21 dezembro 2015
O Saco do Papai Noel
Este poema foi escrito em 2013. Agora, com algumas leves revisões, republico-o, tendo em vista o clima consumista, digo, o clima natalino.
P. noel,
eis minha carta:
maior que tua barba
bem perfumada
de capital
(de fazer trança)
é a tua farsa
bem estufada
de banquetes
e palacetes
entre tua pança
de bochechas coradas
(de vergonha)
e gordas
tu só és papai,
P. noel,
a quem deixar
algumas notas
(e outras cotas)
na (pro)fundidade
do teu chapéu
P.noel
o bom velhinho
velhaco:
só ganha presente
quem tiver dedos
(no meio da moeda)
pra te puxar o saco
19 dezembro 2015
Vida Moderna x Vida
há tanta coisa na vida
que não há mais tempo pra vida
viver tornou-se uma ordem a ser acatada
dada por todos e por ninguém
sob o pretexto de uma escolha
em que não se escolhe
faça isso faça assim
seja feliz alcance o sucesso
trabalhe estude se informe
tenha compre consuma
vá à academia
faça curso de inglês
caminhe no asfalto
não fume não beba mas coma
tenha um celular avançado
nas férias vá para a praia
consulte um médico faça exames
ostente sempre um sorriso
ajude alguma causa social
goste do que está na moda
seja o que se espera de ti
tenha planos tenha metas tenha bens
mas não basta ter
é preciso mostrar que se tem:
não se é feliz nem se tem sucesso
se os outros não souberem
que você é feliz
e que você tem sucesso
faça isso tudo
e no que sobrar do tempo
lamente não ter tempo pra nada
17 dezembro 2015
"Os ideais da humanidade se limitam à posse de um apartamento, uma geladeira, um computador e um automóvel."
Entre os contistas e cronistas brasileiros, o mineiro Fernando Sabino (1923 - 2004), é um dos meus preferidos. Foi um notável observador do homem, do estado da humanidade, do cotidiano das pessoas, daqueles pequenos detalhes a que geralmente não damos muita atenção, mas que uma vez revelados nos indicam a realidade caótica, absurda, em que nos encontramos. E algumas das viscerais observações de Sabino estão na crônica "O Ano Que Vem", do livro "A Cidade Vazia", de 1948, uma das primeiras obras do escritor. Vamos a alguns trechos da crônica, ainda incrivelmente atual, como toda boa literatura:
"Os ideais da humanidade se limitam à posse de um apartamento, uma geladeira, um rádio e um automóvel. Há qualquer coisa de trágico nesse cerceamento do espírito, nessa canalização de sentimentos que exige, na sua prática, uma disciplina de verdadeira filosofia iogue: a felicidade está em repetir, cada um para si mesmo, da manhã à noite, "sou livre!", "sou alegre!", "sou feliz!" até que a ilusão de uma realidade perfeita baixe sobre todos."
(...)
"Ele dirá fatalmente entrando num apartamento qualquer: "That Beautiful!". Beautiful por quê? Não é um apartamento exatamente igual aos outros? A milhares de outros, com o mesmo banheiro de paredes imitando azulejos. Com a mesma sala de estar sem janelas, estrangulada no meio dos quartos. Com as mesmas paredes de madeira e com as mesmas reclamações dos vizinhos. (...) "What a wonderful car!" ele dirá então, apontando para qualquer Chevrolet que lhe mostrem, enquanto lá nas fábricas um outro exatamente igual vai sendo lançado por minuto."
(...)
"Nada como exteriorizar um otimismo inexistente para fazer do conformismo uma ilusão de independência. Para fazer da vida algo que se gasta, com o dinheiro, na compra de imediatas e concretas fruições. Sou feliz, sou feliz - trancados no quarto, cercados de ruído, engaiolados em armações de aço, consumidos de uma insônia contra a qual as pílulas sedativas nada podem, o tédio e a solidão a espiar do canto, como dois demônios parados,, repetem até alta noite o refrão monótono de um dínamo esgotado que reacumula energia para as atividades do dia seguinte."
"O Ano Novo, onde está? O mundo continua o mesmo do ano passado, de todas as partes continuam chegando notícias de mortes, misérias, fome, guerra, sofrimento. Nenhum milagre aconteceu."
Alguém discorda do Sabino? Lá nos ideais da humanidade podemos substituir o rádio pelo computador. O resto continua igual.
15 dezembro 2015
245 Anos do Maior Gênio da Música
Meu compositor favorito não é Beethoven. É Brahms. Questões de afinidades. Beethoven está em segundo lugar na minha preferência, seguido de Bach. Mas desde sempre considerei Beethoven, assim como muitos outros amantes da Música Erudita, como o maior gênio musical que já existiu, capaz de, quase sozinho, realizar uma das maiores revoluções artísticas da história. O gênio alemão, nascido em 16 de dezembro de 1770, não só criou uma nova forma de expressão, não só estabeleceu as bases e levou ao auge o Romantismo musical, como também criou música universal da mais absoluta profundidade e riqueza interpretativa, ainda hoje não superada. E nunca mais o será. Em 2012 escrevi um poema indigno do mestre, mas foi o que consegui fazer em sua homenagem. Agora, republico-o:
(Não-)Palavras a Beethoven
és Tu,
que só dizes
ao que é:
de Ser
a Ser
quanto a mim
que não sou meu eu
não digo palavra
só verso
do nada
que o que música
é silêncio
sublimado em Verbo
e em Verdade
calada
o teu
é um arquetípico
de ideia-alma
substância-essência
síntese e única
em cada toda nota
ao que se consciência
não mais
que se há mais
é a-final.
o que
em tua música há?
tudo aquilo
que o (não-)homem
jamais será?
14 dezembro 2015
Santiago, (Operação) Terra dos Poetas
Nos últimos dias, Santiago não vem tendo seu nome associado à poesia, mas a algo bem diferente. Corrupção? Desvios de verbas? Fraudes? Talvez até fosse mais apropriado mudar o título de "Terra dos Poetas". É, eu sei, não soaria muito bonito associar a algo negativo como "Santiago, Terra dos Corruptos". Alguns, talvez, até protestassem: "Mas a corrupção, por exemplo, em Santiago não é maior que em outras cidades." Em termos absolutos, claro que não. Mas convenhamos que para o tamanho da cidade, que não é muito populosa, os índices estão até que bem altos. Além do mais, Santiago tem mais poetas que outras cidades? E acho que nem proporcionalmente falando.
A coisa começou com a intitulada "Operação Terra dos Poetas", deflagrada pela Polícia Federal, que associou nacionalmente o título de Santiago a uma das maiores fraudes recentes contra o INSS. Um dos maiores envolvidos é santiaguense. Depois veio a "Fraude Rural", que ocasionou a prisão de gente conhecida na cidade. Agora, surge a oposição de entidades federais contra a indicação do santiaguense Marco Peixoto para a presidência do Tribunal de Contas do Estado, com a justificativa de que o mesmo responde por crime de estelionato na justiça e emprega um assessor já condenado por desvio de recursos na Assembleia Legislativa. Sobre o fato, afirmou a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira: "Um acusado de cometer crime não pode comandar uma corte que investiga fraudes e fiscaliza outros órgãos. Não é algo compatível com o cargo de alguém que dirige um órgão que tem a missão constitucional de fiscalizar a legalidade dos atos de pessoal”. Conferir aqui.
E o que mais falta para ser descoberto na Terra dos Poetas?
10 dezembro 2015
08 dezembro 2015
Contra a Manhã
Manhã dos outros! Ó sol que dás confiança
Só a quem já confia! Fernando Pessoa
algo que fosse apenas Noite
noite que só fosse em si
mesma
neste jamais deixar de sê-la
e o sonho fosse por senti-lo
sem ter que ser a que não seja
longe de toda estas manhãs
estas manhãs de ações inúteis
de se fazer acontecer
em que só o nada é que acontece
noturnos sem amanheceres
sem trabalhos que a nada levam
sem balbúrdias de humanos vácuos
sem problemas de homens de bens
no seu mundo que anda ao abismo
nas suas ruas sem sentidos
nas suas vidas sem caminhos...
quem me dera nunca iniciasse
o (não)sol da “manhã dos outros”
06 dezembro 2015
Dois Dentes de Esperança
I
hoje
tudo é comprado
(até virgindades)
e tudo é vendido
há até
quem venda esperanças
(até virgindades)
aos olhos vendados
do povo fodido
II
quem crava seus dentes
nas veias cavas macias
das nações indefesas?
o lucro vampírico
(dos chupacabras)
das grandes
em
presas
hoje
tudo é comprado
(até virgindades)
e tudo é vendido
há até
quem venda esperanças
(até virgindades)
aos olhos vendados
do povo fodido
II
quem crava seus dentes
nas veias cavas macias
das nações indefesas?
o lucro vampírico
(dos chupacabras)
das grandes
em
presas
04 dezembro 2015
Eu Amo a Noite
Fagundes Varela escreveu um dos mais belos e viscerais poemas dedicados à noite (e/ou ao sombrio) da literatura brasileira. Publico-o abaixo:
Eu Amo a Noite
Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.
Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.
Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.
Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.
Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.
Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.
Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua.
Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!…
Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.
Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó…
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?
Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.
Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.
Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!…
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!
Eu Amo a Noite
Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.
Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.
Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.
Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.
Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.
Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.
Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua.
Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!…
Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.
Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó…
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?
Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.
Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.
Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!…
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!
02 dezembro 2015
Contra o bom senso
o bom senso
é o que estraga tudo:
o que é o bom senso
senão a cartilha
de se gerar medíocres?
o bom senso é o ninho
dos lugares comuns
o gérmen do tédio
a árvore do comodismo
a lavoura da covardia
o bom senso é a máquina
de se fazer escravos e dominados
o curso superior da servidão
a lei que mantém os fracos
sempre fracos
o bom senso é a máscara
com que se disfarça
a falsa razão
é o julgamento errado
do que nos empurraram como certo
o bom senso
é a negação da criação
enfim
é a maneira que encontraram
de mentir que é vida
o não se viver enquanto vivo30 novembro 2015
Atentado aos não-atentos
a poesia é o nada
tornado inútil
pelo imprestável
é aquilo que não presta
no entre
de um mundo em pressa:
a poesia
é tudo o que resta
é o aquilo
que não pode ser dito
sendo dito
(ou intentado)
atentado
aos não-atentos
dito
mas não compreendido
seja como for
é como se não fosse
viu, veio e venceu
o seu tempo
ou o seu tempo venceu
como um produto
que perde a validade:
logo não está
no tempo que é
quem escreve
querendo dizer alma
não só não diz
(porque não há o quem capta)
como sem nada acaba
(nem paz nem palavra)
que um poeta
não há nada que o valha
27 novembro 2015
Céu Perdido
sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos
porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
em raio de horror tornado tornado
olho amigo para o céu que oceana
todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa sanguínea
tudo é triste abaixo dO que não é
e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão longe, em febre, tão pouco...25 novembro 2015
quem dera ficasse
a vida passa tão rápido
tão rápido
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
que logo são águas passadas
que ao longo são mágoas pesadas
que ao largo são folhas pisadas
e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
sejam flores ou olhares
passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) te diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é vida)
a poesia é o que fica
23 novembro 2015
de Mulheres Difíceis
Poema inspirado e dedicado a Patrícia Almeida, por ocasião de seu aniversário (23/11/2015)
I - viver ao lado de uma mulher
I - viver ao lado de uma mulher
(se ela é uma grande mulher)
não é não ter mais que sonhá-la
não é não ter mais que sonhá-la
por estar com ela
mas estar com ela
para ainda mais sonhá-la
II - há dois tipos de mulheres:
II - há dois tipos de mulheres:
as de personalidade forte
e as que não valem a pena
III - chamam de mulheres difíceis
III - chamam de mulheres difíceis
aquelas que além de inteligência
têm alma:
os homens em geral
não as conquistam
porque homens com alma e inteligência
são ainda mais difíceis21 novembro 2015
de Ironias do Destino
o destino
é um irônico:
fez Beethoven surdo
para que ouvisse o mais alto
fez Milton cego
para que visse o não-visto
fez Pessoa nada
para que nos dissesse tudo
quanto a mim
fez com que eu tomasse vinho
para que enxergasse duplo:
é mesmo muito irônico
esse De(u)stino19 novembro 2015
nem sonho e nem estrela
Franz Schubert, um de meus compositores favoritos, faleceu a exatos 187 anos, em 19 de novembro de 1828, com apenas 31 anos. Aproveito a a ocasião para republicar o poema abaixo, inspirado na sua música, escrito ano passado.
Após Schubert
essa estrela que eu olho
não é ela que está lá
pois uma outra há que vá
que me olha no que eu olho
mas essa estrela que é
que deseja o que eu vejo
nunca é no meu desejo
essa noite que eu vi
nunca foi a que estava
mas se vai com outra asa
longe do que pedi
alma do que não foi
e outra noite me envia
som-voo do que morria
este sonho que eu tenho
não é sonho que pode
fiz-me por outro acorde
nada em que me sustenho
erro do meu não ser
noite do que vou tê-la
nem sonho e nem estrela
Após Schubert
essa estrela que eu olho
não é ela que está lá
pois uma outra há que vá
que me olha no que eu olho
mas essa estrela que é
que deseja o que eu vejo
nunca é no meu desejo
essa noite que eu vi
nunca foi a que estava
mas se vai com outra asa
longe do que pedi
alma do que não foi
e outra noite me envia
som-voo do que morria
este sonho que eu tenho
não é sonho que pode
fiz-me por outro acorde
nada em que me sustenho
erro do meu não ser
noite do que vou tê-la
nem sonho e nem estrela
15 novembro 2015
O rio mais importante de MG está morto. Em breve, também o planeta.
A catástrofe humana e ambiental ocorrida em MG, que causou a morte do Rio Doce, parece ainda não ter sido totalmente assimilada pela população brasileira. A ficha ainda não caiu. É algo de proporções monstruosas. O rio é o mais importante de MG. Ou era. As consequências , gravíssimas, perdurarão por décadas. E muito da vida da região perdeu-se para sempre. Mas para muitos, absurdos como esses são apenas acidentes de percurso, e, para eles, a humanidade vai muito bem em seu caminho rumo ao progresso, ao desenvolvimento, à evolução. Abaixo, trecho retirado do site Climatologia Geográfica:
"Segundo Luciano Magalhães, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guando, órgão responsável pela análise, “parece que jogaram a tabela periódica inteira” dentro do rio. Segundo ele, a água não tem mais utilidade nenhuma, sendo imprópria para irrigação e consumo animal e humano.
Além desses metais pesados, a própria força da lama já devastou a biodiversidade do rio para sempre. Os ambientalistas não descartam a possibilidade de que espécies endêmicas inteiras tenham sido EXTINTAS pela lama. A quantidade de lama é tão grande que o rio teve o seu curso natural bloqueado, fazendo com que perdesse força e formasse pequenas lagoas que também não durarão muito, já que, além dos minérios, os esgotos, pesticidas e agrotóxicos também estão sendo carregados pelas águas." Clique aqui, para saber mais.
A empresa responsável, a Samarco, foi multada em 250 milhões de reais. De que adianta? Segundo fontes do governo federal, os prejuízos totais podem chegar a mais de 10 bilhões. Mas e a vida? Lógico que nem 1 trilhão pagará a vida perdida. Porém catástrofes como essas não pararão. Nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. O dinheiro fala e continuará falando mais alto. As empresas querem lucro. Cada vez mais. O resto não importa. E todos acham isso ótimo, até quando ocorre uma tragédia. Então, se lamentam. E depois, esquecem. A Vale foi entregue nas mãos gananciosas da iniciativa privada durante o governo FHC, em suas famosas privatizações. Todo mundo, ou quase, achou uma maravilha.
Não há saída. Aos poucos, de facada em facada, o planeta morrerá. E a humanidade com ele. Por isso, deixo um de meus poemas. É só o que me resta:
A Queda da Humanidade
despencaste dos próprios tamancos
tropeçaste nos próprios barrancos
afundaste nos próprios buracos
não foste o ser que és
nem chegaste a ser o que não foste
daquilo que conseguiste desististe
o que fracassaste levaste adiante
puxaste a carta mais baixa
do teu castelo de vento
quebraste o orgulho do teu salto
sem nem ter chegado ao alto
e eu
como nunca fui nada
entre o que está entre ti
naquele dia de Queda
não estarei nem aqui
12 novembro 2015
Homens só louvam imbecis
Abaixo, poema publicado no site do Caderno Literário Pragmatha, de Porto Alegre. Clique para ampliar.
10 novembro 2015
"Sem dinheiro para pagar o 13º, Estado gasta R$ 26 mi com vale-alimentação de 800 magistrados" A isso eles chamam JUSTIÇA.
A primeira parte do título acima, entre aspas, é o que foi noticiado no portal Sul21. A segunda parte eu acrescentei. Sim, porque é, no mínimo, vergonhoso e indignante que tal absurdo aconteça em qualquer nação. É uma afronta escancarada à população gaúcha. Nem em dar uma disfarçada se preocupam mais. E pior que o Estado pagar, é o fato de que os magistrados aceitam sem um pingo de vergonha. Como se precisassem de vale-refeição com seus salários acima dos 22 mil reais. E um vale refeição que é bem maior do que o pago a outras categorias. E ainda pior: é RETROATIVO. É, um juiz deve comer muito, muito mais do que outros seres humanos. É a única explicação plausível. Tudo isso seria ridículo, se não fosse catastrófico que esteja ocorrendo em um estado dito "politizado".
Depois, tanto o governo Sartori e sua base aliada (que acaba de aprovar a redução dos RPV's, ou seja, mais um golpe contra o funcionalismo), como muitos magistrados (logo eles, que deveriam ser exemplos do que é JUSTO), enchem a boca para falar de moralidade no estado, no país, de luta contra a corrupção, de cidadania, de igualdade, de justiça, enfim, o blá-blá-blá, o papo furado de sempre. Depois, exigem credibilidade da população. Depois, têm a cara de pau de falar em esperança.
Confira trechos do que foi noticiado no portal Sul21:
Enquanto o governo de José Ivo Sartori (PMDB) diz não ter condições de pagar o 13º salário dos servidores do Executivo, no dia 20 de dezembro, cerca de R$ 26 milhões saíram dos cofres do Estado na semana passada para arcar com o pagamento retroativo do vale-alimentação de cerca de 800 magistrados, referentes aos anos de 2011 a 2014. Sem saber se receberão o 13º, representantes dos servidores do Executivo questionam a discrepância de tratamento entre categorias do funcionalismo estadual e consideram “absurdo” o benefício concedido aos magistrados, que também deverão receber o 13º em dia, dado o fato de as folhas do Executivo, Legislativo e Judiciário serem separadas.
Na semana passada, cerca de 800 juízes receberam o pagamento do vale-alimentação mensal (no valor de R$ 799) referentes ao período de junho de 2011 até dezembro de 2014. Ao todo, saíram dos cofres do Estado R$ 26.241.528,83. Em junho, quando o benefício entrou em vigor para juízes, pretores e desembargadores, o governo já tinha repassado valores referentes ao ano de 2015 – os gastos anuais com o benefício giram na casa de R$ 7,7 milhões. O pagamento deste benefício segue uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na avaliação dos representantes de servidores do Executivo, esta remuneração “é um absurdo”. “Não tem sentido algum receber isso, ainda mais nos valores que estão”, avalia Augustin, que diz que a Constituição já prevê que o subsídio mensal dos magistrados (no mínimo R$ 22 mil) deve ser suficiente para a alimentação. Augustin também diz que, mesmo que fosse aceitável que os magistrados recebessem o benefício, os valores estão muito acima dos praticados para outras categorias. “Esses valores são um atentado, ainda mais sabendo que, com esses recursos, fazem com que as pessoas que ganham abaixo de um salário mínimo tenham dificuldades para receber”.
08 novembro 2015
Professor de Literatura analisa as letras das 100 músicas mais tocadas no Brasil. O que você acha?
Que a música brasileira (e não só a brasileira, o lamentável fenômeno é mundial) caiu drasticamente em qualidade nas últimas décadas, tanto no que diz respeito à música em si, à sonoridade, quanto às letras que a acompanha, é algo sabido de todos. Claro que há exceções. Mas o que vemos (ou ouvimos), de um modo geral, são músicas extremamente pobres, sem riqueza ou originalidade tanto de ritmo quanto de melodia, com padrões de sonoridade batidos e repetitivos, quase nada sai do medíocre lugar comum.
E quanto às letras, a situação é ainda pior. Em muitos casos, chamar certas "letras" de letras é uma ofensa à palavra. Em outros, ainda que a letra diga alguma coisa, o que diz é tão raso, tão sem graça, tão igual a milhares de outras letras, tão "mela cueca", que chega ser abaixo do nível do "comum". Bem, mas o que esperar de um país dominado, desde antes do século XXI, por essas coisas caça-níqueis dos otários, como o dito funk, o axé, o pagode que não é samba, o sertanejo universitário que não é sertanejo...?
Abaixo, publico trechos de uma entrevista com Marcelo Sandmann, professor de Literatura da Universidade do Paraná (UFPR), que analisou as letras das 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras. Vamos ver a que conclusão o professor Marcelo Sandmann chegou (a entrevista pode ser conferida na íntegra aqui):
Todas as letras, sem exceção, tratam de relacionamentos amorosos. Esse “monotema” indica uma falta de preocupação com outros objetos?
Sim, as letras tratam exclusivamente de relacionamentos amorosos, o que chama especialmente a atenção, pois outros temas, mesmo que em menor escala, também costumam ser frequentes na canção popular. Um assunto muito presente, e com tratamento variado, seja, por exemplo, no samba dos anos 30 e 40, no baião dos anos 50, na canção de protesto dos anos 60 e 70, ou no rap mais recente é a questão social e/ou política, ausente dos exemplos aqui trazidos. O conflito não se dá apenas do “eu” com o parceiro amoroso ou algum rival, mas também em relação a situações de desigualdade social, carência material, opressão política etc.
Embora o sertanejo predomine, não há tematização da cidade, do campo, ou do deslocamento, por exemplo. Algum palpite sobre o motivo?
O “sertanejo” aqui já não pode ser entendido no sentido primeiro do termo, como uma música oriunda do “sertão”, ou do campo em oposição à cidade, e que apresentaria, portanto, questões como origem rural, deslocamento, nostalgia da origem, confronto cultural e social com o meio urbano ou adaptação a ele como assuntos importantes, conjugados à temática amorosa. O “sertanejo” aqui se define muito mais como um gênero já consolidado, com determinadas convenções de composição, arranjo, instrumentação e performance que remetem a uma certa tradição “sertaneja”, mas que na verdade já se deslocou em relação a ela. Trata-se de uma música absorvida pelo mercado, com um público alvo específico e que circula como um produto, dentro dos padrões que regem a produção e circulação de bens de consumo. Não é à toa que diante de toda essa onda, aparecem sempre aqueles que defendem o “sertanejo legítimo” ou a “música caipira de raiz”, o que daria espaço para vários outros questionamentos e reflexões.
Algum palpite sobre por que esses são os temas (e o gênero) que dominou as FMs? Certamente há outras produções, inclusive mais interessantes, que até já dominaram a cena em outros momentos. Há um “empobrecimento” da música brasileira?
Se considerarmos variedade formal e temática, maior complexidade musical e poética como valores positivos, há um evidente empobrecimento da música popular brasileira. Esse sertanejo urbano e massificado passou a dominar o mercado na passagem dos anos 80 para os 90 (Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, entre outros) e hoje, com seus herdeiros, impera nas FMs de maior difusão e está muito presente nas televisões abertas, mas não só. Penso que em alguma medida é uma reação da grande indústria da música e do showbizz à ampliação da produção e fragmentação da circulação musical nas duas ou três últimas décadas, possibilitadas pelo barateamento das tecnologias de gravação e o acesso à internet como meio de difusão. A forças pluralizantes (democratizantes ou mesmo anarquizantes), contrapõem-se outras, centralizadoras. Uma questão de controle do mercado musical, portanto. Podemos pensar também nas mudanças sociais no Brasil das últimas décadas, com o advento da tão falada “nova classe média”, inserindo novos sujeitos no mercado de consumo, sem que a isso corresponda necessariamente algum tipo de transformação realmente significativa na formação educacional e cultural.
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