08 dezembro 2011

Agora é Lei. Não Ser Feliz é Crime.

I

De agora em diante
pessoas que forem flagradas
não sendo felizes
podem pegar de 5 a 10 anos de prisão
além de pagar multa
e frequentar cursos de reciclagem
em escolas de auto-ajuda.
Não ser feliz
passa a ser considerado crime
contra a moral e os bons costumes
e contra o progresso da civilização.

II

Já estão sendo confeccionados
manuais, cartilhas, códigos e dicionários
para explicitar à população
o que é felicidade
e como cada um deve proceder
para ser feliz.
O material será distribuído
gratuitamente
e a leitura será obrigatória
para todo e qualquer cidadão
maior de 18 anos.
Ao final de cada semestre
cada indivíduo passará por um exame
para se quantificar o seu nível de felicidade.

III

Professor Félix Felizberto Omar de Rosa
demonstra como se deve agir
com uma pessoa que não é feliz:

“Mas o que é isso?
Que tristeza é essa?
Quero ver um sorriso no rosto, hein!
Não, assim, não!
Abra mais a boca... mais...
isso, agora está bonito
agora me agradou!

E não quero saber de pessimismo, hein!
Repita comigo:
tudo está bem
tudo está ótimo
tudo vai dar certo
a vida é maravilhosa
a humanidade está no caminho certo
eu sou um vencedor
eu já venci!

IV

Não estou gostando desse seu comportamento...
Está muito rebelde, muito revoltado...
Tem que ver que a sua vida
é excelente assim como é.
Mas com esse comportamento
você não vai pra frente!
Cadê o bom senso, hã?

O quê?
Então agora anda dormindo tarde
e levantando tarde!!!
Olhe só para essas olheiras...
que vergonha!
What?
Você está bebendo?
Você está fumando?!!
Mas que absurdo!
Olhe que um dia, assim,
você vai morrer, hein...

Veja o sol lá fora...
É verão, é Calor!
Quanta vida, quanta alegria!
E você aí, nesse baixo astral...

V

Músicas tristes?
Você está ouvindo músicas tristes??
Quer ficar deprê, é?
Só falta chorar agora...
nãnanã...

Helloooouu!
vamos levantar esse astral
hora de ir pra a academia
malhar até de noitinha...
Quer ficar com barriguinha, é?
Que feio...

Depois, quem sabe
ir curtir um shopping
comprar roupas novas
mudar um pouco o visual
tem que ser um mais fashion
depois
comer um sanduíche  vegetariano
de noite
olhar uma comediazinha pra relaxar
e não esqueça
de ir deitar nos horários certos
tem que regular esse seu relógio biológico...

VI

Nesse fim de semana
não esquece
nada de frituras ou de carnes gordas.
Se eu fosse você
iria para a praia
pegar um sol
ver gente bonita
tomar um suco natural
até uma cervejinha...
Mas nada de excessos, hein!
E se beber não dirija.

VII

E então? Já fez a sua boa ação de hoje?
Já doou sangue?
De que campanhas você está participando?
O quê?
Vai pedir demissão?
Ah, não é o que você queria?...
Are You Crazy??
Você ganha muito bem no seu emprego
tem estabilidade
boa posição social
pode fazer sua viagenzinha de fim de ano
enfim, você tem tudo, é feliz!
Que mais você quer?

Tanta gente desempregada
e você querendo pedir demissão...
Que absurdo!
Quer virar vagabundo, é?
Viver de vento?
Escrever versos?
Era só o que faltava...
Nunca você está satisfeito, não é?”

VIII

Blitz policial na avenida:
“Por favor
carteira de habilitação
documento do veículo
e atestado de felicidade...

- Meu senhor
seu atestado de felicidade está vencido...
O senhor não está feliz?
- É... acho que não...Pelo menos na cartilha diz que não...
- Bom, então
por gentileza
o senhor terá que nos acompanhar
até a delegacia."

06 dezembro 2011

um Punhado de Abandono

“deixaram-me só
como quem sopra
ao rosto de quem vê
o seu próprio sono
um punhado de abandono
e um beijo transformado em pó

dos teus pulsares aos meus olhos
um punhado de abandono
dos teus olhares ao meu sangue
um beijo transformado em pó
dos teus pensares ao meu peito
um beijo de abandono
dos teus sonhares à minha alma
um punhado me soprado em pó

olhas com medo e distância
para a minha transgressão
para o meu ser que não é o teu
e deixas-me um sopro de não
carregado de vazio e falência
que no caminho se perdeu...

do Alto
de minha solidão
fito quem não me fita
observo os servos
de toda uma civilização que...
do Alto
da minha sina maldita

no meu olhar há paz e tormento
e no céu do meu abandono
em indiferença à tua sentença
eu me sustento...”

do Alto
de sua melancolia
isso
um Urubu dizia...

04 dezembro 2011

O Diabo Mundo

Alguém conhece o poeta José de Espronceda (1808 - 1842)?  No Brasil, para variar, é bem pouco conhecido. Mas Espronceda foi um dos maiores nomes do romantismo espanhol, na poesia, talvez o maior. Sua poesia, influenciada por Goethe e Byron (mas sem se prender aos cânones), é de grande força e intensidade, explorando temas quase sempre sombrios, expondo toda a angústia e a desolação humana, chegando por vezes a ser catastrófica.

Em seu vasto poema "El Diablo Mundo (1841)", que ficou incompleto, interrompido por sua morte aos 34 anos, Espronceda, de forma fantástica e filosófica, aborda a questão do desespero e da impotência do homem frente à perversidade implacável da realidade de nosso mundo. Diabo mundo! Abaixo, deixo alguns trechos do espetacular poema. 

O Diabo Mundo (trechos)

Mortal! Tu criaste e deste um nome;
Puseste em mim a dor que te consome,
Em minha alma teus rancores!
Em minha fronte esta ansiedade louca,
Em meu peito teus furores,
Blasfêmias, maldições em minha boca!

Eu sou parte de ti... Sou este espírito
Que perto sempre vês...
Que não dorme, e te acorda, e te levanta
A novas regiões te impele a planta...
E no teu nada inerme
Infiltra o pensamento – dos arcanjos
Na pequenez – do verme!

(...)

Pobre cega, que vagas louca, errante,
Torpe ou sagaz, na fera escuridão
Interrogando a essência de ti mesma...
Só vendo – confusão


E este verme, que sentes bem no fundo
Teu coração morder,
Esta sombra, que o prisma de teus sonhos
Vês, torva, escurecer,

Sou eu! Sou eu – luzeiro decaído,
Anjo da maldição!
O rei do mal... e fiz o meu inferno
No humano coração.

Feliz quando a esperança a teus delírios
Presta lúcido véu!
Infeliz, se a saudade te envenena
O tempo, que morreu...

Jamais estrela há de aclarar-te... embalde...
Hás de chamar por Deus... Deus não te vê...
Nem te escuta os insultos, que o provocam,
Nem a reza sem fé...

Há de só responder aos teus gemidos
A voz da trovoada...
Para ti não há plaga nem repouso,
Nem plácida enseada!

José de Espronceda


02 dezembro 2011

E eu não sabia o que digo...

o Horror veio  e jantou comigo
e em nele eram
os todos em que já não
(que ele existe-me no que te sigo)
e falamos como se insanos
entre um copo de água quente
(daquela, água ardente)
e um prato de feijão

alguma coisa não estava bem
(era como se um algo me olhasse além)
e gritei oh Mãe do que me era
para onde foi o teu foste?

e qual dos 7 é que me é?
e era vasto o cheiro de café
quando uma voz me sorriu estranha...
(o Caos me serviu outro trago de canha)

era o Horror que me perguntava
se (r)indo:
“então amar já não está mais
na moda?”

e eu não sabia o que digo
(ao Horror, o meu melhor amigo)
e proferi:

é foda!

01 dezembro 2011

Música que se Água

música que se  água
deixo-te que o silêncio sangue
no dizer que meu olhar que morte

o tudo que te busco é longe
sol segredo que se esvai em lábio
quando em sublime
não me sinto simples

um horizonte longo
sabe do que penso
pulso que me vaga nas auroras
quando me vejo sendo
o sempre que não tive

lago de esperança
que se abisma ao alto
onde uma nota violinou-me o olho
e rubrou-me a fúria
que beijar me (e)leva

o caminho em asas
pelo todo e onde
onde Beethoven relampejou meu nada
deixa-me ver o que Som
noite que me alaga alada
deixa-me ser o que Sou...

29 novembro 2011

Feira do Livro é Entretenimento?

As pessoas me perguntam o que achei da Feira do Livro de Santiago. Já disse aqui que não aprecio feiras de livros. Não condeno quem as aprecia, é apenas a minha visão particular. Mas digo que a feira de Santiago estava muito bonita, bem organizada, atraente, sem dúvida. Mas o problema das feiras de livros, a meu ver, não é esse. E não estou falando da Feira de Santiago em particular, mas de todas as feiras país afora. O problema é que eu percebo que a relação custo/benefício para a literatura não parece compensar. O investimento é muito alto se levarmos em conta o retorno literário. E não me refiro só ao retorno para os autores que participam, refiro-me também ao retorno para a literatura em geral e para a formação de novos leitores. 

As feiras, em praticamente todo o país (ver a interessante postagem no blog do Ruy Gessinger sobre a Feira do Livro de Porto Alegre), transformaram-se em um evento de entretenimento, muito mais do que um evento literário. As pessoas são levadas para a feira por uma série de belas e sedutoras atrações, muitas delas com um custo altíssimo para as prefeituras (e, indiretamente, claro, para o contribuinte), e vão até lá, divertem-se, assistem a espetáculos, comem e bebem, recebem alguns autógrafos, conhecem alguns escritores, dão uma olhada geral nos livros, mas não se tornam leitores, na maior parte dos casos, e não estão realmente interessadas em literatura, em leitura, mas sim em se divertir, ver os shows, em conhecer novas pessoas, enfim... 


A literatura acaba sendo a última preocupação. Certa vez perguntei a uma turma de alunos se eles iriam começar a ler após ter visitado a feira. Começar, nenhum afirmou que iria. Os que já liam, continuariam lendo, os que não liam,  não iriam começar devido à feira. Alguns disseram que "feira de livro é só pra se divertir."  E, do jeito que são feitas, tenho que concordar com eles. 

E alguns que querem comprar livros acabam esbarrando em seus preços estratosféricos. Como bem disse o Ruy Gessinger, "feira de livro é sebo". Na Feira de Santiago havia o famoso "Sebo do Tide", como é mais conhecido aqui em Santiago, e ali comprei alguns livros usados e baratos. De resto, o comércio de livros beirava o absurdo. Quando que um leitor iniciante vai comprar algum livro com tais preços? 


É nesse sentido que falo que o investimento em feiras de livros está equivocado. Na minha opinião, deveria reduzir-se os eventos, os espetáculos, e as prefeituras poderiam investir em trazer livros mais baratos para a população, pagando uma parte dos valores para as livrarias.  E poderiam apoiar os escritores locais não só disponibilizando lugares nas feiras  para lançarem seus livros, mas desenvolvendo uma política de incentivos financeiros a quem escreve. Aí sim uma Feira do Livro começaria a cumprir seu papel. Porque no momento está longe disso.  Paga-se uma fortuna para se trazer um escritor de fora, muitas vezes medíocre, enquanto os nossos escritores penam para poder lançar um livro, e os nossos leitores com menor poder aquisitivo vão à feira apenas para comprar uma lembrancinha, e olhe lá, porque os livros estão definitivamente além de suas capacidades.

Na minha opinião, deve-se conceber uma Feira do Livro de forma mais séria e mais comprometida com o que deveria ser seu objetivo: a LEITURA. Não digo que não se tragam atrações, mas que se pense muito mais no investimento efetivo em prol da literatura e não só em eventos sensacionalistas, em exibicionismo de uns poucos e em promoção política de alguns, pensando-se nos votos das próximas eleições. Isso vale para todas as "Feiras do Livro".