Mas quando fito aqueles olhos fundos, enormes e encovados, quase que imperceptíveis, negros, perturbadoramente negros, sinto como se minha alma emudecesse diante do que não se pode conceber. Sua altura gigantesca, hercúlea, assombra-nos e nos inquieta, ainda mais se levarmos em conta que de momentos em momentos ele consegue ficar completamente invisível aos olhos de todos. E nesses instantes ele solta um sorriso arrepiante, não perverso, apenas assustador, anomalamente assustador. E sua risada como um trovão retumba por todos os céus congestionados de nuvens carregadas. Surgem tempestades de todos os tipos. Mas elas passam. E logo, o céu clareia-se novamente e o sol brilha. Por alguns poucos instantes, porém.
Conforme ele vai se movendo, as coisas existentes, sejam elas quais forem, desmoronam ao se redor, mas desmoronam de forma tão lenta que quase não se percebe que realmente desmoronam, que se desintegram, transformando-se em pó, em uma degradação, em uma degeneração insidiosa e torturante. Nesses instantes, seus olhos injetam-se de sangue, um sangue vivo e intensamente escarlate, transbordante. O vermelho daqueles olhos infunde em nossos corações um medo diabólico. Mas em outros, sua fúria é tão extrema e determinada que não há lentidão alguma naquilo que vai deixando de ser enquanto seus olhares impiedosos miram a tudo e a todos. Sua visão absurda e formada por algum elemento desconhecido abarca tudo o que pode existir. Talvez até mais. E somente com o fato de olhar e passar pelas coisas que olha tudo se desconstrói. É como se algo que não sei nomear ocorresse. E a destruição é plena. Nada resta.
Mas a grande maioria dos que presenciam seus atos não o reconhecem como seu causador. Fica aquela impressão de que algo terrível aconteceu, mas não se sabe exatamente por quê. Nem mesmo o quê. E então ele sorri enigmaticamente, pálido, cadavérico. Há um sarcasmo quase palpável em sua boca de tigre. E, às vezes, quando observo com redobrada atenção aquele olhar perturbador, aquela face ominosa, tenho uma desesperadora impressão de que alguém olha atrás dele. Como uma presença misteriosa que estivesse por trás de tudo o que através dele se realiza. Mas não é possível distinguir sua face, que sempre está em segredo. Mas sei que ela está lá. E me parece ser desprovida de misericórdia. Não sei se de fato é assim.
Um dia toquei em sua mão. Era fria, fatalmente fria. Foi um toque muito rápido, mas o suficiente para sentir todo o horror que nele se concentra. Horror para o qual não há descrição possível. Aquela impressão nunca mais me deixou, nem sequer por um instante, por um segundo, e me perturba todos os dias, todas as noites. Desde aquele dia soube das coisas que ele é capaz. Sei também que ainda não se revelou às claras.
Há sempre uma névoa espessa envolvendo sua catastrófica presença. Mas um só relâmpago de seu olhar, quando percebido por uma parcela mínima de nossa consciência, o que já se constitui em uma tarefa dificílima, deixa em nossa alma a pior das sensações. Realmente, a pior. E incompreensível. Mas havia algo mais naquele toque. Uma tênue refulgência de algo esverdeado que eu não ainda não pude captar sua essência. No entanto, senti um ainda mais incompreensível consolo. Igualmente terrível. Mas agora eu sei das coisas que ele é capaz... E talvez ele seja o mais necessário de tudo. Ele que está entre nós.