Versos Diretos nº54, 55 e 56

nº 54: Yin e Yang

quando se chega ao nível mais alto

daquilo que se acredita

surge um ponto mínimo

para nos colocar a dúvida.

quando se chega ao nível mais alto

daquilo que se duvida

surge um ponto mínimo

para nos fazer acreditar.

de modo que sempre é melhor

não se acreditar tanto

nem duvidar demais.

nº 55: aquilo que digo de melhor

é o que está em ti 

e tu não sabes

mas quem me dera poder dizer

o que no fundo tu já sabes.

nº56: o objetivo da sociedade capitalista

é o vazio: nada tem valor

a não ser o que superfície

nada tem sentido

a não ser o que futilidade.

quanto mais vazio tu te sentires

mais vais querer só consumir.

mais vais querer só trabalhar.

Tempos extremos, Atitudes extremas

os extremos se tocam.
não é nenhuma novidade:
da genialidade à loucura
basta um pequeno exagero.
e o dedo da Ásia (olhem no mapa)
toca a bunda da América
ou vice versa.

mas também se tocam dentro de nós.
entre a grandeza de fazer o bem
ou o prazer de cometer o mal
é só uma questão 
de como amanhecemos.
corre nas nossas veias
entre beijos transas e abraços
a ânsia de sorrir ou de chorar
a vontade de amar
ou desejo de vingança.

Michelangelo nos mostrou
o toque de Deus nos nossos dedos.
Dante nos escancarou
o toque do Inferno em nossa mente.
somos apenas os peões
de um tabuleiro invisível?

Lua Completa

a lua nasce para todos 
bem mais que o sol
porque o sol não sonha
só a lua é sono
ao sim de sinos
só luz e lábio
ao longe e langue
ao som dos seres
só a lua alenta
só o sono é justo 
porque a lua é lenda
pelos longos lagos
é soneto e lobo
que suspiro e sinto
só a lua leva 
é sonata e gato
é o olhar felino.
só a lua
morre para todos.

Céu de Tempestade

eu vou mas eu fico
desapareço mas existo
o que quer que aconteça comigo
comigo sempre haverá o que digo
eu parto mas eu sigo.
que importa a minha desgraça?
aquilo que fiz
não fiz pela minha glória
eu não sou a minha estrada
nem mesmo por minha vida
que não vale nada.

que importa a minha insignificância?

não está em mim minha esperança.
eu morro mas eu vivo
como quem morre na batalha
mas vence o seu lado da guerra.
que importa a minha miséria?
sempre foi por outro algo
sempre foi por outro alto.
não disse nada por mim
sempre foi pelo Princípio
e pelo Fim.

Se não há sentimento, não há nada

a dor do mundo
não me permite dizer que sou feliz
não me permite me sentir feliz.
não sou insensível a esse ponto
não sou egoísta a esse tanto.
me sinto culpado em me apresentar
em felicidade.
devo ter algum(uns) 

problema(s) psicológico(s).
isso não significa
não ter momentos de alegria
ou que eu me sinta infeliz
significa empatia e percepção
com os seres que sofrem.

e quando digo a dor da mundo
digo a dor de quem vive na miséria
e de quem morre no abandono.
do animal que desaparece
queimado na floresta
ou da árvore cortada pelo tronco.
essa dor da qual

tenho uma parcela de culpa.

alguém poderá perguntar:
e o que você faz para aliviar essa dor?
eu escrevo.

passo noites em claro
sem ganhar nada por isso.
escrevo para que se perceba
para que se sinta.
porque
se não há sentimento
não há nada.

Parasitas

somos todos parasitas.
em primeiro lugar
parasitas da vida do planeta.
em segundo
parasitas do sangue dos outros.
quando digo somos 
incluo a mim
e a todos.
eu mesmo fui sustentado por minha mãe
durante muito mais tempo
do que ela deveria me sustentar.
hoje não tenho nem mãe nem pai
nem minha única irmã.
eu sei que não venci na vida
porque suguei pessoas e um planeta.
e sinto absoluto desprezo por outros parasitas
que vêm ostentar "sucesso" e "vitória"

com a herança ou ajuda do papai - mamãe
com por exemplo suas fotos de lavouras de soja
ainda mais parasitas de um planeta
sugado e poluído até a medula
por essas mesmas lavouras 

de terras extirpadas dos índios
ou que vêm babar orgulho

de  suas empresas parasitas
sonegadoras e sugadoras
do sangue dos trabalhadores
das águas dos rios
da seiva das florestas
e do dinheiro dos que pagam
seus impostos.
sinto náuseas da gosma branquicenta
que escorre da boca desses parasitas
abestalhados
inúteis que se acham heróis.
e este poema terá só uma rima
maldita
para parasita.

O que foi que eu (não) fiz?

o que foi que eu fiz?
a pergunta que todos fazem
uma ou duas ou muitas
vezes na vida.
o que foi que eu NÃO fiz?
a pergunta que todos fazem
todas as vezes da vida
e essa é pior.
quem é que suporta 
o que não foi feito?
o que poderia  ter sido feito?
esse poderia é que mata,
o que não foi dito?
que não foi buscado
mas largado/esquecido na estrada?
quem é que aguenta 
o que poderia ter sido tudo
e é nada.
chega um dia que esse tudo
bate na porta da entrada
e nos destrói com um olhar
mas aí já é tarde.
é tarde para o Ser
é tarde para amar.

Versos Diretos nº50, 51, 52 e 53

nº50: tem pessoas que têm medo de caveiras
mas tem uma por dentro.

nº51: o fim do mundo é psicológico:
começa nas tuas emoções fúteis
e acaba nos teus pensamentos imbecis.

nº52: o tempo escorre

como sangue por entre as mãos.

a vida é essas mãos

ensanguentadas.

nº53: de "pessimista" é como chamam aquele 
que já calculou e percebeu
que vai dar merda.

O Peso de um Poema

apesar dos pesares
destruímos todos os mares
ao pesar destes ares
onde quer que estiveres
por onde quer que andares
saibas: tudo foi tu que mataste
ao morrer destes vales
onde meu verso ainda existe 
ao quedar destas noites 
no pesar da minha alma
(21 gramas)
a dor do planeta é ainda maior 
apesar dos teus males.

Poema Brutal

não é proteína.
é carne.
diga comigo: carne!
de um bicho que foi sacrificado 
pela tua vida.
"ah, ainda bem
que só como vegetais
e vegetais não sentem"
o que não sente é teu cu.
tudo o que vive
sofre pra que tu vivas.
honra a carne
e a cenoura que tu come.

não é colaborador.
ninguém colabora contigo.
trabalham mesmo, são empregados
a suor e sangue
em geral explorados e ignorados
pra que tu seja rico ou se ache rico.
tu depende deles
são o chão que tu pisa.
baixa a cabeça quando fala com teu "colaborador"
seu monte de merda
é ele que mantém a tua bunda suja
empinada.

não é defensivo agrícola
do agro é pop.
é agrotóxico do agro é bosta.
veneno de quem só pensa em lucro.
não tem nada a ver com o agricultor.
é só máquina a gasolina
fodendo os campos e os rios
de porcaria cancerígena.
tua comida tem gosto de merda
pior, tem gosto de câncer.

e meu poema tem gosto de fim.

No pasa nada!

já amanheceu.
enquanto as pessoas passam
na frente da minha sacada
pra irem caminhar ou correr no asfalto
sem dar atenção pra nada
eu ainda não dormi
e dou atenção às aves e às árvores
enquanto finalizo mais uma dose 
de gin com gelo e limão. 
afinal,  é  verão.
aí Deus vem e senta do meu lado
(existe? 
quem foi que disse
que Deus não é triste?)
mas não me condena 
(afinal, nem vale a pena)
apenas me diz:
qué pasa? 
tienes mala suerte?
(Deus não é brasileiro)
ao que respondo:
no,  la mía es buena!
y viva la muerte!

  

Versos Diretos nº47, 48 e 49

nº47: o olhar de quem é profundo
é forte.
o olhar de quem é malvado
também pode ser forte.
mas só o olhar de quem é profundo
é profundo.

nº48: eu não escrevo por mim
eu não sou a minha vitória.
escrevo por algo maior
que será e vencerá
apesar de mim.

nº49: um poeta sem coragem
é como um touro sem bolas.
touro sem bolas não é touro.
poeta sem coragem não é poeta.

O que fica

o mundo quando se acabe
ainda fica o meu coração.
não por ser bom
mas por ser fundo
não tem vento que o leve.

o mundo se indo
ainda fica a chama do que sinto
não tem água que o apague
nem diabo que o carregue.

o mundo quando se ponha
fica a minha emoção
encharcada de lágrimas
não tem fogo que a seque.

o mundo quando se durma
(que a Morte é dormir)
ainda verá a minha alma
(minha alma tem insônia)
pois como disse Fernando Pessoa:
"quem tem alma não tem calma."

Continua, mas com o teu Sangue

é... o mundo continua
continua sobre o sangue derramado
respingado pelas paredes
espalhado pelos águas
esvaziado de tudo o que tu sentes.

o mundo continua
com o suor da tua exploração
devastando o que vive em ti
furando o que teus olhos veem
estrangulando a tua liberdade
o mundo continua
mas pra continuar precisa te anular
te calar a boca te trancar a alma
te fechar o olhar.

é, o mundo continua
mas continua sentado nas tuas costas
vomitando no cadáver dos teus sonhos
ele precisa ver a tua linfa
gotejando entre as máquinas
e a tua saliva
grudada nos motores.

o mundo continua
entre a fumaça o lixo 

o esgoto o deserto

a merda tem que boiar no mar
o sangue tem que escorrer no asfalto
o mundo continua 
com o suco que  ele faz
do teu coração esmagado
com o quente da tua menstruação
sobre os bichos massacrados
sobre as plantas extirpadas.

o mundo continua
mas só se tirar o sangue das tuas veias
e te jogar no vazio 
da vida sem sentido.
mas agora começa o sopro do vento...
o mundo continua
mas não por muito tempo.

Ao teu Olhar

às vezes fico pensando
em quantos sonhos anímicos
em quantas luzes longínquas
em quantas almas não-vistas
longos segredos sentidos
vastos desejos não-vindos
fortes sentidos de vida
em tanto lago de lágrimas
em tanta cruz pelas costas
em tanto amor infinito
que foram necessários para formar
a magnitude intangível
do teu olhar.

Vingança

nós teremos nossa vingança
vem pé por pé como uma lança 
passo a passo como um trovão 
quando ela chegar estarei morto
mas será parte de mim.

essa vingança será meu fim
sangue no olhar do tigre
mais forte que  qualquer ódio
aquele grito de ser repleto
pela noite que nunca acaba
nós teremos nossa esperança 
melhor rima para vingança 
e não poderia ser mais direto. 

Versos Diretos n° 44, 45 e 46

n°44: se um gato
olha fundo nos teus olhos
ele vê tudo dentro de ti.
abaixa teu olhar.

se um gato 
te surge pelas ruas
durante a noite
ele te revela uma dose do mistério.
aprofunda teu olhar.

n°45: esperança 
rima
com ignorãnça.

n°46: quanto mais séria 
é a situação do planeta
e da humanidade 
mais SOMOS condicionados 
a nos divertir no consumismo 
a gostar cada vez mais de bobagens 
e a dar risada de tudo
de boa e à toa
a vida é uma festa. 
e talvez seja só o que resta.

Dois Deboches

Deboche 1:
por mais que todo mundo
a mesma história conte
de que o que conta
é o que está por dentro
(e ri por dentro 
de faceiro)
ao final das contas
(ah as contas)
o que conta
é o dinheiro.

Deboche 2:
o bom de escrever
é que naquilo que escrevo
eu sou Deus:
se eu quiser que chova
chove
se eu quiser que faça sol
sol se abre
se eu quiser que aconteça
faço milagre
e deixo o mundo 

atônito
mas o melhor de ser Deus

é não ser entendido
não explicar nada do que fiz
e me limitar 

a ser irônico.

Aviso

sou só estrada
não tenho final
talvez nem estrada 
mas só na estrada um sinal
talvez eu seja só não-visto
alma penada na curva do nada 
lento lamento de oculto urutau
uma nuvem nem mesmo formada
coruja escondida no galho do angico
talvez eu seja só uma ausência 
que nem sei para onde digo
mas seja lá 
o que for que eu aviso
bate as asas sempre contigo.

De Onde

quando escrevo
não fico preocupado
se vou ser entendido
gostado, aprovado
não espero nenhum reconhecimento.
se tiver, eu prefiro?
claro que sim, não sou idiota.
"se o cavalo passar encilhado, eu monto"
já dizia Getúlio Vargas.
só não vou atrás do cavalo, não me importo.

estou cagando pra concursos ou prêmios
(por que outros saberiam me julgar?)

aparecer na mídia
fazer parte de grupos literários
dar sorrisos posar pra fotos oficiais
eu acho tudo isso um saco

sou um inapto pra essas coisas.
nada contra, é que gosto é de me esconder.

se sou bom quando escrevo, ótimo
se sou ruim, é problema meu.
não ganho nada por escrever mesmo
tanto faz

ninguém tem nada que ver.
as coisas me vêm e eu as digo.

eu preciso as dizer

é só isso.
essa é minha vitória e nem é minha.
é de onde me vêm as coisas. 

A Noite sobre as Casas

quem é aí que já parou
pra ver a noite sobre as casas?
aquela hora 
em que o oculto desce as asas
aquele encontro do escuro
com o teto que nos cobre
aquele encontro do profundo
com a vida que se escorre
aquele encontro do mistério
com o sonho que se esconde.
quem percebe a noite sobre as casas
percebe o dia dessas almas.

Pelos Séculos dos Séculos

há os amigos fisicamente presentes

aos quais devo gratidão infinita

(e um dia haverá um poema para eles)

e há os amigos distantes 

que nem sabem que fizeram amigos.

Brahms é meu amigo há quase 30 anos

na alegria e na desgraça.

se estou vivo

é porque Brahms e sua turma

me ajudaram a viver.

Brahms me estendeu a mão da sua arte

e me manteve a força para a vida

enquanto eu olhava 

para o horizonte desolado.

essa é a força da Arte:

fazer amigos no mundo inteiro

e pelos séculos dos séculos

amém.

Meme

brasileiro em geral não entende 
textos curtos e sintéticos 
como a poesia 
porque não entende símbolos
metáforas
figuras de linguagem.
não entende nem ironia
leva tudo a pé da letra.

brasileiro em geral não entende 
textos longos e explicativos
porque tem preguiça de ler
e se lê não consegue contatenar as ideias.

eu não vou discutir se é burrice 
ou falta de leitura 
ou os dois.
eu não vou explicar
que fique como cada um entende.
ou talvez eu devesse desenhar
já que brasileiro só entende meme.

Versos Diretos n°41, 42 e 43

n°41: às vezes as nuvens
parecem que estão paradas no céu
mas se você olhar instantes depois
tudo se modificou.
assim são as nuvens
assim é a vida.

n°42: um mundo melhor 
é possível.
mas o que fazes?
fezes.

n°43: ter confiança na humanidade 
é como jogar na loteria:
o cara até tem uma esperança
mas sabe que vai perder. 

Versos às Águas Almas

era tudo meio visto que era isto
tudo meio claro que era raro
tudo meio tanto que era pranto
mas nada todo rastro que se vasto
nada todo lenda que se entenda
nada todo crime que sublime
e tanto que me tinto que te sinto
tanto que me clamo que te chamo
tanto que desejo que te vejo...

poema vazio
como o fundo de um rio...

Nada

preciso escrever
mas não  tenho nada pra dizer.
ou melhor
tenho tanto pra dizer
que é melhor nem dizer nada.
que fique assim a palavra
igual à humanidade:
esvaziada.
por isso não escrevo nada que importe
porque se importasse
quem se importaria?
todo mundo sabe
que a ninguém importa o sangue
e é melhor nem dizer tudo.

e fica o dito pelo não dito
pois seja como for
vou continuar poeta
vou continuar maldito.

Sol

o sol mergulha entre um céu de fogos
e abre portas para os outros cosmos

um ser inunda entre os sons meus olhos
e abre sangas pelos astros longos

a morte lê sobre os nãos dos poucos
e abre sangue sobre os gênios loucos 

minha ânsia mágoa entre amor de corvos
e abre sinas pelos fados tortos

um sinal nasce entre os sonhos mortos
e abre um lago para os outros sonos

nascem aves de uma flor de esgotos
e abrem almas entre beijos mornos

há um buraco-negro entre mãos aladas
e eu ressurjo deste mar de nadas

Meus Pêsames Poéticos

meus fúnebres artísticos
meus Lúcifer espíritos
meus pânicos antídotos
meus trágicos sinfônicos
meus mórbidos sonâmbulos
meus cânticos coléricos
meus góticos fantásticos
meus pássaros relâmpagos
meus ósculos  românticos
meus símbolos noctívagos
meus músicos catástrofes
meus átomos alcoólatras
meus bêbados anônimos.

Por quê?

a pergunta em desespero 
a dúvida exausta a galope
um sol frio que surge e se esconde
por entre temporais de interrogações
e luas cheias de porquês 
sonos tortos em que nunca se dorme
campos longos onde nunca se chega 
infinitos de pontos a ponto nenhum
respostas de sapos escuridando a noite 
ecos de morcegos cegando os ouvidos
gritos pelos milênios não-respondidos 
sugados por buracos-negros
sangue de lábios em asas
em ânsias por matar a sede
aves e névoas em taças
que embriagam e desaparecem
porque nunca terão alado
as questões e inquietações 
por que frustradas e eternais?
e a pergunta pairando nos parassempres 
de um porquê respondido ao jamais.

Só isso?

a humanidade é só isso?
essas cidades-tédio
cheias de bocas abertas?
de ruas duras 
onde se pisa o chão?
onde se estalam dentes
se atulham bolsos
se transbordam vasos
pra chegar 
a lugar nenhum?
ser humano é ser só isso?
olhar pra frente sem motivo
olhar pra cima sem sentido?
ir tão longe sem chegar ao longe?
isso que chamaram vida 
é o máximo que se pode sentir?
o máximo que se pode fazer?
o máximo que se pode esperar?
o máximo que se sabe viver?
não é possível
que esse mundo morrendo
seja o melhor dos possíveis.

(In)Definição

poeta não é quem fala de si:
é quem fala através de si.
poesia vem do que se vive
mas não se confunde com a vida
de modo que o que digo 
não é tudo o que sou 
mas faz parte 
do que há em mim
não é o que me define
mas está no que percebo
pode não ser meu coração
mas pulsa na minha alma.

e também isso 
não é algo que se explique
poesia não tem que explicar nada 
poesia é um labirinto 
entre o que sinto, minto
e vinho tinto.

Versos Diretos nº38, 39 e 40

nº38 - da saudade  dos olhos:
as pessoas já não vêm com olhos
vêm com crenças
as pessoas já não veem com olhos
veem com crenças.

nº39:
para cada ato de amor
há o triplo de atos de horror
mas cada ato de amor
vale o quíntuplo de um ato de horror

nº40:
nenhum amor não quer
querer é a essência de se amar
quem ama só quer querer.

Objetivos

o objetivo maior da opressão 
da opressão de nossos dias
não é mais fazer escravos.
escravos ainda estão vivos
ainda pensam ainda sentem
ainda há chama em seu interior.
o objetivo da opressão de hoje
é matar por dentro 
é transformar pessoas em máquinas.

e o objetivo do poesia 
é sustentar as pessoas como pessoas.

7 Sentidos

parar um pouco
naquilo que se diz 

que se vive
respirar fundo
como se fosse 

um suspiro longo 
no último breve 
dia de tudo
pegar os cheiros
ouvir o que o se olha 
degustar os sons
vê que só se ouve 
o gosto das coisas 
quando se para
e é só com os 7 sentidos 
que se ausculta o amor.

dizem que a vida 
é movimento
mas se não se parar 
para que se sinta 
tudo o que se respira
não passará de vento.

Gatos e Pássaros

pássaros são a alma do que amanhece
gatos são o espírito do que anoitece
não existe dia sem pássaros
não existe noite sem gatos
um é o complemento do outro.

aurora gateada de pássaros
de pássaros à noite sonhada
sonhada madrugada de gatos
gatos passareando por pátios
pátios pelas noites gateadas.

que paz é maior
do que uma Ave que nos canta
quando nos sobe o Sol?
que sonho é mais alto
do que um Felino que nos olha
quando nos cai a Lua?

Não se Supera

ninguém nunca
supera nada.
aquilo que precisamos superar
é o que nos toca fundo
e o que nos fundo toca
não se supera

nunca.
no fundo
ninguém supera nada:
ou se sucumbe
ou se continua 

apesar de tudo.

tudo passa

mas não termina:

o universo é uma curva

de abaixo acima.

cada ser humano
é uma microhumanidade
e a humanidade
nunca superou nada.
está aí a história
que sempre volta

com as mesmas paixões

as mesmas ideias
as mesmas cagadas.

 

Sangue se escreve com Sangue

tudo vem do sangue:
desde a vida até a morte
desde o que pulsa nas veias
por aquilo que se sente
até o que escorre na terra
por aquilo que se luta
tudo vem do sangue
vem do sangue os pactos e os rituais
vem do sangue os sacrifícios e os sinais
o vermelho da capa de Marte
o vermelho do beijo de Vênus
tudo vem do sangue
desde o lábio até o veneno
desde a analogia do vinho tinto
até a biologia do leite materno
ninguém jamais saberá
o tanto de sangue que correu de Cristo
o quanto de sangue que chorou Satã
o vermelho do sangue
símbolo do horror da guerra
o vermelho do sangue
símbolo do divino 
amor.

O que morre nunca se esquece

o que resta é o que morre.
nada é tão forte
quanto o que agoniza dentro de ti.
é porque está fundo
tem raiz mais vasta que o mundo.
aquilo que tu sentes que morre
é aquilo que fica:
só morre o que existe
só morre o que tem vida.
uma morte nunca se esquece
porque só morre o que permanece.
há coisas que duram anos
mas passam como se nem fosse.
só vai morrer o que for amar-te:
a arte vem daquilo que morre
e sempre e em tudo
o que resta é a arte.

Poema Antigo no estilo de Cruz e Sousa

Tua Sombra antiga em voz
sempre mais vive entre nós.

teu abraço em beijo e sangue
traz mais paz que o sol exangue.

tens um signo em meu instinto
és arte em tudo que sinto.

sonho com tua tormenta
som que meu lábio sustenta.

teu silêncio em toda parte
no frio segredo de olhar-te.

ao sopro-hino do teu sino
tu (re)erguerás meu destino.

Aviso

sou só estrada
não tenho final
talvez nem estrada 
mas só na estrada um sinal

talvez eu seja só não-visto
alma penada na curva do nada 

lento lamento de oculto urutau
uma nuvem nem mesmo formada

coruja escondida no galho do angico
talvez eu seja só uma ausência 
que nem sei para onde digo
mas seja lá 

o que for que eu aviso
bate as asas sempre contigo.

Escrever é não ter medo

escrever é não ter medo
de dizer 
o que se é lá no Ser.
não pode ser escritor
quem tem receio de falar
seja lá o que for.
tem que se confessar a fundo
por mais que se esconda do mundo.
tem que dizer o que sente
por mais que estranhe ao que é gente.
e o que tem que tremer
não é a mão do escritor
mas as estruturas capengas

da vida do leitor.

Dante Alighieri

tu poeta que viste o Inferno
o que teus olhos veem 
Dentro 
de mim?

tu que vês o que não se vê 
visionário do não-visto 
o que tu vês 
no além do que é meu eu?
onde é que eu existo?

como chegar no Paraíso
sem morrer no Purgatório?

tu poeta que viste o Interno
o que teus olhos veem
Dante
de mim?

O tempo não para?

o tempo não para.

não é o tempo. 

é a vida que não para.

não é a vida. 

é você que não para.

não é você. 

é o que você acredita 

que precisa fazer para viver

que não para.

não é o que você acredita. 

é o que os outros 

lhe fizeram acreditar 

que precisa fazer para viver 

que não para.

o tempo não para

mas a morte sim.

Essência

há algo que precisa ser dito
mas que não sei o que dizer
só sinto lá no Ser
há algo que ainda não é 
mas que me alta
um tudo que sinto que me falta 
há um verso que tem seu desígnio 
como era o verbo ao princípio 
mas só toco lá não ser
uma alma na ponta da língua 
mas eu não sei como que diga
um quase da minha sina
que quando eu diga lá no fundo 
desabará em palavras o mundo.

Força

maldade não é força.
sucesso não é glória.
poder não é grandeza.

força 
é o que vence a maldade.
glória 
é não se importar com o sucesso.
grandeza 
é  com os simples ser humilde.
e desprezar os "poderosos".

Apocalipse

esse Mistério
ninguém pode sabê-lo.
sangue de mar 

que se ex-vai
onde as vozes 

me ciclonam
esse mistério 

nem Além pode vê-lo
os ouços das aves 

que se morrem
estejam a salvo

no que eu lágrimo
esse mistério 

ninguém põe um selo
som que me noite 

luz se fez no que beijo
esse mistério 

ninguém vem a sê-lo.

agora estou vago 

e se aproxima um cavalo
esse mistério 

é meu dever misteriá-lo.

O mais Forte uso da Palavra

a poesia não pode ser
um suco com açúcar 
que só te lambuza
a superfície dos lábios.
a poesia tem que ser 
um ácido sulfúrico 
que te penetra 
até a medula dos ossos:
não é pra te agradar 
é pra te fazer sentir.

de modo que escrever sorrisos
enquanto o planeta morre
não é só um puto de um egoísmo 
mas é também um desperdício
do melhor mais forte e mais profundo 
uso da palavra:
a poesia.