13 julho 2010

O Sombrio Emiliano Perneta

Talvez o leitor ache um pouco engraçado o sobrenome deste quase esquecido poeta simbolista paranaense, nascido em 1866 e falecido em 1921. No entanto, certamente, não achará engraçada sua trágica, sombria e estranha obra.

É lamentável o pouco valor dado ao Simbolismo em nossas terras. O Simbolismo, que é considerado o movimento precursor da poesia moderna. Fosse na Europa, Emiliano seria cultuado como um gênio. Mas aqui, quase ninguém lembra dele. Bem, eu lembro.

Emiliano Perneta legou-nos oito obras, entre poesias, prosa poética e libretos de óperas. Destaque para o sensacional livro de poemas "Ilusão", publicado em 1911, um dos momentos mais altos de nosso Simbolismo.´

O crítico Andrade Muricy, um dos maiores conhecedores do Simbolismo brasileiro, escreveu o seguinte sobre o poeta curitibano: "A poesia de Emiliano Perneta é a mais desconcertante e variada que o Simbolismo produziu entre nós. Não aceitou o verso livre, mas, por instinto, por inquietação, repeliu os cânones parnasianos. (...) Gracioso, emotivo, espetacular, excêntrico, paradoxal, Emiliano Perneta foi a personalidade mais curiosa do Simbolismo, no  Brasil."

Logo após a publicação de "Ilusão", Emiliano foi chamado de "príncipe dos poetas paranaenses". E é desse livro que retiro o soneto abaixo, que falará mais de Emiliano do que tudo que já disse dele.

Solidão

Oh! para que sair do fundo deste sonho,
Que o destino me deu, e que a Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar, casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo, ansiado, outra vez.

O meu lugar não é no meio de vocês,
Homens rudes e maus, de semblante risonho,
Não é no meio de tamanha insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho medonho!

O meu lugar é aqui, no seio desta ruína,
Destes escombros, que reluzem como lanças,
E destes torreões, que a febre inda ilumina!

Sim, é insulado, aqui, no cimo, bem o sei!
Entre os abutres e entre as Desesperanças,
E dentro deste horror sombrio, como um Rei!

12 julho 2010

Poemas do Término e Contos do Fim 39

A edição 39 do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim já foi lançada e encontra-se disponível. Inclui o conto "As Duas Mulheres" e mais 4 poemas estranhos.

O zine 38 está também disponível digitalmente, gratuito, como a versão impressa. Para recebê-lo, basta que o leitor me passe seu e-mail, que então ele será enviado.

Em Santiago, os pontos de distribuição da versão impressa são os seguintes: locadoras Fox, Classic e Stop, biblioteca pública, biblioteca da Uri, Ponto Cópias e Livraria Santiago. Pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil ou exterior, mediante o pagamento das despesas de correio.

Agradeço a colaboração dos seguintes amigos na distribuição do zine em outras cidades: Liziane Serafini (Santa Cruz do Sul/RS), Luana Serafini (Santa Maria/RS), Alberto Ritter (Porto Alegre/RS), Gracieli Persich (Santo Ângelo/RS), Louise Wagner (São Leopoldo/RS), Marcus Vinícius Manzoni (Frederico Westphalen/RS), Lilene Leverdi (São Gonçalo/RJ), Héder Duarte (São Gonçalo/RJ), Agnes Mirra (Goiana/PE) e Paulo Soriano (Salvador/BA). Agradeço também ao amigo Guilhermes Damian pelo excelente trabalho de design do zine.

10 julho 2010

Não Voto em Filho da Puta

prezado
senhor candidato:
com todo respeito
vou pegar o meu voto
e enfiar no teu rabo
de rato

não me venhas
com apertadinhas de mão
podres imundas infectas
de bactérias de corrupção

no teu rançoso sorrisinho
de boca amarela e fingida
vou escarrar meu catarro
mais amarelo ainda

não me venhas
perturbar o sono
com tuas alegrezinhas
musiquinhas ridículas
que eu sei muito bem
quais são as alegrias
das campanhas políticas...

então queres
passeatas
carreatas
mamatas?

conchavos
conluios
canalhas?

tratados
tramoias
trapaças?

sobre a vergonha do teu santinho
vou apagar o veneno
do meu cigarro vadio...
senhor candidato
vai à puta que pariu!

09 julho 2010

Mahler, Apocalipse Sonoro

Em 7 de julho de 1860, na cidade de Kalischt, na Boêmia, nascia Gustav Mahler, um dos maiores sinfonistas de todos os tempos. 150 anos de Mahler, portanto.

Depois de Beethoven, dá para contar nos dedos de uma mão os compositores que podem ser considerados grandes sinfonistas. Particularmente, considero como grandes sinfonistas pós-beethovenianos Brahms (pena que compôs apenas 4 sinfonias), Bruckner, Mahler e Shostakovich. Também poderíamos, no meu julgamento, subjetivo, como todo julgamento artístico, incluir no rol das grandes sinfonias a 8 e a 9 de Schubert, as 3 últimas de Tchaikovsky e a Sinfonia em Ré de Franck. Depois, mais abaixo, viriam a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, as sinfonias programáticas "Dante" e "Fausto" de Liszt, a "Do Novo Mundo" de Dvorák, algumas do Sibelius, talvez a "Renana" de Schumann... Será que esqueci de alguma?

Mas Mahler, Mahler é imenso, suas 9 sinfonias, mais a 10ª, que ficou incompleta, seriam perfeitas como trilha sonora para o Apocalipse, com tudo o que ele tem direito, em toda sua força trágica e catastrófica, em todo seu poder de transcendentalização, em todos seus agouros funestos, ou em todo brilho da fúria divina. E entre as 9 sinfonias, creio que as 5, 6 e 7 seriam as mais apocalipticamente adequadas, pois são as mais trágicas.

Com Mahler, viajamos por entre tempestades, furacões, guerras, tiros de canhões, explosões nucleares, queda de astros, catástrofes de todos os tipos, sustos e angústias, derramentos solares, hecatombes, batalhas entre anjos e demônios, ascensões espirituais, alucinações delírios, enfim...

Mahler, com todo o sofrimento por que passou em sua trágica existência, prenunciou o que seria o catastrófico século XX. E  o XXI também. É como ele próprio disse, ao enfrentar grandes dificuldades para a aceitação de sua obra: "Meu tempo há de chegar!" E chegou.

Nada mais justo do que a forma como morreu Mahler, em 1911: durante uma trovoada. Assim como Beethoven.

07 julho 2010

"Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." - FINAL

Não sentia a mínima piedade em vê-las beber as águas podres de um rio imundo, ou vendo que disputavam com cachorros pestilentos os restos putrefatos de comida dos montes de lixos. Nem mesmo as crianças que eram violentamente espancadas por outras crianças, ou as mulheres sendo estupradas nos cantos das praças despertavam em mim algum tipo de clemência. Que apodrecessem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

Dessa forma degenerada vivi por mais alguns meses. Ia para casa, alimentava-me, realizava uma precária higiene pessoal e retornava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, de desprezar infinitamente todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá eu estava, naquele campo sombrio, contemplando hipnotizado, completamente dominado pelos nuances ominosamente avermelhados que percebia, ou acreditava perceber. E parecia ser tal tênue luz vermelha, que se derramava pelas atmosferas, que transmitia à minha psique alguma categoria de ânimo monstruoso, perverso, demoníaco.

Havia algo inexplicável naquelas opacas luminosidades rubras que me atraía fatalmente, e mais que isso, fazia fervilhar em meu interior toda a maldade que nele havia, todo o horror humano, a plenitude do lado negro que em mim se ocultava. Assim como a lava do planeta fervilhava, suas águas fervilhavam, evaporando-se, a atmosfera fervilhava em um calor insuportável, eu também fervilhava interiormente de perversidade. Seja lá o que for que ocasiona tudo isso, estou certo de que é algo catastroficamente maligno.

Afirmo-o com absoluta certeza, porque, desde ontem, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto sono. Desde os dias em que era dominado pela indiferença, nunca mais tive os pesadelos a que me referi anteriormente, aliás, não tive nenhuma espécie de sonho, pelo menos não que eu lembre. E as minhas horas de sono foram se reduzindo gradativamente, a ponto de eu chegar a dormir apenas 10min a cada 24h.

Agora, cessei definitivamente de dormir. Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno, em uma maldita hipnose, aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do local, fui tomado de um acesso de loucura. Sei que estou completamente louco, transformei-me em um monstro. Peguei uma enorme pedra que encontrei na rua e esmaguei sem dó o crânio de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto se alimentavam com as tripas de um gato.

Após ter cometido o ato, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas compreendi também que seria inútil me arrepender. No entanto, senti uma necessidade terrível de desabafar, de contar sobre minha doença, minha loucura, minha maldição, o meu desastre, o desastre de um filho de um planeta mergulhado em todos os desastres, enfim, seja lá o que isso for, como que para deixar em um maço inútil de papéis o que ainda resta de bom em mim. Se é que resta algo.

Mas agora, devo sair. Lá fora, na frente da minha casa, uma mulher raquítica está vomitando. Sinto um ódio diabólico ferver, fervilhar dentro de mim, e subindo como sobem os ferventes vapores oceânicos, esse ódio toma conta de todo meu ser.

Aquela imunda, vadia, filha da puta, sujando minha calçada com o fedor do seu vômito. Este machado deve servir. Agora vou lá. Tenho que degolá-la. E fazer guisado de sua carne aidética.

A Voz do Polvo é a Voz de Deus

Em um aquário na cidade de Oberhausen, no oeste da Alemanha, vive o profeta da Copa da África, o polvo Paul. Ele acertou todos os resultados de seu país. Disse o polvo que a Alemanha ganharia da Austrália, perderia para a Sérvia, venceria Gana e depois a Inglaterra nas oitavas de final, que também venceria a Argentina nas quartas, mas que seria derrotada pela Espanha nas semifinais. Dito e feito. Eu acreditava na Alemanha. Assim como acreditava na Argentina antes. Mas não se pode derrotar o polvo nos palpites.

Como que o polvo disse isso? Muito simples: são colocados no fundo do seu aquário dois recipientes com mexilhões. Cada um leva uma bandeira: uma da Alemanha e a outra do adversário. O recipiente que ele atacar primeiro é o da seleção vencedora. Dessa vez o polvo Paul atacou a da Espanha.

Agora vou pedir para colocarem pro Paul um prato com a bandeira do INTER e outra com a do São Paulo. Para ver quem vai para a final da Libertadores da América.

E a copa que era dos sul-americanos terá final europeia. Nada melhor (ou pior) do que as surpresas do caminho...

Ah, e eu não me esqueci do final do conto. Em breve ele será postado.

06 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.” 2ª Parte

Será que somente eu percebia tal alteração? Ou estaria com alguma doença nervosa, psíquica, que faz com que perceba os céus dessa forma? Sim, doente eu acredito que estou realmente. Tenho certeza, aliás. Não sei qual doença poderia estar me afetando, mas que há muito tempo não me sinto nem um pouco bem, muito pelo contrário, é algo absolutamente inegável. É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, várias delas brutalmente fatais, que eu posso ter sido mais uma vítima, mais um desgraçado como os milhões de humanos cujas vidas foram ceifadas pelas mutações de vírus e bactérias patogênicas. Diversas delas, foram criadas, voluntária ou involuntariamente, pelo próprio homem, em seu afã de ser um deus. Um deus?! haha, olhem para o que se transformou a humanidade...

Mas ignoro o que realmente ocorre comigo. Tentarei, entretanto, de modo sucinto, descrever os estranhos e deprimentes acontecimentos que há 11 meses vêm degradando minha miserável existência.

Conforme afirmei anteriormente, há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de funesto “avermelhamento”. Seriam alucinações? Seria o sintoma de alguma terrível enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insanamente irresistível.

Todos os dias, invariavelmente, sinto-me como que “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas, não obstante meu prazer nos dias de sol seja bem maior. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, dirijo meus olhos para o céu, e fico contemplando por quase uma hora aquilo que julgo ser uma insidiosa e lentíssima invasão do céu azul por uma tonalidade anomalamente vermelha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o término de minha contemplação, embora melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em uma negra depressão de espírito, em um desalento, em um desânimo tão profundo, que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa e perambulava sorumbático pelas ruas, como um zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas e imersas em problemas sem solução, ou então que expressavam um perverso sorriso diabólico, e minha depressão se intensificava ainda mais.

Ao chegar em casa, atirava-me quase sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho. Enfim, sem fazer absolutamente nada, dormia até o amanhecer do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos povoados pelos seres mais absurdos, monstros de aparência indescritível e de uma perversidade inimaginável. Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e, para que se tenha uma idéia dos mesmos, basta que tenha em mente o ambiente do Inferno de Dante.

Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a tristeza e a desolação pareciam ter regredido, e eu levanta-me, comia alguma coisa, realizava uma breve higiene pessoal e pensava em ir trabalhar. Mas minhas forças não eram suficientes. Então, sentava-me, aguardando ansioso e angustiado o momento de sair para a absurda contemplação dos céus que se avermelhavam, conforme meu enfermiço julgamento. E lá eu permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores, sentindo-me consolado pelo que via, ou acreditava ver. E então, deixava o local, muitas vezes debaixo de uma chuva ácida, arrastando um manto de tristezas que pesava como o chumbo. Chegava em casa e jogava-me em meu sono atormentado.

Essa era minha vida, somente isso, durante vários meses. No entanto, aos poucos, minha depressão foi se amenizando, e em seu lugar surgira uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo local. Não que fosse somente naquele lugar que eu percebia a insidiosa invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, invariavelmente, de acordo com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu deveria observar o insólito fenômeno unicamente de lá.

Todavia, como dizia, deixei progressivamente de sair do local dominado pela profunda tristeza, e passei a sentir uma gélida indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pela desolação de minha cidade, em seu calor absurdo, degradante, alimentando um desejo doentio e perverso de desprezar e rir de todos os infelizes que cruzavam o meu amaldiçoado caminho. Eu observava com uma frieza e uma ironia malignas aqueles homens e mulheres, todos desgraçados, todos miseravelmente perdidos. Era infinito o meu desprezo por aqueles doentes, vítimas das inúmeras epidemias que surgiram, fatais ou não; por aqueles mendigos estúpidos, aqueles refugiados dos desastres ambientais, que vieram com seu odiento desespero para minha cidade.

Amanhã, o final.

05 julho 2010

“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.”

Aqueles fenômenos foram chamados de “El Niño” e “La Niña”. O aquecimento das águas do oceano Pacífico. Mas ninguém sabia com certeza o porquê, a causa exata de seu surgimento. Ou se alguém sabia, omitia a verdade. Ou se alguém dissera a verdade, ninguém acreditara. Somente o que se comprovou com o trágico passar dos anos é que tais fenômenos não eram normais, como afirmavam alguns cientistas, ou ignorantes, ou mal intencionados.

O fato é que o aquecimento das águas era real e se intensificava gradualmente com o passar dos anos, e não somente no oceano Pacífico, mas foi atingindo também os demais oceanos. Claro que tal anômalo fenômeno tinha relação com o aquecimento global ocasionado pelo acúmulo de gases poluidores na atmosfera terrestre. Muito embora, no princípio, houvesse um considerável número de cientistas que duvidassem da veracidade do aquecimento global, com o passar dos anos, tal elevação confirmou-se de forma irrebatível.

Porém, o aquecimento das águas dos oceanos não ocorreu somente devido à elevação da temperatura atmosférica. As grandes potências admitiram mais tarde. Haviam realizado durante décadas experiências e testes atômicos no fundo do mar. Pequenas e sucessivas explosões nucleares supostamente controladas. Aos poucos, o leito dos oceanos foi se abrindo, rachando assustadoramente, com o consequente contato das lavas do magma terrestre com as águas marinhas. Obviamente, com o tempo, a temperatura das águas foi se elevando, situação agravada pelo aquecimento atmosférico.

O efeito sobre o planeta das altas temperaturas das águas oceânicas foi absolutamente catastrófico. Os primeiros sinais foram relativamente leves e deram-se principalmente sobre o clima do planeta. O número de tempestades, tornados, ciclones, furacões, secas e enchentes foi crescendo gradativamente. E não só tais fenômenos tornaram-se mais numerosos e frequentes, mas também mais intensos, mais impiedosos, mais devastadores.

Paralelamente, perceberam-se alterações na vida marinha, tanto na animal como na vegetal. Após anos de análises, foi comprovada não só a redução das populações oceânicas, como também a extinção de incontáveis espécies. Em pouco tempo, cerca de um terço de toda vida marinha fora varrida dos oceanos, a começar pelos corais, que principiaram a perder suas variedades e colorações, até, finalmente, perder a vida.

(...)

Agora, estamos no ano de 2047. Os seres oceânicos encontram-se praticamente extintos em sua totalidade de espécies. As tempestades e furacões e secas e inundações tornaram a vida impossível em imensas regiões do globo e dizimaram enorme parcela da humanidade. Isso sem falar no aumento drástico dos terremotos e tsunamis. Até mesmo regiões consideradas antigamente como situadas fora das áreas de risco são agora afetadas por tais catástrofes. A humanidade durante muito tempo intentou lutar desesperadamente contra as tragédias ambientais que se desencadeavam de forma cada vez mais avassaladora, porém tudo resultou em retumbantes fracasso. Já era tarde demais. No momento em que ainda resultava possível evitar que a fúria do planeta recaísse sobre a civilização, não o fizeram. De modo que o nosso destino já estava selado.

Há alguns anos, quando a incidência de terremotos principiou a se tornar alarmante, os cientistas intentaram encontrar explicações para o fato. Não obtiveram êxito. Ou, se encontraram determinada resposta, deveria ser algo definitivamente inevitável, porque nada foi divulgado, ao menos não oficialmente. Surgiram rumores, jamais confirmados, de que algum astro provavelmente desconhecido estaria interferindo no campo gravitacional da Terra, em seu magnetismo, e desse modo causando inauditas alterações geológicas no planeta. Até hoje, não se sabe o que está ocorrendo com a Terra, além, é claro, do massacrante desequilíbrio causado pela poluição infrene e pela exploração desmesurada dos recursos naturais. Mas algo além disso, algo extremamente grave está acontecendo...

Há cerca de cinco anos, foi notada uma leve alteração na cor dos céus. Não era mais aquele azul celeste reconfortante, mas sua tonalidade havia sido sutilmente modificada, tornara-se opaca, desbotada, amarelecida talvez, porém, era algo quase imperceptível. E eu posso jurar que, há alguns meses, além da opacidade, os céus passaram a apresentar, com a quase imperceptibilidade ainda maior, uma sugestiva e inquietante tonalidade avermelhada...

Amanhã, a continuação.

(Na imagem, o quadro "Dante e Virgílio no Inferno", de Bouguereau)

03 julho 2010

Ó Noite, Imperatriz do Mundo!

aos poucos
como a queda dos impérios
cai a Noite universal
sobre o destino da humanidade
com tudo o que nela se oculta...

Noite...
tu sabes que tu governas
que o teu medo domina
nos quatro cantos da terra
enquanto os homens riem pelas festas,
na imponderabilidade das trevas
tu preparas as tuas surpresas...

tu preparas as tuas surpresas
nos olhos rubros do demônios
que espreitam atrás dos galhos
na densidade do silêncio tenso
quebrado pelo susto do grito do gato
pela ameaça do rosnado canino
pela espera do assalto
na curva invisível da esquina...
tu, Noite, preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...

é no teu seio que as bruxas conciliabulam
que os morcegos vampiram pelas vítimas
que as corujas agouram pelos sinos
que os amores proibidos se fatalizam
que os vinhos metaforizam sobre o sangue
que os malditos poetas marcham fúnebre
e que certos astros da terra se aproximam...
é na Noite que as coisas acontecem...

Noite, tu preparas as tuas surpresas
para o destino da humanidade...
homem!
caminha alerta pela Noite
que tu não podes pelo escuro
ver da Noite o segredo profundo...

ó Noite, Imperatriz do Mundo!

Alemanha, Tetra!

Disse, em 27 de junho, que do jogo entre Alemanha e Argentina sairia o campeão da Copa 2010. Dei preferência à Argentina. Que decepcionou mais que o Brasil. Deu Alemanha, com justiça,  com sobras, com show, ditando o ritmo da dança. Valsa, não tango. Brasil e Argentina, Los Hermanos, morreram abraçados. A copa dos sul-americanos, até as quartas de finais, fica só com o heroico Uruguai (já que o Paraguai deve ser desclassificado logo mais pela Espanha),que dificilmente passará pela Holanda. 

Alemanha, tetra!

02 julho 2010

Curso de Poesia - Casa do Poeta de Santiago

Neste mês, pela Casa do Poeta de Santiago, ministrarei um curso de poesia.
O evento ocorrerá nos dias 20 a 22 de julho de 2010, durante as férias acadêmicas. O horário do curso será das 19h00min às 23h00min (Terça, quarta e quinta). Investimento é de apenas R$ 20,00, e será fornecido um certificado de 15h. Acompanhe o cronograma abaixo:

CRONOGRAMA DO CURSO:

1º Dia (20 de julho - Terça):
- O que é poesia (diferenciação entre poesia e prosa)
- Poesia Clássica e Poesia Moderna
- Tipos de poesias clássicas
- Leitura e Interpretação de poemas

2º Dia (21 de julho - Quarta):
- Versificação
- Verso tradicional
- Elisão, crase, sinalefa
- Hiato, ditongo, diérese, sinérese
- número de sílabas métricas
- acentuação do verso
- rima
- classificação das rimas
- enjambement
- versos brancos
- versos livres

3º Dia (22 de julho - Quinta):
- Figuras de Linguagem
- Oficina de Criação de Poemas
- Encerramento

Reservas e inscrições poderão ser feitas pelos e-mails:
palavraseondas@hotmail.com
gpasini@ig.com.br
reiffer@gmail.com
ou pelo telefone 8406-7896

Baudelaire e a Glória ao Vinho

Charles Baudelaire, o grande poeta maldito, em seu livro "Paraísos Artificiais", onde trata dos estados psicológicos anormais causados pelo uso de drogas, mais especificamente o ópio e o haxixe, brinda-nos com um magnífico elogio do vinho. Sendo o vinho a minha bebida favorita, companheira de muitos momentos, não posso deixar de concordor com o gênio do Simbolismo e precursor da poesia moderna. Vejamos o que Baudelaire tem a nos dizer sobre o vinho. A seguir, alguns trechos:

"Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? Quem quer que tenha tido um remorso a aplacar, uma lembrança a evocar, uma dor a esquecer, um castelo na Espanha a construir, todos enfim já o evocaram, deus misterioso escondido nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e abrasadora essa segunda juventude que o homem dele retira! Mas como são, também, perigosas as suas volúpías fulminantes e os seus encantamentos enervantes.

Muitas pessoas dirão que sou indulgente. "Você inocenta a embriaguez!" Isso dirão os imbecis ou hipócritas; imbecis, isto é, homens que não conhecem nem a natureza nem a humanidade, artistas que recusam os meios da arte, operários que blasfemam contra a mecânica - hipócritas, isto é, comilões reprimidos, impostores da sobriedade, que bebem sozinho e tem algum vício oculto. Um homem que só bebe água tem um segredo a esconder de seus semelhantes."

Com a palavra, o vinho:

"Cairei no fundo do seu peito como uma ambrosia vegetal. Serei  o grão que fertiliza o solo dolorosamente escavado. Nossa íntima reunião criará a poesia. Para nós dois faremos um Deus e flutuaremos ao infinito, como os pássaros, as borboletas, os filhos da Virgem, os perfumes e todas as coisas aladas."

"Ouve agitar-se em mim e ressoar os poderosos refrãos dos tempos passados, os cantos de amor e de glória? Iluminarei os olhos de sua mulher. Abrandarei o seu olhar e porei no fundo de suas pupilas o brilho da juventude. "

(Na imagem que acompanha o texto, o quadro "Bacco", de Caravaggio)

30 junho 2010

"Estão destruindo a humanidade ali, e ninguém faz nada."

Essa afirmação foi feita pelo ginecologista Denis Mukwege, já indicado ao prêmio Nobel da Paz, e refere-se à violência sexual contra mulheres na República Democrática do Congo, África, que vem aumentando absurdamente nos últimos dez anos - 18% dos casos da década são de 2009. A notícia saiu no jornal Correio do Povo de 29/06/2010. Vejamos o horror de que nos fala o médico:

"Há 15 anos houve intensos genocídios em Ruanda. Os ''genocidários'' vieram se refugiar na República Democrática do Congo e utilizam as mulheres como arma de guerra. A destruição psicológica e emocional em uma mulher violentada na comunidade faz com que os moradores queiram fugir. Pela humilhação e pela violência, destroem famílias. Com a aniquilação dos moradores, exploram mais facilmente a região rica em materiais utilizados em componentes eletrônicos, como a cassiterita. Há empresas multinacionais que extraem os minérios na África."

"Intensificam-se os casos em que elas perdem não só o aparelho genital, mas também a bexiga e até mesmo o aparelho digestivo. Atiram na genitália, inserem baionetas, pedaços de pau, deixando suas marcas. Querem traumatizar ao máximo e não há distinção de idade; atingem de crianças a idosas. A violência sexual ocorre em outros países como Congo, Bósnia, Colômbia ou Quirguistão, onde crianças são violentadas na frente dos pais.”

A barbaridade mencionada aqui não necessita de maiores comentários. Mas quero chamar a atenção para a seguinte afirmação do ginecologista: “Com a aniquilação dos moradores, exploram mais facilmente a região rica em materiais utilizados em componentes eletrônicos, como a cassiterita. Há empresas multinacionais que extraem os minérios na África."

Ou seja, indiretamente, os responsáveis por tamanha catástrofe são empresas de outros países. De onde seriam elas: EUA, Europa? Quase certo que sim. Então a África deixou de ser colônia do primeiro mundo...? Não basta devastarem as selvas e massacrarem os animais, é necessário também que dizimem brutalmente os seres humanos. E claro que isso não ocorre só na África, mas em todos os países subdesenvolvidos.

Depois a Europa e os EUA vêm nos falar de direitos humanos, eles, montados na riqueza que obtiveram explorando por séculos os outros povos. E que ainda o fazem. E agora, a Europa, que deve muito de seu desenvolvimento ao roubo dos recursos naturais dos países subdesenvolvidos, tenta, de forma cada vez mais determinada, impedir que imigrantes desses países possam ir para os países europeus tentar uma vida melhor. Isso constitui, no mínimo, uma imensa ingratidão.

Quando falamos no desenvolvimento dos países de primeiro mundo, devemos, antes de qualquer coisa, refletir sobre o preço pago para que chegassem ao patamar de desenvolvidos. Eles tiveram méritos? É claro. Mas só eles? E quem mais pagou o preço? Não foram povos hoje miseráveis, que foram roubados e torturados de todas as formas? E que continuam sendo, agora pelas multinacionais. E não só os povos. Mas também, e ainda mais, o altíssimo preço da riqueza e do desenvolvimento foi pago pela vida do planeta.

29 junho 2010

Todos os Palpites Certos e a Copa Dos Sul-Americanos

Encerradas as oitavas de final da Copa da África, confirmei todos os meus palpites. Todas as seleções que disse que passariam, passaram (independente de placares). O Luiz Paulo é testemunha, hein Luiz Paulo? rsrs, pena que não apostamos. E como eu previa, classificaram-se todas as seleções sul-americanas que poderiam passar (no jogo entre Brasil e Chile, uma sairia, é claro).

Jamais na história das copas houve mais seleções sul-americanas que europeias. Agora são 4 contra 3. E uma africana. Sem dúvida, os sul-americanos necessitam mais do consolo do futebol que os europeus. Já os africanos, nem esse consolo podem ter... Falando em africanos, em minha próxima postagem tratarei de mais um desastre no continente africano...

Sobre uns Versos do Pedro Ortaça*

“Eu nunca pedi bexiga pra patrão ou pra milico,
Por isso ninguém me obriga a ser pelego ou pinico,
Não choro por rapariga nem tiro chapéu pra rico...”

Pedro Ortaça – música “Guasca”

o verso não se dobra:
se eu escrever um verso bárbaro absurdamente extenso
ele
não pode
ser publicado
dobrado
assim
só para
se adequar
ao formato
do veículo
de publicação

o verso não se dobra.
e o poeta também não.

*Pedro Ortaça é cantor e compositor tradicionalista gaúcho

28 junho 2010

Lei de Proteção Animal - Abaixo-Assinado

Com a imagem acima, pretendo torturar a sensibilidade dos leitores, mostrando um gato inocente sendo torturado em nome do "progresso da ciência". E para onde tal estupendo "progresso" está nos levando, todos já estão cansados de saber.

Assim, peço que assinem o abaixo-assinado em prol do projeto que pretende estabelecer a Lei de Proteção Animal no Brasil. O projeto é de autoria do deputado federal Ricardo Trípoli. Parabéns ao deputado. Quando um político faz em algo em defesa da natureza, deve ser aplaudido, porque é algo difícil de acontecer, não é mesmo?

Aqui o link para a assinatura: http://www.leideprotecaoanimal.com.br/

27 junho 2010

Legado do Terror - Antologia

O site de literatura fantástica ARCAHDIA publicou a antologia digital "Legado do Terror", onde foram incluídos dois contos meus. O livro está disponível para download no site http://arcahdia.webnode.com.br/

Alemanha x Argentina

Disse aqui no blog, ao final da 1ª rodada da Copa, que os melhores times da competição eram Alemanha e Argentina. E as oitavas de final estão comprovando isso. Independente dos lamentáveis erros de arbitragem, Alemanha e Argentina jogaram bem melhor seus jogos e mereceram vencer.

Na minha opinião, do confronto entre as duas seleções sairá o campeão da Copa da África. E creio que será a Argentina, conforme já havia dito em postagem anterior aqui no blog.

26 junho 2010

Dois Os dos Sonhos

ah os dois os dos sonhos...

locos loucos longos
medonhos

os dois os
esgotados
de sono
sem portos
torvos
tortos

dois os dos sonhos
dos poços
dos fossos
destroços

dois os dos sonhos
demônios
de dourados
olhos
dois os de agosto
do horror
desgosto
os de velório
dolorosos
remorsos

dois os tristonhos
dos voos
dos corvos

dois os dos sonhos:
dois os dos mortos...

24 junho 2010

da Poesia Viva

a poesia viva
não nasce
da letra morta das teorias
do verbo putrefato dos manuais
dos sermões miasmáticos dos acadêmicos

a poesia viva
nasce

das letras axiomáticas das estrelas
gravadas no livro infinito do infinito

das palavras sussurradas pelo vento
nos campos-página escritos pelo sol

do verbo hieroglífico dos pássaros
palestrando para os ouvidos das florestas

dos sermões sentenciosos das tormentas
proferido por entre os órgãos dos trovões

e finalmente
da linguística dos beijos...

a poesia viva nasce
de se ter a coragem
de buscar o azar e a sorte...
da vida nasce a poesia
mesmo que trate da morte
que tenha o lábio tocado
e leve a alma ferida:
só a morte
faz valer a pena
a vida de ser vivida

22 junho 2010

O Tempestuoso e Sombrio Quarteto Op.51 nº1 de Brahms

Em 1865, aos 32 anos, o meu compositor favorito, o grande Johannes Brahms, compôs aquele que para mim é o maior dos quartetos para cordas criados depois de Beethoven. Trata-se do quarteto nº1 do Op.51. Obra mestra de uma intensidade emocional avassaladora e de uma perfeição formal inquestionável, características típicas de Brahms.

Para o leitor que não sabe o que é exatamente um quarteto para cordas, esclareço: é uma composição para 2 violinos, 1 viola (não confundir, por favor, esta viola com a viola usada no samba, que é dedilhada; a viola clássica é algo como um violino maior, executada da mesma forma que o violino, com um som um pouco mais grave que este) e 1 violoncelo. É uma categoria de composição de câmara (obras para pouco instrumentos) muito cultivada. O quarteto para cordas foi estabelecido em seu formato tradicional por Haydn, que também o cultivou muito, assim como Mozart. Mas foi Beethoven quem levou o estilo ao auge, com obras absolutamente sublimes e transcendentais. No século XIX, Brahms, Schubert, Schumann, Tchaikovsky, Dvorák, entre outros, criaram grandes obras no gênero. No século XX, Bartók, Shostakovich, Berg, prosseguiram a tradição do quarteto de cordas. O brasileiro Villa-Lobos também criou importantes obras para quartetos.

Quando ouvi pela primeira vez o Quarteto nº1 de Brahms, aos 18 anos, chorei. Trata-se de uma obra densa e profunda, que principia em um ritmo forte e selvagem. Um clima de gravidade e resignada melancolia perpassa toda obra. O primeiro movimento é de uma força e de um sentimento de tragédia que nos marca profundamente. Não há lugar para sorrisos. Ritmos violentos são interrompidos por tristes e angustiadas melodias. O movimento finaliza de forma arrebatada, onde os instrumentos encerram seu doloroso diálogo em um grito de força e desespero, em um clamor sentencioso e indomável.

O segundo e o terceiro movimentos são mais tranquilos e resignados, porém ainda melancólicos e sombrios. O "Romanze, poco adagio" (2º movimento) desenvolve-se suavemente, entre a ternura e o desalento, mesclando luzes e sombras, trazendo melodias de um intenso romantismo. O terceiro movimento prossegue nesse clima mais apaziguador, porém uma desconsolada tristeza sonhadora impregnada de mistério atravessa-o do começo ao fim. Um céu cinza e antigo caiu sobre nossos olhos, e os breves momentos de luz do movimento anterior são deixados de lado.

O movimento final surge de forma violenta e cortante, e a tempestade ressurge. Um ritmo frenético e desesperado dá  poucos momentos de descanso aos nossos ouvidos. É uma música alucinada, veemente, angustiada, de sofrimento e de luta. O final é de uma dignidade e de uma contundência absolutas, deixando bem claro que jamais se curvará ao infortúnio. Este é Brahms.

21 junho 2010

Não-Soneto nº2

deixar cada verso como se fosse
versar cada fosse com uma foice
e após plantar aquilo que não tenho
colher do nada o nada que não sou

o que queres será feito não sendo
morto do que fracasso vencerás
terás aquilo que talvez não queiras
não conseguindo cumprirei ao erro

sabes como obrigar deixando livre
do horror retiras as sublimes causas
de vão sacrifício se revela o alto

do que não veio surgirá teu sim
a luz que nasce em tudo que se perde:
sabendo nada o que devo conheço

19 junho 2010

Apocalipse, de Augusto dos Anjos

A seguir, os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos. Os versos proféticos de Augusto dos Anjos... Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Grito" de Edward Munch.

Apocalipse

Minha divinatória Arte ultrapassa
Os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas...
E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,

Espião da cataclísmica surpresa,
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

17 junho 2010

Versos de Vinagre e Vice-Versa

seja de onde venho
seja aonde vou
só ouço
pela minha veia vazada
a voz velha vaga e vazia
da humanidade vencida

nada
é o tudo que a civilização vaza
nos vasos dos meus ouvidos
milernamente
mil vezes vividos

sobre o verbo vão do homem
viro o meu vômito vivo
verto meu escarro viscoso
vergo varas veladas

piadas
são todas essas vozes vassalas
servas vesgas vendidas
vaidosas vadias fodidas
a que voto meu cuspe e meu vento

visto meu vasto
e o que vejo enterro nas valas
o que sinto apago nas velas
e com meus vendavais
eu fico sozinho...

só o que me vale?
o Vinho.

16 junho 2010

O Futebol-Arte Agoniza...

Ou será que já morreu? Não, acho que, assim como o nosso planeta, morre, mas ainda está vivo. Lá de vez em quando surge uma jogada esteticamente admirável. Muito de vez em quando. Que o diga a Copa 2010. Jogos sofríveis, onde o objetivo maior não é jogar futebol, mas exatamente o contrário: não deixar jogar. A prova é a medíocre  média de gols marcados por jogo: ao final da 1ª rodada, era de 1,56, uma das mais baixas da história. 

Aguardei o final da 1ª rodada da Copa para dar meu parecer, pois sempre acompanho as Copas do Mundo. Somente um time mostrou bom futebol, um futebol bonito, a Alemanha, por incrível que pareça, que tem fama de apresentar sempre um futebol feio, embora eficiente. De resto, só o Messi, da Argentina. Quem sabe mais para frente...

Agora, não interessa mais aos times apresentar um futebol bonito, que deslumbre os olhos. Interessa ganhar de qualquer jeito,  interessa o resultado, interessa o lucro. E não só no futebol, mas nos demais esportes também. Só se pensa em ganhar dinheiro, em se bater recordes, em se obter fama, em empilhar títulos. Mas arte no esporte? Beleza, encantamento? Muito pouco, quase nada. 

Agora vivemos a época da eficiência. Não importa o que existe de "alma" no que se faça. Importa se é eficiente ou não. Até na arte é assim. A arte está deixando de ser arte. Se nem na arte existe arte, por que ano futebol haveria de existir? A arte e o esporte atuais refletem o homem atual: um homem sem alma. O futebol é decadente como a humanidade é decadente.

Bem, mas seja como for, a Copa está aí. Quem será o campeão? Na Copa de 2006, antes mesmo de seu início, disse a amigos que a Itália seria a campeã. Acertei. Agora acho que o título ficará entre Alemanha ou Argentina. Para escolher um: Argentina. É o meu palpite.

14 junho 2010

Palavras de Miséria

ser humano...
ter as entranhas entupidas de fezes
ter a boca infestada de bactérias
e a podridão sufocada pela aparência

ser humano...
exalar o fedor pegajoso do suor
numa tarde modorrenta de calor
sob o tédio escaldante de um domingo

ser humano...
ter que se esfregar com sabão todos os dias
e se impregnar dos mais potentes perfumes
para mascarar o mau-cheiro do corpo

ser humano...
ter que fazer as monótonas tarefas diárias
desejando que as tarefas acabem logo
para ter que fazê-las novamente amanhã

ser humano...
ignorar de onde veio ou para onde vai
viver sem saber o porquê de sua vida
e sem controlar o que pensa e o que sente

(...)

ah, então sou louco
só porque acho que ser humano
é ser miseravelmente
pouco?

13 junho 2010

Fernando Pessoa, Aquele que Disse Tudo

Em 13 de junho de 1888, em Lisboa, Portugal, nascia Fernando Antônio Nogueira Pessoa. Morreria em 1935, de cirrose hepática. Hoje, completaria 122 anos. Fernando Pessoa foi aquele que disse quase tudo o que eu gostaria de ter dito. O que me resta dizer agora a não ser que acabou?

E o que diria hoje Fernando Pessoa, ele, que em vida não teve reconhecimento, a não ser por uma meia dúzia de amigos admiradores incondicionais, que mal podia se sustentar financeiramente, que viveu na solidão e na incompreensão, o que diria ele hoje ao ver que é cultuado no mundo inteiro como um dos maiores poetas do século XX, que é considerado, ao lado de Camões, como o maior nome da literatura de de língua portuguesa?  O que diria Fernando Pessoa? Talvez dissesse: "viu, eu tinha razão."

Como uma pequena homenagem ao seu aniversário, deixo um dos seu poemas, onde, como sempre, ele disse coisas que eu gostaria de ter dito. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "Corvos Sobre o Campo de Trigo", de Van Gogh.

Chove? Nenhuma chuva cai...

Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o  ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

11 junho 2010

a Poesia é uma Praga

não é o poeta
que decide ser poeta:
a poesia é quem escolhe
quem irá poetizá-la
e uma vez escolhido
impossível deixá-la

não há livro nem estudo nem técnica
não há mestre nem regra nem meta
não há jeito nem choro nem vela:
não se pode formar um poeta

poeta
não é quem procura pela inspiração
poeta é aquele que a inspiração
não o deixa nunca em paz
é aquele que um demônio
sussurra sempre nos ouvidos:
vai, escreve esse poema, faz!

poeta não escreve porque sofre
não escreve porque está triste
escreve porque não tem saída
escreve porque é o que lhe manda
tudo o que vive e tudo o que existe

não é o poeta
que escolhe sua vida
a vida é que vem ao poeta
de acordo
com o que quer que ele escreva
poeta é o que escreve qualquer coisa
do que quer que seja

poeta não segue conselhos:
mas só se vale do que pensa
e só do que sente se alaga
poesia não é dom
é praga

poeta é o que faz do seu jeito
e esse seu jeito
é que é a melhor maneira:
um bom poema
sai de um bom beijo
ou de uma sublime
bebedeira

10 junho 2010

Goethe e a Desilusão com os Estudos

Johann Wolfgang Von Goethe, o maior gênio da literatura alemã, e um dos maiores da literatura universal, expressou em sua obra-prima máxima, "Fausto", um dos pontos mais altos da arte,  praticamente todas as questões essenciais que assombram a humanidade, cogitou sobre tudo,  e expôs como raros o drama da eterna busca do homem pelo conhecimento. Mas o que seria o real conhecimento? Seria acumular leituras sobre leituras, investigar todas as coisas pelo alcance das ciências ou iriam ainda muito além? O texto abaixo, extraído do quadro II, Cena I do 1º Fausto, questiona tragicamente o terrível dilema. Na imagem que acompanha o poema, o quadro "O Destino", de Hieronymus Bosch.

Fausto I - Quadro II - Cena I (Trecho)

Ao cabo de escrutar com o mais ansioso estudo
filosofia, e foro, e medicina, e tudo
até a teologia... encontro-me qual dantes;
em nada me risquei do rol dos ignorantes.
Mestre em artes me chamo; inculco-me Doutor;
e em dez anos vai já que, intrépido impostor,
aí trago em roda viva um bando de crendeiros,
meus alunos... de nada, e ignaros verdadeiros.
O que só liquidei depois de tanta lida,
foi que a humana inciência é lei nunca infringida.
Que frenesi! Sei mais, sei mais, isso é verdade,
do que toda essa récua inchada de vaidade:
lentes e bacharéis, padres e escrevedores.
Já me não fazem mossa escrúpulos, terrores
de diabos e inferno, atribulados sonhos
e martírio sem fim dos ânimos bisonhos.

Mas, com te suplantar, fatal credulidade,
que bens reais lucrei? Gozo eu felicidade?
Ah! nem a de iludir-me e crer-me sábio. Sei
que finjo espalhar luz, e nunca a espalharei
que dos maus faça bons, ou torne os bons melhores;
antes faço os bons maus, e os maus inda piores.
Lucro, sequer, eu próprio? Ambiciono opulência,
e vivo pobre, quase à beira da indigência.
Cobiço distinguir-me, enobrecer-me, e vou-me
com a vil plebe confuso, à espera em vão de um nome.
E chama-se isto vida! Os próprios cães da rua
não quereriam dar em troco desta a sua.

08 junho 2010

O Genial e Maníaco-Depressivo Schumann Teve Uma Vida Trágica

Robert Schumann, nascido em 08 de junho de 1810, em Zwickau, na Alemanha, é um dos compositores mais importantes para o desenvolvimento do Romantismo musical. Comemoramos este ano o seu bicentenário de nascimento. Sendo um dos herdeiros diretos da revolução beethoveniana, serviu de influência para compositores que o superaram, principalmente Brahms, o qual era amigo pessoal do compositor. O jovem Brahms recebeu um forte estímulo de Robert e Clara Schumann (sua esposa), sendo saudado por ambos como “o gênio prometido do Romantismo”, no que eu concordo.

Apesar de Brahms ser amigo pessoal de Schumann, não pôde evitar de se apaixonar por sua talentosa esposa, exímia pianista e também compositora, 14 anos mais velha que Brahms. Amigos amigos, amores à parte... Tanto Schumann quanto Brahms eram apaixonados por Clara. Mas Brahms sempre respeitou seu amigo e manteve em segredo seu sentimento, pelo menos até a morte de Schumann, em 1856, com apenas 46 anos. Depois de sua morte... bem, aí entramos no terreno das conjecturas, não se sabe bem ao certo o que realmente ocorreu com Brahms e Clara, o certo é que não casaram nem namoraram. Fora isso... não sei. Teriam, como se diria hoje em dia, “ficado”?

Mas falemos de Schumann... Para não fugir à regra dos românticos, Schumann teve uma vida trágica. Na juventude, apaixonou-se perdidamente por Clara Wieck, mas teve que penar vários anos para obter a permissão do rigoroso pai da moça para o casamento. Ele não queria que Clara casasse com um artista depressivo. No que estava coberto de razão. Casar com artista já é ruim, imagina com um com tendências maníaco-depressivas...

Após o casamento, inspirado, Schumann passou a compor muito. Mas suas obras não tinham muito reconhecimento. O compositor alemão era um revolucionário, opondo-se ao ensino academicista da época. E isso nunca é bem-vindo. Clara era mais reconhecida como pianista do que ele como compositor. O fato constituiu para Schumann uma nova fonte de torturas. E ele não podia mais ser pianista. Em sua juventude, devido a severos e absurdos estudos ao piano, perdeu parcialmente o movimento de uma das mãos, encerrando prematuramente sua carreira como pianista. Talvez isso tenha sido excelente para a humanidade, pois assim pôde se dedicar exclusivamente à composição. Vale lembrar que Schumann, na juventude, viveu um sério dilema: ser poeta ou compositor? Sentia-se vocacionado para ambos. Amava tanto a música como a literatura. Assim como eu. A sorte dele é que pôde escolher. Eu não. Tive que ser poeta, e olhe lá.

E é devido a esse talento literário que Schumann conseguiu criar uma das mais perfeitas e equilibradas coleções de lieder da música clássica (pois o lied nada mais é que a união de música e literatura), onde o texto poético é expresso pela música com absoluta maestria. Porém, os lieder não são a parte da obra de Schumann que mais admiro, mas sim sua música de câmara. Seus quartetos, trios e sonatas são para mim o que há de melhor em Schumann. Se nas sinfonias, na ópera a até mesmo nos concertos (excetuando o para violoncelo, que é sublime) o compositor deixa um pouco a desejar, na música de câmara é um mestre, ao qual muito deve Brahms e outros românticos. O caráter trágico, melancólico, apaixonado de suas composições no gênero deixou páginas memoráveis, como o quarteto para cordas nº 3, op. 41, o trio op.110, o quarteto para piano op. 47, cuja melodia tema do 3º movimento é de um romantismo tão intenso que parece que sentimos o perfume das rosas em uma melancólica noite enluarada.

Mas como disse, Schumann teve uma vida trágica. Era maníaco-depressivo, e sentiu que enlouquecia. Passava as noites em claro tendo terríveis visões e ouvindo sons absurdos. Dizia que anjos e demônios lhe ditavam melodias. Quando percebeu que estava dessa forma fazendo sofrer sua numerosa família, e após uma tentativa de suicídio, ele mesmo decidiu se internar em um sanatório. E lá, o gênio musical de Schumann faleceu em sua loucura.

07 junho 2010

Quando...

sorrisos lagos dançavam
por anéis nuvens macias
e de mil astros felinos
surgiam naves vermelhas
dirigidas por crianças
e nos céus águas brilhantes
arco-íris iam voando
lépidos por entre matas
aos sons de flautas riachos
e duas fadas me olhavam
santas de noites sonatas
em cisne avião sem destino
deixavam adeuses nos cantos
sorrindo em divino grou

quando a minha esperança
tão bela tão clara tão verde
a minha esperança...
me deixou.

05 junho 2010

Eles que Sabem...

céu de granito cinzento
e cai garoa e granizo:
eles gargalham de nós
sua gramática-ocaso

grassa por tudo a desgraça
e eles gracejam galantes
grafam gadanhas nas garras
e nos galhofam graciosos

grito em galope-deboche
em sacra graça de gárgula
eles se tragam de negro
galas de voz e prenúncio

sábios de graves gargantas
eles que gravam nos olhos
eles que grasnam nos galhos
eles gargalham de nós...

eles
os Corvos.

03 junho 2010

Este é o Poema Mais Triste

mentira.
se eu pudesse escrever
o poema mais triste
eu o faria...
mas não tenho o suficiente talento:
não consigo encontrar a palavra mais negra
pra golfejar vomitando na mesa
a divina catástrofe
que me desastra por dentro.

e nem esperança
posso ter de criá-lo:
a palavra esperança
Deus
degolou do meu dicionário.

e ao meu poema
jamais te arrancarias lágrima
jamais te sentirias trágica
jamais a melodia mágica
nem que na testa
eu me desse um balaço
como prova solene e sonora
do meu sublime fracasso.

quero agora ser executado
sem pedir o último desejo: mudo
soldados! apontem os fuzis!
eu sou culpado
de tudo!
prometi o poema mais triste
e não o fiz.

02 junho 2010

O Fim

dirás talvez
leitor
que sou mau poeta
grave demais
exagerado demais
exacerbado demais
de mais demais...

que talvez eu não devesse
ser tão melodramático
mas partir
para o deboche e a brincadeira
causar risada
trazer besteira...

ou talvez dirás
que sou um doente
um delirante habitante
da absurda e distante
macondo...

a minha resposta
é bem simples:
olha lá o sol

se pondo...

01 junho 2010

"Tod den Juden!" (Morte aos Judeus!)

Não, é claro que não sou nazista. Muito menos compactuaria com as atrocidades cometidas pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. E muito menos ainda os judeus deveriam compactuar com tais atrocidades, visto que foram as maiores vítimas. Mas é exatamente o que estão fazendo. Para eles, é 'Morte aos Árabes!"

Sim, o povo de Israel, os judeus, depois de todos os horrores que passaram, deveriam dar exemplos de paz e de tolerância ao mundo. No entanto, o que fazem é exatamente o contrário. Praticam aquilo que condenam. Agem como os nazistas. Não bastasse todas as hostilidades, e torturas, e mortes que já causaram ao povo árabe, agora chegaram ao absurdo de atacar um navio pacífico que levava ajuda humanitária a árabes oprimidos por Israel, causando várias mortes, de, até aqui, inocentes. Alegando que eram terroristas. Sem nenhuma prova. Que direito têm eles de o fazerem? Então quer dizer que se passar alguém de bicicleta na frente de minha casa, e eu o matar, poderei defender-me alegando que ele era um possível terrorista?

Com os atos israelenses, os judeus só conseguem uma coisa. Despertar o ódio contra seu povo, como despertaram ao longo de séculos na Europa, através da exploração econômica que alguns judeus donos do dinheiro promoveram. Alguns judeus, não a maioria, que fique bem claro. Agora, quem deve estar bradando "morte aos judeus" não são os alemães, mas os árabes. Isso ainda vai desembocar em outra guerra... Não digo especificamente pelo ato de ontem, mas pela soma de tudo que vem ocorrendo na região. Sim, eu sou um pessimista. 

Violar os direitos humanos não é uma atitude típica dos nazistas? É, mas não só deles, como estamos vendo. Como diria o filósofo Samael Aun Weor, "Os homens não aprendem as lições da vida nem a canhonaços." Os judeus não aprenderam. Aliás, quem é que aprende as lições da vida? Você tem certeza que aprendeu as suas? O que foi que a humanidade aprendeu, afinal?

31 maio 2010

um Trago do que Sinto

talvez deixasse aqui
o que sinto no momento...
mas é claro que não conseguiria:
sempre seria mais rápido
ou mais lento
e tudo o que escrevesse
não seria o que seria dito
não estaria meu ser
se estivesse meu eu
e vice-versa...
não sou
o que escreveu...

e por que beber do que sinto
se em tudo que trago minto?
é sempre pior do que falo
é sempre mais do que digo
não poderei nem assim
estar a sós comigo...

então deixo o que há mais
e que entendam os loucos
os fracassados os insensatos
e os transcendentais

escrevo o que não consegui
que é para a poesia ser
sem o meu eu
e deixar-me com o meu nada
e o meu ninguém:
deixo que a arte
se eternize
bem mais além...

29 maio 2010

Glória a Dante nas Alturas e Paz na Terra aos Homens que Leem Sua Obra

Provavelmente, no dia 29 de maio de 1265 nascia aquele que para mim, e para muitos, é considerado o Rei dos Poetas, o genial e transcendente italiano Dante Alighieri, "Il summo Poeta". Os homens de hoje deveriam conhecer mais a sua Divina Comédia, e, principalmente, entendê-la mais...

Gostaria de chamar a atenção para algo nessa sublime obra: Dante finaliza tanto o Inferno, quanto o Purgatório, quanto o Paraíso com a palavra "estrelas". Observem os últimos versos de cada um deles, em italiano e traduzidos para o português. 

ao sair do INFERNO: "E quindi uscimmo a riveder le estelle." - "Saímos por ali, a rever estrelas."

ao sair do PURGATÓRIO: "puro e disposto a salire a le stelle." - "puro e disposto a subir às estrelas."

ao sair do PARAÍSO: "l'amor che move il sole e l'altre stelle." - "o amor que move o sol e as mais estrelas."

Em meu livro, Poemas do Fim e do Princípio, publiquei um poema intitulado "a Dante Alighieri". Publico ele aqui:

a Dante Alighieri

o que teus Olhos veem
dentro
de mim?
ó visionário do não-visto
o que teus Olhos veem
no além
de mim?

em trombetas a gritos de nove
sete demônios olham de mim
do sangue que cai da minha noite
lago de morto em tudo que fui
flecha em veneno varou-me do sol
olho de fogo abriu-se de mim
o gelo do fim beijou-me na essência
em meus sonhos de Cérbero os dentes
que veem teus olhos em mim o Inferno?

mas como chegar ao Paraíso
sem morrer no Purgatório?

o que teus Olhos veem
Dante
de mim?

(Na imagem, o quadro "A Barca de Dante", de Delacroix)

Antologia Extraneus

Terei a honra de ser o prefaciador do volume 3 da Antologia de Literatura Fantástica Extraneus, a qual contará com escritores convidados de todo o Brasil e está sendo organizada pelo escritor mineiro M.D.Amado. A Extraneus será publicada em parceria com a editora Cidadela e com o Estronho e Esquésito, um dos maiores sites  brasileiros especializados em literatura fantástica.

O volume 3 da antologia trará o título "Em Nome de Deus" e publicará contos que retratam atrocidades, injustiças e devaneios dos homens em nome de Deus ou de religiões e doutrinas. Além dos autores já convidados, qualquer escritor do gênero poderá enviar seu conto como candidato para participar da antologia. Os trabalhos escolhidos serão publicados no dia 15/11/2010. A publicação dos contos não acarretará ônus para os autores participantes. Para maiores informações: http://www.estronho.com.br/extraneus/index.php/volume-3-em-nome-de-deus

28 maio 2010

Faça-me Um Favor...

amigo...
faça-me um favor:
pegue esta rede de pesca
e jogue nas águas deste rio:
é o rio mais turbulento
que conhecerá em toda tua vida...

neste rio não há trechos calmos:
até os fundos poços
se debatem em tempestades
este rio de águas negras
é todo fúria de correntezas
e suas íngremes margens devastadas
impedem qualquer aproximação...

as cachoeiras e quedas deste rio
são violentas como o inferno
e penhascos cortantes como a morte
alastram-se fatais
pelo furacão de suas corredeiras...

mesmo assim jogará a rede?
se jogar
não encontrará neste rio
nem peixes nem répteis nem plantas
não encontrará nada que tenha vida...

mas deixe a rede ali
e tente pescar para mim
a minha esperança...

26 maio 2010

Então És Livre?

ainda que tenhas que trabalhar
durante as melhores
as mais claras
as mais belas
horas do dia
és livre
completamente livre...

e que trabalhes
5 meses por ano
apenas para pagar impostos
és livre
enormemente livre...

e que pagando teus impostos
ainda tenhas que pagar
planos de saúde
escolas para os filhos
seguranças para a noite
pedágios nas estradas
e faculdades particulares...
és livre
divinamente livre...

e se um dia
houver um pane em toda internet
um colapso na energia elétrica
o esgotamento da água potável
verás como és livre
sublimemente livre...

és livre
para pensar como todos pensam
para sentir o que todos sentem
para ouvir o que todos ouvem
para andar como todos andam
para viver como todos vivem:
na moda.

e por hora
és livre para consumir
e deves consumir sem parar
senão
o que é que os outros
vão pensar?

25 maio 2010

A Profecia de Frankenstein

Uma das comunidades do orkut que mais aprecio é a "Eu Acredito em Bach", cujos participantes ativos demonstram inteligência, cultura, sensibilidade e educação, mesmo que nossas opiniões divirjam. Fui questionado na comunidade sobre qual a minha opinião sobre a "criação" de uma célula em laboratório. Julguei ser interessante publicá-la aqui no blog, com algumas mínimas adaptações, que não alteram em nada, é claro, a ideia originalmente expressa. Quem quiser acompanhar todo o debate, aqui está o link do orkut, que deve ser colado na janela do orkut já aberta: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=5141653&tid=5357285460693813293&na=2&nst=190

"Bem, para mim, a questão é bastante simples: os cientistas não criaram vida em laboratório, COPIARAM vida em laboratório. O procedimento deles foi totalmente baseado na vida já existente. Eles mesmos o admitem. E eu DUVIDO que um dia eles criem vida realmente, ou seja, um ser vivo SEM UTILIZAR-SE DE ABSOLUTAMENTE NADA DA VIDA JÁ EXISTENTE na natureza. Isso sim é criar vida. Fora disso é cópia. Não podemos comparar uma criação de vida com uma criação artística. Na arte, baseando-se no que já existe, o artista cria novas coisas, que podem até mesmo serem melhores do que o que já existe. Mas o que essa "criação" de vida tem de novo? Nada. Muito menos de melhor. É algo copiado do que já fora feito."

"Apesar de eu e o Cesario termos divergências em algumas opiniões artísticas, eu concordo com ele neste ponto: "a equação não fecha sem Deus". Sim, eu acredito em Deus, e não tenho vergonha de dizê-lo, apesar de ser algo fora da moda nos meios "culturais". Creio não em personificações de Deus, mas em um Deus que manteria o equilíbrio do universo, em um Deus não perfeitamente conceituável, teorizável, mas muito mais intuitivo. Dessa forma, chegaríamos a Deus muito mais pela arte do que pela ciência. Aqui entra uma série de questões que não vale a pena discutir.
A pergunta do Cesario é perfeita: "Como criar um ser do nada?"

"Os racionalistas condenam os místicos por acreditarem em coisas sem comprovações, como a existência de Deus. Mas os racionalistas também não acreditam em coisas sem comprovações? Uma delas é de que a vida surgiu do acaso. Onde está a comprovação? Só o que existem são teorias... E como diria Goethe, "Toda teoria é cinza, e só a verde a árvore de dourados ramos que é a vida."

"Quando afirmo que Deus é para mim algo como um "mantenedor" do equilíbrio do universo, exemplifico com o seguinte: toda a natureza, toda a vida que se criou e evoluiu na Terra o fez em absoluto estado de equilíbrio, tudo encaixado perfeitamente. Penso que criar vida não é só o ato de dar vida a uma célula (com procedimento copiado), mas criar todo um mecanismo onde essa vida se mantenha, equilibre-se e se desenvolva perfeitamente. O homem não possui a mínima condição de realizar tal ato, muito pelo contrário, só o que traz é desequilíbrio.
Se a vida veio do acaso, quer dizer então que o acaso tem mais consciência que a "grandiosa" inteligência humana?"

Mais uma vez, a literatura:
"Então os meus versos têm sentido e o universo não há-de ter sentido?/ Em que geometria é que a parte excede o todo?/ Em que biologia é que o volume dos órgãos/ Tem mais vida que o corpo?"
Fernando Pessoa"

"Disseste bem, Luís: "franksteinzinho". No livro da Mary Shelley, no que resulta o Frankenstein? Só em erros e tragédias.
Essa é a principal diferença da vida criada por um Deus ou pelo "acaso", como queiram, da vida criada pelo homem. A primeira se mantém por si própria, em perfeito equilíbrio, resultando em criaturas cada vez mais magníficas. As que o homem cria se mantêm por si próprias? E têm resultado em quê?"

Ainda que o homem consiga criar vida SEM COPIAR A NATUREZA ( e mesmo copiando a natureza) essa vida será como? Imaginem, amigos, imaginem como ela seria? Chego a gelar só em pensar? Um "novo gato" criado pelo homem... Todos nós sabemos, ainda que intutivamente, que esse "gato" não será normal, que haverá algo de horroroso nele (ainda que não fisicamente), de temível, de não-amável. O que faltará nele? Faltará a vida verdadeira. O que é essa vida verdadeira? O que a define? Há que se refletir sobre isso...
A arte tem muito a nos ensinar... Todas as teorias podem ser razoáveis, mas daí a serem verdadeiras..."

"E já, Luís, que você prefere excluir a arte dessa discussão para se basear somente em fatos científicos, tudo bem, mas então vamos fazer assim:
quando FOR FATO que o homem criou vida, sem copiar a natureza, e criando uma vida que se mantenha por si própria, e se desenvolva em EQUILÍBRIO, então eu virei aqui e direi: eu estava errado, o homem pode criar vida. Isso se eu estiver vivo até lá. Ou se existir civilização, porque do jeito que "caminha a humanidade..."

Nestlé e Aldo Rebelo Cedem a Pressões

Este blog orgulha-se de ter contribuído em duas campanhas encabeçadas pelo Greenpeace em defesa do meio-ambiente que já deram resultados.

A primeira delas é com relação ao novo e nefasto Código Florestal Brasileiro. O deputado Aldo Rebelo, responsável por ele, sofrendo toda a pressão daqueles que assinaram o abaixo-assinado e que escreveram ao seu gabinete (ainda mais em ano de eleição), desistiu de pôr o projeto na pauta de votação, decidindo (só agora) que é melhor debater mais com a sociedade...

E a Nestlé, após dois meses de campanha e intensa pressão,  decidiu alterar sua política de compras e parar de financiar o desmatamento das florestas tropicais da Indonésia.
A empresa se comprometeu a identificar e excluir de sua lista de fornecedores companhias que possuam ou gerenciem plantações ou fazendas de alto risco ligadas ao desmatamento. Nesse grupo entraria, por exemplo, a Sinar Mas, a maior produtora de óleo de dendê e de papel e celulose da Indonésia, caso não siga a nova política da Nestlé, e intermediadoras como a Cargill, que compram da Sinar Mas.

Agradeço aos leitores que ajudaram a pressionar tanto o deputado quanto a Nestlé. Obrigado. E o planeta agradece mais ainda.

24 maio 2010

A Tua Vida...

viste para onde
caminha a humanidade?
mesmo não vendo
vai!
caminha com ela:
a humanidade
com toda sua ciência e sabedoria
deu-te agora tudo o que precisas
para viver tua vida...

pega então o verbo dos seus celulares
o caminhar dos seus veículos
o além-espaço das suas tevês
o universal dos seus computadores
a beleza das suas plásticas
o pairar dos seus aviões
o divino das suas engenharias
o paraíso dos seus novos alimentos
o éden das suas novas possibilidades sexuais
o sonhar das suas realidades virtuais
o infinito da sua internet
o eternizar dos seus medicamentos
enfim
pega tudo isso
enfia na tua alma
e preenche o teu vazio...

não tens do que reclamar
não podes dar sequer um gemido!
a humanidade deu-te tudo
o que precisas
para viver...

só faltou...
um sentido.