Foi então que as cabeças das pessoas começaram a explodir. Antes disso, percebi que seus olhos congestionavam-se violentamente de sangue, enquanto urravam de dor. Então, a cabeça explodia, e o sangue espalhava-se por todos os lados. Minha camisa branca tingia-se de vermelho sanguinolento. Alguns indivíduos, nos instantes imediatos à explosão de sua cabeça, lamentavam profundamente o fato de que no outro dia estariam impossibilitados de trabalhar, pois já teriam morrido. Centenas de cabeças já haviam explodido, quando senti que em breve chegaria minha vez. Um desespero cósmico fez tremer minha alma.
Nesse instante, avistei novamente a mulher manca. Vinha em minha direção. Dessa vez, não de maneira lenta e arrastada, mas com rapidez canhestra, grotesca, uma marcha verdadeiramente assustadora. Porém, nunca deixava de manquejar. Trazia os olhos quase que fora das órbitas e um sorriso debochado em seu rosto de maligna deformidade. Avançava a passo célere em minha direção. Com as mãos na cabeça, fugi alucinado, tropeçando em lixo e em cadáveres.
Ao passar por uma casa antiga e parcialmente arruinada, vi que alguém me observava com um enorme par de olhos fixos e escuros. Detive-me. Olhei ao redor. Principiava a anoitecer. A porta abriu-se rapidamente. A moça que me observava limitou-se a ordenar:
- Entra! Aqui ela não entrará, agora.
Obedeci, aliviado. O ambiente em que entrei encontrava-se em uma densa penumbra. Somente duas velas o iluminavam. Pude perceber que era uma casa bastante antiga, tanto pela sua arquitetura interna, quanto pelos móveis e pela decoração. Esta, embora eu não pudesse contemplá-la satisfatoriamente devido à escassa luminosidade, era um tanto estranha, perturbadora, eu diria. Havia quadros com retratos de pessoas aparentemente muito antigas, e todos passavam a impressão que me fitavam de forma sentenciosa. Distingui também algumas pinturas clássicas. Duas eram de Da Vinci, outras, de Bosch e algumas, de Rembrandt.
Havia espessas teias de aranha em todos os cantos. Alguns animais que deviam ser gatos (deviam, mas não pude ter certeza) escondiam-se sorrateiramente atrás dos móveis. Apesar do clima tétrico, sentia-me relativamente bem naquela casa (pudera, depois de todos os horrores por que passei nas ruas dantescas). Ali não ouvia os aflitivos tique-taques e, consequentemente, minha dor de cabeça cessara por completo. Mas uma inquietação profunda me atormentava...
A moça pediu-me que sentasse. Era bela, muito bela... porém... estranha. Apesar de toda sua beleza, não sei dizer com termos racionais o porquê, ela de alguma forma indefinível lembrava a horrenda mulher manca que me perseguia. Trajava um lindo vestido de um intenso vermelho que lembrava o odioso vestido de vermelho desbotado daquela bruxa. Seus cabelos, como os da manca, eram castanhos, contudo, um pouco mais longos e bem mais lisos, perfeitamente limpos e penteados.
Seus belos olhos, também castanhos, eram igualmente enormes, porém, não apresentavam olheiras, não aparentavam saltar das órbitas, não expressavam nem insanidade nem ódio, mas uma esquisita ternura, uma inquietante cordialidade e uma viva inteligência. Os olhares que ela me dirigia transmitiam simultaneamente uma sensação de bem-estar e de estranhamento. Um receio, uma constante inquietação.
Seu corpo era perfeitamente esbelto, seu porte irrepreensível chamava de imediato a atenção pela extrema elegância. Nada tinha, portanto, da deformidade hedionda daquela bruxa manca. No entanto, e isso eu não consigo explicar, algo na moça enquanto ela caminhava trazia à mente a marcha pavorosa daquela mulher infernal.
Após sentar-me, a moça declarou seu nome. Chamava-se Aurora. Perguntou-me se eu aceitaria um chá. Aceitei, e logo me trouxe um chá que ela já havia preparado. Provei do chá com certo receio e cautela. Era delicioso. Mas não identifiquei seu sabor. Ao questioná-la sobre qual seria, ela respondeu-me de forma alarmantemente misteriosa:
- Certas coisas não devem ser ditas... pelo menos por enquanto...
Gelei ao ouvir essas palavras. Não exatamente pelo que elas poderiam significar, o que já constituiria um forte motivo, mas devido ao tom com que foram proferidas. Sua voz, de fria e tranquila beleza, irradiava, ao mesmo tempo, doçura e gravidade, uma clássica cordialidade unida a uma expressão sombria de autoridade e ameaça.
Nesse instante, avistei novamente a mulher manca. Vinha em minha direção. Dessa vez, não de maneira lenta e arrastada, mas com rapidez canhestra, grotesca, uma marcha verdadeiramente assustadora. Porém, nunca deixava de manquejar. Trazia os olhos quase que fora das órbitas e um sorriso debochado em seu rosto de maligna deformidade. Avançava a passo célere em minha direção. Com as mãos na cabeça, fugi alucinado, tropeçando em lixo e em cadáveres.
Ao passar por uma casa antiga e parcialmente arruinada, vi que alguém me observava com um enorme par de olhos fixos e escuros. Detive-me. Olhei ao redor. Principiava a anoitecer. A porta abriu-se rapidamente. A moça que me observava limitou-se a ordenar:
- Entra! Aqui ela não entrará, agora.
Obedeci, aliviado. O ambiente em que entrei encontrava-se em uma densa penumbra. Somente duas velas o iluminavam. Pude perceber que era uma casa bastante antiga, tanto pela sua arquitetura interna, quanto pelos móveis e pela decoração. Esta, embora eu não pudesse contemplá-la satisfatoriamente devido à escassa luminosidade, era um tanto estranha, perturbadora, eu diria. Havia quadros com retratos de pessoas aparentemente muito antigas, e todos passavam a impressão que me fitavam de forma sentenciosa. Distingui também algumas pinturas clássicas. Duas eram de Da Vinci, outras, de Bosch e algumas, de Rembrandt.
Havia espessas teias de aranha em todos os cantos. Alguns animais que deviam ser gatos (deviam, mas não pude ter certeza) escondiam-se sorrateiramente atrás dos móveis. Apesar do clima tétrico, sentia-me relativamente bem naquela casa (pudera, depois de todos os horrores por que passei nas ruas dantescas). Ali não ouvia os aflitivos tique-taques e, consequentemente, minha dor de cabeça cessara por completo. Mas uma inquietação profunda me atormentava...
A moça pediu-me que sentasse. Era bela, muito bela... porém... estranha. Apesar de toda sua beleza, não sei dizer com termos racionais o porquê, ela de alguma forma indefinível lembrava a horrenda mulher manca que me perseguia. Trajava um lindo vestido de um intenso vermelho que lembrava o odioso vestido de vermelho desbotado daquela bruxa. Seus cabelos, como os da manca, eram castanhos, contudo, um pouco mais longos e bem mais lisos, perfeitamente limpos e penteados.
Seus belos olhos, também castanhos, eram igualmente enormes, porém, não apresentavam olheiras, não aparentavam saltar das órbitas, não expressavam nem insanidade nem ódio, mas uma esquisita ternura, uma inquietante cordialidade e uma viva inteligência. Os olhares que ela me dirigia transmitiam simultaneamente uma sensação de bem-estar e de estranhamento. Um receio, uma constante inquietação.
Seu corpo era perfeitamente esbelto, seu porte irrepreensível chamava de imediato a atenção pela extrema elegância. Nada tinha, portanto, da deformidade hedionda daquela bruxa manca. No entanto, e isso eu não consigo explicar, algo na moça enquanto ela caminhava trazia à mente a marcha pavorosa daquela mulher infernal.
Após sentar-me, a moça declarou seu nome. Chamava-se Aurora. Perguntou-me se eu aceitaria um chá. Aceitei, e logo me trouxe um chá que ela já havia preparado. Provei do chá com certo receio e cautela. Era delicioso. Mas não identifiquei seu sabor. Ao questioná-la sobre qual seria, ela respondeu-me de forma alarmantemente misteriosa:
- Certas coisas não devem ser ditas... pelo menos por enquanto...
Gelei ao ouvir essas palavras. Não exatamente pelo que elas poderiam significar, o que já constituiria um forte motivo, mas devido ao tom com que foram proferidas. Sua voz, de fria e tranquila beleza, irradiava, ao mesmo tempo, doçura e gravidade, uma clássica cordialidade unida a uma expressão sombria de autoridade e ameaça.
(Amanhã, a 3ª e última parte)