Um Mundo Feio

a civilização humana atual 
(essa coisa horrorosa que nos cerca)
fez um mundo feio 
uma vida sem sentido e 
feia, simples assim: feia.
cidades modernas feias pra caralho

 
sem graça sem vida sem nada 
tudo reto quadrado prático
previsível mecânico robótico
um tédio absoluto e apático
entediante vazio raso chático
certinho apertado pragmático 
(pra pessoas que não precisam viver
só trabalhar para o sistema)
tudo mesmíssico iguálico

ruas cimentadas e mortas
vidas de plástico
há muito já mortas 
sem vontade sem interesses 
sem consciência sem paixões 
(nem ao menos são tortas)
engomadinho e informático
tudo bobo babado babaca
tudo falso fake pseudo

que não servem pra nada 
não há mais o que se sinta 
não há mais o que se pense 
não há mais o que se ame
a não ser o que se morre.
 
todo esse clima de Fim
que me embriaga dia e noite 
manhã e tarde 
só eu sinto.
mas há uma saída para o Fim 
que se chama Eternidade.

Versos Diretos n°168, 169 e 170

n°168: do (Não)Reconhecimento

grandes artistas
são mais lembrados
depois da morte
não é só porque com o tempo
as pessoas compreendem suas obras.
é também porque em vida 
eles se enchem de inimigos 
de antipatizantes
de haters
de gente chata do caralho 
e de pessoas que os veem
como só mais uma pessoa.

n°169: das Asas

durante a vida
no dia
as asas de todos os pássaros 
na noite 
as asas das corujas dos morcegos 
depois da morte 
as asas dos anjos 
ou as asas dos demônios
e durante vida e morte 
as asas da poesia
que conhecem

tanto a morte como a noite 

tanto a vida como o dia.

n°170: do Fim da Humanidade

e só restaram dois humanos.
e os Tigres se ergueram 
do barro da terra
junto ao resto das águas dos rios 
para os matar e os comer.
mas deixaram as suas cabeças

humanas e mortas.
e vindo dos ares
em meio ao fogo e à fumaça 
os abutres sentiram o cheiro podre 
do imundo e morto sangue humano 
pousaram nas cabeças mortas
e arrancaram seus olhos mortos.
olhos há muito tempo mortos.

Soneto em que o Fim está entre Parêntesis

palavras! ergam versos melodias

obedeçam às ordens do que sinto

derramem à terra tudo que for tinto

de angústia repletem as veias vazias

reconheçam-me em corações famintos

lacrimem de sangue as escadarias

morram pelo que eu jamais morreria 

se fúriem por céus enquanto me extinto

transmutem em vinhos a minha má-sorte

construam almas com meu sofrimento

por mais que o humano em nada se importe

penetrem em seus olhos e ventem a Morte.

(não é em vão todo o nada que tento:

que esteja contigo o meu sentimento.)

 

O Dia é a Noite que ainda não chegou e vice-versa

o mal é o bem ao contrário:
é o que nós desejamos no espelho.
no consciente temos que desejar o bem
mas no inconsciente (no espelho)

o mal é livre 
e muito nosso familiar:
quem é que nunca viu o seu reflexo?
é familiar mas não é percebido.
entre ver e perceber 
há um abismo de não-ser.
é o como é acima é abaixo. 
o inferno é o céu que caiu
(os anjos que caíram)
o pesadelo é um sonho
que deixou de querer ser sonhado.
a esperança é uma espera?
e o medo também é 
só que de algo ruim.
tudo no universo 
é um virar de contrários: 
o ódio, por exemplo,
é o amor 
que se queria que fosse 
mas que não foi e azedou.

A Sociedade (do) Lixo

uma civilização que produz 
tanto lixo ao infinito 
está condenada à morte.
cuidado que lixo não é só 
se atirar sacos de restos nos lixões...
(o que por si só 
já bastaria para o Fim).

mas o maior lixo 
não é o que está cheio
é o vazio:
é o não se importar 
o não pensar o não sentir
é o não estar nem aí 
é se rir da ignorância 

é o perverso que nem se vê 
é o sem sentido é o normal
é o dia a dia é o que é aceito
é o que é tido como vida 
vida que só causa morte
(mas ninguém quer falar 
de morte
não é mesmo?
melhor me ignorar).

mas continua 
o sem saída a alma podre
a mente em fezes
o coração que fede

por enquanto o existir flores...

e tu, meu amigo,
(ou toda a humanidade)
bem (ou nem)
sabes do que digo.

Soneto à Mater Natura

tempestades fulguram como flores
entre beijos desastres e outros rastros
eu me sangro o perfume dos teus astros
e o sol olhou-me os olhos ao te pores

entre a tarde anoiteço as tuas dores
eu te sonho e te trago entre teus vastos
dos teus olhares eu jamais me afasto 
e me ergo alucinado onde tu fores

sinto na pele as mortes do que fito
meus olhos se  lacrimam nas tragédias
desastro que não passo de um maldito

mas além em nebulosas anjo-argênteas
se erguem mais ao alto tuas rédeas 
a nos mostrar quem comanda o Infinito.

Para que te lembres no meio da Noite

todas as tecnologias que te fascinam

os celulares os carros as TVs

os aviões os shoppings os edifícios 

as internets as naves as IAs

um dia irão passar: elas morrerão

como morre tudo que não tem alma.

mas permanecerá a poesia.

todos os teus problemas os teus sonhos 

os teus desejos os teus gostos tuas ansiedades

tuas preocupações os teus temores

todos os deboches todas as arrogâncias

tudo isso passará como o vento de verão 

mas continuará a poesia.

todas as ambições todos os planos 

todos os negócios todos os dinheiros

todos os status todos os sucessos

todas as conquistas todos os troféus 

tudo isso será esquecido

tudo o tempo tragará.

mas ficará a poesia.

e mesmo quando esta civilização se acabe

nas ruínas dos seus próprios erros

ainda permanecerá a poesia 

porque foi a poesia 

que previu todo o Fim.

Versos Diretos n°163, 164, 165, 166 e 167

n°163: há três coisas inegociáveis

(porque se forem negociadas

não são verdadeiras):
a morte 
a arte

e o amor.

n°164: os versos voam a todo instante 
sobre o que sente em mim
como pássaros que batem asas

pelo céu das vastas florestas: 
o difícil não é ver

ou sentir os versos 
o difícil é deixá-los em mim
sem jamais aprisionar os pássaros.

n°165: dizem que as pessoas 

do mundo de hoje 

perderam as suas almas.

isso não é verdade.

as suas almas elas perderam 

faz muito tempo.

hoje elas perderam os sentidos:

não veem mais nada 

não ouvem mais nada

não entendem mais nada 

não sentem mais nada.

n°166: já pensei em poemas 

que esqueci 

e nunca escrevi:

eles me deixaram.

se eram verdadeiros 

um dia irão voltar.

n°167: nossa sociedade 

não permite equilíbrios

ela exige extremos:

entre ser indigno 

e ser orgulhoso 

eu não tenho a menor dúvida 

em qual lado escolher

com muito orgulho.

(Só) Trabalhe!*

quando eles dizem: "Trabalhe!"
eles querem dizer: "SÓ trabalhe!"
é a melhor forma de dominação:

quem só trabalha
não tem tempo para ler
não ... para ouvir
não ... para ver
não ... para pensar
não ... para sentir

não se inquieta
não questiona
não contempla
não tem tempo para a vida

quem não vive
não se importa com o que vive
não ... com o que sofre
não ... com o que morre

a era pós-humana
a era pós-tudo
quer só máquinas quer só robôs
porque eles SÓ trabalham

quando eles dizem: "Trabalhe!"
eles querem dizer "SÓ trabalhe!"
eles só não dizem só
porque sabem que não é 
só isso
e nem sequer o mais o importante.
quando eles dizem "Trabalhe!"
eles querem dizer:
"Trabalhe para mim, 
não para você."

*Poema publicado originalmente em 2017, revisado.

Lições Felinas

a primeira lição que aprendi 
dos Felinos 
foi que posso ter mil
espinhos cravados 
mas jamais ter uma 
espinha curvada.
Felinos são como a poesia:
não servem a nada 
não servem a ninguém.
depois vieram tantas outras lições 
que só fizeram me envergonhar
de ser um membro desta civilização.
Felinos não confundem amor 
com submissão
confiam em si mesmos 
mas sabem de seus limites 
nunca se diminuem diante de nada 
mas reconhecem quando precisam de ajuda
são pacientes atentos serenos
observadores contemplativos

(ficam horas a fio

contemplando a noite, 
uma aula contra a ansiedade)

presentes quando se precisa deles

ausentes quando se precisa disso

solitários mas não sozinhos

jamais abandonam sua dignidade 

aceitam os revezes 
mas não se abatem por eles 
se sabem parte do cosmos 
onde estiverem 
impõem sua personalidade 
e somente à Tempestade se curvam.
mas a maior de todas as lições 
dos Felinos 
é que eles sentem 
sentem muito
e sentem tudo 
e são fiéis ao que sentem 
mas só demonstram o sentimento 
a quem confiam
que os pode sentir.

Soneto a Um Breve Momento

tudo de repente ficou vermelhos
e mais do que tudo ficou castanhos 
e me senti por universo-estranhos
que me beijassem por meu sonho-espelhos

todo o cosmo veio me dar conselhos
me lembrar da cor de Marte e de estanhos
e teus luares se ciclonavam em banhos
e ao eterno roguei para revê-los

luaram signos da noite em meu instinto 
noturnaram aves pelos quatro ventos 
estrelas nevoaram teu rubro absinto 

e eu me música em secretos intentos
olhares de vinho sendo ao que sinto:
mistérios de onde surgem os sentimentos...

 

Das Cinzas ao Pó

nenhuma criatura 
é maior que seu criador.

(que fique registrado
que pais não são 
criadores dos filhos
são colocadores no mundo
e/ou cuidadores)

a invenção não é maior 
que o inventor.
a obra de arte não é maior 

que o artista 
ainda que muitos 
pensem o contrário.

por isso que o ser humano 
não é maior que o planeta 
e o planeta pode criá-lo
destruí-lo
e recriá-lo
como e quando  e por que 

bem entender:

do pó às cinzas
das cinzas ao pó.

Soneto após Ouvir as Últimas Obras de Brahms

nos vastos vales dos quais fui um membro
perdi estas cruzes todas elas vivas
me viram corvos perpassar por shivas
eu tudo aquilo que não fui me lembro

caía um mundo sobre meus intensos 
ouvi de um selo que beijou-me em fronte
só eu sozinho a convencer Caronte 
com meu martelo mais mortal mais tenso

perdi perdões que não te arrependi-me
eu sou aquilo que não tive e sinto 
e o teu desejo que pedi é um crime

um cristo leu-me pelo vinho tinto
e fui beijar-te em alto horror sublime:
te deixo em versos do meu Ser ex-tinto.

Versos Diretos n°160, 161 e 162

n°160: passamos 33% da nossa vida 
(ou mais)
no sono 
nos sonhos
onde não somos.
ser ou não ser?
dizia Shakespeare.

n°161: o que é o inferno?
tem vários 
mas o mais comum 
o mais presente

o de matar 
é acordar com um despertador 
pra trabalhar.

n°162: poesia
é ir além
do dia a dia.

 

Versos Diretos n°157, 158 e 159

n°157: flores vermelhas 
na luz do dia
têm gosto de lábios
exangues
flores vermelhas 
na treva da noite 
têm gosto de sangue.

n°158: ninguém se importa. 
até que se bata 
na tua porta.

n°159: o eu não é 
o mesmo que o ser.
por exemplo:
naquele dia de Triunfo
(em que voltarão a pulsar 
os corações)
meu eu (que é nada)
estará perdido 
mas meu Ser
(que é arte)
estará Contigo.

A tua vida? Qual vida que é tua?

quando tu falas na tua vida
de que vida tu estás falando?
no que tu fazes?
no que tu gostas?
no teu trabalho?
na tua casa?
nos teus bens materiais?
nas tuas crenças?
com quem tu vives?
nos teus planos?
nos teus desejos?
nos teus sonhos?
ou tu falas daquilo 
que faz possível a tua vida?
tu falas da água que tu bebes?
falas da terra onde tu moras?
do ar que respiras?
das árvores que
te possibilitaram esse ar?
dos animais que viveram 
e morreram 
para que tu vivesses?
dos vegetais arrancados
para que tu vivesses?
das abelhas que fazem 
nascer esses vegetais?
da chuva que cai e faz nascer o que vive?
do planeta onde tu nasceste
e morrerás?
enfim
(ou no Fim...)
de que TUA vida que tu falas?
a TUA vida não existe.
toda vida pertence à Natureza.

Versos Diretos n° 154, 155 e 156

n°154: O "nunca" 
é algo 
que sempre
não aconteceu.

n°155: caçar é pior
que matar uma pessoa.
porque pessoas 
nunca são totalmente inocentes.
os animais são.

n°156: se olharmos pela perspectiva 
do ser humano 
o fim da humanidade é algo 
que parece 
que nem sentimos 
(a não ser os que sentem)
porque estamos imersos nele.
assim como não sentimos 
o cheiro típico da nossa casa
porque estamos imersos nela.

mas se olharmos pela perspectiva planetária 
o fim da humanidade é um câncer galopante.

Passando a Régua

a regra geral
é todo mundo ser igual.
(ah, mas eu não sou igual ao fulano)
igual no sentido de idêntico não é 
mas é igual no sentido de bem parecido:
gostos bem parecidos 
comportamentos bem parecidos
pensamentos bem parecidos
sentimentos bem parecidos 
desejos bem parecidos
objetivos bem parecidos
sonhos bem parecidos
princípios bem parecidos 
resultados bem parecidos 
bem parecido no que se faz
bem parecido no que se deixa de fazer.
e fiz questão de repertir esse "bem parecido"
para ficar bem claro como é aborrecido 
ser bem parecido.
e você não tem saída:
se você não for bem parecido 
(inclusive com o mesmo slogan para todos:
"seja feliz, seja você mesmo!")
se você não for bem parecido 
você vai ser chato louco infeliz ou arrogante 
daquelas pessoas 
que não levam o progresso avante.

Versos Diretos n°151, 152 e 153

151:  quem caminha em busca 
de certezas
morrerá na beira do rio
sem conhecer a beira de lá.

152: de gripe e de capitalismo:
já pensou se produzir muco 
desse lucro?
quem é que decide
que nada vale a tua gripe?

153: "carpe noctem":
"aproveite a noite".
o dia nunca foi pra ti 
eles te mentiram
te dizendo que dia era vida
que vida?
das 8 ao meio dia 
das 14 as 18
onde está tua vida?
a noite é tudo o que te resta 
olha que é só o silêncio da noite
que vai ser palco do teu amor 
da tua tragédia 
ou da tua festa.

Outro sobre o Fim da Humanidade

foi tudo tão num momento 
que ninguém percebeu
(enquanto sorria)
que tudo morria
num passo a pouco 
de pouco em passo 
de lento em lento 
foi tudo tão rápido 
como num passe de trágica 
que ninguém se deu conta 
que de hora em hora 
que de tique em taque
já não havia gente 
foi tudo tão aos poucos 
que pareceu de repente
que nem parecia que ia avante 
foi aos poucos como um câncer 
mas galopante.