Agora,
estão dizendo que não sou honesto. Nada sabem sobre os desígnios de um grande
político. Queria que os que me criticam estivessem em meu lugar. Eu também já
fui um grande idealista. Em minha juventude, queria mudar, não, mais que isso,
queria revolucionar minha cidade, meu Estado, minha Pátria, e, por que não? o
mundo. Eu me sentia capaz das maiores realizações, dos feitos mais nobres e
grandiosos, dos atos de heroísmo, do sacrifício pela nação... E eu me via, em
meu magnânimo futuro, rodeado de todas as glórias, adorado pelo povo, um
símbolo do que é correto, justo, enfim, um grande homem, o maior dos políticos.
Mas
não pensem, meus senhores, minhas senhoras, não pensem que eu abri mão de todos
esses ideais sublimes. Não, eu apenas os adaptei aos nossos tempos, às
necessidades da sobrevivência. Ao contexto de nossa sociedade. De nossa
civilização moderna, onde não há espaço para ingenuidades. Os ideais de um
grande homem continuam vivos e ativos em meu interior, em minhas atitudes,
sempre arraigadas na honra e na dignidade. Isso é que é ser honesto, honesto em
manter a minha palavra de homem, qual seja, a que um dia prometeu lutar pelo
bem-estar e pelo progresso do povo e da nação. Isso, eu estou certo que realizo
com todos os méritos.
E
nos meus discursos, qualquer um poderá comprovar a verdade intrínseca do que
afirmo. Vejam, percebam como o meu verbo é forte, intenso, inflamado! Quem
poderá duvidar da veracidade das minhas palavras? Quando discurso para o meu
povo, eu encarno o espírito dos grandes estadistas, dos paladinos do passado,
dos benfeitores da humanidade. Muitas vezes, já chorei, derramei as minhas
lágrimas, lágrimas sinceras, profundas, sentidas, quando me dirigia àquelas
pessoas, vendo-as ali, com os olhos brilhantes de esperança, crentes no meu
poder de melhorar suas vidas. Ah, como isso é belo, como é emocionante! E eu
nunca as decepcionei!
Mas
agora, agora vêm esses inimigos do povo, inimigos dos batalhadores da Pátria,
atirar pedras na minha vida exemplar, acusar-me de corrupção, de tráfico de
influência, de crime de responsabilidade, de desvio de verbas... É como sempre
digo: quem não está no poder, não sabe como deve agir quando se está no poder.
Acreditam que podem ser um grande político sendo um reles santinho. Assim,
serão esmagados. Devem entender, esses ingênuos, que estamos no meio de lobos.
Entre feras. Já dizia o poeta que quem vive entre feras sente necessidade de
também ser fera. Isso não é ser corrupto. É apenas ter consciência do lugar em
que nos encontramos. Já que estou aqui e que cumpro com o meu dever, por que
não? É justo que eu seja muito bem pago pelo meu serviço, que é fruto de anos,
anos! de esforço, de dedicação, de reflexão sobre a vida, de criação de laços
de amizade, de enfrentamento de inimigos, de sacrifícios voluntários, de dias e
dias longe da família, da esposa, dos amigos, para ficar ali, em meio a homens
sórdidos, raposas ardilosas, criando pactos, alianças, sabendo a hora certa de apoiar
um lado ou o outro. E aí, então, depois disso, eu sou uma pessoa inconfiável?
Mas o que é isso? Onde é que estamos?
Meus
amigos, tudo depende do ponto de vista. O que é, por exemplo, desviar uma
verba? O que é uma verba? Entendo que a verba pública, e os senhores hão de
concordar comigo, é para o bem-estar do povo. Então, digamos que eu tenha desviado alguma verba pública . Se o fiz, foi
porque considero que foi para o bem-estar de todas aquelas pessoas as quais
represento. Exatamente. Compreendo perfeitamente a importância da minha pessoa
para a nação. Deixemos de falsa modéstia. Eu merecia ter o controle daquele
dinheiro e usá-lo conforme as minhas determinações. Merecia, primeiro porque
batalhei muito para estar onde estou. E cumpro as obrigações de um homem eleito
pelo povo. Estou dia e noite preocupado com o bem-estar da população, com o
desenvolvimento do país. O que mais desejo nesta vida é contemplar a felicidade
do meu povo. E estou trabalhando para isso. E quero trabalhar ainda mais.
Então, agora, entendam este ponto fundamental: para isso eu preciso de
dinheiro.
Sim,
eu sei que dirão que vereadores, deputados e senadores já ganham muito. Mas
dizem apenas por ignorância. Por
absoluto desconhecimento das inúmeras funções e atribuições de um bom político.
Nosso salário não dá para nada, no que se refere ao exercício de nossas
funções. Se eu não fosse um grande político tão cheio de responsabilidades, se
não necessitasse de tantos assessores, de tantas pessoas de confiança, de
tantas amizades imprescindíveis para o devido desempenho do meu cargo, tudo
bem, o salário seria ótimo. Porém, infelizmente, não é assim. Eu preciso
comprar pessoas. Digam o que quiserem, mas é assim. Se eu não comprar pessoas,
que político serei? Quem estará do meu lado? Quem apoiará minhas ideias? Quem
divulgará o meu nome, as minhas promessas, as minhas inúmeras realizações? Quem
alardeará para toda a nação o grande homem, o genial político que sou?
Percebam,
eu precisava daquele dinheiro, daquela pequena, exígua, parcela daquela verba
para continuar a realizar o bem para o povo. Foi uma necessidade que somente os
grandes homens compreendem. Eu tenho que fazer favores para aqueles que me
auxiliam nesta dificílima empreitada que é engrandecer a nação e tirar o povo
da miséria. Ou será que não sabem que ninguém faz nada de graça? Aqueles homens
e mulheres que me auxiliam, que possibilitam a minha atuação pelo povo, também
necessitam da sua parte. Do seu pagamento. Claro que esse pagamento nem sempre
se refere a uma soma em dinheiro. Às vezes, é alguma outra necessidade dessas
pobres pessoas, tão serviçais, que dão suor e sangue pelo nosso Brasil. Eu, como
o homem justo que sou, devo atender justamente às reivindicações dessa gente que
vende os seus prestimosos serviços, os serviços de suas empresas, de seus
jornais, de seus blogs, que vendem as suas valiosas opiniões, enfim, que vendem
a si próprias! Observem o gigantismo de tamanhos sacrifícios! E isso nem sempre
sai barato, naturalmente.
Claro,
às vezes, apenas pedem como pagamento um empreguinho aqui, uma informaçãozinha
ali, uma participaçãozinha acolá, um patrociniozinho mixuruca, enfim, essas
coisas simples, nada de mais. Porém como que vou possibilitar tais coisas a
essas pessoas tão úteis, que são tantas, se eu não tiver dinheiro, poder
econômico, influência política? E vou tirar dinheiro de onde? Ora, claro que
das verbas públicas, exatamente pelo motivo de que eu as usarei para o bem da
nação, e isso é algo inquestionável, indubitável, irrebatível, conforme atestam
meus argumentos. Não é um desvio de dinheiro, é um emprego inteligente de uma
verba que seria desperdiçada em alguma obra desnecessária. E que depois ainda
acabaria abandonada. E esse dinheiro indevidamente definido como “desviado” nem
ficou em minhas mãos. Foi para quem mais necessitava: aqueles que estão sempre
do meu lado (e, por conseguinte, do lado do povo), auxiliando-me na minha
divina missão.
Ah,
irão dizer que isso a lei não permite? Ora, os grandes homens, os gênios devem
estar acima da parca lei humana. Quantos feitos grandiosos nunca teriam sido
realizados se não houvesse os corajosos que enfrentam todas as leis, nem sempre
justas, os padrões estabelecidos, o senso comum, que vão contra todos os
preconceitos e julgamentos ofensivos? Sei que este é o meu caso. Sim, podem me
classificar como um ladrão, um salafrário, um cafajeste, seja o que for, eu
aceito, em nome da nação pela qual sofro e me sacrifico. A minha consciência
resplandece em absoluta tranquilidade. A tranquilidade do dever cumprido.