajuste” de Yeda só contempla 14% dos professores, pois 86% deles estão nos níveis 5 e 6, que não ganharão 1 centavo de aumento?
VOCÊ SABIA que os professores aposentados foram excluídos do “pacote”?
VOCÊ SABIA que esse “reajuste” na verdade não é um reajuste? É somente um completivo para os que ganham menos de R$ 750,00. E é um completivo que não se incorpora ao salário, pois será descontado quando houver qualquer tipo de reajuste real. Não há nenhum índice de reajuste proposto aos professores, tudo foi enfiado goela abaixo sem nenhuma discussão. Isso foi tudo que o governo Yeda fez depois de 3 anos sem dar ao menos a reposição da inflação ao magistério.
VOCÊ SABIA que o novo plano de carreira incluído no “pacote” acaba com direitos adquiridos pelos professores, como promoções, triênios, avanços entre níveis e licença-prêmio? E que aqueles que não aderirem ao novo plano IMPOSTO e não discutido entre as categorias terão seus salários congelados?
VOCÊ SABIA que dizer que o piso do magistério vai passar para R$ 1500,00 é uma imensa mentira? Piso salarial é o vencimento básico de início da carreira, e sobre ele recairão os avanços e gratificações obtidos. Já para Yeda, piso é tudo isso somado. Ou seja, para ela, piso é o mesmo que teto. Significa que um professor que ganhe R$ 1500,00 devido a todo seus avanços, gratificações e conquistas não receberá 1 centavo de aumento, pois já está dentro do piso, que é o teto. Por que será que ninguém fala sobre isso?
VOCÊ SABIA que o tão propalado 14º salário é outro engodo? Primeiramente, afirma que somente irão receber o tal salário aqueles professores que merecerem. Mais quais os critérios desse merecimento? Provavelmente será puxar o saco do governo e não questionar suas decisões. Será um abono para os puxa-sacos. E ainda assim, segundo o próprio secretário da fazenda, “Se o Estado não estiver equilibrado, não tem prêmio.” Haha! Digam-me quando que o Estado está equilibrado?
Esse é o novo jeito de governar, através da mentira descarada, e com um poderoso mecanismo de marketing por trás. Mas há algo de novo nisso? Outra prova da grande farsa que é este governo incompetente e corrupto de Yeda é o trecho da rodovia entre Santa Maria e Paraíso do Sul. Passei por lá semana passada. Há um enorme cartaz que ostenta: Recuperação do trecho... blá, blá, blá. Mas a realidade que salta aos olhos, e ao carro, é uma buraqueira e desníveis vergonhosos.
Alguém vai me rebater?
11 novembro 2009
Eu sempre me espanto...
no milagre da vida
e nas maravilhas do cosmos
aqueles que julgam
que o milagre da vida
e as maravilhas do cosmos
não passam
do fruto sem sentido do acaso
de um amontoado estúpido de átomos?
se a Lei existe ou não
por que deveria ela
desocultar-se de seus longínquos
atender mansa a nossos gritos
responder clara às nossas mentes?
crer no acaso
ou crer na Lei
não é certeza,
é crença:
não faz diferença
então
prefiro crer
que a beleza e o canto do pássaro
não são imagem e ruído ordenados
por absurdas coincidências
para mim
a beleza e o canto do pássaro
são beleza e canto!
e em tudo que vejo e ouço
eu sempre me espanto...
09 novembro 2009
A Dança Cósmica (Parte Final)
Eu estava lá com Ele. E nós vimos. O grande cíclico movimento, densificação extrema, todas as almas, as mônadas, as partículas elementares voltando ao ventre até formar o estado pré-bigbang. E assim justifiquei para mim mesmo o amor. O amor é perfeitamente lógico. Devemos amar-nos uns aos outros porque somos os outros. No fundo, somos a mesma coisa: fagulhas nascidas de e pertencentes a um Todo que é Uno. Éramos uma coisa só, um átomo titânico, antes do Bigbang. Continuamos essa mesma coisa só, ainda que transformados. E voltaremos a ser esse átomo titânico. Por isso o amor. Não amar é como um braço de um corpo detestar e prejudicar o outro braço do mesmo corpo.
Ao iniciar o Mahavantara, eu iniciei a aventura da existência. Como se fosse tudo simultâneo e em perfeito equilíbrio e dinâmica transcendente. Deixei o repouso sereno da Noite Cósmica, do estado pré-bigbang e mergulhei na dramaticidade do teatro da formação espiritual-física. Desci, criado, e ingressei na evolução. E fui um elemental mineral, um elemental vegetal, um elemental animal, e fui um Elemental humano e... Viria mais. Algo além da evolução mecânica. Mas se não se vai além da evolução, vem o outro lado da roda, a outra face da moeda, pela lei do Eterno Retorno, vem a involução. Dia e Noite. E assim sucessivamente, infinitamente, em intermináveis ciclos. Noite e Dia.
Bigbangs explosões expansões auges retrações densificações auges Bigbangs explosões expansões... E o Todo deixando de ser Todo e sempre sendo Todo e sempre sendo Uno. E todas as coisas passando a existir sendo criadas e se expandindo ao máximo e se retraindo e sendo descriadas deixando de existir mas sempre sendo até a retração-regressão máxima e todas as coisas...
Universos e mais universos nascendo e morrendo e tornando a nascer e tornando a morrer. Assim é conosco. Assim é o Cosmos. E quantos bilhões de anos ou trilhões ou quatrilhões compõem um Dia Cósmico? E quantos Dias e Noites Cósmicas já vieram e morreram e retornaram? Quantos Bigbangs? E quantos ainda virão? E eu vi tudo isso. Eu estava lá com Ele. Nós estávamos lá com Ele. Nós éramos Ele. E Ele é Deus.
08 novembro 2009
A Dança Cósmica
Eu vi. Eu estava lá. E vi que no Princípio era o Verbo. Mas não vi o que era o verbo. Mas sei que era Ele, porque eu era Ele. Ali estávamos eu-Ele, e o Bigbang explodia. Principiava o universo mais uma vez. Ali, eu-Ele éramos todas as coisas não-feitas, não-formadas, nós e tudo mais éramos sem existir, no seio do Todo, sem formação, sem criação, mas sendo. Ali, antes do Bigbang, ou do Princípio do Mahavantara, como era seu nome para os antigos, estávamos extremamente densificados, numa vida não-vida, cujas sensações sem-sensações não se pode definir. Foi então que tudo principiou, e o Verbo fez-se. O universo explodiu no Bigbang novamente, e todas as coisas foram criadas, foram desdensificando, sendo feitas, passando a existir e não apenas ser.
Quando passei a existir, não era mais Ele, mas ainda permanecia com Ele. Numa época relativamente recente, que hoje diríamos que foi há milênios, descobri ocultamente que o Bigbang não é moderno. Do Bigbang já me disseram há milênios. É antigo, muito antigo. O que há de novo? O novo é o muito velho. Tudo retorna. Tudo é cíclico. A existência de todas as existências é regida pela lei do Eterno Retorno. Dinâmica infinita. O dia, ao chegar ao auge, regride em favor da noite. A noite, ao chegar ao auge, regride em favor do dia. O verão e o inverno se amam da mesma forma. O progresso da economia de um país regride ao chegar ao auge, em favor da recessão... A felicidade psicológica de um ser humano, ao chegar ao auge, regride em favor da dor... Por que com o universo todo seria diferente? “Assim como é acima, é abaixo”. Hermes Trimegisto.
Eu estava lá. Eu vi. Vi quando o universo, ao atingir o auge de sua densificação, não pôde mais continuar, e necessitou se expandir. Como é impossível à noite se intensificar a partir de certo ponto. Eu estava lá com Ele. E vi o universo explodir e principiar sua expansão. Vimos quando todas as coisas foram feitas. Era belo, sublimemente belo, ver todos aqueles sóis, planetas, cometas, luas, animais, plantas, homens, anjos, deuses... O Todo sob a vontade do Um. O Um sendo o Todo. Na verdade, seria mais preciso dizer que as coisas passaram e passam por profundas transformações, e não por criações. Pois antes já eram, apenas não existiam. Ou existiam em estados latentes. “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.” Lavoisier.
Mas foi ali que eu-Ele contemplamos que a matéria é uma transformação da energia. E que ambas são a mesma coisa. Vimos com olhos de alma que lá no átomo, ou aqui no átomo, as partículas ínfimas que formam seus prótons e elétrons comportam-se como energia. E estão em terrível movimento. Têm vida. A vida que palpita em todo Cosmos, o espírito vibrante do Todo que é Uno. O Mistério da Dança Cósmica. Vimos que as partículas têm sua irmã gêmea. Que quando mexemos nessa partícula, a sua irmã, instantaneamente, muito mais rápida que a luz, também é mexida, ainda que esteja a anos-luz de distância...
(Amanhã, a parte final)
07 novembro 2009
Sede e Sede
(a sede do corpo)
não tem sede de copo
tem sede de água:
então
quem tem sede
(a sede da alma)
que é a sede mais alta
não tem sede de corpo
(que é o copo)
tem sede de alma
(que é a água)
06 novembro 2009
Última Chance
ao meu último adejo de asas
pra voar à Torre de Vênus
que quase cheguei há algum dia
ah! que eu quase fui alto na noite
ah eu quase passei do meu fim
eu quase beijei nos teus olhos
quase olhei nos teus lábios
mas caiu-me a lua em pedaços
mas quedou-me quieto teu canto
mas um raio incendiou-me de asas
mas um fogo encheu-me de sangue
que eu... e agora que tudo se oculta?
eu.. e agora que estrelas se inflamam?
e agora que matam-se os loucos?
agora no último lance?
preciso
da Última Chance...
05 novembro 2009
Estrela...
os fogos-fátuos da terra inflamada
nos vagas-lumes de uma estrela ao longe
os incêndios da tempestade em febre
nas fluídas chamas de uma estrela ao longe
velas elétricas de raios cósmicos
nos altos raios de uma estrela ao longe
lavas vulcânicas de bomba atômica
nos sóis em fúria de uma estrela ao longe:
meus lábios
nos teus
03 novembro 2009
Em Chamas
O céu não estava no alto. Ou estava, e eu não o via. Ou ao alto estava, eu o via, mas ele não aparecia para mim. A cada passo que em delírio meu corpo sonhava que dava, surgia um rosto feliz com um sorriso esponjoso, rançoso e hipócrita em névoas claras pela imensidão do nada. Eles sorriam e queriam mostrar-me o caminho, dizer-me por onde ir, eles sempre sabiam de tudo, embora eternamente soubessem de nada. Em seu nada, aqueles rostos eram indescritivelmente horrendos. Eles surgiam como reação aos meus passos. E eu mal conseguia caminhar desde que os Outros vieram e cortaram-me as asas. Eu olhava para o alto e invejava os corvos que eternamente pairavam sobre minha existência.
Desde que podaram minhas asas, eu não consigo mais andar pelo mundo. Eu joguei pedras com o meu sangue derramado naqueles sorrisos imbecis. Eu soprei o furacão que devasta os meus pulmões nos olhos dos sensatos em suas vidas atoladas no nada. Eu beijei a boca quente da minha sublime tuberculose. Eu olhei para trás, para tudo o que havia percorrido, e contemplei extasiado os rastros roxos do meu sangue golfejado pela minha boca que nunca cessa de sentir.
Os rastros de sangue da sublimidade incomparável da minha tuberculose é que iriam salvar-me. Eu poderia voltar, jamais me perderia. As nuvens se intensificavam, caía chuva torrencial sobre meus sonhos. E eu os erguia cada vez mais alto, mais ao alto! Enquanto eles eram metralhados pelos sensatos que sorriam em seus rostos suspensos na nulidade do nada. Um banho de sangue e de lágrimas jorradas das almas de meus sonhos matou minha sede de tudo. Que a chuva era ácida. E eu jamais me contentaria com o teu muito que é miserável.
Ergui minha mão ao raio com um poema escrito com brasas nas minhas veias, e o raio o queimou. E sua fumaça ascendeu no fogo e impregnou as narinas de Deus. E os sorrisos dos sensatos, dos certos, dos felizes aplaudiram meu poema hipocritamente sem nunca o terem lido, pois Deus o queimou e respirou com suas narinas doentes. E eu era asfixiado pelo fumo de minha obra.
O aspecto repulsivo dos felizes com a coluna vertebral chafurdada na lama revoltou-me o estômago. Enquanto eu seguia sedento e avançava indômito em sofreguidão pela estrada por entre o nada, podia ouvir os berros desesperados dos gatos torturados pelos sensatos que sempiternamente assassinavam liberdades. O horror pairou mais denso e grave pelas atmosferas trovejantes. Na monumental infelicidade de sua felicidade, os rostos suínos (porque era nisso que agora se metamorfosearam) alimentavam-se das fezes que eles mesmos produziam em meio de seu nada que eu pisava indiferente e indignado.
Por entre a tempestade, caía a mais suprema das noites. Uma lua de absurdos donde partiam terríficos arcanjos imperou sobre minha desgraça. Extirpei de meu peito uma rosa de sangue febricitante para deixar nas mãos brancas do vulto gracioso que surgiu do nada. Acompanhava-me. Eu não estava morto.
Arranquei minha alma da tristeza e da revolta, fúria e melancolia, que fervilhavam no oceano de meus sentimentos. E com minha alma na ponta afiada da espada, fitei o que havia no lado escuro da lua. De um trovão mitológico, partiu uma flecha incendiada de olhares que causou fatal terremoto pela imensidade do nada de lodo. Um ciclone de desejos levou minha angústia poética ao auge enquanto ela gritava ao se debater em meus ventos. Um mar vermelho, de repente, cobriu todo o céu e a lua.
Meu olho imenso se abriu e dardejou aos céus como uma lança de liberdade insana. Alucinado, respirei fundo o veneno do ar que me oprimia e senti-me mais forte. Eu também era nada, mas alimentando-se do sangrar incessante de tudo o que eu sinto, minha Alma não morreu. Eu não deixei que a sepultassem no sem-sentido da vida dos certos. Minha alma, Em Chamas, vive, enquanto eu caminho com olhos sangrentos, desvairado, rumo à próxima Aurora...
02 novembro 2009
O Desastre da Legislação Ambiental Brasileira e o Otimismo de Maffesoli
É como diria o pensador francês Michel Maffesoli, o mundo está melhor, está menos individualista. Haha! Quer dizer que ele pensou, pensou, e chegou a essa conclusão? Agora recebi a prova de como sou imbecil. É incrível, mas eu não consigo enxergar o óbvio: o mundo está menos individualista. Certamente devo ter sonhado quando li nos jornais que o número de famintos e desnutridos no mundo passou de 800 milhões para mais de 1 bilhão nos últimos anos. Ah, PENSANDO bem, só aumentou em 200 milhões! 200 milhões é só a população do Brasil. Isso não é nada! É só um acidente de percurso em nosso pomposo desenvolvimento...
Se eu pudesse dialogar com o senhor Maffesoli e outros pensadores pós-modernos do 1º mundo eu sugeriria: por que vossos países ricos, que não são individualistas, não ajudam de verdade aqueles países pobres que vocês tanto exploraram no passado? De vez em quando eles mandam umas esmolas, que rapidamente são repostas em quádruplo pelo lucro de suas multinacionais. Que não são individualistas.
Maffesoli é francês. A França não é individualista. Claro, enriqueceu tanto com suas colônias do passado (e ainda enriquece com suas multinacionais) que agora tem riqueza para todo mundo. Foram séculos de pirataria, pilhagem e roubalheira dos recursos naturais de países que hoje agonizam com 1 bilhão de famintos e desnutridos. 1 BILHÃO! Isso também é pomposo!
França, Inglaterra, Portugal, Espanha... Países que não são individualistas. Foram séculos devastando matas, poluindo rios, extirpando as riquezas das terras férteis e transbordantes de ouro e diamante do 3º mundo, à custa das lágrimas dos seus povos, da escravidão e do sangue derramado, à custa de seu suor inútil, de suas esperanças asfixiadas, de seus direitos renegados. Claro, agora não é mais preciso ser individualista. Agora todos são tolerantes e amiguinhos. Inclusive eu, inclusive você, amigo leitor. Não somos mais individualistas, desde que os problemas dos outros não atinjam o nosso próprio umbigo. 1 bilhão de famintos? E daí? Eu não tenho nada a ver com isso.
O intelectual Maffesoli disse que o homem deve sonhar. Concordo plenamente. Aliás, sonhar é o que mais faço na vida. Como escrevi em certo poema, não passo de um labirinto de sonhos. Eu só tenho uma dúvida: acho que em alguns anos vamos ter que sonhar no mundo da lua, porque não haverá mais planeta Terra para sonharmos...
31 outubro 2009
Sem Termos...
nos seguintes termos:
amemos sem termos
morrido
morramos sem termos
amado
e só por termos amado morramos
ao amor não há
adequados termos:
alto cardíaco pacto
de infinito amor:
impossível matemática
sem
termos...
30 outubro 2009
Otacílio e Madalena ou A Morte do Pampa (As Almas do Fantástico na História do RS - História 3ª) - Parte Final
Em um momento, não sei por que motivo, talvez hipnotizado por minhas divagações absurdas e pelo clima sobrenatural que sombriamente me seduzia, tive a coragem de desligar a lanterna e mergulhar na mais tenebrosa escuridão. Nesse instante, meus pensamentos calaram-se, e o silêncio tumular invadiu minha alma de forma arrebatadora. Uma profunda tensão naquelas atmosferas tristes e envelhecidas pesou-me nos ombros...
Foi então que julguei ter escutado passos, e um sussurro feminino soou nos meus ouvidos cava e profundamente chamando meu nome. Julguei sentir o sopro de uma respiração nos meus cabelos. Alarmado, rapidamente liguei a lanterna. Mais uma vez, não vi nada. Talvez tenha imaginado o que ouvi... Contudo, decidi então manter a lanterna acesa até o amanhecer, aquele clima de tensão não era suportável sem algum tipo de luminosidade. E eu ali permaneci sentado no fúnebre quarto, divagando sobre assuntos que dificilmente ocorrem às pessoas comuns.
Refleti, por exemplo, em por que os fantasmas do casal deixaram de ser vistos há quase 30 anos, e por qual motivo aqueles que afirmavam tê-los presenciados eram, quase sempre, pessoas simples, camponeses sem nenhuma formação intelectual, formados apenas pela vida natural em seu ambiente destituído das convenções sociais. Pensei nisso, porque na década de 60, atraídos pelos muitos relatos, alguns estudiosos de assuntos paranormais dirigiram-se ao local para tentar avistar os espíritos, não obtendo, no entanto, permissão do antigo fazendeiro para entrar na casa. E tais estudiosos não viram ou pressentiram absolutamente nada no campo.
Cheguei à conclusão, dessa forma, que a capacidade de contemplar tais fenômenos é algo exclusivo do coração, da intuição, nada tem a ver com o acúmulo de teorias e de conhecimentos mecânicos na mente. Pelo contrário, quanto mais intelectualizado for o indivíduo, mais ele terá a tendência de raciocinar e tentar conceituar esses fatos, criando barreiras psicológicas que impedem que possa naturalmente presenciá-los.
Porém, lamentavelmente, a tendência dos dias atuais é justamente essa intelectualização estéril de todos os fenômenos que a ciência não explica, como se todas as coisas do universo pudessem ser analisadas, medidas, quantificadas, esquecendo-se, desprezando-se os acontecimentos espirituais, além do raciocínio lógico. Por isso, hoje os sabichões do intelecto preferem ridicularizar tais histórias, afirmar desdenhosamente que são “contos de nossos avós”, como se pelo fato de essas pessoas não serem intelectuais, não podem então saber de nada, não merecem crédito.
E assim, esses senhores intelectuais foram aos poucos assassinando as almas da natureza, alastrando o vírus do ceticismo cego e estéril. Quando falo em almas, não me refiro somente a assombrações, mas às almas dos campos, das matas, dos rios, dos ares, das plantas, dos animais. Para esses senhores, nada possui alma, tudo é mecânico e material tão somente, tudo pode ser conceituado dentro do limitados padrões mentais, não há mistério algum por trás das coisas.
Por tais motivos, pensei, hoje só raras vezes se presenciam os fenômenos de aparições de almas, não só de pessoas falecidas, mas também dos elementais da natureza. Os homens bloquearam seus sentidos superiores devido ao acúmulo excessivo de teorias mecanicistas e agora duvidam e riem-se de tudo que não for “cientificamente” comprovado, como se ciência fosse sinônimo de mental.
Os homens afogaram seus corações no veneno das teorias intelectuais, e o resultado é que as manifestações da Alma do Mundo abandonam agora os homens. E assim é com o pampa gaúcho. O pampa morre, porque o homem mata sua alma. Toda a destruição ambiental que flagela o planeta é fruto desse desprezo que a humanidade dispensa às almas da natureza. É como se para a humanidade nada possuísse alma, nem mesmo ela. Então, se nada possui alma, o planeta também não possui. E o planeta morre, e com ele o pampa... Viciamo-nos a pensar em todo e qualquer ser vivo como se fosse uma máquina, inclusive o homem. Se nós, seres vivos, fôssemos máquinas, depois de mortos, bastaria “reparar o defeito” do organismo e religar à fonte de energia, que voltaríamos a viver. Assim podemos fazer com um carro ou com um computador, mas não com um ser vivo. Não podemos pôr de volta a vida.
Afirmo que todas essas assombrações e aparições misteriosas que tanto povoavam nossos campos também fazem parte da alma do pampa. E o desaparecimento desses fantasmas é outro sintoma de sua morte...
E nesses assuntos que ninguém mais pensa, ou pensa apenas para desprezá-los, eu pensava quando fui despertado pelo cantar dos pássaros. Já principiava a alvorada, embora o sol ainda não houvesse saído. Levantei-me da cadeira, despedi-me do quarto espectral e dirigi-me à porta. Como já iniciava a clarear o dia, desliguei a lanterna. E ao abrir a porta, assustei-me com o disparar de um cavalo mouro que partia rapidamente ao capão de mata. Havia um casal sobre ele...
29 outubro 2009
Otacílio e Madalena ou A Morte do Pampa (As Almas do Fantástico na História do RS - História 3ª)
Segundo os moradores da região, as aparições tratavam-se do fantasma de Otacílio Vicente Marques, e a mulher que eventualmente o acompanhava seria sua esposa Madalena Marques. O casal viveu em uma pequena e rústica casa de alvenaria, cuja tapera ainda existe no local, durante a década de 40. Otacílio vivia do trabalho nas lavouras de sua pequena propriedade e criava algumas poucas cabeças de gado. De acordo com os moradores mais antigos do vale do Itacurubi, o casal levava uma vida tranqüila e modesta. Não possuíam filhos nem parentes próximos. Raramente recebiam a visita de alguns tios e primos relativamente distantes. Aparentavam viver felizes tendo apenas um ao outro, e a solidão da vida no campo não os molestava.
No entanto, o ano de 1949 surgiu com uma terrível tragédia para o casal. No mês de janeiro, Madalena nadava em um açude da propriedade, enquanto Otacílio buscava gravetos na mata. Foi quando este ouviu os gritos de Madalena que, com cãibras em uma das pernas, afogava-se nas águas profundas do açude.
Otacílio mal teve tempo de pular na água, já era tarde, sua esposa estava morta. Carregou-a nos braços de volta para casa e durante toda a noite chorou em desespero ao lado de seu corpo. No dia seguinte, nas primeiras horas da manhã, enterrou-a a cerca de 1 km da residência, ao pé de uma coxilha, sob a sombra de um imenso angico. Otacílio não suportou a dor da perda da esposa. Nas semanas subseqüentes viveu em uma profunda depressão, deixando de trabalhar e até mesmo de se alimentar. Foi encontrado morto em sua cama cerca de cinco meses depois da morte de Madalena. Foi enterrado ao lado de sua amada, sob a sombra serena do angico. Ela morrera com 39 anos, ele com 52.
Um tio idoso de Otacílio ficou como responsável pela propriedade e decidiu vendê-la a um fazendeiro das vizinhanças. Este optou por preservar a pequena residência com toda sua mobília, em lembrança e respeito à memória do casal.
Foi no ano seguinte, 1950, que o fantasma de Otacílio foi visto pela primeira vez no local anteriormente descrito. As aparições tornaram-se cada vez mais freqüentes durante a década de 50, a ponto de os moradores da região reunirem-se para a realização de orações às almas dos mortos. Durante os anos 60, as visões permaneceram constantes, contudo, a partir de 1970 principiaram a reduzir-se gradativamente, até que em 1981 ocorreu o último relato de alguém ter vislumbrado os fantasmas de Otacílio e Madalena.
Porém, devo dizer que fervilhava em mim o intenso desejo de contemplar aquelas almas... Tanto que em determinado fim-de-semana, decidi passar toda uma noite na tapera de Otacílio, na esperança de presenciar as aparições do casal... Facilmente obtive permissão do agora dono das terras, filho do antigo fazendeiro para quem o tio de Otacílio vendera a propriedade, para pernoitar na pequena casa já em semi-ruínas.
Cheguei àquelas terras misteriosas ainda durante a tarde. Permaneci próximo ao capão de mata à beira da estrada que ficava a algumas dezenas de metros da propriedade. No entanto, as horas passavam-se, a noite sombria de outono esfriava, e eu já não suportava permanecer imóvel em meu posto de observação: não surgira absolutamente nada.
Decidi caminhar até o sepulcro do casal, situado a pouco mais de 1 km de onde me encontrava. Conforme me aproximava, percebi que o clima psíquico tornava-se mais denso, concentrado, eu poderia jurar que alguma presença ignota influenciava nas sensações estranhas que me invadiam, porém não pude avistar os fantasmas. Entretanto, diferentemente do que se poderia pensar, não senti medo, não era algo assustador. Pelo contrário, sentia-me bem estando perto da sepultura do casal, apenas duas cruzes de ferro já enferrujado cravadas no chão. A brisa fria que soprava na coxilha era-me salutar, e uma profunda serenidade advinha daquele vetusto e venerável angico que ali se erguia como um solene guardião àqueles dois amantes.
Permaneci ali por algumas horas, passava já da meia-noite, e embora fosse uma noite fria e sem lua, a madrugada principiava bastante agradável, ao menos para mim. Porém, como não via nada de sobrenatural, conquanto minha intuição captasse algo de estranho, resolvi voltar para a residência e, pela primeira vez, entrar naquela casa sombria e inquietante.
Trazia comigo, é claro, uma potente lanterna, e detive-me quando dirigi seu facho à porta de madeira já semi-apodrecida que se encontrava entreaberta. Receei por um momento antes de entrar. Nunca soube de alguém que tivesse entrado na casa após a morte de Otacílio, com exceção de seu tio e dos vizinhos que foram velar o corpo. Nem mesmo o fazendeiro agora proprietário da residência o fizera. Confessou-me que nunca vira a assombração e que não acreditava muito em visões de espíritos, embora soubesse de vários relatos a respeito, inclusive o de seu falecido pai. Disse-me que seu pai nunca quisera entrar na casa, com receio de ser amaldiçoado pelo fantasma de Otacílio, e por isso também jamais pensara em destruí-la. Mas ele, o filho, afirmou que mal lembrava da casa e dos espíritos, que abandonara o local à ação do tempo, mais preocupado com seus outros campos. Pretendia, inclusive, ordenar a destruição da tapera e ali construir um galpão para armazenar parte da produção de suas lavouras.
Pensei exatamente nesse estado de abandono quando entrei na casa. Os móveis ainda ali permaneciam, aparentemente nunca foram alterados de lugar. Porém, apresentavam sinais de apodrecimento, o ambiente aparentava ser bastante úmido, e vários buracos no teto permitiam entreverem-se as estrelas. O cheiro de mofo e bolor era quase insuportável, bem como a poeira que se acumulava em todos os cantos, em todos os móveis. Alguns morcegos revoaram quando entrei, aranhas e suas teias estavam em todos os lugares, e alguns animais pequenos rapidamente moveram-se por baixo das mesas e cadeiras.
Direcionei o facho da lanterna para uma janela ao assustar-me com o som do adejo de asas de alguma grande ave. Era uma coruja-de-orelhas que voava pela janela parcialmente aberta.
O clima daquela casa era verdadeiramente tétrico e nada acolhedor. Suas paredes sujas e manchadas, algumas panelas e chaleiras muito antigas sobre o fogão à lenha, pelegos imundos jogados aos cantos, cadeiras de palha que apodreciam, armários caindo aos pedaços, cuias, copos e canecas embolorados, enfim, tudo o que ali eu via parecia ter surgido de dentro do próprio túmulo do casal, tamanha era a sensação de esquecimento funerário que me transmitia. Sentia ter penetrado em um local onde o tempo parou e que somente a morte e o mistério habitavam agora.
(Amanhã, a parte final)
28 outubro 2009
Suspiro de Lobo
fico pensando
no que hei de pensar
e tentando achar
o que hei de fazer
mas por que
hei de pensar e fazer alguma coisa?
quem disse
que pensar é pensar
e fazer é fazer?
o melhor pensamento
é aquele que lua
sem ter que pensá-lo luar
a melhor das ações
é aquela que sol
sem ter que fazê-la solar
então deixo
que minha obra viva
quando há de viver
e durma
quando há de dormir
o mais é nada:
não desejo além
que minha obra seja
como um suspiro de lobo-guará
se ocultando na mata...
26 outubro 2009
“Fui tudo. Nada vale a pena.” Fernando Pessoa
Esses dois versos são aparentemente de uma total contradição. No entanto, foi o mesmo poeta que escreveu. O grande Fernando Pessoa. Maior poeta da língua portuguesa e maior poeta do século XX em todo o mundo, na minha opinião. Porém, as pessoas preferem citar somente o verso mais otimista dele. Por que também não citar o mais pessimista, o mais negro? Fernando Pessoa era assim: coerentemente contraditório. Era muitos em um só. Que o digam seus geniais heterônimos. Afinal, o ser humano é contraditório por natureza. Quem pretende ser sempre coerente em seus atos, sentimentos e pensamentos, mente para si mesmo.
Mas como eu dizia, as pessoas deveriam conhecer mais, e citar mais, e analisar mais o lado escuro, o lado pessimista, desiludido, cruel, indiferente e doentio de Fernando Pessoa. Aquela face de Pessoa que reflete toda a verdade de sua vida na solidão e na incompreensão, sem reconhecimento, fracassando em todos os seus projetos de vida prática, conseguindo publicar apenas um livro, sem dinheiro, sem amor, sem família, sem nada, a não ser a arte e a alma. Agora já é moda citar os versos belos, elevados, sublimes, luminosos de Fernando Pessoa. Agora todos reconhecem a sua devastadora genialidade. Mas esquecem da profundidade abismal de seu lado negro. Tão vasto quanto o outro. Então, deixo abaixo 13 trechos que selecionei dessa face sombria e furiosa de Fernando Pessoa. Espero que alguém deixe tais versos como uma recepção em seu blog, ou twitter, ou orkut...
1) “Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo?
Para que havemos de ir juntos?”
2) “Falhei. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu,
É hoje, sei, um lúgubre escaninho...”
3) “Toda obra é vã, e vã a obra toda.”
4) “Dá-me mais vinho,
Que a vida é nada.”
5) “A vida...
Branco ou tinto é o mesmo: é para vomitar.”
6) “Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor... Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.”
7) “Tenho esperança? Não tenho.
Tenho vontade de a ter?
Não sei. Ignoro a que venho.
Quero dormir e esquecer.”
8) “Se te queres matar, por que não te queres matar?
(...)
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez matando-te, o conheças finalmente.”
9) “Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta. Não fazes falta a ninguém...”
10) “Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio...”
11) “Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.
Não há sossego – e, ai de mim!, nem sequer desejo de o ter.”
12) “ A esperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.”
13) “Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.”
Aqui estão apenas alguns exemplos. Eu poderia deixar centenas de outros.
25 outubro 2009
e Noite e Sono e Morte
há um dique
há um filtro
há um descanso...
a noite
é o descanso da luz:
a luz se oculta
mas ela está lá...
o sono
é o descanso do corpo:
o corpo dorme
mas permanece vivo...
a morte
é o descanso da vida:
a vida esquece de si
mas ela continua...
o Fim
é a noite completa do mundo
o sono profundo da humanidade
a morte lenta da civilização...
e após a noite
sempre surge outro dia
e depois do sono
sempre se acorda
e após a morte
sempre se renasce...
24 outubro 2009
Poética
eu poderia poetizar
a delicada ternura
das pétalas da rosa
a energia da vida
de um dia ensolarado
a tranquilidade calma
de uma verde primavera
mas isso...
tocaria o leitor?
para o tocar
poetizo a dor:
só quem sofre
conhece o valor
das pétalas da rosa
do dia ensolarado
da verde primavera
quando a pedra é muito dura
só a rompe a dinamite...