29 setembro 2016

Forca

I - que a força está nos detalhes
é fato conhecido
mas não tanto quanto
o de como a forca está nos detalhes

II
– aquilo que é dito o mal
não seria o mal
se fosse percebido como sendo
por entre o que é percebido
entre o que se diz principal

III – aquilo que é dito o bem
não seria o bem
se fosse percebido bem




26 setembro 2016

de mais triste

I – de tudo que veio
através do homem
somente a Arte
evitou que tudo fosse pior:
nada há de mais belo
do que a Criação

II – entre a morte
de um ser humano
e a de um animal
em vias de ser extinto
dói-me mais a última:
nada há de mais triste
do que a extinção

III – campo, mato e morro
eu canto, mato e morro

24 setembro 2016

Deploração

cavar todos os dias
com pás
sem paz sem descanso
a cada instante
como se fosse adiante

cavar com o pé
o que não é
sendo diamante
a toda hora
como se fosse embora
cavar o pó
até o tesouro
de se estar só

cavar crise e cova
até cratera
até o outro lado
e à outra era
pisar na merda
que se faz ouro
rubis esmeraldas
e outras coisas
que além de almas
não valem nadas

e dar de comer aos porcos
que trocam 
tudo que é alto
por feijão no prato
e ter que partir
sem ter o nome na lista

e enfim um vulto
que no longe some
a morrer de fome:
eis a missa do artista

22 setembro 2016

Ver-me

as pessoas se importam
com que elas importem
como se houvesse importância
em ser-se importante
e como se alguém que o é
em verdade o fosse

ser importante
implica em quem dá 
a importância

vermes, por exemplo
dão importância a vermes
não a águias
aliás as águias
os vermes nem as veem


20 setembro 2016

O Idiota

"Não há, com efeito, nada mais aborrecido do que ser, por exemplo, rico, de boa família, ter boa aparência, ser bastante esperto e até mesmo sagaz e, todavia, não ter talento, nenhuma faculdade especial, nenhuma personalidade mesmo, nenhuma ideia pessoal, não sendo, propriamente, mais do que "como todo mundo". (...) Ter inteligência, mas nenhuma ideia própria; ter bom coração, mas sem nenhuma grandeza de alma; ter uma boa educação, mas sem saber o que fazer com ela etc. etc... Há uma extraordinária multidão de gente assim no mundo, muito mais até do que a muitos possa parecer. (...) Nada é mais fácil, para essa gente "comum", de inteligência restrita, de se imaginar original e até mesmo exceção, e folgar com essa ilusão, nunca chegando a perceber o equívoco".

Dostoiévski, em O Idiota

18 setembro 2016

Semana Farroupilha, Bairrismo e Atraso

A seguir, republico dois textos, apropriados, creio, ao momento. O primeiro foi escrito e publicado aqui no blog em 12 de setembro de 2013. O segundo, em 23 de fevereiro deste ano.  Apesar de as postagens estarem distantes no tempo, trazem uma relação de complementaridade.

Texto 1 (postagem original, aqui)

 - A Semana Farroupilha transformou-se em um desfile de agroboyzinhos nas camionetinhas do papai, enquanto gaúchos de verdade, os peões que trabalham duro nas estâncias e cultivam as verdadeiras tradições gaúchas (não para fazer bonito ou para aparecer, mas porque isso é o natural deles) não podem comprar um par de botas. Muito menos desfilar com um cavalo. É como retrata Cyro Martins na sua “Trilogia do Gaúcho a Pé.”

- Grande parte dos campos dos grandes estancieiros gaúchos é campo que foi roubado na época em que as fronteiras das terras não eram cercadas. É como diz o personagem Juvenal em “O Tempo e O Vento” do Érico Veríssimo, referindo-se ao estancieiro Amaral: “Todo mundo sabe que metade dos campos desse velho é tudo campo roubado!”

- Os agroboyzinhos gostam também de andar por aí enchendo a pança de cerveja e gritando o “Grito do Sapucai”, que é herança de nossos índios guerreiros. Mas os índios ou foram massacrados, ou estão em estado miserável em suas terras devastadas. De vez em quando, o governo tem a “bondade” de dar a eles um cantinho das terras de que eram donos. E os “gaúchos” pouco se importam. Melhor, mais “coisa de macho”, é se exibir em rodeiozinhos para algumas prendinhas chininhas.

- E já aconteceu de alguns “farroupilhas” bem pilchados “apreciarem” matar cavalos esgotados desfilando com bandeiras sob o sol do litoral pra mostrarem que são homens.

- E os nossos “pampeiros”, que dizem amar o pampa, amar a terra, são os mesmos que estão terminando com ela cobrindo tudo de soja, pinus e o diabo. E amando profundamente (as moedas da) sua terra, acabam com os rios, desviam água para plantações de arroz, infestam campos com pesticidas, massacram nossa fauna, causam erosões, assoreamentos, desertificação. E depois vão dançar o bugio em algum campo no qual exterminaram os bugios.

Texto 2 (postagem original, aqui)

Desde janeiro deste ano, estou morando em Santa Maria. Percebo como os santa-marienses são menos bairristas que os santiaguenses. Não que não tivesse percebido o bairrismo santiaguense antes. É algo que salta aos olhos. Mas agora resolvi escrever um breve comentário a respeito. 

A verdade é que Santiago é uma das cidades mais bairristas do RS. Os gaúchos em geral são bairristas. Para a grande maioria dos santiaguenses, tudo que é de Santiago, ou está em Santiago, ou é feito em Santiago, ou vem de Santiago, enfim, é o melhor que há. É claro que algumas vezes pode ser assim mesmo. Mas também é claro que muitas vezes não é. Mesmo assim, o bairrismo santiaguense não deixa ver, ou, se deixa, não quer admitir.

Considero o bairrismo uma qualidade mais negativa do que positiva. Não sou bairrista. Já fui bairrista pelo RS em dias passados. Deixei de ser. Não penso, como muitas pessoas, que bairrismo é necessariamente uma demonstração de amor pela terra. É, antes, uma ausência de senso crítico, uma cegueira, uma espécie de fanatismo, enfim, uma burrice.

O bairrista acaba por não ver ou não querer ver os defeitos da sua cidade, estado, região, enfim. Consiste num tipo de patriotismo utópico e estúpido localizado. Quem não vê os defeitos, ou se faz que não vê, não pode ou não quer corrigi-los. Se não os corrige, não avança, não sai do atraso, não percebe em que ponto as coisas podem ser melhoradas, não identifica onde estão os erros. E, se tudo é bom, se tudo está bem, para quê mudar? Uma pessoa que "se acha" tanto, que não percebe seus próprios defeitos, acaba, um dia, caindo, sendo vítima desses mesmos defeitos. 

O RS, os gaúchos, sofrem de um bairrismo crônico há décadas. E há décadas o RS vive uma inegável decadência sócio-econômico. Estou certo de que as duas coisas estão relacionadas. Falta autocrítica aos gaúchos, como falta aos santiaguenses. E, quando alguém, no meio de bairristas, realiza essa crítica, a percepção do que está errado, é mal visto, é criticado por querer mudanças, é, até mesmo, odiado.  Bairrismo é atraso.



15 setembro 2016

Virá a Guerra

quem tem o poder
nunca o quer perder
pode perder tudo o que pode
pode foder com todos que sofrem
mais jamais poderá não poder

quem tem o poder
perde honra perde sonho perde vida
perde o vasto perde o astro perde a alma
só não pode perder
o poder de comprar as almas

quem tem o poder
sabe que não tem nada
por isso a tudo quer
por isso a tudo mata:
quem tem o poder
só pode um único fim:
destruir a toda Terra
por isso é que antes de Marte
virá a Guerra




13 setembro 2016

Não Voto em Filho da Puta

O poema que segue não serve para todos os candidatos. Há, é claro, os candidatos decentes e íntegros. Mas para os que servem, e não são poucos, deixo aquele meu velho poema, agora reelaborado:
prezado
senhor candidato:
com todo respeito
vou pegar o meu voto
e enfiar no teu rabo
rico reto
de rato

não me venhas
com apertadinhas de mão
 tapinhas nos ombros
para futuras
mãozinhas nos bolsos...

no ranço do teu sorrisinho
de boca amarela e fingida
deixo o voto do meu catarro
mijo ressaca e sarros
e tuas alegrezinhas
felizinhas
musiquinhas
retardadas
enfia
nos teus orifícios propícios
queimados
de cagar churrascos

queres
passeatas
carreatas
mamatas?

conchavos
conluios
canalhas?

tratados
tramoias
trapaças?

com o teu santinho
apago meu cigarro vadio
ah, e senhor candidato
nobremente
vá à puta que pariu!

11 setembro 2016

O que é Literatura?*

Literatura
é saber a arte forte
e o homem fraco
e ser desde beijo
dado em ambos
os lábios
ou o bater em político
com a ponta
de aço
de um taco
ou de um troco

pode ser tiro
soco
traço
de bala
buraco
ou um brinde
e um acinte
de pé
junto a Baco

um dia abraço
um dia laço
um frasco
longínquo
no espaço
talvez tristeza
desprezo
cansaço
sem nenhuma
(anos) luz acesa
pela vida em cacos

pode ser sublime
ou crime
volvido em névoa
tabaco
ou ser tragédia
ou tédio
trago
lago
em honra ao vago

pode ser um bolso
vazio
as ruínas
de um casaco
ou droga
coca
sexo
mesmo
só tendo a noite
mesma
nem tendo nexo

pode ser chute
na bunda
de algum ricaço
palhaço
velhaco
pode ser sangue
sopro
vento
(a)tormentado

pode ser música
cósmico
ou túmulo
ou tóxico
pode ser alto
ou ainda mais baixo
desde sorriso
até risada
de algum macaco

em Fim
Literatura
pode ser tudo
só não pode
puxar o saco

*Poema reelaborado e republicado


09 setembro 2016

Nós, os Deslivres

I - eu, um deslivre descadente
impergunto:
liberdade é tudo viver
sem nada ter que sentir
ou é a tudo sentir
sem ter que a tudo viver?

II
– o processo da civilização
é um processo de deslibertamento:
são os seres cada vez menos livres
no mundo natural desnaturalizado
e o os homens cada vez mais deslivres
no mundo onde devem
poder cada vez menos
e fazer cada vez mais
para terem a sensação virtual
de que seriam livres
se não fossem obrigados
a tantas coisas
com sua liberdade


                

07 setembro 2016

"O Processo" de Kafka e a Justiça Brasileira

O genial Franz Kafka, o Rei do Absurdo, nunca esteve no Brasil, mas o conhecia melhor do que muitos brasileiros. Os absurdos intencionais de sua obra parecem ocorrer de forma natural em terras tupiniquins. Ainda mais quando o quesito é "Justiça". Comparem o trecho a seguir, retirado do seu romance "O Processo, com aquilo que se convencionou chamar de "Justiça Brasileira".

"Não há dúvida de que por trás de todas as ações deste tribunal, e, no caso da minha prisão e da diligência atual, esconde-se uma grande organização. Uma organização que não só lida com ter guardas subornáveis e tolos inspetores e juízes de instrução, que, no melhor dos casos, são discretos, mas também detém  juízes de altos cargos com um incontável e indispensável séquito de servidores, escrivães, policiais e outros ajudantes, talvez até carrascos, a palavra não me intimida. E qual é o significado desta organização, meus senhores? Consiste em prender pessoas inocentes, iniciando contra elas processos tolos e inúteis, como no meu caso. Como poderia toda essa insânia evitar a pior das corrupções burocráticas? "


Franz Kafka

05 setembro 2016

Brasil, o País do Óbvio e do Absurdo

Era óbvio que Dilma seria afastada em definitivo da presidência: basta verificar quem forma o absurdo Senado (e o absurdo Congresso) do Brasil. É absurdo que a totalidade da imprensa internacional esteja vendo o que só a brasileira não vê: que o golpe é óbvio. Tão óbvio, que houve uma confissão de que o impeachment foi golpe. Chegou a ser absurdo. Ainda houve os que acreditaram (ou se fizeram acreditar) que Temer cometeria o absurdo (logo ele e o PMDB, que tanto anelaram o poder) de convocar novas eleições. Óbvio que não! A grande mídia, obviamente, acenou com essa possibilidade de novas eleições, depois mostrou rapidamente a confissão do golpe e, enfim, se fez de esquecida, é óbvio, afinal, ela sairá lucrando absurdos com o governo Temer. Governo este que sempre teve um objetivo óbvio: tirar ainda mais do povo para dar às elites. Por elites se compreende, obviamente, os grandes empresários e os latifundiários (e CIA ilimitada), responsáveis, em grande parte, por manter a absurda desigualdade social que impera no Brasil há séculos. De forma que todas as medidas absurdas tomadas pelo governo Temer são compreensíveis: é o óbvio programa do PMDB, já demonstrado de forma tão óbvia e descarada, pelo governo Sartori no RS, o mais absurdo dos governos gaúchos. Porém é óbvio que ambos os governos, Temer e Sartori, têm defensores. Todos aqueles que defendem um governo ditatorial e conservador (por conservador, se entende quem não quer mudanças no absurdo status quo, benéfico a eles, obviamente), ou defendem a própria ditadura militar com todos os seus absurdos, é óbvio que irão defender também estes governos que aí estão. Mas, como última obviedade, irão dizer que o que escrevo é um absurdo. Por isso, encerro aqui este meu texto óbvio.

03 setembro 2016

Como ganhar Dinheiro com a Palavra*

I – há três maneiras
de se ganhar dinheiro
com a palavra escrita:
- conte sobre fofocas
- conte sobre acidentes e tragédias
- escreva autoajuda
(que é tudo a mesma coisa:
em qualquer dos casos
está se querendo dizer
que a sua vida não é tão fodida
quanto você pensa)

II – há três maneiras
de se ganhar dinheiro
com a palavra falada:
- seja um homem público
- seja um pastor
- dê palestras motivacionais
(que é tudo a mesma coisa:
em qualquer dos casos
se vive de mentiras)

III – mas só há uma forma
de se ganhar dinheiro
escrevendo poesia:
é, enquanto se escreve,
jogar e acertar
na loteria
(que é tudo a mesma coisa:
em qualquer dos casos
nunca se ganha nada)

*Poema reelaborado e republicado.

01 setembro 2016

Manchetes (anti)Poéticas para os Jornais Contemporâneos (ou Contemporários)

I – Extra! Um modelo de carro a mais
e uma espécie de bicho a menos

II – Nova descoberta da ciência
causa nova encoberta da consciência

III – Tecnologias de última geração
condenam espécies à sua última geração

IV – Robôs quase humanos
são desenvolvidos para tomar o lugar
de humanos quase robôs
e vice-versa

V – Seção Autoajuda:
para conhecer o valor do Bem
possua um bem de Valor

VI – O Ministério da Saúde adverte:
quem pensa não é feliz.
Mas se for pensar, não escreva.
Se for escrever, não pense.