31 maio 2010

um Trago do que Sinto

talvez deixasse aqui
o que sinto no momento...
mas é claro que não conseguiria:
sempre seria mais rápido
ou mais lento
e tudo o que escrevesse
não seria o que seria dito
não estaria meu ser
se estivesse meu eu
e vice-versa...
não sou
o que escreveu...

e por que beber do que sinto
se em tudo que trago minto?
é sempre pior do que falo
é sempre mais do que digo
não poderei nem assim
estar a sós comigo...

então deixo o que há mais
e que entendam os loucos
os fracassados os insensatos
e os transcendentais

escrevo o que não consegui
que é para a poesia ser
sem o meu eu
e deixar-me com o meu nada
e o meu ninguém:
deixo que a arte
se eternize
bem mais além...

29 maio 2010

Glória a Dante nas Alturas e Paz na Terra aos Homens que Leem Sua Obra

Provavelmente, no dia 29 de maio de 1265 nascia aquele que para mim, e para muitos, é considerado o Rei dos Poetas, o genial e transcendente italiano Dante Alighieri, "Il summo Poeta". Os homens de hoje deveriam conhecer mais a sua Divina Comédia, e, principalmente, entendê-la mais...

Gostaria de chamar a atenção para algo nessa sublime obra: Dante finaliza tanto o Inferno, quanto o Purgatório, quanto o Paraíso com a palavra "estrelas". Observem os últimos versos de cada um deles, em italiano e traduzidos para o português. 

ao sair do INFERNO: "E quindi uscimmo a riveder le estelle." - "Saímos por ali, a rever estrelas."

ao sair do PURGATÓRIO: "puro e disposto a salire a le stelle." - "puro e disposto a subir às estrelas."

ao sair do PARAÍSO: "l'amor che move il sole e l'altre stelle." - "o amor que move o sol e as mais estrelas."

Em meu livro, Poemas do Fim e do Princípio, publiquei um poema intitulado "a Dante Alighieri". Publico ele aqui:

a Dante Alighieri

o que teus Olhos veem
dentro
de mim?
ó visionário do não-visto
o que teus Olhos veem
no além
de mim?

em trombetas a gritos de nove
sete demônios olham de mim
do sangue que cai da minha noite
lago de morto em tudo que fui
flecha em veneno varou-me do sol
olho de fogo abriu-se de mim
o gelo do fim beijou-me na essência
em meus sonhos de Cérbero os dentes
que veem teus olhos em mim o Inferno?

mas como chegar ao Paraíso
sem morrer no Purgatório?

o que teus Olhos veem
Dante
de mim?

(Na imagem, o quadro "A Barca de Dante", de Delacroix)

Antologia Extraneus

Terei a honra de ser o prefaciador do volume 3 da Antologia de Literatura Fantástica Extraneus, a qual contará com escritores convidados de todo o Brasil e está sendo organizada pelo escritor mineiro M.D.Amado. A Extraneus será publicada em parceria com a editora Cidadela e com o Estronho e Esquésito, um dos maiores sites  brasileiros especializados em literatura fantástica.

O volume 3 da antologia trará o título "Em Nome de Deus" e publicará contos que retratam atrocidades, injustiças e devaneios dos homens em nome de Deus ou de religiões e doutrinas. Além dos autores já convidados, qualquer escritor do gênero poderá enviar seu conto como candidato para participar da antologia. Os trabalhos escolhidos serão publicados no dia 15/11/2010. A publicação dos contos não acarretará ônus para os autores participantes. Para maiores informações: http://www.estronho.com.br/extraneus/index.php/volume-3-em-nome-de-deus

28 maio 2010

Faça-me Um Favor...

amigo...
faça-me um favor:
pegue esta rede de pesca
e jogue nas águas deste rio:
é o rio mais turbulento
que conhecerá em toda tua vida...

neste rio não há trechos calmos:
até os fundos poços
se debatem em tempestades
este rio de águas negras
é todo fúria de correntezas
e suas íngremes margens devastadas
impedem qualquer aproximação...

as cachoeiras e quedas deste rio
são violentas como o inferno
e penhascos cortantes como a morte
alastram-se fatais
pelo furacão de suas corredeiras...

mesmo assim jogará a rede?
se jogar
não encontrará neste rio
nem peixes nem répteis nem plantas
não encontrará nada que tenha vida...

mas deixe a rede ali
e tente pescar para mim
a minha esperança...

26 maio 2010

Então És Livre?

ainda que tenhas que trabalhar
durante as melhores
as mais claras
as mais belas
horas do dia
és livre
completamente livre...

e que trabalhes
5 meses por ano
apenas para pagar impostos
és livre
enormemente livre...

e que pagando teus impostos
ainda tenhas que pagar
planos de saúde
escolas para os filhos
seguranças para a noite
pedágios nas estradas
e faculdades particulares...
és livre
divinamente livre...

e se um dia
houver um pane em toda internet
um colapso na energia elétrica
o esgotamento da água potável
verás como és livre
sublimemente livre...

és livre
para pensar como todos pensam
para sentir o que todos sentem
para ouvir o que todos ouvem
para andar como todos andam
para viver como todos vivem:
na moda.

e por hora
és livre para consumir
e deves consumir sem parar
senão
o que é que os outros
vão pensar?

25 maio 2010

A Profecia de Frankenstein

Uma das comunidades do orkut que mais aprecio é a "Eu Acredito em Bach", cujos participantes ativos demonstram inteligência, cultura, sensibilidade e educação, mesmo que nossas opiniões divirjam. Fui questionado na comunidade sobre qual a minha opinião sobre a "criação" de uma célula em laboratório. Julguei ser interessante publicá-la aqui no blog, com algumas mínimas adaptações, que não alteram em nada, é claro, a ideia originalmente expressa. Quem quiser acompanhar todo o debate, aqui está o link do orkut, que deve ser colado na janela do orkut já aberta: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=5141653&tid=5357285460693813293&na=2&nst=190

"Bem, para mim, a questão é bastante simples: os cientistas não criaram vida em laboratório, COPIARAM vida em laboratório. O procedimento deles foi totalmente baseado na vida já existente. Eles mesmos o admitem. E eu DUVIDO que um dia eles criem vida realmente, ou seja, um ser vivo SEM UTILIZAR-SE DE ABSOLUTAMENTE NADA DA VIDA JÁ EXISTENTE na natureza. Isso sim é criar vida. Fora disso é cópia. Não podemos comparar uma criação de vida com uma criação artística. Na arte, baseando-se no que já existe, o artista cria novas coisas, que podem até mesmo serem melhores do que o que já existe. Mas o que essa "criação" de vida tem de novo? Nada. Muito menos de melhor. É algo copiado do que já fora feito."

"Apesar de eu e o Cesario termos divergências em algumas opiniões artísticas, eu concordo com ele neste ponto: "a equação não fecha sem Deus". Sim, eu acredito em Deus, e não tenho vergonha de dizê-lo, apesar de ser algo fora da moda nos meios "culturais". Creio não em personificações de Deus, mas em um Deus que manteria o equilíbrio do universo, em um Deus não perfeitamente conceituável, teorizável, mas muito mais intuitivo. Dessa forma, chegaríamos a Deus muito mais pela arte do que pela ciência. Aqui entra uma série de questões que não vale a pena discutir.
A pergunta do Cesario é perfeita: "Como criar um ser do nada?"

"Os racionalistas condenam os místicos por acreditarem em coisas sem comprovações, como a existência de Deus. Mas os racionalistas também não acreditam em coisas sem comprovações? Uma delas é de que a vida surgiu do acaso. Onde está a comprovação? Só o que existem são teorias... E como diria Goethe, "Toda teoria é cinza, e só a verde a árvore de dourados ramos que é a vida."

"Quando afirmo que Deus é para mim algo como um "mantenedor" do equilíbrio do universo, exemplifico com o seguinte: toda a natureza, toda a vida que se criou e evoluiu na Terra o fez em absoluto estado de equilíbrio, tudo encaixado perfeitamente. Penso que criar vida não é só o ato de dar vida a uma célula (com procedimento copiado), mas criar todo um mecanismo onde essa vida se mantenha, equilibre-se e se desenvolva perfeitamente. O homem não possui a mínima condição de realizar tal ato, muito pelo contrário, só o que traz é desequilíbrio.
Se a vida veio do acaso, quer dizer então que o acaso tem mais consciência que a "grandiosa" inteligência humana?"

Mais uma vez, a literatura:
"Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?/ Em que geometria é que a parte excede o todo?/ Em que biologia é que o volume dos órgãos/ Tem mais vida que o corpo?"
Fernando Pessoa"

"Disseste bem, Luís: "franksteinzinho". No livro da Mary Shelley, no que resulta o Frankenstein? Só em erros e tragédias.
Essa é a principal diferença da vida criada por um Deus ou pelo "acaso", como queiram, da vida criada pelo homem. A primeira se mantém por si própria, em perfeito equilíbrio, resultando em criaturas cada vez mais magníficas. As que o homem cria se mantêm por si próprias? E têm resultado em quê?"

Ainda que o homem consiga criar vida SEM COPIAR A NATUREZA ( e mesmo copiando a natureza) essa vida será como? Imaginem, amigos, imaginem como ela seria? Chego a gelar só em pensar? Um "novo gato" criado pelo homem... Todos nós sabemos, ainda que intutivamente, que esse "gato" não será normal, que haverá algo de horroroso nele (ainda que não fisicamente), de temível, de não-amável. O que faltará nele? Faltará a vida verdadeira. O que é essa vida verdadeira? O que a define? Há que se refletir sobre isso...
A arte tem muito a nos ensinar... Todas as teorias podem ser razoáveis, mas daí a serem verdadeiras..."

"E já, Luís, que você prefere excluir a arte dessa discussão para se basear somente em fatos científicos, tudo bem, mas então vamos fazer assim:
quando FOR FATO que o homem criou vida, sem copiar a natureza, e criando uma vida que se mantenha por si própria, e se desenvolva em EQUILÍBRIO, então eu virei aqui e direi: eu estava errado, o homem pode criar vida. Isso se eu estiver vivo até lá. Ou se existir civilização, porque do jeito que "caminha a humanidade..."

Nestlé e Aldo Rebelo Cedem a Pressões

Este blog orgulha-se de ter contribuído em duas campanhas encabeçadas pelo Greenpeace em defesa do meio-ambiente que já deram resultados.

A primeira delas é com relação ao novo e nefasto Código Florestal Brasileiro. O deputado Aldo Rebelo, responsável por ele, sofrendo toda a pressão daqueles que assinaram o abaixo-assinado e que escreveram ao seu gabinete (ainda mais em ano de eleição), desistiu de pôr o projeto na pauta de votação, decidindo (só agora) que é melhor debater mais com a sociedade...

E a Nestlé, após dois meses de campanha e intensa pressão,  decidiu alterar sua política de compras e parar de financiar o desmatamento das florestas tropicais da Indonésia.
A empresa se comprometeu a identificar e excluir de sua lista de fornecedores companhias que possuam ou gerenciem plantações ou fazendas de alto risco ligadas ao desmatamento. Nesse grupo entraria, por exemplo, a Sinar Mas, a maior produtora de óleo de dendê e de papel e celulose da Indonésia, caso não siga a nova política da Nestlé, e intermediadoras como a Cargill, que compram da Sinar Mas.

Agradeço aos leitores que ajudaram a pressionar tanto o deputado quanto a Nestlé. Obrigado. E o planeta agradece mais ainda.

24 maio 2010

A Tua Vida...

viste para onde
caminha a humanidade?
mesmo não vendo
vai!
caminha com ela:
a humanidade
com toda sua ciência e sabedoria
deu-te agora tudo o que precisas
para viver tua vida...

pega então o verbo dos seus celulares
o caminhar dos seus veículos
o além-espaço das suas tevês
o universal dos seus computadores
a beleza das suas plásticas
o pairar dos seus aviões
o divino das suas engenharias
o paraíso dos seus novos alimentos
o éden das suas novas possibilidades sexuais
o sonhar das suas realidades virtuais
o infinito da sua internet
o eternizar dos seus medicamentos
enfim
pega tudo isso
enfia na tua alma
e preenche o teu vazio...

não tens do que reclamar
não podes dar sequer um gemido!
a humanidade deu-te tudo
o que precisas
para viver...

só faltou...
um sentido.

22 maio 2010

para Tristan und Isolde

Estamos perto do bicentenário de nascimento de Richard Wagner. Ele nasceu em 22 de maio de 1813. Hoje está completando 197 anos. Fiz uma simples homenagem a que é, para mim, a maior de todas as óperas: "Tristan Und Isolde" (Tristão e Isolda), baseada na lenda medieval de amor, uma obra genial de absoluta originalidade, onde toda a violência, insanidade, fatalidade e embriaguez do amor e da paixão são expressos de maneira devastadora em uma nova  e alucinada linguagem musical.


para Tristan Und Isolde

se o amor
fosse só um furacão nos átomos
que nada deixa por onde se alastra
só uma tempestade de punhais
ou uma febre mais violenta que o ebola
que derrete todos os órgãos
a começar pelo cérebro
ou se fosse só uma infecção no sangue
ou um tropeço à beira de abismos
durante uma noite sem lua e sem estrelas
se fosse só um veneno sem antídoto
ou um sorriso em lábios de diabos
ou uma valsa em marcha fúnebre
ou um incêndio pela antiga roma
ou só loucura desespero desvario e absurdo...

se o amor fosse só isso
eu mesmo o teria dito...
mas o amor é bem mais maldito
o amor é muito pior:

por isso
só esses irmãos de polos opostos
Brahms e Wagner
disseram o que é o amor...

(Na imagem, o quadro "Tristan e Isolde com a Poção" de Waterhouse)

21 maio 2010

Dois Poemas de Paulo Leminski

Paulo Leminski é para mim um dos mais geniais poetas do Pós-modernismo brasileiro, se não for o mais genial. Sua poesia de grande originalidade é ao mesmo tempo simples e complexa, leve e profunda, moderna e clássica. Abaixo, deixo dois magníficos poemas do poeta curitibano. Na imagem que acompanha os poemas, "Auto-Retrato", de Van Gogh.


Segundo consta

O mundo acabando,
podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
tudo aquilo.

Reconstruam tudo
segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua,
reinos, ruínas, anos,
disse como éramos.

Amor, eu disse como.
E como era mesmo?


Um homem com uma dor

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha
ópios édens analgésicos

não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra

Professora Rosane Vontobel como Pró-Reitora da URI

Venho deixar meus parabéns à professora e amiga Rosane Vontobel Rodrigues, que foi convidada para assumir a pró-reitoria da URI, em Erechim. Sem dúvida, por todo seu trabalho em prol das letras, da literatura, da cultura, Rosane merece imensamente tal convite.

Santiago sentirá sua falta aqui, mas certamente a cultura de modo geral será engrandecida na universidade. Desejo à professora Rosane os votos de sucesso e felicidade nessa nova etapa.

20 maio 2010

INTER...


... Copeiro!

Poema Antipático

sei que minha poesia é antipática
que não sorri e não agrada
como a chuva que é forte
mas que não era esperada...

gosto de fazer se aceitar
o que não se aceita:
ninguém quer falar de Fim:
preferem pensar que cada instante
irá se estender a um eterno adiante...

preferem não ver
o que está à frente da fronte
e negar que tudo na vida
está depois do horizonte...

gostariam de estancar
a ampulheta do tempo
que sem parar se esvazia
e prender as nuvens que passam
numa cósmica tela...

todos preferem sonhar
que nunca acabará o dia
e que jamais se apagará a vela...

mas a noite...
a Noite é tão bela...

18 maio 2010

Poeta é Aquele que Não Descansa

o poeta vive cada momento
não por viver cada momento
mas para vivê-lo e usá-lo:
poeta é aquele
que tudo que vive
vive com segundas intenções...
utiliza tudo na vida
como combustível de versos:
cada momento ao poeta
são infinitos universos

por isso é que o poeta trabalha
enquanto os outros vivem:
o poeta é um vagabundo
que trabalha 24h por dia:
enquanto dorme
deve lembrar do sonho e pesadelo do sono
e se acordado
deve sentir o sonho e pesadelo da vida
ao poeta não há saída

poeta é aquele que nunca descansa:
há que sentir na manhã na tarde e na madrugada:
deve extrair tudo de tudo que vive
mas não pode esperar nada de nada

1ª Semana Literária*


* Texto escrito por Giovani Pasini, presidente da Casa do Poeta de Santiago

A nossa Santiago terá a "I Semana Literária", que ocorrerá nos dias 19 a 22 de maio de 2010, na Câmara dos Vereadores de Santiago, com o tema "A literatura santiaguense no Séc XXI".
O evento é aberto ao público, sem fins lucrativos, para quem quiser assistir as palestras e participar da cultura.

Para quem desejar receber o certificado de 25 horas, assinado pela Casa do Poeta e SMEC, terá que realizar a inscrição para a Semana Literária, que custará apenas R$ 10,00 (dez reiais), como taxa administrativa (cobrir os custos do próprio evento).
===
O evento terá palestra com escritores, jornalistas, professores (etc.), ou seja, todos que de alguma forma estejam envolvidos com a escrita. Terá, ainda, 4 (quatro) oficinas culturais, mais a exposição de arte pelos corredores da Câmara e lançamento de livro.
===
Simultaneamente, na parte da tarde da sexta, 21 de maio de 2010, ocorrerá o "I Fórum de Entidades Culturais", com o tema "A cultura santiaguense no Século XXI". As entidades culturais terão o tempo de 10 minutos para a exposição de suas ideias e, também, deverão entregar suas sugestões por escrito, para compor os anais da Semana.
===
Quem quiser maiores informações contate os e-mails: culturasantiago@bol.com.br ou gpasini@ig.com.br
ou pelo telefone (55)3251-1651 (Rodrigo Neres) ou, ainda, no Departamento de Cultura, ao lado do museu de Santiago, no prédio do Centro Cultural.

(clique na imagem para conferir o cronograma)

16 maio 2010

Romantismo é a Busca do Homem Além do Homem


Para você, leitor, o que significa a palavra “patético”? Engraçado, ridículo? Hoje, certamente, sim. Porém, originalmente, patético era sinônimo de trágico, algo que desperta muitos sentimentos, sentimentos dolorosos. Isso justifica por que existem obras na música clássica chamadas de ‘patética”, como é o caso de uma das mais conhecidas sonatas para piano de Beethoven e da última sinfonia de Tchaikovsky. Obviamente, tais obras nada têm de engraçado. Muito pelo contrário... Patético vem de “pathos”, palavra grega que significa algo como doença, sentimentos doentios, sofrimento...

As palavras perdem seu significado com o passar do tempo, ou adquirem outros completamente diferentes. É o caso das palavras “romântico” e “romantismo”. Se não passaram a ter um significado completamente diferente do original, soam nos dias atuais de forma bastante limitada e pejorativa. O romantismo é entendido hoje pela imensa maioria das pessoas como algo unicamente relacionado aos sentimentos amorosos entre homem e mulher, e o “romântico” é visto geralmente como alguém sonhador, ingênuo, apaixonado e, até mesmo, “meloso”.

Porém, o verdadeiro romântico vai muito além de tais designações degeneradas. Não vou me deter na análise etimológica da palavra romântico, mas sim ao seu amplo significado durante o período do Romantismo nas artes, que engloba as décadas finais do século XVIII (mais especificamente, desde 1774, quando Goethe publicou o célebre “Werther”, dando o pontapé inicial do movimento romântico) e uma grande parte do século XIX, quando ocorreu o auge do Romantismo.

Também não irei realizar uma sobreposição de características românticas. Meu objetivo é ampliar a visão do significado do Romantismo, principiando por afirmar que todo período artístico (Romantismo, Realismo, Simbolismo, Barroco etc.) é tão somente a “explosão” de determinadas naturezas e necessidades psíquicas humanas, que se sobrepõem a outras naturezas e necessidades, que não desaparecem, apenas se tornam latentes ou secundárias. Sendo assim, o Romantismo não foi só um período ou movimento artístico, foi, antes de qualquer coisa, a manifestação mais ampla e generalizada de algo que existe em todo ser humano, em maior ou menor grau: a busca de um ideal particular. De modo que o Romantismo sempre existiu no ser humano e sempre existirá, apenas manifestando-se de formas diversas.

Romantismo, então, de forma essencial, é idealização e idealismo, e uma idealização buscada em nossa própria individualidade, seguindo os ditames de nossa própria consciência. E a busca de um ideal só pode ser realizada com a exaltação emocional, é preciso ter muito sentimento para se obter forças anímicas a fim de se lutar por um ideal que pode ser inatingível. A partir desse conceito, todas as outras características românticas derivam-se, basta analisarmos uma por uma. Para atingir e expressar um ideal particular, os românticos perceberam que necessitavam primeiramente quebrar todas as regras estabelecidas, as regras do Classicismo que preconizavam a impessoalidade e a frieza emocional. Dessa necessidade de romper com os padrões e de expressar a própria alma surge toda a revolta e a rebeldia românticas. E da rebeldia nasce o culto a tudo que vai contra o que é considerado fora dos padrões. É exaltada a loucura em detrimento do bom senso; a noite e a sombra versus a claridade do dia; o amor impossível e doentio versus o amor saudável; a melancolia versus a alegria, o sonho versus a realidade; o sobrenatural e o mistério versus o normal e o cotidiano, o sublime versus o vulgar, enfim... Mas percebamos que todas essas características sempre serão idealizadas. O romântico não busca o amor em seu estado comum, mas o amor ideal. Por isso, impossível, ou quase. Não busca a melancolia pura e simples, mas a melancolia sublime. Não vê a arte como uma manifestação comum do homem, mas algo como uma missão divina e acima dos homens comuns.

Romantismo é a busca do homem além do homem. Este seria o ideal romântico supremo. Por isso não hesito em afirmar que todo gênio, principalmente o gênio artístico, é romântico, ainda que não esteja incluído no movimento romântico propriamente dito. Não que todo gênio seja somente romântico, claro que não. Um gênio autêntico é sempre inclassificável, a tudo transcende. O próprio Goethe, precursor do Romantismo na literatura, e Beethoven, iniciador do movimento romântico musical, não eram somente românticos, tinham muito também de clássicos. E assim, da mesma forma, ocorre com gênios que não se incluem no período romântico. Não são apenas românticos, mas têm fundamentais aspectos românticos em sua vida e obra.

O gênio artístico (não só o artístico, mas principalmente este) é antes de tudo um grande idealista. Vive por esse seu grande ideal: o da superioridade de sua obra, seja consciente ou inconsciente. Está convicto da grandeza e sublimidade de sua criação, por conseguinte, considera o seu pensamento e sentimento particulares como acima do pensamento e sentimento comuns a todo e qualquer ser humano. E isso é algo altamente romântico. O que há de mais romântico do que seguir somente aquilo que lhe dita sua própria convicção, sua própria consciência, como um ideal a ser atingido, independente do que outros lhe digam ou do que prepondera ao seu redor?

O leitor poderá argumentar que nos gênios do Realismo ou do Classicismo não pode haver Romantismo. Eu rebaterei questionando sobre o seguinte: o Realismo não é simplesmente um Romantismo frustrado? Tenho para mim que todo realista é um romântico que cansou do seu Romantismo. O nosso maior realista na literatura, Machado de Assis, era romântico em sua fase inicial, mas percebeu que para ele o Romantismo já não fazia mais sentido. O Ultrarromantismo já indica claramente um cansaço de Romantismo. É só o leitor analisar a 2ª parte da “Lira dos Vinte Anos” de Álvares de Azevedo. Ali, em uma obra considerada tipicamente romântica, há toda uma destruição do Romantismo, fortes indícios de Realismo. O mesmo acontece em várias obras de Byron. Por quê? Por que Álvares de Azevedo e Byron não eram românticos? Óbvio que não é isso, é porque eram tão românticos (eram ultrarromânticos!), voaram tão alto, que sentiram como poucos a dor da queda. E isso é o mesmo que acontece com os realistas. São românticos que caíram do voo e não suportaram sua dor. O mesmo se dá com Baudelaire, o criador da poesia moderna. Além do mais, não é romântico modificar o mundo, o homem, pela arte, como pretendiam os realistas?

E quanto aos classicistas? Bem, aqui vou me deter na música. Quais os maiores nomes do Classicismo musical? Haydn e Mozart. Ambos, é sabido por todos os conhecedores de música clássica, possuíam muito de romântico em várias de suas obras. E justamente tais obras pré-românticas estão entre as melhores dos compositores citados. Tal fato fala por si.

Logicamente, não me deterei aqui a analisar cada um dos gênios artísticos fora do período romântico para determinar o seu respectivo grau de Romantismo. Isso o leitor mesmo poderá realizar. Porém, seria interessante citar os nomes, na literatura, de Cervantes, com seu louco idealista e sublime Dom Quixote, Shakespeare (para que alguém mais romântico que Hamlet? Ou história mais romântica que Romeu e Julieta?). E o modernista Fernando Pessoa? E o renascentista Camões? E a loucura de Rimbaud? E profundo idealismo de Dante? E a lista não teria mais fim. Isso para ficar somente na literatura.

Porém, creio ser oportuno falar algo de Bach, o gênio do Barroco que influenciou imensamente o Romantismo e toda a música posterior a ele. Seria o barroco Bach também um romântico? Eu não tenho dúvidas que sim. No artigo “Johann Sebastian Bach”, Josep Pinto e Guido Castillo afirmam: “como toda criação suprema do espírito, a obra de Bach – clássica, barroca e romântica – está muito além de qualquer classificação.” Mais adiante, é dito que os românticos viram em Bach a personificação do gênio que segue somente seus próprios ditames, “um imenso mar e centro da música, sempre mutável e sempre ele mesmo”. “Sempre ele mesmo”! Não está aqui uma essencial característica romântica: sermos sempre nós mesmos, realizar a nossa individualidade? Bach, muito embora compusesse obras sob encomenda, punha em todas elas o seu próprio ser, o seu sentimento individual, a sua alma, o seu ideal de música, fosse ele “atual” ou não, estivesse ou não na moda. “Estar na moda” não interessava a Bach. Por isso foi considerado na época ultrapassado, sendo resgatado mais tarde pelos românticos. O que interessava a ele era expressar a sua convicção artística, o seu elevado e supremo ideal: a música é divina e a Deus deve conduzir o homem. Isso nada mais é que Romantismo dentro de um pensamento barroco.

Espero ter deixado claro com este artigo, ao menos, que Romantismo é muito mais que esse conceito vergonhosamente limitado, degradado, falso dos dias atuais. O romantismo de que se fala hoje, deve ser grafado com letra minúscula. O outro, com maiúscula.

(Na imagem, “Caminhante sobre o Mar de Névoa”, de Caspar David Friedrich, um dos maiores nomes da pintura romântica.)

15 maio 2010

Testamento de Poeta, de José Régio


Abaixo, um soneto de José Régio, um dos maiores nomes do Modernismo português, poeta que admiro imensamente, genial escritor de um dos, a meu ver, mais intensos poemas da literatura universal, "Cântico Negro", já publicado aqui no blog. Na imagem, o quadro "A Morte e a Donzela", de Marianne Stokes.

Testamento de Poeta

Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.

O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!

E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.

Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!....
Basta-me o gesto de contar um verso.

13 maio 2010

Humanidade... Vai Dormir!

humanidade...
vai dormir!

por que queres continuar acordada
se já chegaste ao final do teu dia
e viste que ele não deu em nada?

por que queres caminhar ainda?
caminhar para onde?
caminhar para quê?
se de exausta caminhas em círculos
e tuas estradas voltam ao mesmo lugar?
a que progresso fatal queres ainda avançar?

humanidade...
vai dormir!
se não encontraste sentido na vida
talvez encontres sentido no sono
talvez sonhando sonhes teus sonhos
talvez fechando os olhares
vejas teus gênios cantando nos céus
e o amor que buscaste bailando nos ares...

talvez dormindo
recuperes tuas forças
e despertes animicamente renovada:
nada melhor que um dia após o outro
e uma nova aurora e um novo raiar...
dorme humanidade
que no estado em que estás
não podes mais continuar...

sou um pessimista?
não, sou alguém cansado
morrendo de sono...
por mais que eu faça
ali está sempre a desgraça
impávida
impassível
impossível
sempre a sorrir...

humanidade
faz como eu:
vai dormir.

12 maio 2010

http://twitter.com/ReifferOFim

Pois é, esse é o problema de ser escritor. Temos que estar entrando em tudo que é coisa que a net inventa para divulgar o que escrevemos. Afinal, a propaganda é a alma do negócio. Resisti por muito tempo em entrar no twitter, sempre achei algo um tanto superficial. E continuo achando. Mas é mais um lugar para divulgar o que realmente importa: meu blog.

Bem, os amigos/leitores que estiverem no twitter e tiverem interesse em me seguir (seguir, ora seguir, creio que seria melhor dizer acompanhar) e quiserem ser seguidos por mim, este é meu endereço:
http://twitter.com/ReifferOFim
E tenho dito...

Palavras e Ondas

Divulgando o novo progama da Casa do Poeta de Santiago (Palavras e Ondas) na Rádio Central FM:

"Escute o novo programa da Casa do Poeta de Santiago na Central FM - 87,9
===
O programa irá ao ar a partir deste sábado, dia 15 de maio de 2010, das 14h00min às 15h00min.
===
Este primeiro programa está sendo montado há mais de uma semana e contará com as entrevistas da escritora Therezinha Lucas Tusi e, também, dos organizadores do Festival de Rock "Monster Of Metal".
===
A base do programa será a educação e a cultura, onde entrevistaremos escritores (poetas, contistas, cronistas etc), músicos, dançarinos, professores, pintores, jornalistas, escultores, entidades culturais, entre outros.
===
O programa será dividido em quatro blocos:
O primeiro será o "Entre Aspas", onde iremos realizar a leitura de poesias e textos de autores santiaguenses e em geral.
O segundo será composto de uma entrevista de 15 minutos
O terceiro será o bloco do "Debate literário", onde iremos debater sobre alguns textos.
O quarto e último bloco possuirá outra entrevista de 15 minutos.
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Agradecemos a rádio CENTRAL FM por acreditar na Casa do Poeta de Santiago. Prometemos fazer o máximo para atingir uma qualidade.
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Contamos com a sua audiência!"

11 maio 2010

"Política é a Arte de Namorar Homem."


O grande cronista Rubem Fonseca certa vez escreveu a frase acima. Numa época em que quase não havia mulheres na política, só homens. E não poderia ter dito melhor. Serve para os dias de hoje perfeitamente. Até porque na política sempre haverá muito mais homens do que mulheres. E afirmo-o sem nenhuma intenção machista. Muito pelo contrário. É que a mulher é mais sensível. E geralmente as pessoas sensíveis não gostam ou não se interessam por política.

Claro que a afirmação de Rubem Fonseca nada tem a ver com homossexualismo. É o namoro político mesmo. E como é semelhante a um namoro romântico...

É preciso conquistar o coração do amado. Dizer coisas lindas, fazer mil e uma promessas, quem sabe até se ajoelhar diante daquele a quem se destina os sentimentos... Nem sempre é preciso ser sincero. Sabemos que os namoros de hoje em grande parte não são sinceros. Há sempre segundas intenções. Claro que o pretendente deve cortejar o amado sem nenhuma vergonha. Pois deve obter dele seus favores. E também não vamos aqui exigir fidelidade. Na maior parte dos namoros não há fidelidade. Por isso é que um político um dia gosta de um e no outro, de outro. E depois volta ao um. E torna a voltar ao outro, enfim, é uma completa libertinagem. Políticos e namorados são iguais: uns inconstantes.

Obviamente, também não podemos exigir que cumpram suas promessas de namorados políticos. Qual é o namorado que cumpre todas suas promessas? Isso não existe. E devemos dar também a esses namorados homens o direito de ser contraditórios. De se dizer de esquerda e namorar com os da direita. E vice-versa. Afinal, há homens que preferem as morenas, mas namoram com loiras.

Mas o mais lindo em um namoro de políticos são os sussurros e cochichos ao pé do ouvido, com sorrisos tão meigos estampados nos rostos. Já notaram? Chega a ser comovente. E os abraços tão calorosos, os convites para jantares, os presentinhos mútuos, as mãos dadas para subir em palanques, as viagens por lindas paisagens... Como é belo...!

Claro que para o namoro dar certo, tem-se que acertar certas coisas. Ambos têm que ceder em alguns pontos, fazer concessões, aceitar certar exigências. O que um dará em troca do amor do outro? Um deve consolar o outro quando se perde uma eleição, deve dar opoio das bases, seja lá o que isso significar, deve ouvir suas queixas e saber o que o outro está sentindo no mais fundo de seu coração... e o mais importante de tudo: namorados não devem dar atenção ao que diz o povo. O povo é fofoqueiro.

Tudo em nome do amor!

09 maio 2010

Mãe é Mistério


Mãe é aquela que está onde não se vê
mas Ela sempre está
e Ela sempre vê...

quem pensa o que é a Mãe
só de pensar já não sabe:
acima do pensamento
é que a Mãe se ergue e se Alma
pelo todo do eterno
e a cada momento...

quem sente o estar de sua Mãe
não sente que nesse sentir
está de sua Mãe o além
e isso não entende ninguém...

Mãe é só uma em duas:
a que está aqui e a que está lá:
a que está aqui é metáfora
a que está lá é ideal:
e só esta é que sabe
o que é o bem e o mal...

e por sabê-lo é que ama e ensina
ainda o que não entendemos:
a Mãe ao segredo destina
o que do alto e do fundo nos vem...

a Mãe...
amém.

(Na imagem que acompanha o poema, o quadro "A Assunção da Virgem" de Ticiano.)

07 maio 2010

7 de Maio de 1833


que importa
a esperança
que se fecha a cada porta
e o fracasso
que me ronda a cada passo?

que importa
o esfomeado sonho
que se alimenta
de um mingau medonho?

que importa
a vida e a morte
essas duas faces
da moeda da sorte?

que importa o que não veio
o que não tive
o que não pude?

que importa afinal
que eu não possa esperar
que tu me ames?

nada disso tem importância...
o que importa
é que existe Brahms.

(Homenagem aos 177 anos do Mestre e amigo inseparável Johannes Brahms, comemorados hoje.)

06 maio 2010

Um Cadáver de Poeta


A seguir, alguns trechos da 2ª parte do longo poema Um Cadáver de Poeta, de Álvares de Azevedo, que está em sua Lira dos Vinte Anos. Abaixo, um soneto meu, um dos 15 sonetos que estão incluídos em meu livro Poemas do Fim e do Princípio. Posto este soneto aqui justamente porque ele foi inspirado em Álvares de Azevedo. A imagem que acompanha os poemas é o quadro "Hamlet e Horácio com os Dois Rústicos", de Eugène Delacroix.

Um Cadáver de Poeta (Parte II - Trechos)

A poesia é decerto uma loucura:
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro... Que doidos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer-lhes — bravo! à inspiração divina...
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar-lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora
Por que há de o vivo, que despreza rimas,
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salários do coveiro?
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
Quando a emprega melhor em lodo e vício? ...
(...)

Deixem-se de visões, queimem-se os versos!
O mundo não avança por cantigas.
Creiam do poviléu os trovadores
Que um poema não val meia princesa.
Um poema, contudo, bem escrito,
Bem limado e bem cheio de tetéias,
Nas horas do café lido, fumando...
Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.
(...)

Meu Deus! e assim fizeste a criatura?
Amassaste no lodo o peito humano?
Ó poeta, silêncio! — é este o homem?
A feitura de Deus! a imagem dele!
O rei da criação!...
Que verme infame!
Não Deus, porém Satã no peito vácuo
Uma corda prendeu-te — o egoísmo!
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!

Álvares de Azevedo


Soneto Ultrarromântico


Peguem meus versos e matem com as fadas,
sujem no sangue de todas as mortes,
deixem aos pedaços sangrando de cortes,
sepultem as artes, não servem pra nada.

Joguem no lixo da Terra acabada,
cacem minha alma em covardes esportes,
juntem com a cinza da velha má-sorte,
chutem os poetas das altas escadas.

Aplausos à arte são sempre mentidos,
e todo artista que se acha mui útil
já vê o seu peito nas ruas cuspido.

O homem só louva o imbecil, o que é fútil,
o tolo e a merda. Tudo urde perdido!

Tudo está morto! Ó minha arte que é inútil!

04 maio 2010

e o Resto é Fim

deixo que o verso saia como ele foi
sem que eu pense em nada
para deixá-lo sendo o que ele não é
o verso nada tem a ver do que penso
a arte que por ele passa
vem do todo e nada tem de mim
é livre em seres que não tenho
é livro que se cala no que digo
é vento que se vaga não comigo
é lago que se nada no não-dito

deixo que passe o que se passa por mim
de que importa aquilo do que sinto?
de que sente o sangue que não tenho?
de que vale o vale que me afundo?

o verso é vasto longo e fundo
vai muito além do que está aqui
por que querer que ele fale de um eu?
por que o verso tem que ser o que é meu?

o verso é de mim o meu ser:
se o meu ser não fala por mim
deixo que o verso fale por si...
e o resto é fim.

03 maio 2010

Catástrofes, Impotência da Ciência e Prenúncios


40 milhões de litros de óleo derramados no mar no litoral dos EUA. Isso por enquanto, porque calcula-se que o derramamento prosseguirá por meses. Meses!

Pode ser esse o MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DA HISTÓRIA DOS EUA. E um dos maiores da história da humanidade.

Já estou vendo os milhões de peixes e outros seres marinhos mortos. A vegetação de uma reserva de vida totalmente aniquilada. As milhares de aves e os milhares de ovos dessas aves mergulhados no óleo. Isso sem falar nos répteis. Sem falar nos anfíbios. Sem falar nos mamíferos. Inclusive o homem. Mas o homem... O homem merece.

O mar doente por anos. Talvez, para sempre. Quantos desastres desse tipo já ocorreram? E quantos ainda ocorrerão? Cada vez piores.

O homem confia cegamente na ciência. Ninguém esperava que houvesse uma explosão. Mas houve. E depois, ninguém esperava que dessa explosão pudesse vazar tanto petróleo. Mas vazou. E agora, o que a ciência fará? Suas tentativas para impedir que o óleo se espalhe são ridículas, para não dizer trágicas.

Mas não adianta. É inútil. É necessário o "progresso", não é mesmo? O "desenvolvimento", essa palavra sinuosa, que sempre enche a boca rançosa dos políticos, sempre falará mais alto. O "desenvolvimento" não pode parar. Quem tem que parar é a Terra. Qual seria o lema da humanidade racional? "Desenvolvimento até a Morte!". Ou seria melhor, "Desenvolvimento e Morte!"? Ou quem sabe, "Morto, mas Desenvolvido." Ou ainda: "Desenvolver é preciso, viver não é preciso." Bem, não importa, o que importa é que temos que nos desenvolver, produzir mais carros, mais armas, mais brinquedos, mais porcarias alimentícias, mais agrotóxicos, mais computadores, mais celulares, enfim... Produzir até a Terra não aguentar mais.

Para encerrar, seria interessante repostar aqui o poema que escrevi dia 16/04/2010, um pouco antes, portanto, da explosão da plataforma de petróleo, que ocorreu dia 20/04. Soa até como um prenúncio. Claro que eu não adivinhei o que aconteceria. É que tais catástrofes já são tão comuns que... que já fazem parte da arte, desgraçadamente.

Poema Sem Graça
adeus
graça
aos gracejos estúpidos
do homem ingrato

a pena que tenho do homem
afunda como o branco da pena da garça
no negro do óleo que escorre
sem graça nenhuma

vai-te em graça
como símbolo gracioso
de tudo aquilo que morre:
a Deus
garça

e o que resta
à humanidade (in)graçada?
a des...
graça.

01 maio 2010

As Duas Mulheres (3ª Parte - Final)

Mesmo em minha angustiante apreensão para compreender o que estava acontecendo, não sentira, até então, nenhuma espécie de real mal-estar na presença daquela bela mulher. Mas em minha terrível curiosidade, perguntei-lhe nervoso quem poderia ser a bestial mulher manca que me perseguia com tanta perversidade. Ela limitou-se a dizer o seguinte, em sua serena elegância, esboçando um sutil e indecifrável sorriso:

- Já está amanhecendo... Veja!

Voltei o rosto para meu lado direito e divisei ao fundo duas imensas janelas góticas cobertas por duas vastas cortinas escarlates. A moça ergueu-se e abriu lentamente as cortinas. Pelos vidros cristalinos das janelas, vislumbrei a irradiação de uma anormal luminosidade que alternava colorações avermelhadas, levemente azuis, tenuemente roxas, e, mais intermitentemente, verde-escuras.

Em seguida, a bela moça abriu uma pequena porta por onde essa estranha luminosidade penetrou como uma densa névoa fosforescente. Pediu-me que me levantasse e me dirigisse até a porta. Ao chegar a um passo da entrada, fui assombrosamente surpreendido por uma visão deslumbrante até o absurdo. Ao longe, uma vastidão de campos e matas estendia-se até onde alcançava a vista. Era um horizonte infinito que parecia se perder em um universo de colorações avermelhadas. Creio que muito ao longe relampejava... Nas planícies mais próximas de meu ponto de observação, cobertas de exuberante vegetação anormal, brilhava a luminosidade estranhamente colorida, como se esta não fosse oriunda do sol, ou, pelo menos, do sol que conhecemos.

As nuvens envoltas por tais luzes assumiam formas espectrais, fantasmagóricas. Era impossível definir de qual ponto do espaço as luzes eram oriundas. Oscilavam como ondulações pelas atmosferas que refulgiam transbordantes de suas sobrenaturais luminosidades. Enquanto contemplava estarrecido aquele lancinante espetáculo, não percebi que Aurora me observava com perscrutadora atenção. Quanto a mim, tentava elaborar em minha mente algum tipo de explicação. Só sei que sentia uma profunda tristeza. O que presenciava, apesar de fantástico, não era de forma alguma feliz ou apaziguador. Pelo contrário, transmitia uma sensação quase insuportável de melancolia.

Ao deitar meus olhos àqueles horizontes sem fim e avermelhados, senti um desânimo desolador. Seria algum efeito daquele misterioso chá? Lembrei-me então do tique-taque perturbador que havia cessado. Nesse exato instante, Aurora proferiu algumas frases que para mim soaram completamente desconexas. Sua voz parecia flutuar ecoante pelo ar carregado daquelas luzes coloridas. O que pude depreender do que a moça disse era algo relacionado ao relógio. Olhei para o alto da porta, de maneira esquisitamente mecânica. Ali estava o relógio funcionando, mas sem emitir o som dos tique-taques.

Cheguei a imaginar que tudo fosse um sonho. Mas sabia que estava acordado. Ou não sabia? Afinal, de que é que sabemos? Como se lesse meus pensamentos, a moça sussurrou-me aos ouvidos que o que sabemos é o que sangramos. E beijou-me nos lábios, e da minha boca derramaram-se copiosas golfadas de sangue. Em seguida, disse-me ela para que olhasse para a porta por onde eu havia entrado.

Olhei. Pelo lado de fora da porta, pude distinguir as feições repulsivas da bruxa manca, observando-me fatalmente com seus olhos arregalados e devoradores, com seu escabroso sorriso de defunto. Um arrepio diabólico percorreu minha espinha. Nada pude dizer. Senti-me paralisado. Mal conseguia mover-me, parecia que algo pesava sobre meus ombros. Meu pulso estava fraco. Foi Aurora que quebrou o fúnebre silêncio:

- Agora tu deves ir através dessas luzes e dessas paisagens. Sabes o que tem lá? Lá vibra o Horizonte do Infinito.

Aurora pronunciou tais palavras como se cantasse uma missa, e novamente um calafrio percorreu o meu corpo. Porém, a sensação de tal calafrio era substancialmente diversa daquela que senti devido à visão ominosa da bruxa.

Poderia dizer que os calafrios eram diametralmente opostos, suas sensações vibravam de um extremo ao outro, como se fossem dois pólos de uma mesma corrente elétrica... As conclusões irracionais a que tal constatação me levou tenho receio de mencioná-las agora. Uma comoção de sublime fatalidade fervilhou em minha psique. Estaria salvo? Estaria perdido? Ou simplesmente morto? Ou nada disso?

Começou a soar uma música... Era uma flauta desolada. Legítima melodia de Fim. Não sei de onde ela surgira. As notas daquela música eram de uma tristíssima estranheza. Adejava pelo ar como uma sentença. Confundia-se com as nuvens fantasmais envolvidas pelas absurdas colorações.

Senti um perfume trágico de incensos. Aurora entrou e abriu a porta para a bruxa manca. Levou-a para um canto da sala, e imaginei que cochichavam. Quanto a mim, deveria partir. Mergulhei nas névoas de luzes anômalas em direção ao horizonte que aparentava não ter fim. Mal consegui caminhar. Não tive coragem de olhar para trás. A caminhada seria penosa. E a flauta do Fim me acompanhava. Agora já é um piano...