14 novembro 2012

da Frieza*


meu coração
se eu disser que tu estás mal
irão dizer
que sou melodramático
um ressentido
um egoísta
que só se importa
com seu próprio lado
e sua própria crista

meu coração
se eu disser que tu estás bem
irão dizer
que sou um água-com-açúcar
um enjoado
de poesia fraca sem graça
que não vale um tostão
daquelas
declamada em sorrisos
no meio da praça

e meu coração
se eu disser que tu sentes
o sofrimento do mundo
serei acusado
de ser falsamente profundo

então
meu coração
não sintas nada
mantém-te frio
entre a neve lerda
ou
melhor ainda
vai  à merda

* Poema republicado com outro título e algumas alterações. 

13 novembro 2012

Duas Contradições


I

não entendo
os que dizem que Deus existe
como quem o quer provar...

se Deus existe
sendo Deus
que necessidade Ele tem
que o digam?

quem diz
que Deus existe
diz apenas para si mesmo
e para os que já o dizem
para si mesmo

II

não entendo
os que dizem que Deus não existe
como quem o quer provar...

se Deus não existe
sendo Deus
que necessidade que há
de o dizer?

quem diz que Deus não existe
diz apenas para si próprio
e para os que já o dizem
para si próprio

(...)

até entendo
Deus existir
ou não existir...
só não entendo
se pregar
sobre o que se entende

12 novembro 2012

Mais um Silêncio


sentença silente de ocaso
surdo silvo de sino
sumo de selva sem ser
seráfico
som de sol
que se (es)vai

poesia selada sem vezes
segredo-sussurro sem asa
vazio sutil que se assoma
em seca saliva simbólica

necessário silêncio 
insentido soando e só sonho
sibilo-serpente não visto
sinal em sono-assonata
e à humanidade
a arte de não-dizer nada

09 novembro 2012

Aquele Sorriso


aquele sorriso
salivado de siso
dentes alvos
no sereno de à mostra
lábios largos
já tocando nas bordas

aquele sorriso
distribuído nas ruas
seja em sóis seja em luas
noticiado em jornais
sublimado em cientistas
sempre dando nas vistas
e nos gloriosos progressos
governamentais

aquele sorriso
da alegria da vida
do que se nunca duvida
e que a todos afaga
do ideal alcançado
e da esperança elevada...

máscara
do que se degrada

08 novembro 2012

Há Sempre um Crime


mantenha-te
atento
ao teu mim mesmo
e ao que te acerca

pois que
há um cerco
que te apressa
e um circo
de esterco
que te apreça

tenta-te
versa-te no teu adiante
que é sempre o passo
que traga
a todo instante
pro fundo

quanto a mim
que ao mundo
do meu lago
nenhuma onda
se afogue ou se abale 
quer por onde
eu vago
quer por onde
eu vale

(pre)
sinto-me
no que me vela
sem motivo ou alarde
que antes da queda
eu pegue
seja cedo
ou nem tarde

que sempre há um crime
entre um alarme
e um alerta
do que é sublime

Ainda Sobre o Estúpido Corte de Árvores na BR 287: Mais uma Contribuição de Weimar Donini

O amigo Weimar Donini envia-me e-mail onde acrescenta mais alguns argumentos lógicos e perfeitamente convincentes sobre o assunto em questão. Após uma contestação do blogueiro Rafael Nemitz em seu blog, o Weimar escreveu a argumentação no próprio blog do Rafael, que, até o momento, não a publicou. Vamos a ela:

A contestação de Rafael Nemitz:

"Penso que todas as manifestações devem ser respeitadas, as favoráveis ou as contra o corte das árvores. Elas não são culpadas pelos acidentes, porém colaboram para as mortes. No trecho de Santiago a São Borja, a maioria dos acidentes com saída de pista não foram fatais isso porque não existem árvores as margens da rodovia."

A resposta de Weimar Donini:


"Respeitando a argumentação do blogueiro, mesmo por que ele é o dono do blog e, acima de tudo por considerar-me um ferrenho democrata, faço algumas considerações para que as reflita e considere:

O blogueiro não entende que os dois trechos (Jaguari/santiago) e (Santiago/São Borja) têm características bastante diferentes? Não percebe que enquanto uma é cheia de curvas e serras, a outra é praticamente plana, com longas e quase intermináveis retas? Isto não faz toda a diferença?

Se não fizer, relembro-lhe outro trecho que ele conhece muito bem, melhor do que eu. Um trecho onde não tem muita vegetação. Aquele ali, na chegada de Jaguari, que contorna o morro do Obelisco e passa pela ponte sobre o Rio Jaguari, indo em direção à São Vicente. Tem árvores ali?
E quantas dezenas de acidentes fatais ali ocorreram? E por quê aconteceram? Devido às árvores, devido aos morros ou devido ao rio? Nada disto! Aconteceram porquê é um trecho cheio de curvas perigosas, incompatíveis com determinadas velocidades, descendente e cheio de viadutos e pontes!

Reflita sobre isto! Que as verdadeiras causas de acidentes são as intrínsecas, não as extrínsecas.
Pode ser melhorado? Pode! E o Júlio Garcia apresenta uma. Mas querer retirar as árvores ou retirar os morros ou retirar os rios, me parece meio irracional."

Mais uma vez, o amigo Weimar está coberto de razão. A questão é para mim demasiado simples. Como muito bem lembrou o Weimar, há um trecho de curvas próximo a Jaguari que não possui árvores e é perigoso. Muitos, sabendo que é perigoso, diminuem a velocidade no trecho para dentro dos limites permitidos. Então, se nos locais em que há pinheiros julgam que há perigo, basta diminuir a velocidade para 80 quilômetros. Essa não é a velocidade máxima permitida? Então para quê querem correr a 120, 140, 160 em trechos que se sabe que devemos ter mais cuidado? 

07 novembro 2012

Sobre a Discussão Imbecil do Corte de Árvores nas Rodovias de Santiago

O amigo Weimar Donini deveria ter um blog. Já o disse a ele. Trata-se de alguém realmente consciente sobre os nossos problemas políticos e sociais e que, principalmente, sabe abordar os diferentes temas com uma argumentação ampla e inteligente. Sobre a discussão imbecil com relação ao corte de árvores ao longo da BR 287 no município de Santiago, eu nem vou dizer nada. Vou deixar que o Weimar fale a respeito. O seu texto, com a devida autorização do Weimar, foi retirado do blog O Boqueirão.

Diz o Weimar:


"Sou contra os cortes, e dou algumas razões (ratio):  

1) É um diferencial turístico deste trecho da estrada (ainda está mal explorada, é verdade);  

2) Apesar de não ser vegetação nativa, colabora para a qualidade do ar;  

3) Árvores não causam acidentes, via de regra (excepcionalmente uma ou outra, pela ação dos ventos e raios pode cair sobre a rodovia);  

4) Nunca vi uma árvore bater num carro. O contrário, vejo frequentemente;  

5) Se formos utilizar o falacioso argumento do comentarista (de que a derrubada das árvores salvará vidas), a proibição de comercialização de automóveis particulares salvará muito mais;  

6) Se não houver árvores onde bater, o acidentado despencará montanha abaixo e, por último, e não menos importante,  

7) Derrubar árvores é fácil. Qualquer um derruba. Quero ver é plantá-las, cuidá-las. Aí são poucos. Muito poucos. Pouquíssimos!"

Disse tudo, o amigo Weimar. É, mais uma vez, Santiago na contramão da história. Além de não se arborizar devidamente as ruas da cidade, quando temos um local que lembra as belas vegetações europeias, que é o caso dos trechos com pinheiros, querem cortar as árvores, para que alguns possam correr no dobro da velocidade permitida e sair da estrada para capotar barranco abaixo sem o perigo de bater em um pinheiro. É isso que eu chamo de liberdade. É como dizer a alguém: vai lá, anda a 150, 160, não tem mais pinheiros. Isso até parece ser piada, algum tipo de ironia, de deboche, porque não é possível tamanha burrice. É como resolver o problema das bicheiras no gado matando o gado. Só em Santiago mesmo. 

Mensalão, a Impunidade dos Governos de Direita e os Maiores Crimes de Corrupção no Brasil

O parágrafo abaixo, retiro do blog Interrogações, de Zatonio Lahud:


"A vida como ela é: quando Brizola foi governador do Rio de Janeiro a nefanda Rede Globo, que ele teve a 'petulância' de enfrentar, fez uma campanha insidiosa jogando sobre suas costas a violência que grassava no Rio, agora, na verdadeira carnificina que ocorre em São Paulo, o aliado "global", o governador paulista Geraldo Alckmin, é devidamente poupado. Bando de canalhas!
Aliás, Brizola foi o único, repito, o único!, político do Brasil a ter coragem de enfrentar a Rede Globo de peito aberto e sem a internet para contrabalançar e contestar o poder da Vênus Platinada."

Assim é a grande mídia brasileira (e muitas outras pequenas, bem pequenas, midiazinhas). Só se posicionam "contra" o governo, quando o governo é de esquerda. Quando é de direita e comete as suas incompetências, falcatruas e corrupções, calam-se vergonhosamente, escondem fatos ou, pior, distorcem a realidade. O escândalo do mensalão é um exemplo claro. Nem de longe foi o maior crime de corrupção do país, no sentido de montante de dinheiro desviado, como querem nos convencer. Houve outros que desviaram muito mais. Basta pesquisar a respeito. O blog Pátria Latina comenta sobre, aqui. No entanto, não se viu quase que pressão nenhuma da grande mídia brasileira para que esses crimes fossem realmente punidos. Eu nunca soube de nenhum outro caso de corrupção verdadeiramente punido no Brasil. E olhem que foram muitos e muitos e muitos escândalos.

Por que houve condenação só com o caso do PT? Eu acho ótimo que isso tenha ocorrido. Mas e o resto? Por que nossos juízes também não são rigorosos com os demais corruptos que infestam o PSDB, o PP, o DEM? O caso de desvio de verbas do DETRAN, por exemplo, aqui no RS, durante o governo de direita da Yeda, acabou como? E o mensalão tucano? Por que nem sequer foi investigado? Será que os juízes que condenaram os corruptos do PT foram "heróis" ou só agiram como agiram pela pressão da opinião pública, como sempre, condicionada pela influência da grande mídia? Tudo isso, para mim, é muito, mas muito suspeito.

Abaixo, um quadro que indica quais seriam os maiores crimes de corrupção do Brasil. O quadro está circulando em vários sites da internet. Não posso garantir que o quadro seja totalmente fiel à realidade, principalmente com relação aos montantes desviados. Mas que todos os casos de corrupção ali mencionados existiram e que praticamente não houve condenação alguma à grande maioria deles, disso não há dúvidas.


05 novembro 2012

da música quando Música


música
(e só)
quando Música
diz mais que a escrita
exatamente
por não dizer nada

escrever
é pôr a alma em limitada

música é verbo
não-verbalizado
sem vice-versas
ou (des)entendimentos
equivocados

e ainda que a música
diga dizeres
não se pode dizer
que foi sendo como dito...
o que vale é o que som
infinital e arquetípico
absoluto
desanalítico

música
é poesia purificada
poesia
música idealizada

03 novembro 2012

Adeus, Poesia


I

adeus poesia!

não vês
que o fim te bate a porta?
só os ainda vivos
não pensam
que tu estás morta

II

poesia
não serves para nada
sempre foste muito
para ser (f)útil

sempre foste sábia
para sermões

sempre foste alta
entre os anões


III

da tua carta
ninguém abrirá o selo.
melhor assim...
o que verdade
antes morrer
do que dizê-lo

02 novembro 2012

As Sentenças do Nobel da paz

O diplomata egípcio Mohamed  ElBaradei foi o vencedor do prêmio Nobel da Paz de 2005. ElBaradei é ex-diretor da AIEA, a Agência Internacional de Energia Atômica. No final de outubro, ele esteve em Porto Alegre, onde palestrou na UFRGS. O jornal Correio do Povo do dia 1º de novembro veiculou algumas de suas críticas e sentenças não muito otimistas. 

Segundo o jornal, o diplomata acredita que o Conselho de Segurança da ONU precisa passar por um profunda reforma. Acompanhe os trechos a seguir, retirados dos jornal Correio do Povo:

" O tratado de não proliferação de armas nucleares gerou resultados contraditórios: há hoje no mundo um estoque de 19 mil armas nucleares e os cinco países (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) do conselho modernizam em vez de diminuir seus arsenais".

"A atual superestrutura nuclear é ineficaz para enfrentar ameaças sérias à humanidade originadas pelas crises da economia, corrupção, fome e doenças". 

Chamo a atenção dos leitores para o GRAVÍSSIMO fato abaixo:

"O Nobel atacou a insensibilidade da mídia e das potências com os massacres bélicos. No Iraque, sabemos quantos soldados americanos morreram, mas se desconhece quantos milhares de civis iraquianos foram assassinados. Entre 1998 e 2008, 5,4 milhões morreram no Congo. É um fato dos mais graves à humanidade ignorado pela mídia e que não afetou a consciência das pessoas. Na Síria, há massacres e nada é feito".

Limito-me a comentar: cerca de 3 mil americanos morreram no ataque às torres gêmeas. 4,5 milhões foram mortos no Congo em 10 anos. Por que todos sabem e choram e se lamentam pelos alguns milhares de americanos mortos e ninguém sabe (nem se sabe, muito menos se lamenta) pelos milhões de congoleses mortos? Por quê?


01 novembro 2012

Filosofia Poética


I

coração de poeta
é pano
sempre em “valde”:
absorve tudo
e depois torce
no vazio
de um balde

II

chorar
é saber que se sabe
quando é muito cedo
ou quando é muito tarde

III

poeta
é quem não se desiste:
segue não sendo nada
enquanto os outros
se mentem felizes
ou nem são tristes

IV


vou à beira dos banhados
com o coaxar dos sapos
com o matraquear dos patos
com o não se ouvir dos gatos
abaixo de tempestades...

é o que faço
quando necessito ouvir verdades

29 outubro 2012

da Rebeldia*

rebeldes com causa
sem causa
ou rebeldes com cauda
de rato?

rebeldes com calda
açucarada
de leite
de saco...

rebeldes com causa?
rebeldes com calça
frouxa
frouxos
trouxas
engolindo os reais
(que dizem ser o real)
dos outros

rebeldes arcados
alcaides
com o peso do desprezo
do preço...

rebeldes sem calça
com o saco
sem bolas
coçando
e com o saco
dos outros
puxando

*Poema republicado com algumas alterações.

26 outubro 2012

A Linha Decadente (Final)


Agora, verifico que os vultos são soldados trajados exatamente como eu, soldados americanos com uniformes da Segunda Guerra Mundial, armados com metralhadoras. São dezenas, talvez 30 ou 40 soldados. Cada um se oculta atrás de algum tronco das mortas árvores gigantes. Percebo que me observam. Apesar de trajarem o mesmo uniforme que eu, sinto que são meus inimigos. Exatamente no momento em que decido se devo fugir ou enfrentá-los, sou abordado por dois dos soldados. Tenho a impressão de que já os conheço. Então, percebo que são meus vizinhos na vida real. Porém, assim como eu, ambos estão envelhecidos. Questionam-me se sou amigo ou inimigo. Digo que, se somos vizinhos, devemos ser amigos. Eles concordam. Alertam-me então que todos os outros soldados que estão ali desejam a nossa morte, e que devemos combatê-los. Respondo que estou preparado para o enfrentamento.  Sob as luzes das explosões e dos relâmpagos, somos surpreendidos pela presença de dezenas de soldados a poucos metros de onde nos encontramos

De forma desesperada, principiamos a correr e a disparar as metralhadoras em tudo o que se mexe. E matamo-nos uns aos outros. Acerto, ao menos, em cinco soldados. Um, deles, quase a queima-roupa. Sou lavado com seu sangue. Meus companheiros baleiam outros soldados, mas também são alvejados. Um na cabeça, morrendo na hora, e outro, no abdômen.  Verifico, porém, que os demais soldados não desejam matar exclusivamente a nós três. Matam-se a eles mesmos. De modo que permanecem vivos menos de dez soldados.

Uma granada explode ao meu lado e fico completamente surdo de um dos ouvidos. Lembro das granadas de minha mochila. Retiro duas, mas no instante em que vou lançá-las, sou ferido com um tiro nas costas, mas não mortalmente. Sinto uma dor dilacerante. Mesmo assim, ainda consigo lançar as granadas. Faço explodir três soldados. Pedaços de corpos caem aos meus pés. Restam apenas três homens. Eu, meu companheiro agonizante, ferido no abdômen, e um outro que se aproxima de mim com um punhal. Quando está a menos de três passos, comprovo, estarrecido, que se trata de meu irmão caçula, porém, muito envelhecido, aparentando ser mais velho do que eu. Ao perceber que sou que eu que estou ali caído, ferido nos pulmões, meu irmão se suicida, cravando o punhal na região do coração. Olho para meu vizinho ferido. Já está morto.

Tento erguer-me, conseguindo com imensa dor e dificuldade. Saio a perambular por aquele campo devastado, afundando os pés em poças de sangue e tropeçando em cadáveres ou em pedaços de cadáveres. Há vísceras por todos os lados. Quando surgem mais explosões e relâmpagos, fixo minha atenção na face dos mortos. Verifico, abismado, que todos eles, todos os soldados mortos naquela batalha, vários deles por mim, são pessoas conhecidas, e muito bem conhecidas. São todos ou meus parentes, ou meus amigos, ou meus vizinhos. No momento que me dou conta de que assassinei entes queridos, suicido-me com um tiro na cabeça.

No entanto, não sinto morrer, mas, imediatamente, vejo-me, ainda mais envelhecido, no alto de um prédio, um arranha-céu gigantesco ao absurdo, cujo topo aproxima-se da lua. O prédio tem sua base na Terra, mas o seu objetivo é atingir alguma região lunar. Sou um dos construtores do prédio. Ele ainda não foi terminado. Há muitos outros construtores, todos velhos, que, de forma frenética, robótica, quase desesperada eu diria, colocam mais e mais tijolos no prédio, de modo que ele cresce sem cessar. O ritmo é tão intenso que está quase tocando o solo lunar. Percebo que tenho um buraco em minha cabeça. Recordo-me do tiro que desferi em mim mesmo. Do buraco, escorre um filete de sangue. O filete possui um aspecto estranho, bizarro, pois desce em linha reta, absolutamente reta, e assemelha-se muito à linha vermelha do gráfico que descia no gráfico do teto do meu quarto.

Um dos construtores volta-se rapidamente para mim, gritando: “Pega o último tijolo e termina o prédio!” O tijolo está à minha esquerda. Então, percebo que se eu colocar o último tijolo no topo do prédio, este tocará o solo da lua. Cumpro a ordem dada pelo construtor. No instante absolutamente exato em que o tijolo toca o terreno lunar, sinto uma tremenda vibração que parece advir da base do arranha-céu situada na Terra. A sua estrutura entra em colapso e começa a desabar numa velocidade vertiginosa. Junto com o prédio, principio uma queda absurda e impossível. Impossível, não fosse tudo um sonho, do qual estou plenamente consciente. Como um foguete humano, sinto-me nem mesmo caindo, mas como se fosse arremessado por uma força desconhecida de volta para o meu planeta.

Tomado de indizível pânico, penetro incólume na atmosfera terrestre, dirigindo-me para uma grande metrópole que não sei definir qual é. Quando estou próximo dela o suficiente para observar com certa clareza suas construções, habitações, habitantes, enfim, toda a sua civilização, comprovo que tudo está desabado e em ruínas como o arranha-céu que ajudei a construir. Ao meu lado centenas, senão milhares, de seres humanos caem como eu, muitos deles já se esfacelaram no solo do planeta. Muitos outros caem acima de mim. Quando vai chegando minha vez de me espatifar no meio de uma rua coberta de escombros, desperto do sonho.

Todos esses acontecimentos oníricos que relatei já se repetiram em meu sono dezenas de vezes, com mínimas variações que não afetam em nada o teor do que ocorre. Quando narro minha história absurda para amigos e conhecidos (muitos deles presentes no sonho), ficam boquiabertos, não entendendo como alguém pode sonhar algo tão terrível e de forma tão clara. Perguntam-me se não estou chocado ou perturbado em viver frequentemente semelhante pesadelo. Respondo que o que me choca e me perturba é eles ainda NÃO terem sonhado com aquele gráfico sinistro e com sua linha avermelhada que sobe ao máximo para depois descer, a sua linha decadente.

25 outubro 2012

A Linha Decadente


Naquele meu sonho, vejo sempre algo como um quadro de um gráfico. A imagem, nunca absolutamente clara, semelhando-se a uma aparição esbranquiçada entre névoas, surge sempre no teto de meu quarto. Penso, nesses momentos, que estou acordando, mas logo me apercebo que continuo dormindo. Sei, então, que estou dormindo e que tudo não passa de um sonho. Porém, não consigo despertar. Na verdade, nem procuro fazê-lo. Mas tenho a segura sensação de que se tentasse, não conseguiria. Momentos após tomar consciência de que estou adormecido e de fixar minha atenção no surgimento do gráfico, uma tênue linha avermelhada é traçada por uma mão invisível na tela nebulosa do gráfico. A linha, de forma irritantemente lenta, vai subindo através do espaço em branco da tela até atingir o ponto máximo possível, até os limites do quadro do gráfico.  Creio que a ascensão da linha mantém-se por cerca de 10 minutos. Durante esse tempo, permaneço imóvel em minha cama, com a atenção fixa no gráfico. Tal atenção não é exatamente voluntária. Sinto-me como que hipnotizado.

No instante que a linha atinge o limite do gráfico, as janelas do meu quarto abrem-se por si mesmas, e um dia ensolarado de céu absolutamente límpido resplandece no ambiente exterior, ambiente este que não corresponde às imediações normais de minha casa quando nos instantes de vigília. Olho para as janelas e contemplo um vasto campo de um intenso verde povoado de árvores gigantes que se estende até um horizonte azulado e infinito. Embaixo de umas das árvores, um belo espécime de elefante alimenta-se com suas folhas.

 Começo a me movimentar, como se a partir de então me fosse permitido. Ergo-me da cama. O gráfico permanece no teto de meu quarto, mas a mão invisível reinicia a traçar a linha avermelhada. Como não é mais possível a linha subir, ela principia, com a mesma lentidão da subida, a declinar na tela do gráfico. No instante em que a linha atinge a metade de sua queda, no percurso em direção ao extremo inferior do gráfico, este desaparece instantaneamente, e o sol, no ambiente externo, também declina no horizonte. Começa, vagarosamente, a entardecer. Olho-me em um espelho posicionado à minha esquerda e verifico que estou trajando um uniforme de um soldado americano da Segunda Guerra Mundial. Meus cabelos estão embranquecidos e minha pele envelhecida. Mas não a ponto de parecer um velho. Aos meus pés, no piso, estão um capacete e uma metralhadora com farta munição, além de uma pequena mochila com várias granadas.

Coloco o capacete, pego a metralhadora com a munição e a mochila com as granadas e saio pela janela. Olho ao redor com a máxima atenção e sinto um rumor estranho, um pressentimento desagradável que me percorre friamente. A tarde se aprofunda. Dos horizontes, agora um tanto obscurecidos, surgem nuvens inicialmente claras e rarefeitas, mas que gradativamente e numa movimentação acelerada, vão se tornando cinzentas e carregadas, assomando-se às regiões mais elevadas do céu. A luz solar vai sendo encoberta. Nesse instante, tenho a definitiva impressão de que algo mortífero se aproxima.

O elefante segue arrancando e se alimentando vagarosamente com as folhas de uma das árvores gigantes, porém aparenta agora ser um animal velho e doentio, sem a sua beleza original. Olha-me de uma maneira canhestra, como se quisesse me dizer alguma coisa. Seus olhares entristecidos causam-me calafrios. Observo que as árvores perderam parte de seu vigor e frondosidade. Em algumas, suas folhas haviam murchado.  Algo semelhante acontecera com o campo, agora amarelecido, chegando a estar seco em alguns trechos.

            Perambulando com a metralhadora em prontidão (intuía que devia estar atento para alguma espécie de perigo desconhecido que poderia advir a qualquer momento), principio a ouvir sons distantes, como de explosões, tiros e gritos humanos. As nuvens, agora completamente escuras, mescladas com fumaça negra, tomam conta da totalidade do céu, obscurecendo a luz solar. Cai um crepúsculo enfermiço. Avisto, ao longe, titânicos incêndios, e luzes de explosões iluminam lugubremente os horizontes quase anoitecidos.

           Sento-me sob uma das árvores. Só então percebo que as folhas de quase todas elas estão completamente secas. Ouço um baque às minhas costas. O elefante caíra morto, absurdamente velho, esquálido, como se fosse apenas pele e ossos. Não há mais grama abaixo de meus pés. De alguma forma que não observei, onde antes crescia o gramado do campo, agora somente havia um espesso lodo, como se tivesse chovido sobre a terra desprotegida. Não chovera, no entanto.

            Os sons de tiros e de explosões aparentam estar se aproximando. Um dramático nervosismo, uma tensão insuportável se apossa da minha psique. Firmo minhas mãos na metralhadora. Percebo que estou suando frio. Olho para as árvores gigantes ao meu redor. Haviam perdido todas as suas folhas. Todas as árvores estavam, aparentemente, mortas. Abro a mochila e conto as granadas de seu interior. São 14 ao total. Encontro também uma enorme lanterna. Acendo-a e dirijo seu facho para as imediações. Diviso vultos que se aproximam sorrateiramente. Alarmado, ergo-me e rapidamente me oculto atrás do tronco enorme da árvore, agora morta. As explosões aumentam de frequência, e principia a relampejar. Aproxima-se uma tempestade. Já não preciso mais da lanterna. A cada clarão, seja das explosões, seja dos relâmpagos, observo inúmeros vultos que se aproximam ameaçadores. 

(Amanhã, o final do conto.)

24 outubro 2012

Mensagem


seres que vos extinguis
a que oculto
o que mistério
vos leva...?
o que vos leva
em que mistério
é oculto?...

quando vos fordes
ocultai convosco
o que me segredo
quando partirdes
me deixai que parta
o que talvez eu deixe
o que talvez se parta
e este meu perto peito
despejai ao longe

o que pulsou comigo
não deixeis que siga
na desalada vida
no desperado  verso
que perambula e erra
escondei da terra
o que me esperanço
nos confins
a que vos destinais...

que eu me esqueça do existe
em vossos eternos jamais

mas guardai
em vossas almas
a minha arte dos tardes

para quando voltardes...

22 outubro 2012

Beijo ou Cuspe


Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam
Eu não deixasse o meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam!

Augusto dos Anjos

poesia
pode ser beijo
e pode ser cuspe
ser suspiro
ou catarro
inspiração
aspirada em névoa
ou em céu claro

poesia
que não pode ser buscada
vem
como desce a água
pelo cair da escada
quando se sai em busca
da água
não encontrada

poesia
em busca
de cuspe ou beijo
e não
como quer o desejo
poesia
noite que ofusca
o todo do instante
peso nos ombros
(e)levado adiante

poesia
que ao ninguém
pertence
escada inundada
de catarro e de fada
de horizonte
e de nada
infindo-sentença
de céu
e de doença

21 outubro 2012

Da Verdade dos Governos

O filósofo e escritor alemão Max Stirner (1806-1856) escreveu a frase que está na imagem acima. Assino embaixo. Alguns, é possível, não concordarão. Talvez, seja porque já estão limitados, domesticados, subordinados, subjugados.

20 outubro 2012

Biodiversidade: Ritmo de Destruição Aterrador - mais de 400 espécies de seres vivos entram para lista de extinção em 4 meses

Quando digo que o ritmo de destruição ambiental é catastrófico, sou acusado por alguns otimistas de ser exagerado, alarmista em demasia. Infelizmente, meu alarmismo até agora tem se confirmado. Os trechos abaixo, copiei do site de notícias do Uol:

"Cerca de 400 espécies animais e vegetais foram incorporadas à lista das espécies em risco de extinção revelada nesta quarta-feira (17) em Hyderabad, na Índia, onde ocorre a 11ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, a COP11 - o evento entrou em sua reta final com a presença de mais de 70 ministros nesta semana.


'Não há uma maneira única de medir a decadência da biodiversidade, é complexo, mas a 'Lista Vermelha' é a melhor medida de que dispomos', ressaltou Jane Smart, diretora mundial do Grupo de Conservação da Biodiversidade da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN, na sigla em inglês).
A atualização deste registro de referência inclui 65.518 espécies, das quais cerca de um terço (20.219) estão em perigo de extinção -  sendo 4.088 espécies em risco crítico de extinção, 5.919 em risco e 10.212 vulneráveis.
Desde a a última versão apresentada em junho, durante a cúpula Rio+20, mais de 400 vegetais e animais foram acrescentados à lista das espécies ameaçadas. Além disso, dois invertebrados integraram a categoria das espécies consideradas extintas: uma barata das Seychelles e uma espécie de caramujo de água doce."
Um terço das espécies existentes no planeta correm risco de extinção, de moderado a crítico. Um terço! Mais de 20 mil espécies. Mas pior do que isso é o ritmo de extinção. Em 1950, as espécies em risco de extinção limitavam-se a algumas dezenas. Em pouco mais de 60 anos saltamos de dezenas para dezenas de MILHARES. A doença do planeta agrava-se rapidamente, no entanto, estamos seguros de que percorremos, como civilização, o caminho correto.
Existem atualmente espécies de plantas e de animais cujo número de espécimes vivos  e em liberdade no planeta não chegam a 30. TRINTA! É o caso de espécies de palmeiras e de lêmures de Madagascar, e dois primatas brasileiros. 
Calcula-se que cerca de 150 espécies de seres vivos são extintas TODOS OS ANOS. Para alguns, isso pouco interessa. Para mim, é de uma profunda tristeza.
(Acima, o Lobo da Tasmânia, um dos primeiros animais extintos pelo homem. O último espécime morreu em 1936.)

19 outubro 2012

Do Fatal do Gatilho


se adiantar ao adiante...
para quê?

a vida
é um cálculo intuitivo-mental
é videnciar
o próximo instante
sem sê-lo no antes

por que querer
que o que virá
já seja como sendo?

esperar...
dar um palmo de calma ao coração
não trocando os palmos
abaixo dos pés
pelas palmas
acima das mãos

mais que isso
são momentos
de se pressionar o medo
sobre o equilíbrio do trilho
ou de se pressionar o dedo
sobre o fatal do gatilho

18 outubro 2012

O Professor Eugênio Gastaldo

O professor Eugênio Ebling Gastaldo, falecido ontem, foi um exemplo. Exemplo de como ser um grande professor e um grande homem sem a necessidade de titulações acadêmicas de araque. O professor Eugênio, incontestavelmente, um dos mais importantes e melhores professores de Língua Portuguesa da região, senão o melhor,  não possuía o título de doutor. E mesmo sua titulação de mestre foi obtida quando sua carreira já estava absolutamente consolidada. Sem ostentar títulos de mestrado e doutorado, o professor Eugênio impressionou a todos que o conheceram pelo seu autêntico e incomparável conhecimento de nossa língua, pela sua brilhante erudição e pela sua intensa didática de ensino sem "decorebas", de contagiante naturalidade e amor pela missão de ensinar. Com o professor Eugênio, se aprendia ou se aprendia. E com o prazer de aprender. Fui testemunha de sua  sabedoria em duas oportunidades, durante o Ensino Médio na escola Cristóvão Pereira e durante o curso de Letras da URI. 

Hoje, é lamentável constatar que as universidades estão cheias de "doutorezinhos" que não transmitem nada aos alunos, porque não têm nem para si mesmos.

Parabéns, professor Eugênio, pelo teu exemplo. E obrigado.