29 junho 2010

Sobre uns Versos do Pedro Ortaça*

“Eu nunca pedi bexiga pra patrão ou pra milico,
Por isso ninguém me obriga a ser pelego ou pinico,
Não choro por rapariga nem tiro chapéu pra rico...”

Pedro Ortaça – música “Guasca”

o verso não se dobra:
se eu escrever um verso bárbaro absurdamente extenso
ele
não pode
ser publicado
dobrado
assim
só para
se adequar
ao formato
do veículo
de publicação

o verso não se dobra.
e o poeta também não.

*Pedro Ortaça é cantor e compositor tradicionalista gaúcho

28 junho 2010

Lei de Proteção Animal - Abaixo-Assinado

Com a imagem acima, pretendo torturar a sensibilidade dos leitores, mostrando um gato inocente sendo torturado em nome do "progresso da ciência". E para onde tal estupendo "progresso" está nos levando, todos já estão cansados de saber.

Assim, peço que assinem o abaixo-assinado em prol do projeto que pretende estabelecer a Lei de Proteção Animal no Brasil. O projeto é de autoria do deputado federal Ricardo Trípoli. Parabéns ao deputado. Quando um político faz em algo em defesa da natureza, deve ser aplaudido, porque é algo difícil de acontecer, não é mesmo?

Aqui o link para a assinatura: http://www.leideprotecaoanimal.com.br/

27 junho 2010

Legado do Terror - Antologia

O site de literatura fantástica ARCAHDIA publicou a antologia digital "Legado do Terror", onde foram incluídos dois contos meus. O livro está disponível para download no site http://arcahdia.webnode.com.br/

Alemanha x Argentina

Disse aqui no blog, ao final da 1ª rodada da Copa, que os melhores times da competição eram Alemanha e Argentina. E as oitavas de final estão comprovando isso. Independente dos lamentáveis erros de arbitragem, Alemanha e Argentina jogaram bem melhor seus jogos e mereceram vencer.

Na minha opinião, do confronto entre as duas seleções sairá o campeão da Copa da África. E creio que será a Argentina, conforme já havia dito em postagem anterior aqui no blog.

26 junho 2010

Dois Os dos Sonhos

ah os dois os dos sonhos...

locos loucos longos
medonhos

os dois os
esgotados
de sono
sem portos
torvos
tortos

dois os dos sonhos
dos poços
dos fossos
destroços

dois os dos sonhos
demônios
de dourados
olhos
dois os de agosto
do horror
desgosto
os de velório
dolorosos
remorsos

dois os tristonhos
dos voos
dos corvos

dois os dos sonhos:
dois os dos mortos...

24 junho 2010

da Poesia Viva

a poesia viva
não nasce
da letra morta das teorias
do verbo putrefato dos manuais
dos sermões miasmáticos dos acadêmicos

a poesia viva
nasce

das letras axiomáticas das estrelas
gravadas no livro infinito do infinito

das palavras sussurradas pelo vento
nos campos-página escritos pelo sol

do verbo hieroglífico dos pássaros
palestrando para os ouvidos das florestas

dos sermões sentenciosos das tormentas
proferido por entre os órgãos dos trovões

e finalmente
da linguística dos beijos...

a poesia viva nasce
de se ter a coragem
de buscar o azar e a sorte...
da vida nasce a poesia
mesmo que trate da morte
que tenha o lábio tocado
e leve a alma ferida:
só a morte
faz valer a pena
a vida de ser vivida

22 junho 2010

O Tempestuoso e Sombrio Quarteto Op.51 nº1 de Brahms

Em 1865, aos 32 anos, o meu compositor favorito, o grande Johannes Brahms, compôs aquele que para mim é o maior dos quartetos para cordas criados depois de Beethoven. Trata-se do quarteto nº1 do Op.51. Obra mestra de uma intensidade emocional avassaladora e de uma perfeição formal inquestionável, características típicas de Brahms.

Para o leitor que não sabe o que é exatamente um quarteto para cordas, esclareço: é uma composição para 2 violinos, 1 viola (não confundir, por favor, esta viola com a viola usada no samba, que é dedilhada; a viola clássica é algo como um violino maior, executada da mesma forma que o violino, com um som um pouco mais grave que este) e 1 violoncelo. É uma categoria de composição de câmara (obras para pouco instrumentos) muito cultivada. O quarteto para cordas foi estabelecido em seu formato tradicional por Haydn, que também o cultivou muito, assim como Mozart. Mas foi Beethoven quem levou o estilo ao auge, com obras absolutamente sublimes e transcendentais. No século XIX, Brahms, Schubert, Schumann, Tchaikovsky, Dvorák, entre outros, criaram grandes obras no gênero. No século XX, Bartók, Shostakovich, Berg, prosseguiram a tradição do quarteto de cordas. O brasileiro Villa-Lobos também criou importantes obras para quartetos.

Quando ouvi pela primeira vez o Quarteto nº1 de Brahms, aos 18 anos, chorei. Trata-se de uma obra densa e profunda, que principia em um ritmo forte e selvagem. Um clima de gravidade e resignada melancolia perpassa toda obra. O primeiro movimento é de uma força e de um sentimento de tragédia que nos marca profundamente. Não há lugar para sorrisos. Ritmos violentos são interrompidos por tristes e angustiadas melodias. O movimento finaliza de forma arrebatada, onde os instrumentos encerram seu doloroso diálogo em um grito de força e desespero, em um clamor sentencioso e indomável.

O segundo e o terceiro movimentos são mais tranquilos e resignados, porém ainda melancólicos e sombrios. O "Romanze, poco adagio" (2º movimento) desenvolve-se suavemente, entre a ternura e o desalento, mesclando luzes e sombras, trazendo melodias de um intenso romantismo. O terceiro movimento prossegue nesse clima mais apaziguador, porém uma desconsolada tristeza sonhadora impregnada de mistério atravessa-o do começo ao fim. Um céu cinza e antigo caiu sobre nossos olhos, e os breves momentos de luz do movimento anterior são deixados de lado.

O movimento final surge de forma violenta e cortante, e a tempestade ressurge. Um ritmo frenético e desesperado dá  poucos momentos de descanso aos nossos ouvidos. É uma música alucinada, veemente, angustiada, de sofrimento e de luta. O final é de uma dignidade e de uma contundência absolutas, deixando bem claro que jamais se curvará ao infortúnio. Este é Brahms.

21 junho 2010

Não-Soneto nº2

deixar cada verso como se fosse
versar cada fosse com uma foice
e após plantar aquilo que não tenho
colher do nada o nada que não sou

o que queres será feito não sendo
morto do que fracasso vencerás
terás aquilo que talvez não queiras
não conseguindo cumprirei ao erro

sabes como obrigar deixando livre
do horror retiras as sublimes causas
de vão sacrifício se revela o alto

do que não veio surgirá teu sim
a luz que nasce em tudo que se perde:
sabendo nada o que devo conheço

19 junho 2010

Apocalipse, de Augusto dos Anjos

A seguir, os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos... Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Grito" de Edward Munch.

Apocalipse

Minha divinatória Arte ultrapassa
Os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas...
E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,

Espião da cataclísmica surpresa,
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

17 junho 2010

Versos de Vinagre e Vice-Versa

seja de onde venho
seja aonde vou
só ouço
pela minha veia vazada
a voz velha vaga e vazia
da humanidade vencida

nada
é o tudo que a civilização vaza
nos vasos dos meus ouvidos
milernamente
mil vezes vividos

sobre o verbo vão do homem
viro o meu vômito vivo
verto meu escarro viscoso
vergo varas veladas

piadas
são todas essas vozes vassalas
servas vesgas vendidas
vaidosas vadias fodidas
a que voto meu cuspe e meu vento

visto meu vasto
e o que vejo enterro nas valas
o que sinto apago nas velas
e com meus vendavais
eu fico sozinho...

só o que me vale?
o Vinho.

16 junho 2010

O Futebol-Arte Agoniza...

Ou será que já morreu? Não, acho que, assim como o nosso planeta, morre, mas ainda está vivo. Lá de vez em quando surge uma jogada esteticamente admirável. Muito de vez em quando. Que o diga a Copa 2010. Jogos sofríveis, onde o objetivo maior não é jogar futebol, mas exatamente o contrário: não deixar jogar. A prova é a medíocre  média de gols marcados por jogo: ao final da 1ª rodada, era de 1,56, uma das mais baixas da história. 

Aguardei o final da 1ª rodada da Copa para dar meu parecer, pois sempre acompanho as Copas do Mundo. Somente um time mostrou bom futebol, um futebol bonito, a Alemanha, por incrível que pareça, que tem fama de apresentar sempre um futebol feio, embora eficiente. De resto, só o Messi, da Argentina. Quem sabe mais para frente...

Agora, não interessa mais aos times apresentar um futebol bonito, que deslumbre os olhos. Interessa ganhar de qualquer jeito,  interessa o resultado, interessa o lucro. E não só no futebol, mas nos demais esportes também. Só se pensa em ganhar dinheiro, em se bater recordes, em se obter fama, em empilhar títulos. Mas arte no esporte? Beleza, encantamento? Muito pouco, quase nada. 

Agora vivemos a época da eficiência. Não importa o que existe de "alma" no que se faça. Importa se é eficiente ou não. Até na arte é assim. A arte está deixando de ser arte. Se nem na arte existe arte, por que ano futebol haveria de existir? A arte e o esporte atuais refletem o homem atual: um homem sem alma. O futebol é decadente como a humanidade é decadente.

Bem, mas seja como for, a Copa está aí. Quem será o campeão? Na Copa de 2006, antes mesmo de seu início, disse a amigos que a Itália seria a campeã. Acertei. Agora acho que o título ficará entre Alemanha ou Argentina. Para escolher um: Argentina. É o meu palpite.

14 junho 2010

Palavras de Miséria

ser humano...
ter as entranhas entupidas de fezes
ter a boca infestada de bactérias
e a podridão sufocada pela aparência

ser humano...
exalar o fedor pegajoso do suor
numa tarde modorrenta de calor
sob o tédio escaldante de um domingo

ser humano...
ter que se esfregar com sabão todos os dias
e se impregnar dos mais potentes perfumes
para mascarar o mau-cheiro do corpo

ser humano...
ter que fazer as monótonas tarefas diárias
desejando que as tarefas acabem logo
para ter que fazê-las novamente amanhã

ser humano...
ignorar de onde veio ou para onde vai
viver sem saber o porquê de sua vida
e sem controlar o que pensa e o que sente

(...)

ah, então sou louco
só porque acho que ser humano
é ser miseravelmente
pouco?

13 junho 2010

Fernando Pessoa, Aquele que Disse Tudo

Em 13 de junho de 1888, em Lisboa, Portugal, nascia Fernando Antônio Nogueira Pessoa. Morreria em 1935, de cirrose hepática. Hoje, completaria 122 anos. Fernando Pessoa foi aquele que disse quase tudo o que eu gostaria de ter dito. O que me resta dizer agora a não ser que acabou?

E o que diria hoje Fernando Pessoa, ele, que em vida não teve reconhecimento, a não ser por uma meia dúzia de amigos admiradores incondicionais, que mal podia se sustentar financeiramente, que viveu na solidão e na incompreensão, o que diria ele hoje ao ver que é cultuado no mundo inteiro como um dos maiores poetas do século XX, que é considerado, ao lado de Camões, como o maior nome da literatura de de língua portuguesa?  O que diria Fernando Pessoa? Talvez dissesse: "viu, eu tinha razão."

Como uma pequena homenagem ao seu aniversário, deixo um dos seu poemas, onde, como sempre, ele disse coisas que eu gostaria de ter dito. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Corvos Sobre o Campo de Trigo", de Van Gogh.

Chove? Nenhuma chuva cai...

Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o  ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

11 junho 2010

a Poesia é uma Praga

não é o poeta
que decide ser poeta:
a poesia é quem escolhe
quem irá poetizá-la
e uma vez escolhido
impossível deixá-la

não há livro nem estudo nem técnica
não há mestre nem regra nem meta
não há jeito nem choro nem vela:
não se pode formar um poeta

poeta
não é quem procura pela inspiração
poeta é aquele que a inspiração
não o deixa nunca em paz
é aquele que um demônio
sussurra sempre nos ouvidos:
vai, escreve esse poema, faz!

poeta não escreve porque sofre
não escreve porque está triste
escreve porque não tem saída
escreve porque é o que lhe manda
tudo o que vive e tudo o que existe

não é o poeta
que escolhe sua vida
a vida é que vem ao poeta
de acordo
com o que quer que ele escreva
poeta é o que escreve qualquer coisa
do que quer que seja

poeta não segue conselhos:
mas só se vale do que pensa
e só do que sente se alaga
poesia não é dom
é praga

poeta é o que faz do seu jeito
e esse seu jeito
é que é a melhor maneira:
um bom poema
sai de um bom beijo
ou de uma sublime
bebedeira

10 junho 2010

Goethe e a Desilusão com os Estudos

Johann Wolfgang Von Goethe, o maior gênio da literatura alemã, e um dos maiores da literatura universal, expressou em sua obra-prima máxima, "Fausto", um dos pontos mais altos da arte,  praticamente todas as questões essenciais que assombram a humanidade, cogitou sobre tudo,  e expôs como raros o drama da eterna busca do homem pelo conhecimento. Mas o que seria o real conhecimento? Seria acumular leituras sobre leituras, investigar todas as coisas pelo alcance das ciências ou iriam ainda muito além? O texto abaixo, extraído do quadro II, Cena I do 1º Fausto, questiona tragicamente o terrível dilema. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Destino", de Hieronymus Bosch.

Fausto I - Quadro II - Cena I (Trecho)

Ao cabo de escrutar com o mais ansioso estudo
filosofia, e foro, e medicina, e tudo
até a teologia... encontro-me qual dantes;
em nada me risquei do rol dos ignorantes.
Mestre em artes me chamo; inculco-me Doutor;
e em dez anos vai já que, intrépido impostor,
aí trago em roda viva um bando de crendeiros,
meus alunos... de nada, e ignaros verdadeiros.
O que só liquidei depois de tanta lida,
foi que a humana inciência é lei nunca infringida.
Que frenesi! Sei mais, sei mais, isso é verdade,
do que toda essa récua inchada de vaidade:
lentes e bacharéis, padres e escrevedores.
Já me não fazem mossa escrúpulos, terrores
de diabos e inferno, atribulados sonhos
e martírio sem fim dos ânimos bisonhos.

Mas, com te suplantar, fatal credulidade,
que bens reais lucrei? Gozo eu felicidade?
Ah! nem a de iludir-me e crer-me sábio. Sei
que finjo espalhar luz, e nunca a espalharei
que dos maus faça bons, ou torne os bons melhores;
antes faço os bons maus, e os maus inda piores.
Lucro, sequer, eu próprio? Ambiciono opulência,
e vivo pobre, quase à beira da indigência.
Cobiço distinguir-me, enobrecer-me, e vou-me
com a vil plebe confuso, à espera em vão de um nome.
E chama-se isto vida! Os próprios cães da rua
não quereriam dar em troco desta a sua.

08 junho 2010

O Genial e Maníaco-Depressivo Schumann Teve Uma Vida Trágica

Robert Schumann, nascido em 08 de junho de 1810, em Zwickau, na Alemanha, é um dos compositores mais importantes para o desenvolvimento do Romantismo musical. Comemoramos este ano o seu bicentenário de nascimento. Sendo um dos herdeiros diretos da revolução beethoveniana, serviu de influência para compositores que o superaram, principalmente Brahms, o qual era amigo pessoal do compositor. O jovem Brahms recebeu um forte estímulo de Robert e Clara Schumann (sua esposa), sendo saudado por ambos como “o gênio prometido do Romantismo”, no que eu concordo.

Apesar de Brahms ser amigo pessoal de Schumann, não pôde evitar de se apaixonar por sua talentosa esposa, exímia pianista e também compositora, 14 anos mais velha que Brahms. Amigos amigos, amores à parte... Tanto Schumann quanto Brahms eram apaixonados por Clara. Mas Brahms sempre respeitou seu amigo e manteve em segredo seu sentimento, pelo menos até a morte de Schumann, em 1856, com apenas 46 anos. Depois de sua morte... bem, aí entramos no terreno das conjecturas, não se sabe bem ao certo o que realmente ocorreu com Brahms e Clara, o certo é que não casaram nem namoraram. Fora isso... não sei. Teriam, como se diria hoje em dia, “ficado”?

Mas falemos de Schumann... Para não fugir à regra dos românticos, Schumann teve uma vida trágica. Na juventude, apaixonou-se perdidamente por Clara Wieck, mas teve que penar vários anos para obter a permissão do rigoroso pai da moça para o casamento. Ele não queria que Clara casasse com um artista depressivo. No que estava coberto de razão. Casar com artista já é ruim, imagina com um com tendências maníaco-depressivas...

Após o casamento, inspirado, Schumann passou a compor muito. Mas suas obras não tinham muito reconhecimento. O compositor alemão era um revolucionário, opondo-se ao ensino academicista da época. E isso nunca é bem-vindo. Clara era mais reconhecida como pianista do que ele como compositor. O fato constituiu para Schumann uma nova fonte de torturas. E ele não podia mais ser pianista. Em sua juventude, devido a severos e absurdos estudos ao piano, perdeu parcialmente o movimento de uma das mãos, encerrando prematuramente sua carreira como pianista. Talvez isso tenha sido excelente para a humanidade, pois assim pôde se dedicar exclusivamente à composição. Vale lembrar que Schumann, na juventude, viveu um sério dilema: ser poeta ou compositor? Sentia-se vocacionado para ambos. Amava tanto a música como a literatura. Assim como eu. A sorte dele é que pôde escolher. Eu não. Tive que ser poeta, e olhe lá.

E é devido a esse talento literário que Schumann conseguiu criar uma das mais perfeitas e equilibradas coleções de lieder da música clássica (pois o lied nada mais é que a união de música e literatura), onde o texto poético é expresso pela música com absoluta maestria. Porém, os lieder não são a parte da obra de Schumann que mais admiro, mas sim sua música de câmara. Seus quartetos, trios e sonatas são para mim o que há de melhor em Schumann. Se nas sinfonias, na ópera a até mesmo nos concertos (excetuando o para violoncelo, que é sublime) o compositor deixa um pouco a desejar, na música de câmara é um mestre, ao qual muito deve Brahms e outros românticos. O caráter trágico, melancólico, apaixonado de suas composições no gênero deixou páginas memoráveis, como o quarteto para cordas nº 3, op. 41, o trio op.110, o quarteto para piano op. 47, cuja melodia tema do 3º movimento é de um romantismo tão intenso que parece que sentimos o perfume das rosas em uma melancólica noite enluarada.

Mas como disse, Schumann teve uma vida trágica. Era maníaco-depressivo, e sentiu que enlouquecia. Passava as noites em claro tendo terríveis visões e ouvindo sons absurdos. Dizia que anjos e demônios lhe ditavam melodias. Quando percebeu que estava dessa forma fazendo sofrer sua numerosa família, e após uma tentativa de suicídio, ele mesmo decidiu se internar em um sanatório. E lá, o gênio musical de Schumann faleceu em sua loucura.

07 junho 2010

Quando...

sorrisos lagos dançavam
por anéis nuvens macias
e de mil astros felinos
surgiam naves vermelhas
dirigidas por crianças
e nos céus águas brilhantes
arco-íris iam voando
lépidos por entre matas
aos sons de flautas riachos
e duas fadas me olhavam
santas de noites sonatas
em cisne avião sem destino
deixavam adeuses nos cantos
sorrindo em divino grou

quando a minha esperança
tão bela tão clara tão verde
a minha esperança...
me deixou.

05 junho 2010

Eles que Sabem...

céu de granito cinzento
e cai garoa e granizo:
eles gargalham de nós
sua gramática-ocaso

grassa por tudo a desgraça
e eles gracejam galantes
grafam gadanhas nas garras
e nos galhofam graciosos

grito em galope-deboche
em sacra graça de gárgula
eles se tragam de negro
galas de voz e prenúncio

sábios de graves gargantas
eles que gravam nos olhos
eles que grasnam nos galhos
eles gargalham de nós...

eles
os Corvos.

03 junho 2010

Este é o Poema Mais Triste

mentira.
se eu pudesse escrever
o poema mais triste
eu o faria...
mas não tenho o suficiente talento:
não consigo encontrar a palavra mais negra
pra golfejar vomitando na mesa
a divina catástrofe
que me desastra por dentro.

e nem esperança
posso ter de criá-lo:
a palavra esperança
Deus
degolou do meu dicionário.

e ao meu poema
jamais te arrancarias lágrima
jamais te sentirias trágica
jamais a melodia mágica
nem que na testa
eu me desse um balaço
como prova solene e sonora
do meu sublime fracasso.

quero agora ser executado
sem pedir o último desejo: mudo
soldados! apontem os fuzis!
eu sou culpado
de tudo!
prometi o poema mais triste
e não o fiz.