31 outubro 2008

A Doença da Luz (ou o Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.I

O Conto abaixo, do qual publico seu primeiro capítulo, talvez seja minha obra em prosa mais bem acabada, e também a de mais difícil realização. Tornou-se um pouco extensa, se considerarmos a dimensão média de meus contos. Por isso, confio na paciência dos leitores para o acompanharem através de capítulos que serão postados aqui de dois em dois dias. Estou certo que o final será absolutamente surpreendente.

7 de maio de 2025 - Meu nome é Carlos Walter Mann, e o relato que me foi solicitado pelos senhores encontra-se nas linhas a seguir. Procurei explicar os acontecimentos de acordo com as datas mais significativas para mim, algumas delas ficaram profundamente gravadas na memória. É a minha visão particular da catástrofe, vamos a ela...

23 de fevereiro de 2024 - Naquela manhã de verão plena de sol, ao levantar-me, percebi que a geladeira não estava funcionando. Tentei acender as luzes. Não havia energia elétrica. Imaginei que fosse apenas uma interrupção temporária no fornecimento de eletricidade. Logo deveria voltar. Minha esposa, Carolina, ainda dormia. Sentei-me e fui comer algumas frutas, e em seguida li o jornal. No entanto, passara-se mais de uma hora, a luz não retornara. Decidi ligar para a companhia de energia elétrica. O atendente não soube informar-me absolutamente nada sobre o que estava acontecendo. Disse-me que a interrupção no fornecimento de energia ocorrera durante a madrugada de forma misteriosamente inexplicável, e não era algo restrito a nossa região, mas atingia todo o país, melhor dizendo, atingia todo o planeta! Por mais absurdo que isso pudesse ser, até onde se sabia, não havia energia elétrica em nenhuma parte do mundo. Finalizou a breve conversa afirmando que o estranho e caótico caso já estava sendo seriamente estudado por milhares de técnicos e cientistas em todos os países do mundo e logo deveria ser solucionado.

Em seguida, telefonei para o celular de um amigo que trabalhava na própria companhia. Desejava ter uma idéia melhor do que ocorria. Com muita pressa e nervosismo, meu amigo limitou-se a dizer que tudo ocorreu de uma hora para outra, a energia simplesmente deixou de ser fornecida simultaneamente em todos os países, sem nenhuma causa aparente. Não houve falha em nenhum ponto, todas as unidades produtoras de energia elétrica estavam funcionando perfeitamente, sem nenhum erro. Porém, não existia energia. As usinas ao redor do mundo não produziam absolutamente nada de eletricidade. E, até o momento, não havia explicação alguma. E desligou o celular. Fui deitar ao lado de Carolina e ler um livro.

19 de março de 2024 – A energia ainda não voltara. Apesar dos terríveis esforços em todo o mundo, não só nenhuma solução foi encontrada, como também a causa do pior desastre da história da humanidade permanecia uma incógnita. E ainda pior que isso: não só a eletricidade oriunda de usinas (fossem elas hidrelétricas, termelétricas, nucleares...) deixou de existir, mas também qualquer tipo de eletricidade produzida pelo homem: pilhas, baterias, células fotoelétricas, enfim, nada mais funcionava. Não era mais possível ao homem produzir energia elétrica. Creio que os senhores podem imaginar perfeitamente o caos absoluto que reinou no planeta. Sem a energia elétrica, o homem atual não é nada.

Com o colapso energético, a comunicação entre os humanos deixou de existir, pois até mesmo as companhias telefônicas e os correios não tinham mais condições de funcionar. Sem telefones, sem internet, sem televisores, sem rádios, enfim, sem nada, teríamos regressado aos séculos em que não dependíamos da eletricidade, se isso fosse possível. Não era. Não estávamos preparados para tanto.


A humanidade paralisou-se completamente. Imaginem as negras conseqüências da catástrofe... Basta lembrar que todas as instituições, todas as indústrias, todas as empresas, toda a ciência, praticamente todas as profissões, todos os governos, os mais banais afazeres, desde um celular a um automóvel, de uma calculadora a um computador, de uma lanterna a um avião são dependentes de energia elétrica. É inenarrável a titânica magnitude do desastre que rapidamente estabeleceu o mais absurdo caos entre a civilização...
(continua...)



28 outubro 2008

Soneto Noturno

Ah, que Tristeza flutua nos luares,
mais agora que o mundo vai morrendo,
e um vulto envolto em sonhos pelos ares
em raios e grinaldas vem descendo...

Nos teus olhos sinto anjos florescendo...
dou-te a alma se à noite me beijares
no perfume que o escuro vai tecendo
aos fantasmas que em névoas vêm aos pares.

E em mim gotejam almas: noite nua
nas árias lutulentas que cantaste,
na febre, na loucura que flutua...

És sangue de rosas, espinhos da haste,
a alma da morte, veneno da lua...
Ó Noiva! Foste tu que me mataste!

26 outubro 2008

a Fernando Pessoa

pessoalmente
não me sinto ser uma pessoa
nem sei o que é ser o que sou
ou não-sou
o que meu ser pensam ser as pessoas
jamais será o meu ser impessoal:
eu não estou no que me é
afinal
o que sou
em mar de essências ressoa...
além do mais do que vale a pena
eu só queria ser
um(a) grande Pessoa

Um comentário sobre Oracy Dornelles

Algumas pessoas me perguntaram qual foi meu comentário sobre um poema de Oracy, no caso, um de seus poemas morfológicos. Digo que o comentário foi feito no blog de minha amiga Fátima, porém, infelizmente ela o apagou. Embora eu não concorde em apagar comentários realizados em blogs, sejam eles positivos ou negativos (afinal, essa é uma das funções deles, a interatividade), eu entendo os motivos dela. No entanto, eu sempre deixo salvo os comentários que realizo em blogs, quando eles são extensos. Então, para os interessados, publico aqui aquele comentário, na íntegra, originalmente feito no blog da Fátima. É o que penso, com toda sinceridade, sobre a poesia atual de Oracy.

"Olá, Fátima! Bem, já que o Oracy gosta tanto de criticar o que escrevo, permita-me, Fátima, deixar agora a minha crítica a um poema dele, que até pode ser válido para todos os outros que ele escreve neste mesmo estilo. Sim, um poema excelente dentro da poesia minimalista, com grande significação em poucas palavras, intelectualmente admiravelmente construído. Mas seria essa poesia fria e intelectual a verdadeira poesia? Que emoção verdadeira há nela? Onde ela toca em nossas almas? Onde está a força do ritmo, ou a magia da leitura das palavras em algo tão mínimo? Com toda sinceridade, não sinto nenhuma emoç]ao ao lê-la. Posso ficar pensando para tentar entender seus significados, mas nisso não entra meus sentimentos, é algo frio, analítico, mental, raciocinativo, não tem alma, não tem o espírito fecundador das grandes poesias. E Essa poesia minimalista já não corresponde às novas tendências da poesia, vem surgindo um grito de libertação dessa poesia cômica e intelectualista para buscar trazer novamente para a poética a emoção, o coração, o espírito da poesia discursiva ou semidiscursiva (sem descuidar dos elementos pós-modernos) que põe fogo na alma. Eu, ultimamente, tenho procurado escrever dentro de uma nova visão. Estou farto do minimalismo. O próprio Alfredo Bosi afirma sobre a nova poesia: "Ressurge o discurso poético e, como ele, o verso, livre ou metrificado – em oposição à sintaxe ostensivamente gráfica." Um abraço!"

23 outubro 2008

Webrevista - Projeto C.O.V.A

O meu amigo e escritor Giovani Coelho de Souza elaborou uma webrevista de seu Projeto C.O.V.A, onde publicou um magnífico tributo a Álvares de Azevedo, incluindo nele meu Soneto Ultra-romântico. Agradeço ao amigo e deixo todos meus elogios a seu trabalho, o qual foi perfeitamente conduzido, tanto formal quanto conteudiscamente. Há na webrevista textos de alta qualidade, uma adequada e impressionante escolha de imagens, incluindo pinturas clássicas. Percebe-se que é um trabalho feito com o coração. Parabéns.
Link para download da webrevista(edição 1):
http://www.mediafire.com/file/d4ttjtrkwkz/WEBREVISTA

19 outubro 2008

A Saída

tu és o último canto
do conto eterno em que conto
em que me encontro e retorno
e sempre em torno ao meu rosto
o teu encanto me conta
o que pra sempre me resta
o que deixei de meu rastro
tu és o último conto
em que pra sempre te canto
e pelo céu eu me arrasto
revolto eu volto no entanto
com tudo o que é de minha conta
um vulto em vida e revolta
conta comigo em tua volta
conta comigo os meus olhos
vê como eles são tantos
e como paguei minha conta
olhando acima da lama
no canto daquele que ama
a saída de tudo é a Alma

17 outubro 2008

É Lógico que a Vida não Possui Lógica

“...não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser cotidiano, ser nítido,
Ter um lugar na vida...”
Fernando Pessoa

Não, não possui. Talvez possua algum Equilíbrio, um equilíbrio sombrio, oculto, incompreensível, inacessível e absoluta e canhestramente ilógico. Mas um equilíbrio. E sempre acima de nossa mão. Por que deveria ser compreensível? Já alguns dirão que esse equilíbrio não existe. Eu não digo nada. Não gosto de dizer as coisas. Gosta de cantá-las. E de gritá-las. Mas não de dizê-las, dizer é tão fraco.

A Lua estava anômala ontem. Foi necessário que eu saísse às ruas naquele estado de sono que não era o sono. Era um sono em um estado alterado de consciência. Saí caminhando pelo dia não-diurno, sim, porque eu sentia um sono profundo e vertiginoso, algo como um desejo não-terráqueo nem fictício, mas dominado por todas as cores de beijos. Não, não sou sonâmbulo. Naquela praça, vi 4 homens lendo jornais. Jamais conseguiria defini-los, mas os defino: horríveis, todos eles: olhos esbugalhados, descabelados, tossindo, boca escorrendo sangue como um churrasco mal-assado, não falavam uns com os outros, não se movimentavam. Não sei se andei ou flutuei até eles, aliás, eu não sei nada. E pedi um jornal emprestado e li todas as manchetes. Horríveis, todas elas.

Como era mágico e salutar meu sono... Com as manchetes dos jornais fiz um poema, sem modificar uma só palavra. O poema mais trágico da história da humanidade. Sonhei... Não sei com o que sonhei, mas vivi o mais fundo possível o que sonhei. Que mais se pode fazer? E como saí das florestas felinas sem ter uma só palavra a dizer a ninguém, isso é que é de se admirar! E como senti os vapores nunca-vistos de tudo que tu me disseste aquele dia sem que me olhasses uma só vez nos olhos... E como olhei nos teus olhos com cheiros de músicas sem que tu me dissesses um só verbo divino ou caído.

Amanhã vai chover... Assim, percebi que a humanidade não vale a pena... Vale a pena aquele rio que nunca correu, aquela flor que nunca nasceu, aquela árvore que nunca cresceu, aquela música que nunca tocaram, aquele céu que nunca brilhou, aquele beijo que nunca se deram... Por isso voam aves de verde pelas ânsias perfumadas daquele inverno que nunca apagou sua luz. Nem a minha. Porém, o mais absurdo de tudo, algo realmente ilógico e que nunca me foi permitido entender é que a sociedade no fundo odeia os professores. Deve ser por que eles são os únicos capazes de melhorar seus filhos. Se o homem quisesse ser melhorado, eu não estaria aqui dormindo, sonhando e escrevendo.

Quantas estrelas caíram aquele dia do céu... Uma delas abriu ao meio minha cabeça, literalmente, e uns uivos-desejo flutuavam tensos ao longe, e perto de mim. Era uma noite sombria, mas tu não estavas sobre os altares. Como se iluminou todo o luar, como uma treva santa chocou-se contra os versos que uma águia largou do bico sobre a morte... Três mãos alucinadas ergueram-se de dentro de meu peito, e vi uma chuva de olhos com chifres brancos perfurarem todo meu coração, o sangue não-meu que lacrimejava ao espaço doente formou uma nuvem que aceleradamente ascendeu ao sonho onde eu dormia. Não esqueçam que eu estava dormindo, por favor, não percam o fio da meada. Corri. Tu não estavas lá. Tudo não estava lá.

E no Brasil odeia-se ainda mais os professores, e estou certo que isso é uma das principais características de nossa cultura, talvez a principal, aquela que define definitivamente o que é ser brasileiro, odiar um professor, afinal, sem isso o Brasil não seria Brasil. Mas um canto e um grito titânicos ergueram-se majestosos daquele planeta de luz que não vejo. Como soou apaixonado um violino de Brahms aos meus ouvidos, e todas as coisas se angustiavam de forma tão ciclonicamente sublime que um furacão passou pela minha cidade e arrasou com tudo, inclusive comigo. Por isso durmo e elevo meu coração na ponta de uma espada flamígera e atiro-o ao relâmpago que me beija... O fim é como o começo: “Sim, está tudo certo./Está tudo perfeitamente certo./O pior é que está tudo errado.” É do Álvaro de Campos, que nunca existiu e valeu a pena. E eu me acordei.

14 outubro 2008

Johannes Brahms (1833-1897)


Uma Lenda (e um Tributo a Brahms)

É manhã. Eu caminho pelo campo para descobrir o que é que me observa. E o campo é verde, vivo e vasto. Alguém, alguma coisa, algum ser, de forma permanente e misteriosa, oculto sob o invisível, vigia-me cheio de presságios... É aurora e o sol sobe. E a aurora é bela e fria. No céu imensamente azul, no céu estranhamente azul, uma grande ave paira sobre meus sonhos. É ela que me observa? Porém, quem é que toca a Sinfonia nº. 1 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, porém não sei de onde ela nasce.

Dos grandes e roxos olhos da ave eu fito a saudade. E a ave parte ao longe sob o sol que brilha e assim percebo que não é ela que me observa. O sol brilha. O orbe imperador nosso, doador de toda a vida, também mantém fixo seus olhos de luz, fogo e raio sobre minha consciência. Mas não é ele que me observa. À medida que caminho por entre flores e enxames de borboletas, vejo que o astro solar sobe no empíreo, cintila sobre a tranqüilidade escura e iminente das antigas folhas das árvores das matas que avisto ao longe. E a cintilar nas femininas árvores, o sol proclama com cristalinas trombetas que não é ele que me observa, porque ele somente o faz durante o dia, e quem me observa o fará eternamente... Porém, quem é que toca o concerto para piano nº. 2 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

Vem uma névoa. Névoa densa e fria e longa e bela. Um céu nublado que amorteceu a luz solar. E o sol se mortifica em benefício à sombra. Um gelado estremecimento anímico traz consigo um inconcebível enigma... Que almas são aquelas que diviso flutuando invisíveis por entre a neblina? Uma dança de espectros assoma solene ascendendo em alto cedro negro. Espíritos brancos e pálidos valsam e miram meus olhos, mas não são eles que me observam, apesar de tão fantástico espetáculo. Quem é que berra dentro do bosque? Bosque em sonhos, sombrio. Contudo não sou eu que sonho...

É Tarde. Acho que parte minha inspiração, ainda que permaneça ouvindo tantos gritos e grunhidos e rugidos e urros e gemidos e lamentos e murmúrios e sussurros que caem e sobem, que vão e voltam, que voam e brilham, que crescem e morrem, que dançam e beijam na tarde em névoa da mata estranha. E sei que não são essas coisas que me observam. Há segredos e arcanos inacessíveis por trás de tão largo labirinto. Porém, quem é que toca o quarteto para piano e cordas nº. 3 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

Ali corre um gato-do-mato. Escondeu-se atrás de um cipreste. Que nuvens etéreas se evolam daquele cipreste, carregadas da mais intensa paixão desesperada?... No entanto, a paixão não é minha. Acho que perco minha paixão. Sei que a vertigem em um dos galhos do cipreste mergulha na emotividade psíquica daquelas nuvens vermelhas que não sei de onde caem. Só sei que não existem ciprestes em nossas matas nativas... Portanto, não é nem o gato nem o cipreste que me observam. E nem mesmo aquele ser inclassificável que agora cruza montado em um lobo-guará. Porque eu o conheço. Avistando as longínquas colinas e coxilhas longas e adormecidas sob as nuvens densas, tensas, nervosas e carregadas, eu sei que não é ele. Seu sorriso não me engana. Eu, um cavaleiro de uma coroa perdida há muitos séculos, fitando os cavalos e as ovelhas pastarem ao longe... Sei que não pode ser ele.

Que inverno magnífico e trágico! Vejo teus olhos com febre nos horizontes. Olhos que choram e sangram lilases. Talvez sejam eles que me observam. Talvez eu esteja atingindo o ápice do segredo, o auge de todos os enigmas e mistérios... Porém, quem é que toca o Réquiem de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

A névoa se dissipa. Meu coração se acalma e segue batendo lento, muito lento, sublimemente lento, canhestramente lento. Já não sou mais eu. Sinto saudades do que não foi. Aqueles perfumes balsâmicos dos pântanos e arbustos já assombrados e alarmados surgem etéreos, enquanto o sol asfixiado em incensos desmaia cantando no chumbo, no verde, no rosa, no roxo do céu do crepúsculo romântico. Simultaneamente aos berros do sapo, uma lua titânica surge em plenilúnio, fantasmagórica e espectralmente, ascendendo rápido por entre céus e nimbos. Inauditamente amarela e dourada. Uma lua noturna nasce triunfante e lacrimosa. Quantos anseios e ânsias, e desejos e sonhos cavalgam com ela em dramático tropel? Meu Deus, quem é que me observa? E quantos fantasmas gemem e violinam no crepúsculo que avança? E quantos seres que não sei que seres são valsam nas nuvens avermelhadas, arroxeadas, acinzentadas e inflamadas na noite que ainda não é? Que Dança Fatal é esta que me alucina? É divina ou diabólica? Porém, quem é que toca o quinteto op. 30 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.

E aquela lua onírica que me observa? E aquela lua de vinho? E o morcego ruflando? E a coruja agourando? Aquela lua de sangue... Aquela lua de lábio... Aquela lua de Eros... Aquela lua de alma... Aquela lua de olhos... Aquela lua que é tua. Mas não é ela que me vigia, que me contempla, que me observa. Aquela lua não é a lua. Não é o satélite da Terra. Aquela lua é um sinal, é um arcanjo, é um trono. Aquela lua é tua deusa! E dela pingam sonhos melancólicos. Gotejam grotescos sentimentalismos. Gotejam olhos e tristezas, tristezas que não têm fim... Olhos e tristezas góticas que se calamitam. Vejo fantasmas rubros ao redor da lua se abraçando sobre árvores velhas, estranhamente velhas, nunca-vistamente verdes. Meu Deus, quem é que me observa? Ainda não é noite, é quase. Subindo, eu fito uma lua menstruada de onde partem sussurros e músicas em surdina, e cantos de mortuários espíritos, e sonhos de amores fatais, e febres de corações inflamados, e tragédias de sublimes éteres do espaço infinito, da eternidade que assombra e apaixona, de beijos sangüíneos na boca, na língua, que pairam nos outonos tristonhos. Vejo olhos em todos os cantos, em todos os rios, em todas as matas, em todos os céus, em todos os seres! Meu Deus, quem é que me observa? E quem é que toca Brahms? Quem é que toca Brahms numa tempestade apocalíptica, a febre de Brahms, a fúria de Brahms, o sonho de Brahms! Meu Deus! quem é que toca, quem é que me observa? A Tristeza? A Tragédia? A Força? A Paixão? De Brahms? Que jamais se rende, que jamais se verga, que jamais se entrega!

Sim, porque vibra a Sinfonia nº. 4 de Brahms em meus tímpanos, e agora eu sei de onde ela nasce... É tu que tocas, é tu que me observas...

É Noite. E pela primeira vez sinto medo, pois estou no escuro da Noite e sei que é tu que me observas... Eu sigo meu caminho, olhando-te, e tenho medo...

09 outubro 2008

Sempre...

I

ah o ato oculto
de fechar os olhos
som
de sonhos sonho em alma
vou
e sono-me em descanso e réquiem
e já não sou-me
anoiteço e tecem-me
a lua o livre o longe
onde serei o ser no sempre
e meus versos serei eu contigo
no que deixo estou-me eterno
e ao não-ser meu ser te digo...

II

ah o ato alado
de abrir os olhos...
sol
de volta envolto em aura
sou
e vôo-me em coragem e Brahms
e no tudo fico-me
amanheço e criam-me
a luz o livro a lenda
onde serei o ser no agora
nos meus versos serei eu comigo
e no que deixo estou-te amando
e sempre em ser serei contigo

06 outubro 2008

Marcha Fúnebre

meus olhos-clima de fim
fim-lábio negro de lua
lua que rosa meus lagos
lagos de valsas aos gritos
gritos com sono no sangue
sangue de pulsos me selam
selam meus braços e caem
caem os abraços na luz
luz que te perco e me sonha
sonha em teu canto entre noite
noite tua alma me espia
espia orando e de beijos
beijos de fim nos meus olhos

03 outubro 2008

Homenagem

Meu grande amigo Oracy publicou mais uma homenagem a mim no jornal Expresso Ilustrado (o jornal de melhor conteúdo do Estado, diga-se de passagem). Agradeço então ao nosso maior poeta pela sua imensa preocupação comigo e por mais essa demonstração de como sou importante para ele, dedicando seu precioso tempo para me engrandecer perante a culta população santiaguense, tempo esse que ele poderia ter destinado a domar pulgas, por exemplo. Abaixo, está mais uma pérola de Dornelles:

"Vem de novo o exu sem mácula,
Poe dos pobres, nauseabundo,
Vem pregando o fim do mundo,
Esse Mordomo do Drácula."

Permita-me, amigo Oracy, uma pequena análise, nunca uma crítica. Vejamos o termo, "exu sem mácula". Incrível, sou algo absolutamente original, um exu puro, sem mácula! Isso existe? Só mesmo eu, gênio da literatura fantástica, para ser algo que não existe.

Agora, analisemos "Poe dos pobres". Nossa, Oracy, eu não mereço tanto. Comparar-me a Poe! Não chego nem aos pés de Poe, e o meu amigo me chama de Poe dos pobres, ou seja, sou o Poe do Brasil, dos brasileiros!!! Meu Deus! Assim vou ficar "me achando".


"Vem pregando o fim do mundo"... Quase isso: alerto sobre o fim dessa humanidade. Mas eu entendo, para um neoparnasiano como meu amigo Oracy, a rima está acima de tudo, tem que rimar com "nauseabundo."

E, finalmente, "Mordomo de Drácula". Bem, esse meu título já é clássico, já virou lenda, tanto que sou Mordomo com letra maiúscula. É a força da poesia de Oracy. Apenas uma correção, se me permitir, amigo: Drácula não tinha mordomo, é só ler o livro de Bram Stoker. Que pena, meu sonho era ser mordomo dele...

Ah, só não gostei duma coisa: essa rima de "Drácula" com "mácula", já está muito batida, é a 3ª vez que você a usa, Oracy. Que tal da próxima vez usar gárgula no lugar de mácula? Eu sei, não é perfeita, mas semanticamente ficará mais próxima de Drácula. Mas por favor, use Drácula, não posso deixar de ser seu mordomo.

Obrigado, Oracy, muito obrigado! Eu me divirto muito com você, sem dúvida, é merecido seu trono em Santiago: nosso maior piadista. E de lambuja, dono de um útil e expressivo circo, idolatrado pela profundidade da mídia. Definitivamente, o mundo precisa dessas comicidades. O que seria do mundo sem seus poemas morfológicos, por exemplo? Neles você usou a linguagem mais moderna possível, a saber, o miguxês, que é aquela com que os miguxos da internet se comunicam, enchendo as palavras de frescuras ultramodernas. Até pensei em fazer um poema para você, Oracy, mas não tenho talento suficiente, fiquei só no título, que seria: "Orassyh, mheuh mhayor mhyghuxu". Habhrassoz!

02 outubro 2008

Tal Vez

eu amo...
mas afinal o que eu amo?

a luz de nadas
que pulsa em vinhos de vida essências?
talvez um sonho
de fogo verbo que corre em sangues?
um olho em anjos
que em eternos morre ao som de céus?
talvez um erro
que dorme em mortes de amor e noite?
segredo e medo
em lago e mares que vibram ao longe?
talvez um verso
de tudo aquilo que em flores paira?
um rio de cosmos
que nasce em beijos de Deus e Deusa?

mas o que eu amo ao final?
Tua Alma.