11 maio 2017

O uruguaio Benedetti, sobre diretores de empresas e sobre médicos

O uruguaio Mario Benedetti (1920-2009), na charmosa foto acima, escreveu algumas das grandes páginas da literatura latino-americana. Várias delas estão na sua obra-prima "A Trégua", romance publicado em 1960 e posteriormente filmado, concorrendo ao Oscar de melhor filme estrangeiro e que assombra por sua profundidade psicológica a agudeza na expressão e análise do drama humano. Extraí dois trechos da obra em questão, que me chamam a atenção pela sua aplicabilidade à realidade brasileira atual. Os trechos em questão referem-se a diretores de empresas e a médicos.

Sobre diretores de empresas:

Imagino que eles, quando se refestelam em suas poltronas estofadas da sala da Diretoria, devem se sentir quase onipotentes, pelo menos tão perto do Olimpo quanto deve se sentir uma alma sórdida e negra. Chegaram ao máximo. (...) Para esta pobre gente, o máximo é chegar a sentar em cadeiras presidenciais, experimentar a sensação (que para outros seria por demais incômoda) de que alguns destinos estão em suas mãos, ter a ilusão de que resolvem, de que dispõem, de que são alguém. Hoje, contudo, enquanto os olhava, não conseguia considerar suas caras como pertencentes a Alguém, mas sim a Algo. Parecem-me coisas, não pessoas. (...) Mas são pessoas. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa piedade, da mais infamante das piedades, porque a verdade é que eles formam para si uma casca de orgulho, um invólucro repugnante, uma sólida hipocrisia, mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem da mais horrível variante da solidão: a solidão de quem não tem sequer a si mesmo.

Sobre médicos:

Há médicos que gostam de aterrorizar, ao menos de anunciar a proximidade de terríveis complicações, de perigos indefinidos e implacáveis. Depois, se a realidade não é tão sinistra, sobrevém uma grande sensação de alívio, e o alívio familiar é, no mais das vezes, o melhor clima possível para pagar sem aborrecimento, até com gratidão, uma conta ABUSIVAMENTE ALTA. Quando alguém pergunta ao médico, com humildade, quase com vergonha, sentindo claramente o constrangimento de tocar em um tema tão vulgar e grosseiro diante de quem sacrifica sua vida e seu tempo pela saúde do próximo: “Quanto é, doutor?”, ele sempre diz, acompanhando suas palavras com um gesto generoso e compreensivo de desconforto: “Por favor, amigo, logo mais tratamos desse assunto. E não se apresse, pois comigo não haverá problemas.” (...) Depois, quando chega finalmente a hora de discutir o assunto, vem a conta gorda, em separado.

08 maio 2017

Sou Péssimo

as pessoas querem ser agradadas acariciadas justificadas
querem autoajudas que lhe digam que suas merdas
não fedem tanto
e que podem seguir cagando ad infinitum 
até transbordar o planeta

as pessoas querem ler coisas belas-bonitas
daquelas de se pendurar em paredes
palavras-vassouras que varrem seu próprio horror
para debaixo do tapete em farrapos da existência

as pessoas querem palavras light
que podem ser digeridas-lidas durante banquetes
que não pesem nem no estômago nem na consciência

as pessoas querem palavras legais-boazinhas
de sorrisinho humilde como mordomo de palácio
que entregam cartinhas e flores
em bandejas de ouro

enfim, as pessoas até gostam 
de escritores-poetas
desde que façam literatura de enfeite...
ok, é tudo mesmo tão lindo!
mas ainda bem que sou péssimo nisso

06 maio 2017

A Primeira Sinfonia

Amanhã, dia 7,  é aniversário de Johannes Brahms. 184 anos. Como já é tradição, deixo algo para ou sobre meu compositor favorito e influência de vida. Ouvindo, mais cedo, sua espetacular 1ª Sinfonia, resolvi escrever um pouco a respeito.


A Sinfonia nº1, em Dó menor, opus 68, estreou em 4 de novembro de 1876, em Karlsruhe, Alemanha. Brahms já estava com 43 anos. Ou seja, demorou muito para compor sua primeira sinfonia. Um dos motivos, era a sombra de Beethoven que pairava sobre os compositores da época, particularmente sobre Brahms, que tinha Beethoven e Bach como seus maiores mestres. Parecia que Beethoven já tinha feito tudo em termos de sinfonias. O que não era verdade. Estão aí Brahms, Bruckner, Mahler, Shostakovich, por exemplo, para provar. Mas o próprio Brahms chegou a declarar:
"Nunca terminarei uma sinfonia. Não podes fazer ideia de como afeta o espírito de um indivíduo ter que escutar constantemente os passos de um gigante atrás de si." Brahms referia-se a Beethoven. 


De modo que Brahms levou 20 anos para compor a Sinfonia nº1. E talvez tenha sido melhor assim, pois o resultado foi a composição de uma das maiores e mais grandiosas sinfonias da história. A comparação com as sinfonias de Beethoven, particularmente com a sua última, a 9ª Sinfonia, foi imediata e inevitável. Hans von Bülow, famoso crítico musical da época, afirmou que a 1º Sinfonia de Brahms era a 10ª de Beethoven. Há nessa afirmação, dois lados: dizer que a sinfonia de um compositor é a continuação da obra de Beethoven, o maior sinfonista de todos os tempos, é um honra que não se mede. O outro lado é que parece que a sinfonia de Brahms se resumia a uma excelente continuação de Beethoven, sem um verdadeiro espírito próprio. Nada mais equivocado. A obra de Brahms é uma obra romântica, mas transcende o romantismo.

A Sinfonia nº1 de Brahms tem uma alma única em toda a literatura musical. É ostensível que a influência de Beethoven está presente, principalmente na estrutura da obra. No quarto movimento, surge uma comovente melodia que é uma espécie de homenagem à "Ode à Alegria" da última sinfonia de Beethoven. Mas nas páginas da 1ª Sinfonia está principalmente Brahms. O Brahms trágico, violento, pesado de um lado; de outro, o  Brahms terno, lírico, glorioso. 

A sinfonia inicia a todo vapor, com uma titânica massa orquestral, marcada pela percussão, que exala poder e fúria. O primeiro movimento, dominado por temas amplos e densíssimos, é todo construído sob o domínio de uma força indomável, em um clima marcial que beira a selvageria. No segundo movimento, surgem intensas melodias apaziguadoras, que, em sua doçura melancólica trazem-nos uma profunda tranquilidade de espírito. O terceiro movimento, alegre, grandioso, luminoso, deixo-nos simplesmente felizes. No entanto, no quarto e último movimento, retorna a tensão do primeiro, dessa vez não com tanta fúria, mas sob um profundo clima de mistério. Conforme o movimento vai se desenvolvendo, a força marcial do movimento inicial retorna com enorme carga emocional, como se fosse uma luta entre a tragédia e a vitória. Entrecortado por momentos de glória e revolta, e pelas tempestades românticas, o movimento encaminha-se para seu retumbante final, onde a vitória prevalece. 

04 maio 2017

Humanos são Absurdos

a sombra que paira sobre a humanidade
se aproxima a cada passo
dado por mim dado por ti:
eu, essa nulidade
tu, esse palhaço

a sombra que pesa sobre a humanidade
se agiganta a cada nada
se avizinha a cada riso
como quem sabe da curva da estrada
mas não sabe que dá num abismo

a sombra que sangra sobre a humanidade
se aprofunda a cada tudo
(que todo sucesso é o mesmo fracasso)
e o culpado sou eu, esse palhaço
e o culpado é tu, esse absurdo

02 maio 2017

do que Cansa no que se Vive

o que cansa no que se vive
é essa mania de ter que viver
de alguma forma determinada
como a sendo a fôrma da vida

o que cansa é essa coisa
de se ter que fazer alguma coisa
mas só dentro do que já estado
e de que aquilo que se faz
ter de ser considerado
como algo já feito
ou tido como aceito

o que cansa é esse algo
de ter de fazer algo na vida
mas não qualquer algo
mas só naquela regra
já por outros regrada entendiada definida

o que cansa
é esse ter de cansar-se sem sentido
sem nem entender-se o motivo
a não ser o de ter de cansar-se
até sentir-se morto
para que se diga 
que se está vivo

30 abril 2017

das Armas

um revólver taurus calibre 38
seis tiros 4 polegadas
de início
depois
pode ser pistola
uma beretta mesmo
ou quem sabe a magnum 44
ou até espingarda
garrucha
mosquete
arcabuz

de metralhadora já servem
as dos anos 30
tipo a thompson “tommy gun”

perfeito também é um fuzil de assalto
até uma sub
ou indo para a browning m2
sem desprezar canhões
bazucas
e granadas

e depois
até serve um punhal
uma besta da idade média
uma machadinha
arco e flecha indígenas
ou um facão de campanha
ou a faca mesmo
usada nas carneadas
e ainda uma espada de guerra
daquelas de ponta afiada
para deixar na cara
a assinatura

qualquer uma
tudo isso tem bom uso
quando se combate com a palavra
sangrenta da  Literatura

28 abril 2017

Liberdade x Controle

há dois tipos de pessoas:
as que buscam a liberdade
e as que buscam o controle

buscam o controle
os que julgam que liberdade
é sinônimo de anarquia
e que podem e devem
decidir pelos outros
(e para outros)
o comportamento de todos

e para ter o controle
pensam ter a razão e o saber
e o direito de exercer o controle
e o como, o a quem e o para quê?
controlar

mas como estão certos
de que estão certos?
e que outros lhes deram o direito
de ter direitos sobre outros?

buscam a liberdade
não os que desejam
a ausência de controle
mas os que promovem ao homem
as condições de a si próprio
exercer a consciência
de saber quando ser livre
e de quando se controlar

25 abril 2017

Remédios para não se ser

nos primórdios do século XIX
fugia-se da realidade externa
nos primórdios do século XXI
foge-se da realidade interna:
o si mesmo foge do eu

o eu esconde o ser

faz-se tudo para não se encarar
escolhe-se um outro ou um algo para se pôr a culpa
e elimina-se um possível espelho
onde se veja que não se é nada

ninguém quer saber do si mesmo
enche-se de tudo
para não se ter de sentir nada
do nada que se sente
e que em realidade ainda é tudo

sem seu mundo interior
o homem deixa de ser um algo
e nessa fuga do que não se sabe
acabou des-sendo
do que nem pode ser

23 abril 2017

Antes que se dane a Vida

escrever uma palavra
antes que a palavra acabe:
nem ao menos um poema
que um poema nem mais há de ...
mas viver uma palavra
que ao menos não nem e nada
pois nem mesmo vai ser lida
malentendida entre a vida
mas sofrer uma palavra
que já era no que foste
e antes que o dizer se morra
e antes que o amor se passe
(como se ele já não fosse)
dessangrar uma palavra
antes que o humano acabe
(como se ele ainda fosse...)

te deixar uma palavra
entre caos horror e calma
antes que se dane a vida
e que se desescreva a alma

21 abril 2017

Nem Sentido

o mundo de hoje é muito apertado:
não cabe o mundo interior
entre as vitrines da aparência

por isso não mais falo do que sinto:
a qual alguém pode interessar
o que um outro sente
se o alguém nem sente por si mesmo
e nem quer saber do outro?
(talvez, se estiver morto)

só há sentido no sentimento expresso
quando o outro o reflete e o encontra
expresso no seu ser

mas ninguém
nem se encontra no seu ser
nem reflete por si mesmo
nem se expressa o que não sente
e por Fim
nem sentido há algum

18 abril 2017

Tempos de Caos

I - escrever em tempos de fim
é algo que não vale a pena:
se você escrever uma ideia

e ela estiver errada
você será odiado
pela ousadia e insensatez
de dizer merda

se você escrever uma ideia
e ela estiver certa
você será odiado
pela ousadia e insensatez
de dizer uma verdade

II - em tempos de caos
surgem dois tipos de pessoas:
os que dizem que do caos surgem os embriões
e os que dizem que do caos surge mais caos

eu digo que há dois tipos de caos:
o caos que surge pelos conflitos de grandes ideias
e o caos que surge pela ausência de grandes ideias
do último não sai nada
ou sai mais nada

em qual dos dois
se insere o nosso tempo?

16 abril 2017

Aquele Sorriso Estúpido

quando saio às ruas pelas manhãs
percebo o quanto as ruas pelas manhãs
são um porre
(ah, quem dera fossem um porre):
aqueles montes de gente amontoada
que nem percebem que não passam de montes
aquelas gentes apressadas
estressadas
mecanizadas
esvaziadas
nadas

pra lá e pra cá como moscas tontas

a comprar merdas e pagar contas
seguindo aquela vida (f)útil
arrastando suas mori bundas
e afundando seus cus nos seus carros do ânus
com aquele sorriso estúpido
de quem contribui para o progresso
(ainda há quem acredite em progresso)
da sua cidade do seu país da civilização
certas de que estão certas
de que existe papai noel
desenvolvimento
e evolução

quando saio nas ruas pelas manhãs

me deploro com o que há-de:
que é o lembrar de que o que vejo
trará o futuro da humanidade

13 abril 2017

de humanidade, ditadura, liberdade

I - o mais absurdo da humanidade
é haver gente que vê saída
para o absurdo da humanidade

II - têm razão os que querem a volta da ditadura:
acaba-se com os males por decreto:

se alguém fez um mal, ninguém viu, porque é proibido
e se ninguém viu, é porque o mal nem existiu

III - Liberdade não é só se dizer o que se pensa:
é pensar o que se vive

viver o que se sente
sentir o que foi dito
e saber o que está escrito

11 abril 2017

Vida Adiada

I - o que de ti me mostras
não é o que vejo...
o homem nunca está onde está:
ou é medo
ou é saudade
ou é desejo

II - aquilo que o homem faz
ele nunca faz
estando em cem por cento:
aquilo que o homem faz
ele o faz
já estando
(em querer ou em receio)
no próximo momento

III - as pessoas
pre-ocupam-se tanto
que nunca se ocupam
com o seu tanto

09 abril 2017

Perdendo Tempo

pergunta Fernando Pessoa:
“o que é o tempo para que eu o perca?”

ler um romance
no lugar de ganhar dinheiro
é perder meu tempo?

ouvir música
no lugar de ler o romance
é perder meu tempo?

se eu brincar com um gato
no lugar de ouvir verdades
perderei meu tempo?

se eu for buscar inspiração
perderei o meu tempo?

se eu entender toda a humanidade
sem sair da minha preguiça
(que necessidade que há
de se sair da preguiça
para se entender a humanidade?)
perderei o meu tempo?

se o irreal é a perda do tempo
o real seria o seu ganho?
e como isso funcionaria?

a falsa felicidade de todos
veio do ganho de tempo?

ganharei o meu tempo
engendrando planos?
ou ganharei o meu tempo
fazendo o que sei que não quero
para ter o que penso que quero?

ganhar tempo é ser útil a mim
e  à humanidade?

mas o que seria útil a mim
e à humanidade?

ser produtivo
é um ato falho.
não produzir nada de útil
é o mais difícil trabalho

07 abril 2017

Qual é a Solução Pronta para você?

Na era da SUPERFÍCIE e da VELOCIDADE em que vivemos, as pessoas buscam as "soluções" apresentadas como "prontas". Isso vai desde a alimentação (fast foods, comidas congeladas etc), passando pelas pesquisas na internet, pelos noticiários de TV até as escolhas RELIGIOSAS e POLÍTICAS. Raramente, uma questão, um ponto, um problema são analisados com profundidade e considerando-se seus inúmeros aspectos. Dá muito trabalho. Acaba-se sempre se deixando que outros façam esse "serviço sujo". 

As pessoas não gostam de parar para refletir, para contemplar, para sensibilizar-se, para se colocar no lugar de outros, porque isso custa tempo e esforço psíquico.  Poucos são os que conseguem, por exemplo, aprofundar-se em algum livro, em seu conteúdo, em suas entrelinhas, em geral o leem, SE O LEREM, com superficialidade e rapidamente, nem chegam a sentir e a refletir sobre o que leram. Ou então escolhem um livro fácil, que não exige esforço do leitor e onde todas as ideias, como sempre, já estão prontas, não se precisa construir nada. Mas, para a maioria, ler é "perda de tempo". Textos só serão lidos se forem "curtinhos", nada de "textões", como deverão considerar este meu. 

Um exemplo nesse sentido, o das"soluções prontas", é o desejo de "ordem" dos brasileiros. É muito comum a opinião de que o Brasil precisa "entrar em ordem". Mas o que é entrar em ordem? Como se entra em ordem? Ordem, no seu sentido verdadeiro, em uma nação, somente surge da justiça e inserção sociais, com a redução das desigualdades, com oportunidades geradas para todos, com educação e cultura fortes, com liberdade de pensamento e expressão. A ordem é um processo de dentro para fora, gradual, lento, exigente, não pode ser imposta de forma externa. 

Mas os adeptos das soluções prontas, que nunca analisaram a questão, querem que seja assim. Que a ordem seja "estabelecida" com opressão, com repressão, com mascaramento das desigualdades, com eliminação dos não-favorecidos, como se isso fosse resolver alguma coisa, a não ser alimentar mais e mais revolta, caos e violência. Mas custa se aprofundar e entender tudo o que está envolvido. É melhor, então, uma "solução" já prontinha e enlatada, tipo um Bolsonada e/ou uma ditadurinha militar.


05 abril 2017

dos Brasileiros e da Humanidade

I - o complexo de pequenez e de inferioridade 
do brasileiro 
é tão grande e tão superior
que ele precisa escolher alguns como mais inferiores
para humilhar oprimir eliminar e pôr a culpa
e assim se sentir superior

II
- a humanidade se cansou
(assim como quem já assistiu
a tantos filmes de horror
que já nada mais choca ou surpreende):
coisa alguma
faz efeito algum

quando se chega a esse ponto
é preciso mudar a fundo
ou morrer e pronto

02 abril 2017

Mudanças climáticas: planeta tem RECORDE de DEGELO entre janeiro e fevereiro de 2017

Apenas reproduzo trechos de artigo de José Eustáquio Diniz Alves, professor e pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). O artigo foi publicado no site EcoDebate. Qualquer dúvidas sobre fontes ou maiores informações, basta clicar aqui. Ou pesquisar na internet por conta própria. 



"O degelo global bateu todos os recordes em janeiro e fevereiro de 2017. Depois de três anos (2014, 2015 e 2016) de temperaturas muito elevadas, sem precedentes no Holoceno (últimos 10 mil anos), a desglaciação do Ártico, da Groenlândia, da Antártica e dos glaciares atingiu um recorde, como mostra o gráfico acima.

A tendência de queda é clara ao longo dos últimos 40 anos. A curva acima tem uma distribuição bimodal, pois o hemisfério Norte tem pico de gelo em fevereiro, quando o hemisfério Sul está no vale (mínimo de gelo), sendo que em julho a Antártica está no máximo de gelo e o Ártico no mínimo. O máximo do gelo global acontece entre outubro e novembro. Seguindo as curvas anuais (todas com este mesmo tipo bimodal de distribuição), nota-se que elas mostram uma tendência de queda em relação à média de 1981-2010, embora haja oscilações anuais de curto prazo, diferentes da tendência de longo prazo.

Porém, chama a atenção que o padrão de queda na extensão de gelo, desde setembro de 2016, não tem paralelo nos últimos 40 anos, quando se começou as medidas por satélite. A curva de 2016 sofreu uma queda abruta no último trimestre do ano (outubro a dezembro) e continuou batendo recordes de baixa nos dois primeiros meses de 2017.


Ao contrário do Ártico, a Antártica estava aumentando a extensão de gelo desde 1978. As causas deste aumento são complexas e envolvem a força dos ventos, as correntes marinhas, o ciclo hidrológico etc. Todavia, nunca, desde o início da medição por satélites, a extensão do gelo nos meses de janeiro e fevereiro, foi tão grande como em 2014 e 2015. Mas essa tendência foi revertida e a redução do gelo na Antártica foi enorme em 2016 e bateu todos os recordes negativos em 2017.

Uma das constatações do degelo é que uma imensa rachadura na plataforma de gelo Larsen C cresceu profundamente em dezembro de 2016 e falta pouco para que um imenso bloco de cerca de 5 mil km² (equivalente a área do País de Gales ou da Região Metropolitana do Rio de Janeiro) se desprenda da plataforma Larsen C.


Há duas maneiras pelas quais os glaciares perdem gelo: o derretimento superficial e a descarga de icebergs, conhecidos como partos. Antes de 2005, a massa perdida das geleiras nas ilhas da rainha Elizabeth foi compartilhada quase igualmente entre os dois, em 48% e 52%, respectivamente.

No entanto, após 2005, o derretimento da superfície tornou-se o principal contribuinte da perda de gelo: agora representa 90% das perdas totais na região. Eles passaram a derramar três gigatons de água anualmente para 30 gigatons – algo que tem sérias consequências. Enquanto a Groenlândia e a Antártida possuem a maior quantidade de água doce do mundo sob a forma de geleiras e lençóis de gelo, o Canadá também tem sua parcela significativa. O país é o lar de cerca de 20 por cento das geleiras do mundo e, como resultado, é o terceiro maior contribuinte para a mudança do nível do mar.

Enquanto a governança global está sobre ameaça devido ao crescimento do nacionalismo e do militarismo, o Acordo de Paris está sob ameaça. Mas o aquecimento não arrefece e o declínio do volume global de gelo é uma realidade inquestionável."

31 março 2017

Mandantes e Pensantes

I – onde há mandantes
não há pensantes
e vice-versa

II – a humanidade até combate
uma grande tirania
mas alimenta as pequenas
nossas vizinhas
do dia a dia

III – a melhor censura
não é proibir
as ideias surgidas

é convencer-se
de que elas nem devem surgir

29 março 2017

Alguns trechos "proféticos" do censurado "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley


A literatura universal, como arte, tem muito disto: antever verdades. Os exemplos são inúmeros. A obra "Admirável Mundo Novo", publicada em 1932 pelo gênio da literatura inglesa, Aldous Leonard Huxley, é pródiga em previsões pessimistas para a humanidade. Hoje, percebemos que Huxley estava certo em quase todas elas. O livro está entre os que mais foram proibidos e censurados durante o século XX. A seguir, alguns trechos da obra. As conclusões ficam a cargo dos leitores:


"Um desembarque na lua poderá ser de alguma utilidade militar para a nação que o conseguir. Mas em nada contribuirá para tornar a vida mais tolerável, durante os cinquenta anos que vamos dispender na nossa duplicação, para os bilhões de subalimentados que pululam na terra."

"A nossa sociedade ocidental contemporânea, apesar do seu progresso material, intelectual, dirige-se cada vez menos para a saúde mental, e tende a sabotar a segurança interior, a felicidade, a razão e a capacidade de amor no ser humano; tende a transformá-lo num autômato que paga o seu fracasso com as doenças mentais cada vez mais frequentes e com o desespero oculto sob um delírio pelo trabalho e pelo chamado prazer."

“Um Estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que os chefes políticos de um Poder Executivo todo-poderoso e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque amariam sua servidão."

"Livraram-se deles. Sim, é bem o modo dos senhores procederem. Livrar-se de tudo o que é desagradável, em vez de aprender a suportá-lo. Se é mais nobre para a alma sofrer os golpes de funda e as flechas da fortuna adversa, ou pegar em armas contra um oceano de desgraças e, fazendo-lhes frente, destruí-las... Mas os senhores não fazem nem uma coisa nem outra. Não sofrem e não enfrentam. Suprimem, simplesmente, as pedras e as flechas. É fácil demais."

“Sessenta e duas mil repetições fazem uma verdade. Cremos nas coisas porque somos condicionados a crer nelas. Tal é a finalidade de todo condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social a qual não podem escapar.”          

27 março 2017

Gatos são Terríveis

I - cachorros são fáceis
gatos são difíceis

mesmo que não ame um cachorro
toda pessoa sabe
por que um cachorro merece ser amado

mas só sabe por que um gato merece ser amado
quem ama um gato

II – não posso reconhecer como um ser superior
o homem que considera os animais como seres inferiores
por eles não serem homens

III – saia para a noite
e contemple um lugar 
sem um gato
depois
contemple o mesmo lugar 
com um gato:
tudo se tornará mais profundo

25 março 2017

"Não tenho tempo"

no hoje
as pessoas existem por mais anos
e vivem menos tempo

tudo é rápido técnico prático
sintético robótico eletrônico
caótico raquítico caquético

já não se vive o momento
porque se está sempre
no momento seguinte
que só segue e nunca passa
a vida tornou-se
"o que se tem que fazer"
que só se faz e nunca chega

são tantos horários
que não há hora pra nada

as pessoas deixaram de contemplar:
quem não contempla não reflete
quem não reflete não percebe
quem não percebe nunca vive

enfim
(que já passei da hora)
alongamos nossos anos
encurtamos nossas vidas

23 março 2017

A Queda da Humanidade

despencaste dos próprios tamancos
tropeçaste nos próprios barrancos
afundaste nos próprios buracos

não foste o ser que não serás
nem chegaste a ser o que não foste
daquilo que conseguiste desististe
o que fracassaste levaste adiante

puxaste a carta  mais baixa
do teu castelo de vento
quebraste o orgulho do teu salto
sem nem ter chegado ao alto

e eu
como nunca subi as escadas
deste teu palácio de pó
naquele dia de Queda
te olharei da sarjeta da estrada
sem nada e sem dó

21 março 2017

Políticos passam. Artistas ficam.


Hoje, o mundo comemora os 332 anos de Johann Sebastian Bach, o Pai da Sagrada Trindade (Bach, Beethoven, Brahms), gênio absoluto da música, cultuado no mundo, mais que merecidamente, como um deus pelos amantes da música, da arte.  Mas nem sempre foi assim. É o que nos demonstra, por exemplo, o seguinte fato ocorrido com o compositor alemão há quase 300 anos. Confiram:


Em 1721, Bach dedicou a Christian Ludwig, margrave de Brandenburg-Schwedt, uma espécie de prefeito da época na Alemanha, os seus 6 Concertos de Brandenburgo, uma das obras musicais mais geniais e sublimes já compostas. O próprio margrave havia encomendado as obras. Porém, o senhor Christian Ludwig não deu muita importância para os concertos. Possuía uma orquestra de má qualidade para as exigências de interpretação das obras e não se dignou a melhorá-la para que as obras pudessem ser executadas. Resultado: os concertos de Brandenburgo não foram executados na época. Ficaram lá, jogados. Certamente, o margrave deveria estar muito ocupado com seus afazeres de político. E Bach, quem era Bach? 


Na época, Bach não era reconhecido como o gênio musical que é hoje. Vivia de forma muito modesta, compunha copiosamente e dava aulas para sustentar sua numerosa família. Não enriqueceu com sua arte. Muitas de suas obras nunca foram executadas durante sua vida, várias se perderam. Bach era visto como um grande organista e cravista, mas não como um grande compositor. Julgavam-no como um compositor menor. Não entendiam seu gênio. Consideravam sua obra demasiado hermética, difícil, sombria, e até retrógrada. De modo que o pouco caso do senhor margrave, um ilustre político, não foi algo surpreendente.

Mas vejam só que ironia do destino...  Quem hoje conhece o senhor Christian Ludwig? Na época, ele ignorou Bach. Hoje, o senhor margrave (ou prefeito, ou político, como queiram), só não é completamente ignorado porque é lembrado como aquele para quem Bach dedicou os Concertos de Brandenburgo... E o medíocre político nem se dignou a executá-los. Mas o político passou. Já quanto a Bach...

19 março 2017

Carne Fraca, Lucro Fácil, Vida Frágil

A denúncia da operação policial "Carne Fraca" gerou uma onda de indignação no país. Assim como as fraudes do leite, anos atrás. Isso tudo é uma ponta do iceberg. Crimes como esses, cometidos, em maior ou menor grau, contra a saúde dos brasileiros, são muito  mais comuns do que imaginamos, seja em grandes, em médias e até em pequenas empresas. E não só com alimentos de origem animal, mas com praticamente todos eles. Basta analisarmos a trágica questão dos agrotóxicos e dos transgênicos. 

Em grande parte dos casos, nem ficamos sabendo. Seja porque nem a polícia descobriu, seja porque houve algum tipo de corrupção envolvida que encobriu o caso, seja porque a mídia, muitas vezes de rabo preso com empresários cafajestes, mal divulgou. Eu mesmo soube de um caso em que um frigorífico de uma cidade gaúcha armazenava carne em um estado de conservação impróprio para o consumo humano, e a carne era distribuída de alguma forma. Não vi a mídia divulgando o ocorrido.
Além do mais, todos sabemos o quanto os partidos políticos e seus membros estão ligados, presos, à todas essas empresas que financiam suas campanhas. Muitas vezes, os políticos SÃO os próprios empresários cafajestes. 

Alguns falam em um complô internacional para destruir a indústria brasileira da carne. É possível. Mas todos nós sabemos que quando se trata de lucro fácil, mesmo que seja um lucro sujo, criminoso, mesmo que esse lucro prejudique diretamente milhões de consumidores, grande parte dos empresários, grandes, médios e até pequenos, e não falo só dos brasileiros, não está nem um pouco preocupada em abrir mão dos escrúpulos para lucrar. Essa é a tônica do capitalismo. 

É claro que o lucro é necessário, ninguém vai trabalhar e vender o seu produto pelo preço de custo. Mas, para uma enorme parcela do empresariado, não é suficiente lucrar para se ter uma vida satisfatória, a visão é que se deve lucrar o máximo possível, mesmo que isso signifique destruir pessoas e a vida no planeta. Quanto mais lucros, tanto
melhor, nunca há um limite, nunca se lucra o suficiente. É a doença do capital. E não venham com esse papo furado de que sou comunista, e toda essa baboseira sem argumentos. Não sou, nunca fui e nunca serei comunista, considero tanto comunismo como capitalismo como sistemas falidos. Mas o capitalismo é ainda mais daninho à vida e ao planeta.  Seja como for, a dura verdade é que A HUMANIDADE ESTÁ FALIDA, e seu colapso é uma questão de tempo.


Aproveito para republicar o poema que escrevi em 2015, quando do desastre ambiental em Mariana, MG, causado pela empresa Samarco. No poema, "lucro" deve ser entendido como algo metafórico, é claro que não me refiro ao lucro normal e necessário de qualquer empresa, mas quando ele se torna a aberração que vem sendo decisiva na destruição do planeta e da humanidade.

Enquanto houver Lucro
enquanto houver lucro 
não haverá vida
nem de quem perde
nem de quem lucra

enquanto houver lucro
só haverá o suco
do que é vivo sugado
enquanto houver lucro
não haverá o justo:
só seres e homens
esmagados

enquanto houver lucro
não haverá paz
enquanto houver lucro
só haverá pás a cavar covas
só haverá a sede
insaciável
de quem quer mais
só haverá a sede
insaciada
de quem
não pode
e não tem nada

enquanto houver lucro
o homem será invólucro
de um monstro
o homem será a máscara
de um mundo de faca
à máquina
e soco

e é assim:
enquanto houver lucro
haverá o fim