31 março 2012

Imagem sob uma Melodia de Brahms

imagem que vejo o que tu não és
em teu não-ser é que estou:
a felicidade
(assim, isolada)
é aquilo que imagino que está
no que não está em ti
sou feliz no reflexo de mim
que reflexiono em tua ausência:
tu só podes ser
se te sinto na minha consciência

imagem que vejo o que te projeto
o meu sonho é o sonho que tu não tens
eu que sinto o teu não sentir
e tu vives por sentir em mim
e tu sonhas quando vivo em ti
sorrio quando povoo a tua ausência
tu só podes ser
se eu te sou a tua essência

imagem que vejo o que desejo
há outro mundo em ti que não habitas:
sou eu que astro o teu éter
eu que piano o teu canto
uma lágrima ao que em ti silência
imagem do meu alto
a minha alma
compensa a tua ausência

29 março 2012

Rinocerontes a um Passo da Extinção

Prossigo com aquelas notícias que enobrecem a humanidade. Como já sabem os que acompanhem o blog, não farei nenhum comentário. Limito-me a dizer que algumas pessoas não dão a mínima à extinção de alguma espécie, desde que o homem continue parasitando a Terra. Já eu, sofro muito com isso. Sou um retrógrado sentimental.
Ao final da noticia, deixei uma petição da Avaaz, que tem o intuito de ajudar a frear a matança de rinocerontes. Se interessar ao amigo leitor, pediria que assinasse. Agradeço. 

Demanda asiática faz caça de rinoceronte bater recorde na África

"Um número recorde de rinocerontes foi caçado neste ano na África do Sul, país que tem a maior população mundial desse animal, num reflexo da crescente demanda asiática por seus chifres.


Pelo menos 443 rinocerontes foram mortos neste ano na África do Sul, 110 a mais do que em 2010, segundo conservacionistas e autoridades dos parques nacionais sul-africanos.
O valor de mercado dos chifres de rinoceronte disparou para cerca de 65 mil dólares por quilo, o que torna esse produto mais valioso que o ouro, a platina e, em muitos casos, a cocaína. Isso se deve à crença que se espalhou nos últimos anos na Ásia, embora sem fundamento científico, de que a ingestão do pó de chifre pode curar ou prevenir o câncer.
Mais de 20 mil rinocerontes vivem na África do Sul. Há uma década, apenas cerca de 15 animais morriam por ano. Mas por volta de 2007 a caça passou a aumentar drasticamente, por causa do aumento do poder de compra de parte das populações de países como Vietnã e Tailândia.
Agora, o número de rinocerontes abatidos legal ou ilegalmente chegou a um ponto que ameaça levar ao declínio populacional, segundo estudo realizado pelo especialista Richar Emslie.
Especialistas dizem que uma "corrida armamentista" está acontecendo no parque, pois quadrilhas internacionais oferecem aos caçadores recursos como armas de alta potência, óculos de visão noturna e até helicópteros.
Em outro estudo divulgado nesta semana, conservacionistas apontavam que 2011 será um ano recorde em grandes apreensões de marfim na África, o que também reflete a demanda asiática pelas presas de elefantes, usadas em joias e adornos."
A Avaaz esclarece: 


Nas próximas semanas, a UE definirá sua agenda para o grande encontro mundial que acontece dentro de poucos meses. Será a nossa melhor chance de virar a maré contra essa matança. Sabemos que os rinocerontes estarão em sua agenda, mas apenas nossa pressão pode garantir que eles discutam o problema em sua essência. Vamos criar um protesto gigante e fazer uma ação de forma espetacular. 


Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,demanda-asiatica-faz-caca-de-rinoceronte-bater-recorde-na-africa,816778,0.htm

28 março 2012

O que está à Frente

todo passo a ser dado
já é passado
lá em alguma esfera
(tudo é outra era)
o futuro é o esquecimento do agora
(ah o homem
que não sente sentir a hora...)

cada segundo que vem
já foi
era
o que já havia se acontecido
antes de nos acontecer
que viver
é dar passos de um ponto
do começo do círculo
para passar a um ponto
do começo do círculo

a vida é uma hora
que sempre foi embora
e aquele que faz
é quem se sabe fugaz
na eternidade do instante:
o que há muito passou
é o que está mais adiante

olhei então para os montes
aqueles longínquos a frentes
enfrentando horizontens...

27 março 2012

De Rato

então
ele sentiu aquele gosto de esgoto
que quando é tragado
traga a quem traga
como se almoçasse a própria praga
com um suco de álcool de posto

então sentiu aquele gosto de rato
como se um deles mijasse no prato
e um pedaço de merda no copo
ardendo pelo vazio do esôfago
e ouviu o baque báquico
de sua queda
na pulcra úlcera do estômago

então sentiu aquele gosto do tarde
como se mastigasse o cáustico
(tremendo as mãos dormentes)
com o farelo da quebra dos dentes
e sangue de porca num jarro
no desespero do erro
inflamado pelo catarro

então sentiu aquele gosto de gente
e garganta de traqueia exposta
(a lição de não vomitar bosta)
naquele ato do após que falava
quer era engolir
palavra por palavra

25 março 2012

Da Imbecilidade Acadêmica

Amigos leitores, acompanhem a notícia abaixo: 

"Carlos Camacho Espíndula, 25 anos, residente no município de Francisco Beltrão, localizado na região sudoeste do Paraná, entrou em convulsão e evoluiu para óbito após uma maratona de 12 horas de leitura de obras científicas para a finalização de seu Trabalho de Conclusão de Curso.(...)
Sua monografia deveria ser entregue na próxima segunda-feira (12/03) para o Prof. Helvécio Dias Barroso, que está sendo investigado por homicídio culposo em função das excessivas cobranças em relação a leituras e correções na redação do TCC."  Aqui, pode-se saber mais a respeito.



Muitos blogs divulgaram essa notícia, inclusive este, a partir de outros blogs.  No entanto, algumas pessoas que residem em Francisco Beltrão, PR, estão afirmando que esta notícia é falsa, que o estudante e o professor na verdade não existem, que ninguém morreu de estudar. Bem, talvez não. No entanto, o que escrevi sobre a imbecilidade acadêmica abaixo é independente de alguém morrer ou não devido a exigências absurdas de professores que matam a criatividade. Essa sim, morre diariamente em nossas universidades. Portanto, não retiro uma palavra do que escrevi abaixo.

Absurdos como esses (sejam reais ou não) é o que se pode esperar de professores e universidades que não ajudam a construir seres pensantes e criativos, mas apenas alguns medíocres repetidores de ideias de outros, profissionais mecânicos, robóticos, imbecilizados. Os cursos acadêmicos em geral, em especial mestrado e doutorado, em uma grande parcela, já se tornaram ou estão se tornando destruidores de cérebros e corações. Destruidores de humanidade. Com a desculpa de severidade e exigência para manter-se um alto nível de qualidade, os estudantes não têm o direito de pensar por si próprios. Como dizem, são "podados" em suas ideias e ideais, em sua criatividade e imaginação. 

Já não se pode mais ser original.  A originalidade é um crime em nossos dias. "Deus-o-livre" afirmar algo que já não tenha sido afirmado antes por alguém de autoridade reconhecida. O embasamento teórico deixou de ser um meio para a criação, agora é um fim em si mesmo. Deve-se ler 500 livros em um mês (não há nem tempo para se pensar sobre o livro), saber exatamente o que outros autores pensam e pensar exatamente como eles. "Tu disseste algo? Mas baseado em quê? Em quem? Quem foi que disse isso? A tua ideia simples e pura não pode ser, não pode estar aqui."  

É claro que todo estudante sério deve possuir um conhecimento profundo de sua área. Mas isso não é e nunca será o mais importante. A criação, o novo, o original, seja da área que for, não surge de leituras estéreis e de textos artificiosos, não nasce de uma mente abarrotada de informações e teorias. Eu nunca soube de um autêntico gênio que tivesse saído diretamente das cadeiras das academias. Pelo contrário. Os gênios, ainda que tenham frequentado universidades, sempre foram combatentes do pensamento "bitolado" que impera entre o ranço dos acadêmicos. Se não combatessem, jamais teriam criado. Seriam como todos os outros, meros papagaios que só sabem repetir, sem a mínima personalidade. 

A criação é fruto da vida e da alma. De ambas vividas e sentidas da forma mais intensa e profunda. O resto é conversa fiada. 


24 março 2012

O Silêncio é Ouro...

melhor que afirmar
é sugerir...
quem afirma tudo o que fala
(pavão a empenar-se  na sala)
viola as portas de violino do silêncio
com a violência de um touro...
que se deixe o silêncio dizer de si:
o que se silencia
vale seu som em ouro...

gosto de (não) dizer
o que  não está (ou sim)
pelo entre do que digo
não quero que quem me leia
esteja lendo de si para comigo
e melhor ainda
é aquilo que nunca disse
verso sorrateiro furtivo
sussurro selado pelo vento
que nem sequer existisse...

a verdade nunca se sempre de frente
há que se por um porém
entre o que ela é
e o que dela se vê
verdade é o que está sempre latente
a possibilidade ainda não alcançada
(a protegê-la do que é gente)
por isso só
sólita em signos
e criptografada

há um só sentido
(mas que são vários
ou  vários...)
e para provar
que não afirmei nada
poderia ter dito tudo isso
pelos contrários...

(Revisão do poema de mesmo título publicado em 5 de julho de 2011.)

23 março 2012

22 de Março, Dia Mundial da Água, e 50% da Vida Marinha Aniquilada

O que ocorre com a água do nosso planeta, desde rios, lagos, aquíferos até mares e oceanos, é uma verdadeira catástrofe. A vida aquática está sendo exterminada a uma velocidade espantosa. E o ritmo de destruição é maior do que a mais pessimista das estimativas. 

É o que afirma um levantamento realizado por especialistas que integram o Programa Internacional sobre o Estado dos Oceanos (IPSO, na sigla em inglês), uma entidade formada por cientistas e outros especialistas no assunto. Concluiu-se que fatores como a pesca excessiva, a poluição e as mudanças climáticas estão agindo de uma forma tão destrutiva que não havia sido antecipada. Segundo dados e cálculos científicos, já quase 50% da vida marinha está aniquilada, com milhares de espécies já extintas ou em risco iminente de extinção. Da vida dos rios, eu preciso dizer alguma coisa? Basta lembrar-se de como eram os nossos rios, aqui mesmo da nossa região, e como se encontram hoje.

Alex Rogers, diretor científico do IPSO e professor da Universidade de Oxford, comentou: As conclusões são chocantes. Estamos vendo mudanças que estão acontecendo mais rápido do que estávamos esperando e de formas que não esperávamos que fossem acontecer por centenas de anos. Ainda contamos com boa parte da biodiversidade mundial, mas o ritmo atual da extinção é muito mais alto (do que no passado) e o que estamos enfrentando é, certamente, um evento de extinção global significativa”. Sobre esse assunto, mais aqui.

Será que nem falando em perdas financeiras, que é a única coisa para a qual a humanidade dispensa alguma atenção, algo será feito? O editorial do jornal Correio do Povo do dia 21 deste mês trata exatamente dessa questão. Segundo um estudo  do Instituto Ambiental de Estocolmo, as emissões de gases ao redor do planeta podem causar danos de mais de 2 trilhões de dólares devido a perdas na vida marinha, causadas por acidificação dos oceanos e diminuição dos níveis de oxigênio das águas.

O grande oceanólogo Jacques Costeau advertiu-nos certo dia: 

"A última consequencia, de trinta a cinquenta anos depois que os oceanos morressem, seria a extinção da espécie humana. Confinados às áreas entre os mares mortos e montanhas estéries, sofrendo de desnutrição, epidemias e sem abrigo, os humanos finalmente sucumbiriam à anoxia, ou à falta de oxigênio. Então, a vida na terra ficaria reduzida a bactérias e algumas espécies de insetos remanescentes."

21 março 2012

Do que me restou de Humanidade...

o que me restou de humanidade
é o que me foi sem ser tirado
dos debaixos dos meus pés

o que os homens conhecimento dizem
é caminho sempre mais para vazio
e punhados de gotas de pós

o embrutecimento de todos os sentidos
no sem-sentido que proclama flâmulas
por  horizonte que não é

o solene sufocamento do que Ideal
que substituídos por  feijões no prato
nos queima desde lá de céu

intelectos entupindo éteres coronários
e pedaços de nadas em palavra morta
querendo dizer o que não são

o que foi que viveram no lugar da vida?
e que me dizem do som de que esfera há?
mas eu ainda acredito em Bach.

(Minha humilde homenagem ao Pai da Música Moderna, Johann Sebastian Bach, que hoje, 21 de março, completa 327 anos.)

20 março 2012

de Números e de Cosmos

há sempre (o) um que é o último
(último não no ser do que é
mas para aquele que sabe do que é
sem saber do seu ser)

por mais infinitos que sejam os números
ninguém os conta para sempre...
por mais infinito que seja o cosmos
ninguém o percorre no seu todo...
(ao menos não como sendo o que se é)

mas se o cosmos é infinito
o que é afinal isso de ser?
se eu estou aqui
por que um outro não pode estar lá?
e por que um outro lá e não eu?
o que existe infinitamente
pode existir e ser como sem-limite
e tudo pode (deve) ser possível:
dizer “é infinito”
é sustentar que tudo existe

mais ainda assim
há um momento
em que não mais
há sempre um último
em tudo que é
(ou que não foi)
que pode ser o primeiro
de um outro outro
mais acima
ou mais abaixo
em que não acho...

mas (e) há uma inviável volta
após uma derradeira vinda...
quem dera este poema
ainda dissesse mais
(e talvez diga)
mas ele aqui se finda

 (Revisão do poema de mesmo título publicado em 20/06/2011.)

17 março 2012

Ainda mais Comigo

aquilo que é dito
é dito apenas para si mesmo
e para quem é como o si mesmo
porque já o era assim
antes daquilo que foi dito

ninguém quer ser con(vencido)
e menos ainda
quem já é convencido

cada um tem sua própria verdade
e só se convence daquilo
que convence sua própria verdade

quem sabe
sabe apenas para quem sabe

então
por que é que digo?
para que a minha verdade
seja ainda mais comigo

16 março 2012

Falta de Água Ameaça a Humanidade

O editorial do jornal Correio do Povo do dia 13 de março comenta sobre o alerta dado pela ONU sobre a escassez de água em nossa planeta, que já está ocorrendo, mas que, certamente, ficará bem pior. Todos sabemos que a população mundial ainda cresce em um ritmo muito acelerado, já somos mais de 7 bilhões. E o pior é que a demanda de água cresce em um ritmo ainda mais rápido que o da própria humanidade. O resultado é trágico, obviamente. 1, 1 bilhão de pessoas já vive sem água de qualidade aceitável. Número que aumenta rapidamente.

Os cálculos da ONU dizem que em 35 anos estaremos consumindo TODA a água doce existente no planeta. A água não pode ser criada, apenas reciclada. O homem, que cria tantas bugigangas tecnológicas, não pode criar a simplicidade genial da água. Então, meus amigos, segundo a ONU, dentro de 35 anos não haverá água potável no planeta que não será utilizada ou desperdiçada. Logicamente, a demanda da água não é só para beber, mas para a irrigação de plantações, produção de energia elétrica, para fins sanitários, para a indústria... E pior, essa água é muito mal utilizada.

Deixo um exemplo de como a água é mal utilizada até mesmo nos países de 1º mundo: para povoar áreas desérticas, é comum retirar água do subsolo. Mas essa estratégia é perigosa, sobretudo porque esses reservatórios subterrâneos, chamados de aquíferos, se renovam muito mais vagarosamente do que rios e lagos. O aquífero de Ogallala, por exemplo, a maior reserva de água dos Estados Unidos, com mais de meio milhão de quilômetros quadrados, é drenado por mais de 200 mil poços, em um ritmo 14 vezes superior ao que a natureza gasta para restituí-lo. O resultado mais óbvio disso é que o aquífero  irá secar. E os efeitos dessa retirada vão mais além. A drenagem de aquíferos subterrâneos pode baixar o nível de rios e lagos e causar ou agravar a desertificação. Já comentei aqui no blog que milhões de hectares de terra fértil se tornam áridos a cada ano. E eu não vou nem falar nas alterações climáticas. 

Abaixo, alguns dados sobre o grave problema da água, segundo a ONU:

-  Nos países em desenvolvimento, 90% dos esgotos são jogados nas águas sem o menor tratamento;
-  Hoje, há mais de 500 conflitos envolvendo disputas pela água, inclusive com uso de força militar;
-  Todos os anos, de 300 a 500 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, produtos tóxicos e outros tipos de dejeto são jogados nas águas pelas indústrias;
-  Cerca de 2 bilhões de toneladas de lixo são despejados em rios, lagos e riachos TODOS OS DIAS;
-  Vazamentos, métodos obsoletos e desperdício drenam cerca de 50% da água usada para beber e 60% da água de irrigação;
- Há hoje 2,4 bilhões de pessoas, ou 40% da população, sem condições adequadas de saneamento básico;
- Se o consumo não se alterar, duas em cada três pessoas estarão vivendo em condições de escassez em 2025;
- Como todos sabem, o Brasil é o país que possui  mais água potável disponível. Nossos rios reúnem 18% do volume fluvial mundial. O mundo já está de olho em nossas águas. Que desperdiçamos. Porcamente.

O que o futuro nos reserva?

Fonte: na verdade, as fontes são várias, desde sites da internet, até minhas leituras de jornais e revistas. Mas deixo este site, como referência.


14 março 2012

Da Destruição

o que será
será quando o é deixar de ser
e ponto.
fazer-se tabula rasa
e brasa
da lavoura que deu em nada
e plantar do nada
a próxima lavra

já dizia Picasso
que criar é destruir no antes
limpar o terreno
para plantar-se um outro outro
que será pleno
quando houver
e quando ouvir
o que for som de adiantes

tempestade que varre o que é tarde
teu cheiro que sim sem alarde
joga ao não o que já (outra) era

tempestade que é o vir do que espera...

a destruição é a mão do que há-de
e há de surgir uma outra
outrora de (human)idade

12 março 2012

Do Erro

quanto mais me tento acertar
mais me alongo do acerto
se me aproximo me fito entre o longe
e na distância me visto de frio
como o poço que é sempre mais poço
quanto mais está vazio...
talvez porque o certo
não seja o que é acerto
nem o que mais perto

falo para um aquilo
que está num longe onde
e quando digo
é distante o que está comigo
é um sopro que ao não me responde
em que ego o meu eco ecoou pela Terra?
o que me ergue é o que me aterra...

errando pelo meu caminho
tornei-me o deus do que não sou
e matando-me  o espero
deixei minha morte
no alto do cerro:
acertei-me mais
quanto mais mirei no Erro...

11 março 2012

Coca e Pepsi possuem Substância Cancerígena

E alguém achava que não? Praticamente todos os produtos industrializados são potencialmente cancerígenos em maior ou menor grau. Não é à toa que o índice de cânceres é altíssimo em nossa civilização, e continua crescendo. 

A notícia foi divulgada semana passada na internet e em jornais, como no Correio do Povo de 10 de março, na página 11. A substância cancerígena é o 4-metilimidazol, presente no corante caramelo, (e também, pasmem, em agrotóxicos) utilizado em ambas as bebidas. Agora, nos EUA (no Brasil, não, pelo menos por enquanto), Coca e Pepsi terão que modificar suas fórmulas ou se submeter a colocar um alerta em suas embalagens informando sobre os riscos de câncer. O que é curioso é que desde criança eu leio que os corantes são substâncias potencialmente cancerígenas. Por que só agora reagiram a isso? E será que é só na Coca e na Pepsi que há substâncias cancerígenas?

Aliás, alguém já ouviu falar na dioxina? É outra substância cancerígena que é liberada pelas garrafas pet quando são congeladas e depois descongeladas para beber. Aliás, a dioxina é liberada por qualquer utensílio de plástico congelado ou que é colocado no forno micro-ondas. Mas ninguém fala nada sobre isso...

Porém, quanto ao 4-metilimidazol, ambas as empresas não estão querendo nem colocar alertas nem modificar a fórmula, aceitam apenas reduzir um pouco os níveis da substância.  Dizem que o risco de câncer é uma balela. É claro. Logo também irão dizer que Coca e Pepsi não têm nada a ver com o surgimento de osteoporose e diabetes. Ah, e que não engordam. 

09 março 2012

A Criança Degolada (FINAL)

Não obstante tanto horror, aquele rio mirífico permanecia com sua beleza intocada, com suas águas brilhantes e intensas, puras e cristalinas. E as matas do outro lado de suas margens continuavam exuberantes e intactas. Carregando aquela culpa absurda nas minhas costas, desejei sofregamente banhar-me naquelas águas, concender um alívio, ainda que momentâneo, à minha aflição. Porém, quando meu corpo se encontrava totalmente imerso no rio, percebi que algo saía pelos meus poros. Era sangue, sangue em uma profusão absurda. Toda a minha pele, desde a de meu rosto até a de meus pés, sangrava incessantemente. E o sangue que já havia sangrado parecia que se multiplicava em mais e mais sangue, numa progressão que ia ao infinito, até que em toda a extensão avistável do rio somente se avistava sangue em lugar de suas outrora límpidas águas.

E quando eu já não estava mais dentro do rio, em suas águas sanguinolentas, surgiram, boiando sobre o sangue, milhares e milhares de peixes, mortos, mal cheirosos, além de várias outras espécies de animais aquáticos, todos agonizantes. E ocorreu que as águas sangrentas passaram a transbordar e invadiram o lado do rio onde a mata permanecia viva e intacta. É desnecessário que eu diga que aquela água contaminada com meu sangue causou a morte quase instantânea de todas as plantas, árvores e demais seres que ali viviam.

Acabado, definitivamente acabado, parti daquele horror causado pela minha culposa presença. Caminhei até minhas pernas perderem as forças. Foi então que divisei extasiado a mais impressionante das visões. Uma planície que aparentava ser infinita, de uma tonalidade de um verde tão vívido que parecia inacreditável, e sobre ela um número incontável de animais das mais diversas espécies. Era algo como uma savana africana, das mais preservadas, das mais belas, porém, ia ainda além, de alguma forma inaudita que eu não saberia explicar. Sentei-me e contemplei aquele cenário quase onírico tocado pela mais profunda e sublime emoção. No entanto, decidi não ir até lá. Estava certo que a minha presença no local causaria alguma forma de catástrofe que acabaria por trazer à morte aos animais e destruiria a totalidade da beleza da planície.

E ali permaneci, observando atentamente, comovido com a visão de todos aqueles animais que conviviam de acordo com as leis do equilíbrio natural. E chorei. Porém, minhas lágrimas eram abundantes em demasia, absurdamente abundantes, e eu não conseguia controlá-las, o meu choro descia de forma infrene. Por mais que eu me esforçasse, não me era possível conter as lágrimas. De modo que elas se espalharam de tal maneira que desceram a colina onde eu me encontrava e atingiram a planície em que viviam os animais. E chegando lá, minhas lágrimas, as minhas lágrimas inflamadas de culpa, febrentas, exalaram algo como um vapor venenoso, fatal. E todos os animais morreram sufocados pela névoa maligna das minhas lágrimas. Todos! E o verde da planície transformou-se em um marrom desbotado e deprimente.

Destruído, absolutamente destruído, decidi retornar para a cidade. Durante o caminho de volta, inesperadamente, encontrei aquela que, acredito, era a mais bela das mulheres.  Ela caminhava em minha direção. Aparentava emitir algum tipo de luminosidade. Mas era apenas uma impressão minha, causada, creio, pelo meu estado doentio de exaltação psíquica diante de tão angélica mulher. Ela parou bem à minha frente, olhou fundo nos meus olhos, abraçou-me com um imenso calor humano e, por fim, beijou a minha boca com indizível paixão. E foi somente o instante de beijar. Em menos de um minuto, aquela mulher tão bela passou a sentir náuseas, fortes dores estomacais e golfejou algo como um sangue grosso com pedaços de vísceras liquefeitas. A princípio, o sangue era de um vermelho mórbido, mas foi se transformando em um espesso e viscoso líquido arroxeado. Por fim, já era completamente negro. E a mulher morreu ali, na minha frente. Esquálida, como se tivesse murchado de uma hora para outra, expelindo aquele líquido negro por todos os orifícios de seu organismo.

Morto, irremediavelmente morto, retornei à cidade e dirigi-me ao corpo da criança degolada. Ela ainda estava lá. Já apodrecendo, esverdeada, arroxeada. Vermes passeavam em seus olhos, em sua boca. O fedor já era insuportável. Sentei-me ao seu lado e ali permaneci. Como um idiota. No meu rosto, não havia a mínima expressão. Em minha alma, não se encontrava o menor sentimento. Todo o horror daquela criança ali degolada, e eu não sentia nada. Nada.

E foi com uma suprema indiferença que me dei por conta que aquela criança ali era a que eu fora. Ela era eu. E ela se suicidara.

(Na imagem, detalhe do tríptico, "O Jardim das Delícias" (asa esquerda), de Hieronymus Bosch.)
            

08 março 2012

A Criança Degolada

Encontrei seu cadáver ainda quente naquele beco escuro e imundo. Era um menino. Sua garganta fora cortada de um lado ao outro. O sangue ainda golfejava. Não devia ter que mais que sete anos de idade. Sua expressão angelical contrastava com o horror impiedoso do talho que estraçalhou sua laringe.  O beco e as ruas próximas ao local se encontravam completa e funestamente vazias. Ou, ao menos, assim aparentavam. Não havia nenhum sinal ou vestígio no local de que alguém havia ali estado e assassinado a criança. Nenhuma arma. Nada.

            Deixei o local absolutamente chocado. E sentindo-me mal. Não que isso não me fosse relativamente comum. Porém, sentia-me mal de uma maneira estranha, inquietante, anômala. Mas o mais curioso foi que todos passaram a me culpar pelo crime. Eu sabia disso. Que me culpariam. De início, foi um pressentimento intuitivo. Depois, conforme perambulava desolado pelas ruas mergulhadas no abismo da noite, pude observar pelas janelas das casas disformes centenas de olhares que me fitavam de maneira condenatória. Aqueles olhares emitiam alguma espécie sinistra de luz fosforescente que me transtornava. Permaneci, no entanto, caminhando sem rumo e sentindo o peso da culpa, de uma culpa que não era minha.

            O dia amanheceu com um sol enfermiço. Exausto, sentei-me em um gramado que mais parecia um pântano. Em questão de minutos, encontrei-me cercado por uma multidão de pessoas definitivamente horríveis, com expressões de absoluta crueldade em seus rostos carrancudos, monstruosos. Não pronunciavam uma só palavra. Porém, apontavam-me seus dedos indicadores, obviamente acusando-me daquele crime que eu não havia cometido. Uma velha repulsiva, sentada em um banco sob uma árvore retorcida, fitava-me com um sorriso maligno, enquanto lia O Processo, de Kafka.

            Mesmo com todo meu cansaço, ergui-me e saí às pressas daquele lugar deprimente. Dirigi-me à solidão do campo. Diante de mim, resplandeceu um magnífico prado absolutamente florido. Eram flores por todos os lados e de todas as cores, um espetáculo que eu jamais vira.  Elas subiam por colinas infinitas e pareciam que se prolongavam a um horizonte indefinido. Comovi-me diante de tão divina visão. Desejei intensamente caminhar por entre as flores, sentir seu inefável perfume, vivenciar um instante daquela paz inaudita. Porém, conforme eu caminhava, e as fitava, e aspirava seu aroma, e as acariciava, as flores, todas aquelas flores celestiais, murchavam, feneciam e secavam diante de mim. O perfume transformara-se em um fedor pungente. E as colinas agora cinzentas e sem vida transmitiam a impressão de um cenário de uma batalha. Desesperado, segui em frente.

            Mais adiante, novamente renasceu-me a esperança. Uma floresta gigantesca assomou-se imponente à minha frente. Árvores de um verde escuro extremamente vivo, imensas, deslumbrantes, que se perdiam por entre montes e vales que me assombravam. Algumas floridas, outras carregadas de frutos silvestres. Pássaros canoros revoavam e pousavam por entre a imensidão das árvores. Ao longe, eu podia escutar o som harmonioso de um rio com corredeiras e cachoeiras. Acelerei o passo e penetrei na floresta. Mas a cada passo meu por entre o interior da mata, centenas de árvores gigantes caiam simultaneamente, já sem folhas, completamente mortas, apodrecidas, fétidas, e com elas outras centenas de árvores menores e plantas diversas morriam em questão de poucos minutos. E aquelas aves tão belas, tão coloridas, cessavam subitamente seu canto e despencavam fulminadas. Eu ouvia o perturbador baque de sua queda no chão. Consegui, no entanto, atingir o rio.  Porém, quando olhei para trás, o que contemplei foi a mais absoluta devastação. Não restara uma só árvore, uma só planta, uma só ave. Apenas um lodo repugnante onde os galhos, troncos e pássaros apodreciam e afundavam. 

Amanhã, o final do conto.

(Na imagem, detalhe de "O Julgamento Final", de Hieronymus Bosch.)