Agora, verifico que os vultos são soldados trajados
exatamente como eu, soldados americanos com uniformes da Segunda Guerra
Mundial, armados com metralhadoras. São dezenas, talvez 30 ou 40 soldados. Cada
um se oculta atrás de algum tronco das mortas árvores gigantes. Percebo que me
observam. Apesar de trajarem o mesmo uniforme que eu, sinto que são meus
inimigos. Exatamente no momento em que decido se devo fugir ou enfrentá-los,
sou abordado por dois dos soldados. Tenho a impressão de que já os conheço. Então,
percebo que são meus vizinhos na vida real. Porém, assim como eu, ambos estão
envelhecidos. Questionam-me se sou amigo ou inimigo. Digo que, se somos
vizinhos, devemos ser amigos. Eles concordam. Alertam-me então que todos os
outros soldados que estão ali desejam a nossa morte, e que devemos combatê-los.
Respondo que estou preparado para o enfrentamento. Sob as luzes das explosões e dos relâmpagos,
somos surpreendidos pela presença de dezenas de soldados a poucos metros de
onde nos encontramos
De forma desesperada, principiamos a correr e a disparar as
metralhadoras em tudo o que se mexe. E matamo-nos uns aos outros. Acerto, ao
menos, em cinco soldados. Um, deles, quase a queima-roupa. Sou lavado com seu
sangue. Meus companheiros baleiam outros soldados, mas também são alvejados. Um
na cabeça, morrendo na hora, e outro, no abdômen. Verifico, porém, que os demais soldados não
desejam matar exclusivamente a nós três. Matam-se a eles mesmos. De modo que
permanecem vivos menos de dez soldados.
Uma granada explode ao meu lado e fico completamente surdo
de um dos ouvidos. Lembro das granadas de minha mochila. Retiro duas, mas no
instante em que vou lançá-las, sou ferido com um tiro nas costas, mas não
mortalmente. Sinto uma dor dilacerante. Mesmo assim, ainda consigo lançar as
granadas. Faço explodir três soldados. Pedaços de corpos caem aos meus pés.
Restam apenas três homens. Eu, meu companheiro agonizante, ferido no abdômen, e
um outro que se aproxima de mim com um punhal. Quando está a menos de três
passos, comprovo, estarrecido, que se trata de meu irmão caçula, porém, muito
envelhecido, aparentando ser mais velho do que eu. Ao perceber que sou que eu
que estou ali caído, ferido nos pulmões, meu irmão se suicida, cravando o
punhal na região do coração. Olho para meu vizinho ferido. Já está morto.
Tento erguer-me, conseguindo com imensa dor e dificuldade.
Saio a perambular por aquele campo devastado, afundando os pés em poças de
sangue e tropeçando em cadáveres ou em pedaços de cadáveres. Há vísceras por
todos os lados. Quando surgem mais explosões e relâmpagos, fixo minha atenção
na face dos mortos. Verifico, abismado, que todos eles, todos os soldados
mortos naquela batalha, vários deles por mim, são pessoas conhecidas, e muito
bem conhecidas. São todos ou meus parentes, ou meus amigos, ou meus vizinhos. No
momento que me dou conta de que assassinei entes queridos, suicido-me com um
tiro na cabeça.
No entanto, não sinto morrer, mas, imediatamente, vejo-me,
ainda mais envelhecido, no alto de um prédio, um arranha-céu gigantesco ao
absurdo, cujo topo aproxima-se da lua. O prédio tem sua base na Terra, mas o
seu objetivo é atingir alguma região lunar. Sou um dos construtores do prédio.
Ele ainda não foi terminado. Há muitos outros construtores, todos velhos, que,
de forma frenética, robótica, quase desesperada eu diria, colocam mais e mais
tijolos no prédio, de modo que ele cresce sem cessar. O ritmo é tão intenso que
está quase tocando o solo lunar. Percebo que tenho um buraco em minha cabeça.
Recordo-me do tiro que desferi em mim mesmo. Do buraco, escorre um filete de
sangue. O filete possui um aspecto estranho, bizarro, pois desce em linha reta,
absolutamente reta, e assemelha-se muito à linha vermelha do gráfico que descia
no gráfico do teto do meu quarto.
Um dos construtores volta-se rapidamente para mim,
gritando: “Pega o último tijolo e termina o prédio!” O tijolo está à minha
esquerda. Então, percebo que se eu colocar o último tijolo no topo do prédio,
este tocará o solo da lua. Cumpro a ordem dada pelo construtor. No instante absolutamente
exato em que o tijolo toca o terreno lunar, sinto uma tremenda vibração que
parece advir da base do arranha-céu situada na Terra. A sua estrutura entra em
colapso e começa a desabar numa velocidade vertiginosa. Junto com o prédio,
principio uma queda absurda e impossível. Impossível, não fosse tudo um sonho,
do qual estou plenamente consciente. Como um foguete humano, sinto-me nem mesmo
caindo, mas como se fosse arremessado por uma força desconhecida de volta para
o meu planeta.
Tomado de indizível pânico, penetro incólume na atmosfera
terrestre, dirigindo-me para uma grande metrópole que não sei definir qual é.
Quando estou próximo dela o suficiente para observar com certa clareza suas
construções, habitações, habitantes, enfim, toda a sua civilização, comprovo que
tudo está desabado e em ruínas como o arranha-céu que ajudei a construir. Ao
meu lado centenas, senão milhares, de seres humanos caem como eu, muitos deles
já se esfacelaram no solo do planeta. Muitos outros caem acima de mim. Quando
vai chegando minha vez de me espatifar no meio de uma rua coberta de escombros,
desperto do sonho.
Todos esses acontecimentos oníricos que relatei já se
repetiram em meu sono dezenas de vezes, com mínimas variações que não afetam em
nada o teor do que ocorre. Quando narro minha história absurda para amigos e
conhecidos (muitos deles presentes no sonho), ficam boquiabertos, não
entendendo como alguém pode sonhar algo tão terrível e de forma tão clara. Perguntam-me
se não estou chocado ou perturbado em viver frequentemente semelhante pesadelo.
Respondo que o que me choca e me perturba é eles ainda NÃO terem sonhado com
aquele gráfico sinistro e com sua linha avermelhada que sobe ao máximo para
depois descer, a sua linha decadente.