Desalmas

por entre os importados
os explorados
por entre a veia aos cortes
os montes de mortes
por entre a porta fechada 
vidas de fachada 
por entre as asas mortas
por entre o peito aberto 
um coração deserto
que ninguém se importa.

Poesia e Sexo

a poesia é
o mais fundo da palavra
o mais forte do que se diz
é o pior do que já fiz.
é saliva é sangue é sêmen
é beijo é corte é coração
são olhos linfa menstruação.

se você não lê poesia, eu lamento.

é como um padre que nunca fez sexo:
não sabe o que está perdendo.

Júpiter

ninguém sabe o que céu
sem conhecer purgatório
chega de meia boca
se vai beber
tem que ser até a última gota
tem que acabar a garrafa
se vai dizer a palavra
tem que secar a garganta
tem que se acabar com a taça
basta de pela metade
de só se espiar pela porta
de se trocar o que música 
por um prato de feijão.
chega de se contentar 
com o aquilo que deu.
não é que tenha que ser assim 
mas é que o tempo grita
num mundo que chega ao fim.

A Loba

sabe aquela catástrofe
que se falava que um dia chegaria?
pois é,  está aí,  é hoje o dia.
nada voltará a ser como antes
cuida bem dos teus adiantes
dia além dia noite por noite
com a loba de Cruz e Sousa:
"a Loba que devora os Sonhos".
a Loba
que perambula faminta 
dentes à mostra 
saliva às gotas 
por estes tempos bisonhos
noite além noite dia por dia
sem certezas sem garantias
a Loba
aqueles olhos 
que nos olham por trás
aquele beijo aquela boca
sobre nossos lábios pânicos
sobre nossas almas loucas 
e cada vez mais poucas. 

Resistência

resistir. não se entregar
custe o que custar
se manter o Ser
enquanto todos
não querem nem saber.
resistir. não se vender
nem por grana nem por fama
nem por mais.
manter a chama
resistir. ser o que se é
seja o que se for
seja o que se faz
ainda que todos digam o mesmo
ainda que todos pensem o mesmo
ainda que todos sejam iguais
continuar
manter as propriedades emocionais.
preservar um resto de alma
e algumas gotas de consciência.
escrever
é resistência.

Versos Diretos nº 31 e 32

nº31-  sou artista;
não sou marqueteiro.
eu escrevo;
não apelo.

nº32 - não é que os gatos
não deem atenção e carinho;
você é que pra eles não merece.

Versos Diretos nº28, 29 e 30

nº 28 - o Apocalipse Zumbi
já veio.
é isso aí.

nº 29 - o dinheiro compra 
quase tudo, é verdade
até amor
principalmente amor.
(perdoem minha antipatia
é que estou de ressaca).
o dinheiro só não compra estilo:
você pode ficar rico
mas vai continuar sendo babaca.

nº 30 - poesia é pouco lida

porque exige 

muita vida.

Soneto de Vida

tempestades fulguram como flores
entre beijos desastres e outros astros
eu me sangro o perfume dos teus rastros
e o sol olhou-me os olhos ao te pores

entre a tarde anoiteço as tuas dores
entre e tanto te trago estes teus vastos
firmo pela tormenta estes teus mastros
e me ergo alucinado onde tu fores

sinto na pele as mortes do que fito
sei de todas paixões por estas ruas
compreendo que não passo de um maldito

me iluminam as tragédias das tuas luas
eterno teus passos ao infinito
e todas emoções me ficam nuas

Elas me deram mais uma lição

ontem de noite
veio uma tormenta
em que parecia que tudo iria desabar.
e minhas gatas, a Sophie e a Margot
permaneceram no sofá como estavam
sem perder o sono nem desfazer a posição
apenas abriram de leve os olhos
e de leve mexeram as orelhas
impassíveis
inabaláveis
imperturbáveis
absolutas
apesar do peso da chuva
apesar do choque das pedras
apesar da ameaça dos raios
apesar da fúria dos ventos
elas se sabiam fazer parte de tudo
que elas também são a força dos elementos
e olhando para elas
meu peito humano se tranquilizou
porque elas sabiam que tudo passa
e tudo passou.

A Noiva

tudo na Morte é longo ou é fundo:
os dedos são longos 
os lábios são fundos 
os cabelos são longos 
os olhares são fundos
os segredos são longos 
os mistérios são fundos 
os alcances são longos 
os distantes são fundos 
o abraço é tão longo 
o beijo é tão fundo...

tudo na Morte 
é longínquo e profundo 

Desastre

é simples: vivemos a catástrofe.
aquilo que se falava 
que um dia chegaria.
chegou, é hoje o dia.
nada voltará a ser como antes
cuida bem dos teus adiantes
que agora  serão com a morte
dia após dia noite após noite
com a loba de Cruz e Sousa:
"a Loba que devora os Sonhos".
 morto. muito morto. morto.
noite além noite dia além dia
sem certeza sem garantia
sem paz a não ser as pás 
de cavar as covas.
aqueles olhos 
que nos olham por trás
aqueles beijos aquelas bocas
sobre nossos lábios pânicos
sobre nossas almas loucas 
e cada vez mais poucas. 

Versos Diretos n°24, 25, 26 e 27

n°24: as pessoas querem um mundo melhor
o mundo melhor não quer as pessoas.

n°25: já que a moda é parar de romantizar
parem de romantizar os sorrisos e as alegrias:
pessoas sorridentes e alegres
quase sempre são só vazias.

n°26: já existiu uma pessoa
cujos três primeiros nomes
eram Xerox Fotocópia Autenticada.
não é piada, é verdade.
e essa pessoa com seu nome
resumiu toda a humanidade.

n°27: não é que a poesia
seja algo muito difícil e profundo
as pessoas 

é que são fáceis e rasas demais.

Destino

porque a vida é como o vento:
pode ser a qualquer momento
e se há de estar sempre atento
porque a vida é como a morte:
pode ser a qualquer momento
e se há de estar sempre atento 
à própria sorte.

Versos Pregados na Cruz

a todos os males a arte é antídoto
que seja o que for e seja ou não válido
que só que me importa é teu gesto lânguido
ou só que me inflama é teu rosto sânguino

e todos os sonhos vão-se tão rápido

naquilo que morre sempre há um pórtico
o que há de mais grave é sempre mais música
e pulsa mistério além do que místico

eu busco de ti o que há no teu trágico
sinto algo de fim no teu olhar pássaro
porque o vento segue entre um beijo lúgubre
porque a vida passa entre marcha fúnebre

Autoajuda em Comprimidos

na arte
seja incorreto
na dúvida 
seja discreto
no beijo
seja direto

Três Deboches

Só eu

desde o planeta selênico
através do continente lemúrico
passando pelo atlântico
até nosso mundo pútrido
eu digo em tom irônico
que eu sei que sou único.

Juro

ok acredito na profundidade humana
e da próxima vez
não vou tirar sarro:
só sorrirei em silêncio
e acenderei um cigarro.

"Hasta la vista, baby"

depois que destruirmos 
todo nosso planeta
vou tirar férias de ser poeta
e irei direto para Vênus
assim sem mais nem menos.
e te olhar nos olhos bem fundo
será minha despedida do mundo.

Expectativa/Realidade

"seja você mesmo”
diz a sociedade
mas é só conversa fiada 
(é tudo uma grande piada)
a sociedade não quer que ninguém
seja a si mesmo.
quer todos iguais 
mesmos gostos 
mesmo comportamento
que se pense igual 
// // sinta //
// // aja //
é mais fácil mais agradável
mais barato mais controlável.
todo mundo aceito pelos outros 
desde que sejam como os outros.
se sair do que como normal é tido
vão te olhar estranho,  meu amigo. 
ninguém quer saber do diferente 
o diferente dá medo desconforta.
há um padrão a ser seguido
você não sabia você não lembrava?
seja você mesmo 
desde que você seja o mesmo.

Diz Tinto

eu nunca fui muito chardonnay
sempre fui meio malbec mesmo
carrego o que cabernet no coração
e já tannat na minha hora.
sejamos franc
que seja o que syrah da vida:
o que for é o que é merlot.
e se tu tiveres um pouco de carménère
eu te mostrarei para que vinho.

Esperança Perdida

você
que depende do seu celular
o seu celular
que depende da energia elétrica
a energia elétrica
que depende das hidrelétricas
as hidrelétricas
que dependem dos rios
os rios
que dependem das chuvas
as chuvas
que dependem das vegetações nativas
as vegetações nativas
que dependem de você
(só um pouquinho que vou chorar no banheiro)
votar em quem não pensa só em dinheiro.

Spill my Blood

se é pra acalmar a ira dos deuses
derrama meu sangue
se vai fazer te sentir melhor
se vai te fazer sentir
espalha meu sangue
é só pra isso que ele presta

eu o cuidei com muito carinho

tratado com ferro fúria e vinho 

ele é tudo que me resta
pra um dia servir de sacrifício
despeja meu sangue
na terra como se fosse menstruação
o suco que se extrai
de se espremer o coração
se é pra salvar teu destino
alastra meu sangue
ninguém vai se importar
a ninguém vai fazer falta
é poesia
e poesia é coisa de cor vermelha
que a ninguém se aconselha
entorna meu sangue

mata com ele tuas sedes
tinge com ele as paredes
faz com que sequem minhas veias
jorra o meu sangue em uma janta
janta o meu sangue em uma jarra