05 agosto 2010

E Ela Falou Seu Nome...


O conto abaixo foi publicado originalmente  em meu zine Poemas do Término e Contos do Fim, em sua edição 26, de setembro/outubro de 2007.  Ao escrevê-lo, dediquei o conto à ópera Tristan Und Isolde, de Wagner, para mim, a maior de todas as óperas. Compartilho com os leitores do blog. Lembro que o zine está atualmente em sua 39ª edição e além da versão impressa também possui a versão digital. Para quem desejar receber o zine em formato digital, basta deixar aqui seu-email, ou enviá-lo para reiffer@gmail.com.  Ele será enviado gratuitamente.

E Ela Falou Seu Nome...
Alguns dirão que foi um sonho anormal. Outros, que é apenas uma ficção absurda de um escritor delirante. Eu não digo nada, eu limito-me a contar o que vivi. Limito-me a dizer que perambulava doentio e inflamado pela noite. Algo de terrível, de onírico, de lancinante, de fatal pairava sobre minha alma. Minha alma já não se suportava em meu ser insatisfeito e irremediável à eternidade. Vagavam alucinados os meus pensamentos inconformados pela escuridão noturna, iluminada por luares e sonhos medievais em doces pesadelos. E ainda mais longínquo voava tudo o que eu sentia, todas as tempestades apocalípticas que em mim se debatiam em sua invisível violência. Meu universo sentimental fitava olhos e asas de anjos sobre nuvens avermelhadas, febrentas e férvidas nos céus repletos de ultra-romantismos, nuvens carregadas de emoções que me trovejavam sobre o espírito inconsolável. Foi então que a encontrei.

Ela abriu a imensa porta de um casarão antigo de mistérios e convidou-me sedutoramente a entrar. Se exteriormente aquele casarão sombrio de inquietante imagem ancestral assomava de forma majestosa e aterrorizante, em seu interior havia alguma espécie indefinível de magia sublime que me envolveu perigosamente... Um denso aroma de incensos impregnados de delírios invadiu-me além das narinas, hipnotizando-me como um alucinógeno sobrenatural. Ao inalar aquela atmosfera carregada de auras e sonhos e febres e vidas e mortes, uma luz astral queimou meus pulmões apaixonados.

No ambiente febricitante, em penumbra celestial e estranhamente luminosa, meus olhos ardentes, lacrimejando, somente distinguiam coisas que não sei nomear. Tudo, tudo o que eu via não possuía nome em nosso mundo, em nossas existências normais, nós não conhecemos aquelas coisas indizíveis. É-me impossível, arranco-me os cabelos intentando escrever as coisas tão absurdas que ali viviam... Porém, afirmo que vi infinitas existências inefáveis que atordoavam meu coração em vertigens. Perturbavam como uma devastação minha mente desvairada, entorpeciam-me como venenos ofídicos e mágicos. Arrebatavam-me a céus e a infernos cada vez que eu a elas dirigia meus olhos que se desvaneciam em vapores.

Eu chorava... E num instante de suprema insanidade espiritual, refulgiu pelo mistério um tempestuoso clarão iriado de luz solar. E pude contemplar o que até então me fora impossível: a face e os olhos da mulher sobre-humana que me havia feito o insalubre convite a entrar. E foi então que a amei. Daquela face onde conviviam anjos e demônios, e daqueles olhos fundos como o Desconhecido, que, sem cessar, mudavam de cor, raios nucleares em forma de flechas dardejavam enfebrecidos a essência de minha mônada.

E cantos e gritos alucinados, canhestramente dementes, porém belos, belos demais para se suportar, que me comoviam, esgotavam minhas lágrimas enlouquecidas, cantos e gritos partiram daqueles seres nunca-vistos, pela tensa escuridão iluminada. Uma sinfonia vulcânica, ciclônica, em forma de relâmpago. E enquanto meu peito explodia ao som dos estranhos seres e aos olhares em fogo da bela celeste-infernal, compreendi. Compreendi que estaria ligado maldita e abençoadamente àquela mulher para toda a eternidade finita ou infinita de minha existência insensata. Desejava saber quem era aquele ser feminino que me arrastou à loucura com seus filtros e feitiços mágicos, que tinha a cura para aumentar minha doença. Arrastando meu manto de roxas saudades e torturas, mergulhei minha alma nos enigmas arcânicos de tudo o que se oculta no cosmos... Abalos sísmicos anímicos faziam tremer meu ser, e aos vapores sangüíneos de rosas e sangues, pesadelos e sonhos desabavam pesarosos sobre minha fronte ensandecida.

Com meus braços inflamados de esquisitas e angustiadas energias não-corpóreas, abracei em êxtase divino o coração daquela mulher e beijei, na marcha fúnebre da morte e do fim, seus lábios em lava. Pelas janelas de meu sublime transtorno, da furiosa paixão sem limites, eu via a celestial tempestade eterna se aproximando em relâmpagos apocalípticos. Ao nosso redor, erguiam-se, em deliciosa loucura ameaçadora, fantasmas e magas em fulgurantes espectros de astros vermelhos. E num murmúrio, na plenitude fantástica da demência, perguntei aos ouvidos da mulher que me arrebatou e devastou-me como um furacão aos extremos universais... Eu perguntei o seu nome. E ela falou-me. Senti-me salvo. E o seu nome era Arte.

(Na imagem, o quadro "Ophelia", de Alexandre Cabanel.)

03 agosto 2010

Final, de Eduardo Guimaraens


Eduardo Guimaraens. Alguém sabe quem foi ele? Que foi um poeta gaúcho nascido em Porto Alegre em 1892? Que escreveu sete livros e que foi considerado na época nosso maior poeta simbolista? E mais, que chegou a ser considerado uns dos maiores do país, comparado a Cruz e Sousa? Triste saber que um poeta de sua magnitude esteja relegado ao esquecimento até mesmo pelos gaúchos. Mas, quais seriam os motivos? A meu ver, faz parte da discriminação sofrida pelo Simbolismo em nossas terras; a verdade é que ainda hoje os brasileiros não lograram compreender os simbolistas, algo muito diferente do que ocorre na Europa, por exemplo.

Sem dúvida, Eduardo Guimaraens também foi vítima desse “preconceito” para com o Simbolismo. Felizmente, grandes críticos, como Massaud Moisés, souberam considerá-lo como “autêntico poeta”, e que “alguns de seus poemas serão suficientes para situá-lo sem favor ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens”. Da mesma forma, julgou Andrade Muricy que “a sua arte afastou-se do cunho clássico português e da ingenuidade da temática e da expressão... foi dos mais civilizados dentre todos eles e um dos mais meditativos e delicados”.

Não obstante, a poesia de Eduardo Guimaraens nos apresenta um âmbito temático de inúmeros desdobramentos. Sua obra nos revela uma profunda sensibilidade e imaginação, uma sutileza e musicalidade da linguagem, um refinamento de emoções repleto de luzes e sombras. Seus poemas são intensamente humanos e espirituais, situando-se entre a veia lúgubre de Alphonsus de Guimaraens e a ascensão vertiginosa de Cruz e Sousa. Eduardo é mais sereno que ambos, menos sombrio que o primeiro, mais terno que o segundo. Abaixo, um de seus sonetos, presente em seu livro "A Divina Quimera". Na imagem que acompanha a postagem, "Noite Estrelada Sobre o Rhone", de Van Gogh.

Final

Como alguém que colhesse um doloroso lírio
florido à sombra azul de algum jardim claustral,
do meu sonho de amor, a um súbito delírio,
dei-te a aspirar, ó Noite, a grande flor nupcial.

Mal magnífico, insânia extática, martírio,
tudo o que a alma sofreu de sobrenatural,
tu, só tu, Noite insone, à luz de um velho círio,
hás de entender, talvez por um mistério ideal!

Noite, que és a Beatriz que inspira e que conduz,
a ti suba o perfume, alucinante e forte,
da flor que, às minhas mãos, esplêndida, reluz!

É tua a febre ardente em que me torturei!
Tu me cinges de sombra e a sombra é quase a morte!
Noite divina e triste, a ti tudo o que amei!

Eduardo Guimaraens

02 agosto 2010

o Melhor é o que Não se Espera

o que se planeja
não é o que é a vida:
a vida é o que não está nos planos.
mais vale
aquilo que não se espera,
porque o que se espera
vem sempre abaixo do esperado

o mais belo o mais alto o mais fundo
é aquilo que não nos pode ser dado

por isso meus olhos febram
de arder pelo que não posso
por aquilo que não depende
do inútil do meu esforço

mas de outro esforço além do pensado
como sendo surpresa na estrada
como inesperada
paisagem no campo
como o sublime
surgido do nada

o que está ao alcance da mão
não vale a pena ser alcançado:
como é nobre aquilo que sonha
distante...
do infinito ao lado!

tu, como estrela que me fita ao longe
disseste-me tanto sem falar-me nada
como música jamais soada
como o impossível nos meus ouvidos
cantos que mais relembro
quanto mais me forem esquecidos...

o que é então
que deve ser como deveria?
talvez o melhor seja o que não se espera
o que não se vê
o que não seria...
talvez o melhor da lua
seja a sua face sombria...

31 julho 2010

aos Finais

vós amais
ao jamais...

então quais?
só normais
tão iguais...
nada mais.

ideais?
irreais
já demais
e fatais.

imortais
me esperais?
imorais
me cansais
me acabais
me deixais
sem sinais

vendavais
terminais...

e o que mais?
Nunca Mais.

29 julho 2010

Oração Sombria

ó Tu
que conheces tanto o Céu como o Inferno
que escutaste o martelo dos anjos
e os trágicos divinos desígnios...
ora por mim

Tu
que surgiste das tensões coronárias
dos anômalos pulsos cardíacos
e das febres fatais pelas têmporas...
sente por mim

Tu
que te assomas em asas-crepúsculos
que dos corvos ao pio espalhas ocasos
e retiras da noite o teu verbo em delírio...
voa por mim

Tu
que forte te nutres da tristeza e da angústia
que te ergues mais alto do sepulcro dos sonhos
e arrancas tua glória dos amores funestos...
sonha por mim

Tu
que te iluminas com as auras do sangue
que das lágrimas constróis catedrais
que extrais do infortúnio o teu canto
canta por mim

Tu
que te ocultas nas florestas em névoas
que te emerges dos profundos dos lagos
que te fúrias nas tormentas sem paz...
vence por mim

ora por tudo que eu queria amar-te
ó Tu
minha Arte.

28 julho 2010

Quem Conhece a Verdade é Esta Ave Coberta de Óleo


"Se todas as pessoas que vivem na China e na Índia consumissem numa mesma proporção, seguindo o modelo norte-americano, o planeta poderia explodir." Quem disse foi o vice-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros e professor da UFRGS, Nelson Rego, conforme notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 26 de julho de 2010.

Nada de novo aqui no blog. Já cansei de afirmar, com outras palavras, a mesma coisa. Mas as pessoas não querem nem saber. E consumistas todos nós somos. Alguns mais, outros menos, mas somos. E fomos condicionados a assim viver. E pior, somos cada vez mais consumistas. A China, por exemplo, vem crescendo a um ritmo assustador, aproximando-se dos absurdos e degradantes padrões norte-americanos. E todos sabem que os chineses não se preocupam com o meio-ambiente.

E o  Brasil? Também está crescendo. Com real preocupação ecológica? Claro que não. O imbecil novo Código Florestal Brasileiro está aí para provar. De modo, meus amigos, que eu pergunto com indiferença: onde está a esperança para a nossa civilização? Alguém, por favor, diga-me. Todos só pensam em "progresso".  E iremos progredir. Para os negros braços da morte. Não necessito de nenhuma complexa  análise intelectual para dizê-lo, não necessito escrever livros com ensaios formando centenas de páginas, muito menos de preconizar complicadas e brilhantes filosofias, sociologias, antropologias, enfim, todo esse palavrório inútil de intelectualismos que não leva e nunca  levou a lugar algum. Quem conhece a verdade é aquela ave coberta de óleo da imagem.

Não há solução.

O planeta não vai explodir. A humanidade sim.

27 julho 2010

Manter Silêncio...

vós sois
como os felinos:
não atendem aos chamados...

voz só
sem ecos ressoados.
por isso
esqueço
e emudeço:

silencio-me
    e   cio-te

26 julho 2010

Fim, de Murilo Mendes

Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora, MG, em 1901 e falecido em 1975 é um dos maiores nomes da 2ª Geração Modernista, representando com grandeza o surrealismo em nossas terras, sem no entanto, prender-se somente a ele. É um dos meus poetas modernistas prediletos, seja pela sua imensa variedade de temas abordados, seja pela originalidade e profundidade de quase tudo que surgiu de sua pena, tanto em conteúdo como em forma. Abaixo, um poema de Murilo Mendes. (Na imagem que acompanha o poema, "O Juízo Final" de Michelangelo)

Fim

Eu existo para assistir ao fim do mundo.
Não há outro espetáculo que me invoque.
Será uma festa prodigiosa, a única festa.
Ó meus amigos e comunicantes,
tudo o que acontece desde o princípio é a sua preparação.

Eu preciso assistir ao fim do mundo
para saber o que Deus quer comigo e com todos
e para saciar minha sede de teatro.
Preciso assistir ao julgamento universal,
ouvir os coros imensos,
as lamentações e as queixas de todos,
desde Adão até o último homem.

Eu existo para assistir ao fim do mundo,
eu existo para a visão beatífica.

Murilo Mendes

25 julho 2010

Poema de Amor?

Mas o que seria um poema de amor?
Esse amor que é o teu não é o mesmo meu...
Longe de tudo paira essa palavra vária
Horizontes sem fim é sua morada-enigma
Onde nunca rastejam tais amores
Ridículos...

Não me venham com apaixonites sentimentalóides
Apegos de fraqueza e egoísmo
Ondas inconstantes de desejos carentes...

Escrevam outros poetas poemas de amor
Sábios que forem melhores que eu
Cansei de dizer o não-dito-impossível
Regando de sangue o negro do lodo
Em que pisam as patas dos porcos...
Vou reservar ao silêncio este átomo
Em que um dia julguei-me sublime...

Lá, só no Nada-Vazio, é que nada
O Amor.

23 julho 2010

Um Enigma (Trágico)

quando a estrela não brilha
o sonho reflete ao contrário:

segredo jamais segregado
tornou-se o fim da glória de César
o que era de César
a César nunca foi dado

um adeus ao vermelho de sangue
da capa derramada no peito

se colocares ao espelho o que digo
verás que o que é dito não é o que é escrito
e não há outro jeito

é que a estrela caiu dentro em um lago
quando a colhi para ir mais ao alto

e quando a estrela é sem luz
o sonho reflete invertido...

o legionário caiu do cavalo
e o digo em palavras do fim ao começo
do sonho só o s é bonito...

que não adianta
um corvo é sempre um corvo
e sempre a maldição se assoma:
Nunca Mais um poema de roma.

21 julho 2010

Não-Sentido

mas qual sentido que há
no sentido do que sinto?
se tudo é um sonho seco
afogado em vinho tinto
sentimento sem saída
taça cheia do que minto
soco inútil por estercos
vãos derrames indistintos
gota em vaso carcomido
sangue em quadro que não pinto
verso-vento sem destino
vulto-anseio não me vindo
vasto plano sem motivo
deus-deboche sempre rindo
sol perdido em noite-sino...

mesmo assim eu vou sentindo...

19 julho 2010

Como se Eu não Soubesse... *

como se houvesse tempo
estão lá com sede de progresso
como se evoluíssem
ceifando paraísos
para semear infernos
como se fossem eternos
como se fossem espertos
em transformar os campos
em desertos
como se não bastasse...

contando como se fosse
para matar a fome
como se dessa forma
distribuíssem renda
como se fosse em nome
do que fosse justo
como seu eu acreditasse
e como se a Terra
aguentasse

como se não fosse
para colher ganâncias
como se fossem heróis
e não tivessem ânsias
de se enriquecer à custa
do que tenha vida...
como se não houvesse morte

como se tivessem pena
do que canta e voa
do que sente e corre
como se tudo o que tenha vida
fosse só nada quando se morre
como se não viesse a volta
como se não tivesse preço
e como se não viesse o Tempo
bater em nosso endereço...

fazem tudo
como se o tudo fosse só assim
e como se não houvesse o Fim.

* Poema em homenagem ao novo Código Florestal Brasileiro

17 julho 2010

do Perfume

o perfume dos novos tempos:
sem fadas e sem palmas
horrores onde minhas narinas deponho
longínquas de inocências de criança...

só o miasma dos cadáveres das almas
flatulências fermentadas do teu sonho
e o fedor da carniça da esperança...

14 julho 2010

da Obrigatoriedade

estás na estrada
e terás que fazer a Curva...
mas não sabes quando virá a Curva
nem de onde a estrada veio
nem para onde a estrada irá
mas estás na estrada
e terás que fazer a Curva...

e a estrada em que estás não conheces
ou conheces mas não lembras da estrada
muito menos lembras da Curva
mas depois da Curva
o que virá?

virão planícies ou tempestades
lagoas ou acidentes
florestas ou precipícios...?
ou será que a estrada
acaba
depois da Curva?

sim, porque estás na estrada
e terás que fazer a Curva...
mas cuidado ao fazê-la
ao temê-la
ao dizê-la
ao pensá-la
ao sorri-la
a Curva é sempre perigosa
e não sabes que Curva é aquela...

mas quando fizeres a Curva
(e terás que fazer a Curva)
te curvarás.

13 julho 2010

O Sombrio Emiliano Perneta

Talvez o leitor ache um pouco engraçado o sobrenome deste quase esquecido poeta simbolista paranaense, nascido em 1866 e falecido em 1921. No entanto, certamente, não achará engraçada sua trágica, sombria e estranha obra.

É lamentável o pouco valor dado ao Simbolismo em nossas terras. O Simbolismo, que é considerado o movimento precursor da poesia moderna. Fosse na Europa, Emiliano seria cultuado como um gênio. Mas aqui, quase ninguém lembra dele. Bem, eu lembro.

Emiliano Perneta legou-nos oito obras, entre poesias, prosa poética e libretos de óperas. Destaque para o sensacional livro de poemas "Ilusão", publicado em 1911, um dos momentos mais altos de nosso Simbolismo.´

O crítico Andrade Muricy, um dos maiores conhecedores do Simbolismo brasileiro, escreveu o seguinte sobre o poeta curitibano: "A poesia de Emiliano Perneta é a mais desconcertante e variada que o Simbolismo produziu entre nós. Não aceitou o verso livre, mas, por instinto, por inquietação, repeliu os cânones parnasianos. (...) Gracioso, emotivo, espetacular, excêntrico, paradoxal, Emiliano Perneta foi a personalidade mais curiosa do Simbolismo, no  Brasil."

Logo após a publicação de "Ilusão", Emiliano foi chamado de "príncipe dos poetas paranaenses". E é desse livro que retiro o soneto abaixo, que falará mais de Emiliano do que tudo que já disse dele.

Solidão

Oh! para que sair do fundo deste sonho,
Que o destino me deu, e que a Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar, casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo, ansiado, outra vez.

O meu lugar não é no meio de vocês,
Homens rudes e maus, de semblante risonho,
Não é no meio de tamanha insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho medonho!

O meu lugar é aqui, no seio desta ruína,
Destes escombros, que reluzem como lanças,
E destes torreões, que a febre inda ilumina!

Sim, é insulado, aqui, no cimo, bem o sei!
Entre os abutres e entre as Desesperanças,
E dentro deste horror sombrio, como um Rei!

12 julho 2010

Poemas do Término e Contos do Fim 39

A edição 39 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim já foi lançada e encontra-se disponível. Inclui o conto "As Duas Mulheres" e mais 4 poemas estranhos.

O zine 38 está também disponível digitalmente, gratuito, como a versão impressa. Para recebê-lo, basta que o leitor me passe seu e-mail, que então ele será enviado.

Em Santiago, os pontos de distribuição da versão impressa são os seguintes: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.

Agradeço a colaboração dos seguintes amigos na distribuição do zine em outras cidades: Liziane Serafini (Santa Cruz do Sul/RS), Luana Serafini (Santa Maria/RS), Alberto Ritter (Porto Alegre/RS), Gracieli Persich (Santo Ângelo/RS), Louise Wagner (São Leopoldo/RS), Marcus Vinícius Manzoni (Frederico Westphalen/RS), Lilene Leverdi (São Gonçalo/RJ), Héder Duarte (São Gonçalo/RJ), Agnes Mirra (Goiana/PE) e Paulo Soriano (Salvador/BA). Agradeço também ao amigo Guilhermes Damian pelo excelente trabalho de design do zine.

10 julho 2010

Não Voto em Filho da Puta

prezado
senhor candidato:
com todo respeito
vou pegar o meu voto
e enfiar no teu rabo
de rato

não me venhas
com apertadinhas de mão
podres imundas infectas
de bactérias de corrupção

no teu rançoso sorrisinho
de boca amarela e fingida
vou escarrar meu catarro
mais amarelo ainda

não me venhas
perturbar o sono
com tuas alegrezinhas
musiquinhas ridículas
que eu sei muito bem
quais são as alegrias
das campanhas políticas...

então queres
passeatas
carreatas
mamatas?

conchavos
conluios
canalhas?

tratados
tramoias
trapaças?

sobre a vergonha do teu santinho
vou apagar o veneno
do meu cigarro vadio...
senhor candidato
vai à puta que pariu!

09 julho 2010

Mahler, Apocalipse Sonoro

Em 7 de julho de 1860, na cidade de Kalischt, na Boêmia, nascia Gustav Mahler, um dos maiores sinfonistas de todos os tempos. 150 anos de Mahler, portanto.

Depois de Beethoven, dá para contar nos dedos de uma mão os compositores que podem ser considerados grandes sinfonistas. Particularmente, considero como grandes sinfonistas pós-beethovenianos Brahms (pena que compôs apenas 4 sinfonias), Bruckner, Mahler e Shostakovich. Também poderíamos, no meu julgamento, subjetivo, como todo julgamento artístico, incluir no rol das grandes sinfonias a 8 e a 9 de Schubert, as 3 últimas de Tchaikovsky e a Sinfonia em Ré de Franck. Depois, mais abaixo, viriam a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, as sinfonias programáticas "Dante" e "Fausto" de Liszt, a "Do Novo Mundo" de Dvorák, algumas do Sibelius, talvez a "Renana" de Schumann... Será que esqueci de alguma?

Mas Mahler, Mahler é imenso, suas 9 sinfonias, mais a 10ª, que ficou incompleta, seriam perfeitas como trilha sonora para o Apocalipse, com tudo o que ele tem direito, em toda sua força trágica e catastrófica, em todo seu poder de transcendentalização, em todos seus agouros funestos, ou em todo brilho da fúria divina. E entre as 9 sinfonias, creio que as 5, 6 e 7 seriam as mais apocalipticamente adequadas, pois são as mais trágicas.

Com Mahler, viajamos por entre tempestades, furacões, guerras, tiros de canhões, explosões nucleares, queda de astros, catástrofes de todos os tipos, sustos e angústias, derramentos solares, hecatombes, batalhas entre anjos e demônios, ascensões espirituais, alucinações delírios, enfim...

Mahler, com todo o sofrimento por que passou em sua trágica existência, prenunciou o que seria o catastrófico século XX. E  o XXI também. É como ele próprio disse, ao enfrentar grandes dificuldades para a aceitação de sua obra: "Meu tempo há de chegar!" E chegou.

Nada mais justo do que a forma como morreu Mahler, em 1911: durante uma trovoada. Assim como Beethoven.

07 julho 2010

"Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." - FINAL

Não sentia a mínima piedade em vê-las beber as águas podres de um rio imundo, ou vendo que disputavam com cachorros pestilentos os restos putrefatos de comida dos montes de lixos. Nem mesmo as crianças que eram violentamente espancadas por outras crianças, ou as mulheres sendo estupradas nos cantos das praças despertavam em mim algum tipo de clemência. Que apodrecessem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

Dessa forma degenerada vivi por mais alguns meses. Ia para casa, alimentava-me, realizava uma precária higiene pessoal e retornava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, de desprezar infinitamente todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá eu estava, naquele campo sombrio, contemplando hipnotizado, completamente dominado pelos nuances ominosamente avermelhados que percebia, ou acreditava perceber. E parecia ser tal tênue luz vermelha, que se derramava pelas atmosferas, que transmitia à minha psique alguma categoria de ânimo monstruoso, perverso, demoníaco.

Havia algo inexplicável naquelas opacas luminosidades rubras que me atraía fatalmente, e mais que isso, fazia fervilhar em meu interior toda a maldade que nele havia, todo o horror humano, a plenitude do lado negro que em mim se ocultava. Assim como a lava do planeta fervilhava, suas águas fervilhavam, evaporando-se, a atmosfera fervilhava em um calor insuportável, eu também fervilhava interiormente de perversidade. Seja lá o que for que ocasiona tudo isso, estou certo de que é algo catastroficamente maligno.

Afirmo-o com absoluta certeza, porque, desde ontem, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto sono. Desde os dias em que era dominado pela indiferença, nunca mais tive os pesadelos a que me referi anteriormente, aliás, não tive nenhuma espécie de sonho, pelo menos não que eu lembre. E as minhas horas de sono foram se reduzindo gradativamente, a ponto de eu chegar a dormir apenas 10min a cada 24h.

Agora, cessei definitivamente de dormir. Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno, em uma maldita hipnose, aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do local, fui tomado de um acesso de loucura. Sei que estou completamente louco, transformei-me em um monstro. Peguei uma enorme pedra que encontrei na rua e esmaguei sem dó o crânio de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto se alimentavam com as tripas de um gato.

Após ter cometido o ato, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas compreendi também que seria inútil me arrepender. No entanto, senti uma necessidade terrível de desabafar, de contar sobre minha doença, minha loucura, minha maldição, o meu desastre, o desastre de um filho de um planeta mergulhado em todos os desastres, enfim, seja lá o que isso for, como que para deixar em um maço inútil de papéis o que ainda resta de bom em mim. Se é que resta algo.

Mas agora, devo sair. Lá fora, na frente da minha casa, uma mulher raquítica está vomitando. Sinto um ódio diabólico ferver, fervilhar dentro de mim, e subindo como sobem os ferventes vapores oceânicos, esse ódio toma conta de todo meu ser.

Aquela imunda, vadia, filha da puta, sujando minha calçada com o fedor do seu vômito. Este machado deve servir. Agora vou lá. Tenho que degolá-la. E fazer guisado de sua carne aidética.

A Voz do Polvo é a Voz de Deus

Em um aquário na cidade de Oberhausen, no oeste da Alemanha, vive o profeta da Copa da África, o polvo Paul. Ele acertou todos os resultados de seu país. Disse o polvo que a Alemanha ganharia da Austrália, perderia para a Sérvia, venceria Gana e depois a Inglaterra nas oitavas de final, que também venceria a Argentina nas quartas, mas que seria derrotada pela Espanha nas semifinais. Dito e feito. Eu acreditava na Alemanha. Assim como acreditava na Argentina antes. Mas não se pode derrotar o polvo nos palpites.

Como que o polvo disse isso? Muito simples: são colocados no fundo do seu aquário dois recipientes com mexilhões. Cada um leva uma bandeira: uma da Alemanha e a outra do adversário. O recipiente que ele atacar primeiro é o da seleção vencedora. Dessa vez o polvo Paul atacou a da Espanha.

Agora vou pedir para colocarem pro Paul um prato com a bandeira do INTER e outra com a do São Paulo. Para ver quem vai para a final da Libertadores da América.

E a copa que era dos sul-americanos terá final europeia. Nada melhor (ou pior) do que as surpresas do caminho...

Ah, e eu não me esqueci do final do conto. Em breve ele será postado.

06 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.” 2ª Parte

Será que somente eu percebia tal alteração? Ou estaria com alguma doença nervosa, psíquica, que faz com que perceba os céus dessa forma? Sim, doente eu acredito que estou realmente. Tenho certeza, aliás. Não sei qual doença poderia estar me afetando, mas que há muito tempo não me sinto nem um pouco bem, muito pelo contrário, é algo absolutamente inegável. É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, várias delas brutalmente fatais, que eu posso ter sido mais uma vítima, mais um desgraçado como os milhões de humanos cujas vidas foram ceifadas pelas mutações de vírus e bactérias patogênicas. Diversas delas, foram criadas, voluntária ou involuntariamente, pelo próprio homem, em seu afã de ser um deus. Um deus?! haha, olhem para o que se transformou a humanidade...

Mas ignoro o que realmente ocorre comigo. Tentarei, entretanto, de modo sucinto, descrever os estranhos e deprimentes acontecimentos que há 11 meses vêm degradando minha miserável existência.

Conforme afirmei anteriormente, há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de funesto “avermelhamento”. Seriam alucinações? Seria o sintoma de alguma terrível enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insanamente irresistível.

Todos os dias, invariavelmente, sinto-me como que “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas, não obstante meu prazer nos dias de sol seja bem maior. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, dirijo meus olhos para o céu, e fico contemplando por quase uma hora aquilo que julgo ser uma insidiosa e lentíssima invasão do céu azul por uma tonalidade anomalamente vermelha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o término de minha contemplação, embora melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em uma negra depressão de espírito, em um desalento, em um desânimo tão profundo, que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa e perambulava sorumbático pelas ruas, como um zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas e imersas em problemas sem solução, ou então que expressavam um perverso sorriso diabólico, e minha depressão se intensificava ainda mais.

Ao chegar em casa, atirava-me quase sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho. Enfim, sem fazer absolutamente nada, dormia até o amanhecer do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos povoados pelos seres mais absurdos, monstros de aparência indescritível e de uma perversidade inimaginável. Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e, para que se tenha uma idéia dos mesmos, basta que tenha em mente o ambiente do Inferno de Dante.

Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a tristeza e a desolação pareciam ter regredido, e eu levanta-me, comia alguma coisa, realizava uma breve higiene pessoal e pensava em ir trabalhar. Mas minhas forças não eram suficientes. Então, sentava-me, aguardando ansioso e angustiado o momento de sair para a absurda contemplação dos céus que se avermelhavam, conforme meu enfermiço julgamento. E lá eu permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores, sentindo-me consolado pelo que via, ou acreditava ver. E então, deixava o local, muitas vezes debaixo de uma chuva ácida, arrastando um manto de tristezas que pesava como o chumbo. Chegava em casa e jogava-me em meu sono atormentado.

Essa era minha vida, somente isso, durante vários meses. No entanto, aos poucos, minha depressão foi se amenizando, e em seu lugar surgira uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo local. Não que fosse somente naquele lugar que eu percebia a insidiosa invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, invariavelmente, de acordo com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu deveria observar o insólito fenômeno unicamente de lá.

Todavia, como dizia, deixei progressivamente de sair do local dominado pela profunda tristeza, e passei a sentir uma gélida indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pela desolação de minha cidade, em seu calor absurdo, degradante, alimentando um desejo doentio e perverso de desprezar e rir de todos os infelizes que cruzavam o meu amaldiçoado caminho. Eu observava com uma frieza e uma ironia malignas aqueles homens e mulheres, todos desgraçados, todos miseravelmente perdidos. Era infinito o meu desprezo por aqueles doentes, vítimas das inúmeras epidemias que surgiram, fatais ou não; por aqueles mendigos estúpidos, aqueles refugiados dos desastres ambientais, que vieram com seu odiento desespero para minha cidade.

Amanhã, o final.

05 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.”

Aqueles fenômenos foram chamados de “El Niño” e “La Niña”. O aquecimento das águas do oceano Pacífico. Mas ninguém sabia com certeza o porquê, a causa exata de seu surgimento. Ou se alguém sabia, omitia a verdade. Ou se alguém dissera a verdade, ninguém acreditara. Somente o que se comprovou com o trágico passar dos anos é que tais fenômenos não eram normais, como afirmavam alguns cientistas, ou ignorantes, ou mal intencionados.

O fato é que o aquecimento das águas era real e se intensificava gradualmente com o passar dos anos, e não somente no oceano Pacífico, mas foi atingindo também os demais oceanos. Claro que tal anômalo fenômeno tinha relação com o aquecimento global ocasionado pelo acúmulo de gases poluidores na atmosfera terrestre. Muito embora, no princípio, houvesse um considerável número de cientistas que duvidassem da veracidade do aquecimento global, com o passar dos anos, tal elevação confirmou-se de forma irrebatível.

Porém, o aquecimento das águas dos oceanos não ocorreu somente devido à elevação da temperatura atmosférica. As grandes potências admitiram mais tarde. Haviam realizado durante décadas experiências e testes atômicos no fundo do mar. Pequenas e sucessivas explosões nucleares supostamente controladas. Aos poucos, o leito dos oceanos foi se abrindo, rachando assustadoramente, com o consequente contato das lavas do magma terrestre com as águas marinhas. Obviamente, com o tempo, a temperatura das águas foi se elevando, situação agravada pelo aquecimento atmosférico.

O efeito sobre o planeta das altas temperaturas das águas oceânicas foi absolutamente catastrófico. Os primeiros sinais foram relativamente leves e deram-se principalmente sobre o clima do planeta. O número de tempestades, tornados, ciclones, furacões, secas e enchentes foi crescendo gradativamente. E não só tais fenômenos tornaram-se mais numerosos e frequentes, mas também mais intensos, mais impiedosos, mais devastadores.

Paralelamente, perceberam-se alterações na vida marinha, tanto na animal como na vegetal. Após anos de análises, foi comprovada não só a redução das populações oceânicas, como também a extinção de incontáveis espécies. Em pouco tempo, cerca de um terço de toda vida marinha fora varrida dos oceanos, a começar pelos corais, que principiaram a perder suas variedades e colorações, até, finalmente, perder a vida.

(...)

Agora, estamos no ano de 2047. Os seres oceânicos encontram-se praticamente extintos em sua totalidade de espécies. As tempestades e furacões e secas e inundações tornaram a vida impossível em imensas regiões do globo e dizimaram enorme parcela da humanidade. Isso sem falar no aumento drástico dos terremotos e tsunamis. Até mesmo regiões consideradas antigamente como situadas fora das áreas de risco são agora afetadas por tais catástrofes. A humanidade durante muito tempo intentou lutar desesperadamente contra as tragédias ambientais que se desencadeavam de forma cada vez mais avassaladora, porém tudo resultou em retumbantes fracasso. Já era tarde demais. No momento em que ainda resultava possível evitar que a fúria do planeta recaísse sobre a civilização, não o fizeram. De modo que o nosso destino já estava selado.

Há alguns anos, quando a incidência de terremotos principiou a se tornar alarmante, os cientistas intentaram encontrar explicações para o fato. Não obtiveram êxito. Ou, se encontraram determinada resposta, deveria ser algo definitivamente inevitável, porque nada foi divulgado, ao menos não oficialmente. Surgiram rumores, jamais confirmados, de que algum astro provavelmente desconhecido estaria interferindo no campo gravitacional da Terra, em seu magnetismo, e desse modo causando inauditas alterações geológicas no planeta. Até hoje, não se sabe o que está ocorrendo com a Terra, além, é claro, do massacrante desequilíbrio causado pela poluição infrene e pela exploração desmesurada dos recursos naturais. Mas algo além disso, algo extremamente grave está acontecendo...

Há cerca de cinco anos, foi notada uma leve alteração na cor dos céus. Não era mais aquele azul celeste reconfortante, mas sua tonalidade havia sido sutilmente modificada, tornara-se opaca, desbotada, amarelecida talvez, porém, era algo quase imperceptível. E eu posso jurar que, há alguns meses, além da opacidade, os céus passaram a apresentar, com a quase imperceptibilidade ainda maior, uma sugestiva e inquietante tonalidade avermelhada...

Amanhã, a continuação.

(Na imagem, o quadro "Dante e Virgílio no Inferno", de Bouguereau)

03 julho 2010

Ó Noite, Imperatriz do Mundo!

aos poucos
como a queda dos impérios
cai a Noite universal
sobre o destino da humanidade
com tudo o que nela se oculta...

Noite...
tu sabes que tu governas
que o teu medo domina
nos quatro cantos da terra
enquanto os homens riem pelas festas,
na imponderabilidade das trevas
tu preparas as tuas surpresas...

tu preparas as tuas surpresas
nos olhos rubros do demônios
que espreitam atrás dos galhos
na densidade do silêncio tenso
quebrado pelo susto do grito do gato
pela ameaça do rosnado canino
pela espera do assalto
na curva invisível da esquina...
tu, Noite, preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...

é no teu seio que as bruxas conciliabulam
que os morcegos vampiram pelas vítimas
que as corujas agouram pelos sinos
que os amores proibidos se fatalizam
que os vinhos metaforizam sobre o sangue
que os malditos poetas marcham fúnebre
e que certos astros da terra se aproximam...
é na Noite que as coisas acontecem...

Noite, tu preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...
homem!
caminha alerta pela Noite
que tu não podes pelo escuro
ver da Noite o segredo profundo...

ó Noite, Imperatriz do Mundo!

Alemanha, Tetra!

Disse, em 27 de junho, que do jogo entre Alemanha e Argentina sairia o campeão da Copa 2010. Dei preferência à Argentina. Que decepcionou mais que o Brasil. Deu Alemanha, com justiça,  com sobras, com show, ditando o ritmo da dança. Valsa, não tango. Brasil e Argentina, Los Hermanos, morreram abraçados. A copa dos sul-americanos, até as quartas de finais, fica só com o heroico Uruguai (já que o Paraguai deve ser desclassificado logo mais pela Espanha),que dificilmente passará pela Holanda. 

Alemanha, tetra!

02 julho 2010

Curso de Poesia - Casa do Poeta de Santiago

Neste mês, pela Casa do Poeta de Santiago, ministrarei um curso de poesia.
O evento ocorrerá nos dias 20 a 22 de julho de 2010, durante as férias acadêmicas. O horário do curso será das 19h00min às 23h00min (Terça, quarta e quinta). Investimento é de apenas R$ 20,00, e será fornecido um certificado de 15h. Acompanhe o cronograma abaixo:

CRONOGRAMA DO CURSO:

1º Dia (20 de julho - Terça):
- O que é poesia (diferenciação entre poesia e prosa)
- Poesia Clássica e Poesia Moderna
- Tipos de poesias clássicas
- Leitura e Interpretação de poemas

2º Dia (21 de julho - Quarta):
- Versificação
- Verso tradicional
- Elisão, crase, sinalefa
- Hiato, ditongo, diérese, sinérese
- número de sílabas métricas
- acentuação do verso
- rima
- classificação das rimas
- enjambement
- versos brancos
- versos livres

3º Dia (22 de julho - Quinta):
- Figuras de Linguagem
- Oficina de Criação de Poemas
- Encerramento

Reservas e inscrições poderão ser feitas pelos e-mails:
palavraseondas@hotmail.com
gpasini@ig.com.br
reiffer@gmail.com
ou pelo telefone 8406-7896

Baudelaire e a Glória ao Vinho

Charles Baudelaire, o grande poeta maldito, em seu livro "Paraísos Artificiais", onde trata dos estados psicológicos anormais causados pelo uso de drogas, mais especificamente o ópio e o haxixe, brinda-nos com um magnífico elogio do vinho. Sendo o vinho a minha bebida favorita, companheira de muitos momentos, não posso deixar de concordor com o gênio do Simbolismo e precursor da poesia moderna. Vejamos o que Baudelaire tem a nos dizer sobre o vinho. A seguir, alguns trechos:

"Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? Quem quer que tenha tido um remorso a aplacar, uma lembrança a evocar, uma dor a esquecer, um castelo na Espanha a construir, todos enfim já o evocaram, deus misterioso escondido nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e abrasadora essa segunda juventude que o homem dele retira! Mas como são, também, perigosas as suas volúpías fulminantes e os seus encantamentos enervantes.

Muitas pessoas dirão que sou indulgente. "Você inocenta a embriaguez!" Isso dirão os imbecis ou hipócritas; imbecis, isto é, homens que não conhecem nem a natureza nem a humanidade, artistas que recusam os meios da arte, operários que blasfemam contra a mecânica - hipócritas, isto é, comilões reprimidos, impostores da sobriedade, que bebem sozinho e tem algum vício oculto. Um homem que só bebe água tem um segredo a esconder de seus semelhantes."

Com a palavra, o vinho:

"Cairei no fundo do seu peito como uma ambrosia vegetal. Serei  o grão que fertiliza o solo dolorosamente escavado. Nossa íntima reunião criará a poesia. Para nós dois faremos um Deus e flutuaremos ao infinito, como os pássaros, as borboletas, os filhos da Virgem, os perfumes e todas as coisas aladas."

"Ouve agitar-se em mim e ressoar os poderosos refrãos dos tempos passados, os cantos de amor e de glória? Iluminarei os olhos de sua mulher. Abrandarei o seu olhar e porei no fundo de suas pupilas o brilho da juventude. "

(Na imagem que acompanha o texto, o quadro "Bacco", de Caravaggio)

30 junho 2010

"Estão destruindo a humanidade ali, e ninguém faz nada."

Essa afirmação foi feita pelo ginecologista Denis Mukwege, já indicado ao prêmio Nobel da Paz, e refere-se à violência sexual contra mulheres na República Democrática do Congo, África, que vem aumentando absurdamente nos últimos dez anos - 18% dos casos da década são de 2009. A notícia saiu no jornal Correio do Povo de 29/06/2010. Vejamos o horror de que nos fala o médico:

"Há 15 anos houve intensos genocídios em Ruanda. Os ''genocidários'' vieram se refugiar na República Democrática do Congo e utilizam as mulheres como arma de guerra. A destruição psicológica e emocional em uma mulher violentada na comunidade faz com que os moradores queiram fugir. Pela humilhação e pela violência, destroem famílias. Com a aniquilação dos moradores, exploram mais facilmente a região rica em materiais utilizados em componentes eletrônicos, como a cassiterita. Há empresas multinacionais que extraem os minérios na África."

"Intensificam-se os casos em que elas perdem não só o aparelho genital, mas também a bexiga e até mesmo o aparelho digestivo. Atiram na genitália, inserem baionetas, pedaços de pau, deixando suas marcas. Querem traumatizar ao máximo e não há distinção de idade; atingem de crianças a idosas. A violência sexual ocorre em outros países como Congo, Bósnia, Colômbia ou Quirguistão, onde crianças são violentadas na frente dos pais.”

A barbaridade mencionada aqui não necessita de maiores comentários. Mas quero chamar a atenção para a seguinte afirmação do ginecologista: “Com a aniquilação dos moradores, exploram mais facilmente a região rica em materiais utilizados em componentes eletrônicos, como a cassiterita. Há empresas multinacionais que extraem os minérios na África."

Ou seja, indiretamente, os responsáveis por tamanha catástrofe são empresas de outros países. De onde seriam elas: EUA, Europa? Quase certo que sim. Então a África deixou de ser colônia do primeiro mundo...? Não basta devastarem as selvas e massacrarem os animais, é necessário também que dizimem brutalmente os seres humanos. E claro que isso não ocorre só na África, mas em todos os países subdesenvolvidos.

Depois a Europa e os EUA vêm nos falar de direitos humanos, eles, montados na riqueza que obtiveram explorando por séculos os outros povos. E que ainda o fazem. E agora, a Europa, que deve muito de seu desenvolvimento ao roubo dos recursos naturais dos países subdesenvolvidos, tenta, de forma cada vez mais determinada, impedir que imigrantes desses países possam ir para os países europeus tentar uma vida melhor. Isso constitui, no mínimo, uma imensa ingratidão.

Quando falamos no desenvolvimento dos países de primeiro mundo, devemos, antes de qualquer coisa, refletir sobre o preço pago para que chegassem ao patamar de desenvolvidos. Eles tiveram méritos? É claro. Mas só eles? E quem mais pagou o preço? Não foram povos hoje miseráveis, que foram roubados e torturados de todas as formas? E que continuam sendo, agora pelas multinacionais. E não só os povos. Mas também, e ainda mais, o altíssimo preço da riqueza e do desenvolvimento foi pago pela vida do planeta.

29 junho 2010

Todos os Palpites Certos e a Copa Dos Sul-Americanos

Encerradas as oitavas de final da Copa da África, confirmei todos os meus palpites. Todas as seleções que disse que passariam, passaram (independente de placares). O Luiz Paulo é testemunha, hein Luiz Paulo? rsrs, pena que não apostamos. E como eu previa, classificaram-se todas as seleções sul-americanas que poderiam passar (no jogo entre Brasil e Chile, uma sairia, é claro).

Jamais na história das copas houve mais seleções sul-americanas que europeias. Agora são 4 contra 3. E uma africana. Sem dúvida, os sul-americanos necessitam mais do consolo do futebol que os europeus. Já os africanos, nem esse consolo podem ter... Falando em africanos, em minha próxima postagem tratarei de mais um desastre no continente africano...

Sobre uns Versos do Pedro Ortaça*

“Eu nunca pedi bexiga pra patrão ou pra milico,
Por isso ninguém me obriga a ser pelego ou pinico,
Não choro por rapariga nem tiro chapéu pra rico...”

Pedro Ortaça – música “Guasca”

o verso não se dobra:
se eu escrever um verso bárbaro absurdamente extenso
ele
não pode
ser publicado
dobrado
assim
só para
se adequar
ao formato
do veículo
de publicação

o verso não se dobra.
e o poeta também não.

*Pedro Ortaça é cantor e compositor tradicionalista gaúcho

28 junho 2010

Lei de Proteção Animal - Abaixo-Assinado

Com a imagem acima, pretendo torturar a sensibilidade dos leitores, mostrando um gato inocente sendo torturado em nome do "progresso da ciência". E para onde tal estupendo "progresso" está nos levando, todos já estão cansados de saber.

Assim, peço que assinem o abaixo-assinado em prol do projeto que pretende estabelecer a Lei de Proteção Animal no Brasil. O projeto é de autoria do deputado federal Ricardo Trípoli. Parabéns ao deputado. Quando um político faz em algo em defesa da natureza, deve ser aplaudido, porque é algo difícil de acontecer, não é mesmo?

Aqui o link para a assinatura: http://www.leideprotecaoanimal.com.br/

27 junho 2010

Legado do Terror - Antologia

O site de literatura fantástica ARCAHDIA publicou a antologia digital "Legado do Terror", onde foram incluídos dois contos meus. O livro está disponível para download no site http://arcahdia.webnode.com.br/

Alemanha x Argentina

Disse aqui no blog, ao final da 1ª rodada da Copa, que os melhores times da competição eram Alemanha e Argentina. E as oitavas de final estão comprovando isso. Independente dos lamentáveis erros de arbitragem, Alemanha e Argentina jogaram bem melhor seus jogos e mereceram vencer.

Na minha opinião, do confronto entre as duas seleções sairá o campeão da Copa da África. E creio que será a Argentina, conforme já havia dito em postagem anterior aqui no blog.

26 junho 2010

Dois Os dos Sonhos

ah os dois os dos sonhos...

locos loucos longos
medonhos

os dois os
esgotados
de sono
sem portos
torvos
tortos

dois os dos sonhos
dos poços
dos fossos
destroços

dois os dos sonhos
demônios
de dourados
olhos
dois os de agosto
do horror
desgosto
os de velório
dolorosos
remorsos

dois os tristonhos
dos voos
dos corvos

dois os dos sonhos:
dois os dos mortos...

24 junho 2010

da Poesia Viva

a poesia viva
não nasce
da letra morta das teorias
do verbo putrefato dos manuais
dos sermões miasmáticos dos acadêmicos

a poesia viva
nasce

das letras axiomáticas das estrelas
gravadas no livro infinito do infinito

das palavras sussurradas pelo vento
nos campos-página escritos pelo sol

do verbo hieroglífico dos pássaros
palestrando para os ouvidos das florestas

dos sermões sentenciosos das tormentas
proferido por entre os órgãos dos trovões

e finalmente
da linguística dos beijos...

a poesia viva nasce
de se ter a coragem
de buscar o azar e a sorte...
da vida nasce a poesia
mesmo que trate da morte
que tenha o lábio tocado
e leve a alma ferida:
só a morte
faz valer a pena
a vida de ser vivida

22 junho 2010

O Tempestuoso e Sombrio Quarteto Op.51 nº1 de Brahms

Em 1865, aos 32 anos, o meu compositor favorito, o grande Johannes Brahms, compôs aquele que para mim é o maior dos quartetos para cordas criados depois de Beethoven. Trata-se do quarteto nº1 do Op.51. Obra mestra de uma intensidade emocional avassaladora e de uma perfeição formal inquestionável, características típicas de Brahms.

Para o leitor que não sabe o que é exatamente um quarteto para cordas, esclareço: é uma composição para 2 violinos, 1 viola (não confundir, por favor, esta viola com a viola usada no samba, que é dedilhada; a viola clássica é algo como um violino maior, executada da mesma forma que o violino, com um som um pouco mais grave que este) e 1 violoncelo. É uma categoria de composição de câmara (obras para pouco instrumentos) muito cultivada. O quarteto para cordas foi estabelecido em seu formato tradicional por Haydn, que também o cultivou muito, assim como Mozart. Mas foi Beethoven quem levou o estilo ao auge, com obras absolutamente sublimes e transcendentais. No século XIX, Brahms, Schubert, Schumann, Tchaikovsky, Dvorák, entre outros, criaram grandes obras no gênero. No século XX, Bartók, Shostakovich, Berg, prosseguiram a tradição do quarteto de cordas. O brasileiro Villa-Lobos também criou importantes obras para quartetos.

Quando ouvi pela primeira vez o Quarteto nº1 de Brahms, aos 18 anos, chorei. Trata-se de uma obra densa e profunda, que principia em um ritmo forte e selvagem. Um clima de gravidade e resignada melancolia perpassa toda obra. O primeiro movimento é de uma força e de um sentimento de tragédia que nos marca profundamente. Não há lugar para sorrisos. Ritmos violentos são interrompidos por tristes e angustiadas melodias. O movimento finaliza de forma arrebatada, onde os instrumentos encerram seu doloroso diálogo em um grito de força e desespero, em um clamor sentencioso e indomável.

O segundo e o terceiro movimentos são mais tranquilos e resignados, porém ainda melancólicos e sombrios. O "Romanze, poco adagio" (2º movimento) desenvolve-se suavemente, entre a ternura e o desalento, mesclando luzes e sombras, trazendo melodias de um intenso romantismo. O terceiro movimento prossegue nesse clima mais apaziguador, porém uma desconsolada tristeza sonhadora impregnada de mistério atravessa-o do começo ao fim. Um céu cinza e antigo caiu sobre nossos olhos, e os breves momentos de luz do movimento anterior são deixados de lado.

O movimento final surge de forma violenta e cortante, e a tempestade ressurge. Um ritmo frenético e desesperado dá  poucos momentos de descanso aos nossos ouvidos. É uma música alucinada, veemente, angustiada, de sofrimento e de luta. O final é de uma dignidade e de uma contundência absolutas, deixando bem claro que jamais se curvará ao infortúnio. Este é Brahms.

21 junho 2010

Não-Soneto nº2

deixar cada verso como se fosse
versar cada fosse com uma foice
e após plantar aquilo que não tenho
colher do nada o nada que não sou

o que queres será feito não sendo
morto do que fracasso vencerás
terás aquilo que talvez não queiras
não conseguindo cumprirei ao erro

sabes como obrigar deixando livre
do horror retiras as sublimes causas
de vão sacrifício se revela o alto

do que não veio surgirá teu sim
a luz que nasce em tudo que se perde:
sabendo nada o que devo conheço

19 junho 2010

Apocalipse, de Augusto dos Anjos

A seguir, os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos... Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Grito" de Edward Munch.

Apocalipse

Minha divinatória Arte ultrapassa
Os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas...
E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,

Espião da cataclísmica surpresa,
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

17 junho 2010

Versos de Vinagre e Vice-Versa

seja de onde venho
seja aonde vou
só ouço
pela minha veia vazada
a voz velha vaga e vazia
da humanidade vencida

nada
é o tudo que a civilização vaza
nos vasos dos meus ouvidos
milernamente
mil vezes vividos

sobre o verbo vão do homem
viro o meu vômito vivo
verto meu escarro viscoso
vergo varas veladas

piadas
são todas essas vozes vassalas
servas vesgas vendidas
vaidosas vadias fodidas
a que voto meu cuspe e meu vento

visto meu vasto
e o que vejo enterro nas valas
o que sinto apago nas velas
e com meus vendavais
eu fico sozinho...

só o que me vale?
o Vinho.

16 junho 2010

O Futebol-Arte Agoniza...

Ou será que já morreu? Não, acho que, assim como o nosso planeta, morre, mas ainda está vivo. Lá de vez em quando surge uma jogada esteticamente admirável. Muito de vez em quando. Que o diga a Copa 2010. Jogos sofríveis, onde o objetivo maior não é jogar futebol, mas exatamente o contrário: não deixar jogar. A prova é a medíocre  média de gols marcados por jogo: ao final da 1ª rodada, era de 1,56, uma das mais baixas da história. 

Aguardei o final da 1ª rodada da Copa para dar meu parecer, pois sempre acompanho as Copas do Mundo. Somente um time mostrou bom futebol, um futebol bonito, a Alemanha, por incrível que pareça, que tem fama de apresentar sempre um futebol feio, embora eficiente. De resto, só o Messi, da Argentina. Quem sabe mais para frente...

Agora, não interessa mais aos times apresentar um futebol bonito, que deslumbre os olhos. Interessa ganhar de qualquer jeito,  interessa o resultado, interessa o lucro. E não só no futebol, mas nos demais esportes também. Só se pensa em ganhar dinheiro, em se bater recordes, em se obter fama, em empilhar títulos. Mas arte no esporte? Beleza, encantamento? Muito pouco, quase nada. 

Agora vivemos a época da eficiência. Não importa o que existe de "alma" no que se faça. Importa se é eficiente ou não. Até na arte é assim. A arte está deixando de ser arte. Se nem na arte existe arte, por que ano futebol haveria de existir? A arte e o esporte atuais refletem o homem atual: um homem sem alma. O futebol é decadente como a humanidade é decadente.

Bem, mas seja como for, a Copa está aí. Quem será o campeão? Na Copa de 2006, antes mesmo de seu início, disse a amigos que a Itália seria a campeã. Acertei. Agora acho que o título ficará entre Alemanha ou Argentina. Para escolher um: Argentina. É o meu palpite.

14 junho 2010

Palavras de Miséria

ser humano...
ter as entranhas entupidas de fezes
ter a boca infestada de bactérias
e a podridão sufocada pela aparência

ser humano...
exalar o fedor pegajoso do suor
numa tarde modorrenta de calor
sob o tédio escaldante de um domingo

ser humano...
ter que se esfregar com sabão todos os dias
e se impregnar dos mais potentes perfumes
para mascarar o mau-cheiro do corpo

ser humano...
ter que fazer as monótonas tarefas diárias
desejando que as tarefas acabem logo
para ter que fazê-las novamente amanhã

ser humano...
ignorar de onde veio ou para onde vai
viver sem saber o porquê de sua vida
e sem controlar o que pensa e o que sente

(...)

ah, então sou louco
só porque acho que ser humano
é ser miseravelmente
pouco?

13 junho 2010

Fernando Pessoa, Aquele que Disse Tudo

Em 13 de junho de 1888, em Lisboa, Portugal, nascia Fernando Antônio Nogueira Pessoa. Morreria em 1935, de cirrose hepática. Hoje, completaria 122 anos. Fernando Pessoa foi aquele que disse quase tudo o que eu gostaria de ter dito. O que me resta dizer agora a não ser que acabou?

E o que diria hoje Fernando Pessoa, ele, que em vida não teve reconhecimento, a não ser por uma meia dúzia de amigos admiradores incondicionais, que mal podia se sustentar financeiramente, que viveu na solidão e na incompreensão, o que diria ele hoje ao ver que é cultuado no mundo inteiro como um dos maiores poetas do século XX, que é considerado, ao lado de Camões, como o maior nome da literatura de de língua portuguesa?  O que diria Fernando Pessoa? Talvez dissesse: "viu, eu tinha razão."

Como uma pequena homenagem ao seu aniversário, deixo um dos seu poemas, onde, como sempre, ele disse coisas que eu gostaria de ter dito. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Corvos Sobre o Campo de Trigo", de Van Gogh.

Chove? Nenhuma chuva cai...

Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o  ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

11 junho 2010

a Poesia é uma Praga

não é o poeta
que decide ser poeta:
a poesia é quem escolhe
quem irá poetizá-la
e uma vez escolhido
impossível deixá-la

não há livro nem estudo nem técnica
não há mestre nem regra nem meta
não há jeito nem choro nem vela:
não se pode formar um poeta

poeta
não é quem procura pela inspiração
poeta é aquele que a inspiração
não o deixa nunca em paz
é aquele que um demônio
sussurra sempre nos ouvidos:
vai, escreve esse poema, faz!

poeta não escreve porque sofre
não escreve porque está triste
escreve porque não tem saída
escreve porque é o que lhe manda
tudo o que vive e tudo o que existe

não é o poeta
que escolhe sua vida
a vida é que vem ao poeta
de acordo
com o que quer que ele escreva
poeta é o que escreve qualquer coisa
do que quer que seja

poeta não segue conselhos:
mas só se vale do que pensa
e só do que sente se alaga
poesia não é dom
é praga

poeta é o que faz do seu jeito
e esse seu jeito
é que é a melhor maneira:
um bom poema
sai de um bom beijo
ou de uma sublime
bebedeira

10 junho 2010

Goethe e a Desilusão com os Estudos

Johann Wolfgang Von Goethe, o maior gênio da literatura alemã, e um dos maiores da literatura universal, expressou em sua obra-prima máxima, "Fausto", um dos pontos mais altos da arte,  praticamente todas as questões essenciais que assombram a humanidade, cogitou sobre tudo,  e expôs como raros o drama da eterna busca do homem pelo conhecimento. Mas o que seria o real conhecimento? Seria acumular leituras sobre leituras, investigar todas as coisas pelo alcance das ciências ou iriam ainda muito além? O texto abaixo, extraído do quadro II, Cena I do 1º Fausto, questiona tragicamente o terrível dilema. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Destino", de Hieronymus Bosch.

Fausto I - Quadro II - Cena I (Trecho)

Ao cabo de escrutar com o mais ansioso estudo
filosofia, e foro, e medicina, e tudo
até a teologia... encontro-me qual dantes;
em nada me risquei do rol dos ignorantes.
Mestre em artes me chamo; inculco-me Doutor;
e em dez anos vai já que, intrépido impostor,
aí trago em roda viva um bando de crendeiros,
meus alunos... de nada, e ignaros verdadeiros.
O que só liquidei depois de tanta lida,
foi que a humana inciência é lei nunca infringida.
Que frenesi! Sei mais, sei mais, isso é verdade,
do que toda essa récua inchada de vaidade:
lentes e bacharéis, padres e escrevedores.
Já me não fazem mossa escrúpulos, terrores
de diabos e inferno, atribulados sonhos
e martírio sem fim dos ânimos bisonhos.

Mas, com te suplantar, fatal credulidade,
que bens reais lucrei? Gozo eu felicidade?
Ah! nem a de iludir-me e crer-me sábio. Sei
que finjo espalhar luz, e nunca a espalharei
que dos maus faça bons, ou torne os bons melhores;
antes faço os bons maus, e os maus inda piores.
Lucro, sequer, eu próprio? Ambiciono opulência,
e vivo pobre, quase à beira da indigência.
Cobiço distinguir-me, enobrecer-me, e vou-me
com a vil plebe confuso, à espera em vão de um nome.
E chama-se isto vida! Os próprios cães da rua
não quereriam dar em troco desta a sua.

08 junho 2010

O Genial e Maníaco-Depressivo Schumann Teve Uma Vida Trágica

Robert Schumann, nascido em 08 de junho de 1810, em Zwickau, na Alemanha, é um dos compositores mais importantes para o desenvolvimento do Romantismo musical. Comemoramos este ano o seu bicentenário de nascimento. Sendo um dos herdeiros diretos da revolução beethoveniana, serviu de influência para compositores que o superaram, principalmente Brahms, o qual era amigo pessoal do compositor. O jovem Brahms recebeu um forte estímulo de Robert e Clara Schumann (sua esposa), sendo saudado por ambos como “o gênio prometido do Romantismo”, no que eu concordo.

Apesar de Brahms ser amigo pessoal de Schumann, não pôde evitar de se apaixonar por sua talentosa esposa, exímia pianista e também compositora, 14 anos mais velha que Brahms. Amigos amigos, amores à parte... Tanto Schumann quanto Brahms eram apaixonados por Clara. Mas Brahms sempre respeitou seu amigo e manteve em segredo seu sentimento, pelo menos até a morte de Schumann, em 1856, com apenas 46 anos. Depois de sua morte... bem, aí entramos no terreno das conjecturas, não se sabe bem ao certo o que realmente ocorreu com Brahms e Clara, o certo é que não casaram nem namoraram. Fora isso... não sei. Teriam, como se diria hoje em dia, “ficado”?

Mas falemos de Schumann... Para não fugir à regra dos românticos, Schumann teve uma vida trágica. Na juventude, apaixonou-se perdidamente por Clara Wieck, mas teve que penar vários anos para obter a permissão do rigoroso pai da moça para o casamento. Ele não queria que Clara casasse com um artista depressivo. No que estava coberto de razão. Casar com artista já é ruim, imagina com um com tendências maníaco-depressivas...

Após o casamento, inspirado, Schumann passou a compor muito. Mas suas obras não tinham muito reconhecimento. O compositor alemão era um revolucionário, opondo-se ao ensino academicista da época. E isso nunca é bem-vindo. Clara era mais reconhecida como pianista do que ele como compositor. O fato constituiu para Schumann uma nova fonte de torturas. E ele não podia mais ser pianista. Em sua juventude, devido a severos e absurdos estudos ao piano, perdeu parcialmente o movimento de uma das mãos, encerrando prematuramente sua carreira como pianista. Talvez isso tenha sido excelente para a humanidade, pois assim pôde se dedicar exclusivamente à composição. Vale lembrar que Schumann, na juventude, viveu um sério dilema: ser poeta ou compositor? Sentia-se vocacionado para ambos. Amava tanto a música como a literatura. Assim como eu. A sorte dele é que pôde escolher. Eu não. Tive que ser poeta, e olhe lá.

E é devido a esse talento literário que Schumann conseguiu criar uma das mais perfeitas e equilibradas coleções de lieder da música clássica (pois o lied nada mais é que a união de música e literatura), onde o texto poético é expresso pela música com absoluta maestria. Porém, os lieder não são a parte da obra de Schumann que mais admiro, mas sim sua música de câmara. Seus quartetos, trios e sonatas são para mim o que há de melhor em Schumann. Se nas sinfonias, na ópera a até mesmo nos concertos (excetuando o para violoncelo, que é sublime) o compositor deixa um pouco a desejar, na música de câmara é um mestre, ao qual muito deve Brahms e outros românticos. O caráter trágico, melancólico, apaixonado de suas composições no gênero deixou páginas memoráveis, como o quarteto para cordas nº 3, op. 41, o trio op.110, o quarteto para piano op. 47, cuja melodia tema do 3º movimento é de um romantismo tão intenso que parece que sentimos o perfume das rosas em uma melancólica noite enluarada.

Mas como disse, Schumann teve uma vida trágica. Era maníaco-depressivo, e sentiu que enlouquecia. Passava as noites em claro tendo terríveis visões e ouvindo sons absurdos. Dizia que anjos e demônios lhe ditavam melodias. Quando percebeu que estava dessa forma fazendo sofrer sua numerosa família, e após uma tentativa de suicídio, ele mesmo decidiu se internar em um sanatório. E lá, o gênio musical de Schumann faleceu em sua loucura.

07 junho 2010

Quando...

sorrisos lagos dançavam
por anéis nuvens macias
e de mil astros felinos
surgiam naves vermelhas
dirigidas por crianças
e nos céus águas brilhantes
arco-íris iam voando
lépidos por entre matas
aos sons de flautas riachos
e duas fadas me olhavam
santas de noites sonatas
em cisne avião sem destino
deixavam adeuses nos cantos
sorrindo em divino grou

quando a minha esperança
tão bela tão clara tão verde
a minha esperança...
me deixou.

05 junho 2010

Eles que Sabem...

céu de granito cinzento
e cai garoa e granizo:
eles gargalham de nós
sua gramática-ocaso

grassa por tudo a desgraça
e eles gracejam galantes
grafam gadanhas nas garras
e nos galhofam graciosos

grito em galope-deboche
em sacra graça de gárgula
eles se tragam de negro
galas de voz e prenúncio

sábios de graves gargantas
eles que gravam nos olhos
eles que grasnam nos galhos
eles gargalham de nós...

eles
os Corvos.

03 junho 2010

Este é o Poema Mais Triste

mentira.
se eu pudesse escrever
o poema mais triste
eu o faria...
mas não tenho o suficiente talento:
não consigo encontrar a palavra mais negra
pra golfejar vomitando na mesa
a divina catástrofe
que me desastra por dentro.

e nem esperança
posso ter de criá-lo:
a palavra esperança
Deus
degolou do meu dicionário.

e ao meu poema
jamais te arrancarias lágrima
jamais te sentirias trágica
jamais a melodia mágica
nem que na testa
eu me desse um balaço
como prova solene e sonora
do meu sublime fracasso.

quero agora ser executado
sem pedir o último desejo: mudo
soldados! apontem os fuzis!
eu sou culpado
de tudo!
prometi o poema mais triste
e não o fiz.

02 junho 2010

O Fim

dirás talvez
leitor
que sou mau poeta
grave demais
exagerado demais
exacerbado demais
de mais demais...

que talvez eu não devesse
ser tão melodramático
mas partir
para o deboche e a brincadeira
causar risada
trazer besteira...

ou talvez dirás
que sou um doente
um delirante habitante
da absurda e distante
macondo...

a minha resposta
é bem simples:
olha lá o sol

se pondo...