nos Anos-Novos
as pessoas falam em mudanças
mas durante os Novos-Anos
fazem o que estão certas
que devem fazer
e sempre acham
que devem fazer as mesmas coisas
e que estão certas no que fazem
e que cumprem seus deveres
e os deveres são sempre os mesmos
e cumpridos sempre da mesma forma
mudança seria
admitir que não se mudará
ninguém nunca se questiona nada
e no fim das contas
anos-novos paz vitórias felicidades
parecem um banquete da virada
mas é só o de sempre:
marmelada
*Poema reelaborado e republicado
31 dezembro 2015
29 dezembro 2015
Sartori: o Governador dos Enganados
Se você votou no Sartori, desculpa: mas ou você tinha más intenções ou foi enganado. José Ivo Sartori e seu partido, PMDB ( e seus aliados, PP, PSDB, Dem, PTB, até o PDT, entre outros), venceram as eleições para governador do RS não por seus projetos, mas por sua campanha de marketing. Projetos, Sartori não mostrou praticamente nenhum. Tudo era vago, frouxo, contraditório. Já a propaganda era digna das grandes empresas, das multinacionais, ou seja: imagem, engodo, enganação, venda de gato por lebre. O povo gaúcho, em geral, mesmo muita gente que se julga inteligente, foi enganado.
Agora o RS vive seu pior momento. Inúmeras entidades classificam o governo Sartori já como o pior de todos os tempos. A crise se originou com Sartori? Claro que não. Mas seu governo não só não soube lidar com ela e aprofundou-a ainda mais, numa incompetência sem par, como jogou a responsabilidade de toda crise nos serviços públicos, seus funcionários, e por fim, na população gaúcha, que é quem pagará o pato, naturalmente.
Sartori não governa para o povo, e isto está claro. Governa para a classe empresarial, para o agronegócio, para o desenvolvimento econômico, deixando em quinto plano o desenvolvimento humano e social. Sartori não quer bons e justos serviços para a população. Quer fazer caixa. Tem a visão do empresário, ou da maior parte dos empresários: acumular lucros. A maioria absoluta das empresas, digam o quiserem, está se lixando para seus recursos humanos, para sua clientela, para o meio-ambiente, enfim. O que ela quer é dinheiro, é lucro. É claro que, algumas vezes, as empresas se dão conta que lucrarão muito mais se conquistarem o cliente, se realizarem projetos ditos "sócio-ambientais" e se derem uma pequenina participação nos lucros, ou premiaçõesinhas, presentinhos, aos seus funcionários. Mas não fazem nem por bondade nem por ética. Fazem com a intenção de ter uma ótima imagem perante a sociedade. E assim, lucrar mais.
Por que as pessoas votam em grandes empresários para governar? No Congresso Nacional, por exemplo, dos 513 deputados, 169 são empresários. E outros tantos, do agronegócio. Na Assembleia gaúcha, o índice é ainda maior. No entanto, apenas 3% da população brasileira é da classe empresarial. Por que esse fato? Talvez porque, segundo estatísticas, é necessário em torno de 6 milhões de reais para se eleger um deputado. Só os grandes empresários têm esse dinheiro. Quem não tem, acaba por pedir doações de campanha às grandes empresas. E aí se fica com o rabo preso. Então, o poder legislativo no Brasil não representa o povo. Representa os capitalistas. E ponto final.
Sartori representa claramente esses mesmos interesses. E conta com a classe empresarial na Assembleia para ter seus projetos aprovados. E seus projetos são todos de penalização dos serviços públicos, do funcionalismo, de retrocesso dos avanços sociais. Mas quase nada fazem contra a pior das corrupções, que rouba bilhões todos os anos dos cofres públicos no Brasil: a sonegação. Ou seja: Sartori não toca em seus parceiros. Aqueles que futuramente irão comprar as empresas do governo a serem privatizadas e que irão investir na terceirização dos serviços.
Mesmo que o estado viva um déficit de pessoal em áreas vitais como Educação, Saúde e Segurança, Sartori não só não quer investir nessas áreas, mas, pelo contrário, quer desinvestir. A aprovação do PLC/206 é a prova: Sartori quer o sucateamento dos serviços públicos. Ora, o estado não existe para fazer caixa. Existe para oferecer serviços dignos aos cidadãos, que pagam seus impostos para isso. As nações mais socialmente justas investem tudo o que têm em serviços públicos de qualidade e sabem que o resultado virá com o tempo. Todos sabem disso por aqui também. Mas na hora de votar, são facilmente ludibriados pelo poder econômico, pela imagem. Brasileiro, em geral, tem dificuldade em ir além da imagem.
Enquanto tivermos Sartori e sua turma no governo, poderemos colocar na entrada do RS os dizeres do portal do Inferno de Dante: "Deixai toda esperança, vós que entrais."
27 dezembro 2015
Tu és Deus*
teu é o trono
que nos traga
o que nos traz
e a que me trago:
tudo a ti se entrega
teu é o trovão
o troar do martelo
é teu o tudo do que tememos
és tigre
e treva
a tormenta que nos leva
tua é a tuba e a trompa
é tua a trombeta
a taça trágica
a traça tétrica
dos túmulos
das tampas das tumbas
ave Tempo!
e o pulo preciso do teu puma
e o peso do punhal no teu pulso
e os passos do teu compasso
e a pressa do teu presságio
e a presa da tua praga
que ninguém pisa
e só Tu apagas
tu preparas o pesar
da tempestade
e só ao passar o temporal
é que tu Tempo
(que o tempo passa)
trazes entre as torres
o sol
da Verdade.
25 dezembro 2015
Beethoven e a Missa Solemnis: "De todo o coração"
Certo músico escreveu que se Beethoven tivesse composto SOMENTE a Missa Solemnis, já seria considerado um gênio da música. Na partitura da Missa, o seu Opus 123 (ou seja, é da mesma época da 9ª Sinfonia, Opus 125, da sua última fase) Beethoven escreveu "De todo o coração". E de fato o é: música composta de todo o coração, de toda alma, da genialidade mais profunda. Trata-se de uma das maiores obras musicais de todos os tempos, tão alta, tão poderosa, tão imponente, tão revolucionária quanto a Nona Sinfonia, mas bem menos conhecida do grande público. Há obras bem menores de Beethoven, bem menos expressivas, como a bagatelle Für Elise, que são muito mais conhecidas e apreciadas.
Mas é bom que seja assim, que essa obra suprema, de extrema grandiosidade, se mantenha menos popularizada. Não é música fácil, de se compreender com facilidade, de agradar aos ouvidos na primeira audição. Também não é, como muitos devem imaginar, música de caráter meramente religioso, apesar do seu nome (uma missa) e de sua letra (é a letra da tradicional missa do cristianismo antigo, cantada em latim), pois a missa na música já havia se transformado em mais um gênero à serviço dos grandes gênios.
A Missa Solemnis vai muito, muito além. Beethoven não era um homem propriamente religioso. Também não era um ateu. Entendia Deus como uma força, uma potência universal que abrangeria a tudo e a todos. Beethoven era um panteísta. E assim é o caráter da Missa Solemnis. Um sobre-humano monumento à essa força universal, uma obra-prima absoluta de expressão do Cosmos, do amor entre todos os seres, da vitória do Ser, é a materialização musical da alma do universo.
A 2ª missa de Beethoven, ou seja, a Solemnis, finalizada em 1823, não é a única grande missa da história da música. Bach compôs a sua fenomenal Grande Missa em Si, Mozart tem a Grande Missa em Dó, Schubert, Bruckner, Haydn, entre outros, também criaram nesse gênero obras excepcionais. Mas a Solemnis de Beethoven possui algo que a torna única, inigualável, e não se sabe dizer exatamente o que é. Talvez a força descomunal, a inovadora potência instrumental, a inusitada violência sinfônica, talvez os coros alucinados, dilacerados entre o sofrimento e a vitória, entre a angústia e a grandeza, entre o tragédia e o amor. Talvez tudo isso junto e ainda mais.
A Missa Solemnis é Beethoven em seu auge. É o que há de mais elevado no gênio de Bonn. É o que há de mais elevado na Arte. É arte "de todo o coração" para o coração dos homens.
Acima, um trecho da Missa Solemnis, o Gloria, em uma das melhores interpretações dessa obra gigantesca: a da Concertgebouw Orchestra, com o grande Bernstein na regência.
Deixo este texto e esta música como minha mensagem de Natal. E o dedico a Patrícia Almeida, minha amada e companheira.
23 dezembro 2015
E Viva o Progresso!
homem pós pós-moderno
e a máquina
(ou vice-versa
que dá no mesmo)
não podem parar:
mais combustível para o carro
mais energia para a casa
que o carro não para
e a casa
há de sempre ser clara
lâmpada acesa
geladeira repleta
comida na mesa
indústria sem freio
que o progresso não cessa
nem se confessa
não se perdoa o atraso
(retrocesso é pecado)
o navio deve ir
o avião deve ar
hidrelétrica termelétrica
nuclear
o shopping a fábrica a loja
a lavoura o fogo a forja
a mina a moeda o carvão
mais alta e vasta energia
ao micro ao celular à razão
na água na terra no céu
a máquina e o mundo
acelerador até o fundo
até que o tudo se exploda
e a vida?
ah, que se foda
e a máquina
(ou vice-versa
que dá no mesmo)
não podem parar:
mais combustível para o carro
mais energia para a casa
que o carro não para
e a casa
há de sempre ser clara
lâmpada acesa
geladeira repleta
comida na mesa
indústria sem freio
que o progresso não cessa
nem se confessa
não se perdoa o atraso
(retrocesso é pecado)
o navio deve ir
o avião deve ar
hidrelétrica termelétrica
nuclear
o shopping a fábrica a loja
a lavoura o fogo a forja
a mina a moeda o carvão
mais alta e vasta energia
ao micro ao celular à razão
na água na terra no céu
a máquina e o mundo
acelerador até o fundo
até que o tudo se exploda
e a vida?
ah, que se foda
21 dezembro 2015
O Saco do Papai Noel
Este poema foi escrito em 2013. Agora, com algumas leves revisões, republico-o, tendo em vista o clima consumista, digo, o clima natalino.
P. noel,
eis minha carta:
maior que tua barba
bem perfumada
de capital
(de fazer trança)
é a tua farsa
bem estufada
de banquetes
e palacetes
entre tua pança
de bochechas coradas
(de vergonha)
e gordas
tu só és papai,
P. noel,
a quem deixar
algumas notas
(e outras cotas)
na (pro)fundidade
do teu chapéu
P.noel
o bom velhinho
velhaco:
só ganha presente
quem tiver dedos
(no meio da moeda)
pra te puxar o saco
19 dezembro 2015
Vida Moderna x Vida
há tanta coisa na vida
que não há mais tempo pra vida
viver tornou-se uma ordem a ser acatada
dada por todos e por ninguém
sob o pretexto de uma escolha
em que não se escolhe
faça isso faça assim
seja feliz alcance o sucesso
trabalhe estude se informe
tenha compre consuma
vá à academia
faça curso de inglês
caminhe no asfalto
não fume não beba mas coma
tenha um celular avançado
nas férias vá para a praia
consulte um médico faça exames
ostente sempre um sorriso
ajude alguma causa social
goste do que está na moda
seja o que se espera de ti
tenha planos tenha metas tenha bens
mas não basta ter
é preciso mostrar que se tem:
não se é feliz nem se tem sucesso
se os outros não souberem
que você é feliz
e que você tem sucesso
faça isso tudo
e no que sobrar do tempo
lamente não ter tempo pra nada
17 dezembro 2015
"Os ideais da humanidade se limitam à posse de um apartamento, uma geladeira, um computador e um automóvel."
Entre os contistas e cronistas brasileiros, o mineiro Fernando Sabino (1923 - 2004), é um dos meus preferidos. Foi um notável observador do homem, do estado da humanidade, do cotidiano das pessoas, daqueles pequenos detalhes a que geralmente não damos muita atenção, mas que uma vez revelados nos indicam a realidade caótica, absurda, em que nos encontramos. E algumas das viscerais observações de Sabino estão na crônica "O Ano Que Vem", do livro "A Cidade Vazia", de 1948, uma das primeiras obras do escritor. Vamos a alguns trechos da crônica, ainda incrivelmente atual, como toda boa literatura:
"Os ideais da humanidade se limitam à posse de um apartamento, uma geladeira, um rádio e um automóvel. Há qualquer coisa de trágico nesse cerceamento do espírito, nessa canalização de sentimentos que exige, na sua prática, uma disciplina de verdadeira filosofia iogue: a felicidade está em repetir, cada um para si mesmo, da manhã à noite, "sou livre!", "sou alegre!", "sou feliz!" até que a ilusão de uma realidade perfeita baixe sobre todos."
(...)
"Ele dirá fatalmente entrando num apartamento qualquer: "That Beautiful!". Beautiful por quê? Não é um apartamento exatamente igual aos outros? A milhares de outros, com o mesmo banheiro de paredes imitando azulejos. Com a mesma sala de estar sem janelas, estrangulada no meio dos quartos. Com as mesmas paredes de madeira e com as mesmas reclamações dos vizinhos. (...) "What a wonderful car!" ele dirá então, apontando para qualquer Chevrolet que lhe mostrem, enquanto lá nas fábricas um outro exatamente igual vai sendo lançado por minuto."
(...)
"Nada como exteriorizar um otimismo inexistente para fazer do conformismo uma ilusão de independência. Para fazer da vida algo que se gasta, com o dinheiro, na compra de imediatas e concretas fruições. Sou feliz, sou feliz - trancados no quarto, cercados de ruído, engaiolados em armações de aço, consumidos de uma insônia contra a qual as pílulas sedativas nada podem, o tédio e a solidão a espiar do canto, como dois demônios parados,, repetem até alta noite o refrão monótono de um dínamo esgotado que reacumula energia para as atividades do dia seguinte."
"O Ano Novo, onde está? O mundo continua o mesmo do ano passado, de todas as partes continuam chegando notícias de mortes, misérias, fome, guerra, sofrimento. Nenhum milagre aconteceu."
Alguém discorda do Sabino? Lá nos ideais da humanidade podemos substituir o rádio pelo computador. O resto continua igual.
15 dezembro 2015
245 Anos do Maior Gênio da Música
Meu compositor favorito não é Beethoven. É Brahms. Questões de afinidades. Beethoven está em segundo lugar na minha preferência, seguido de Bach. Mas desde sempre considerei Beethoven, assim como muitos outros amantes da Música Erudita, como o maior gênio musical que já existiu, capaz de, quase sozinho, realizar uma das maiores revoluções artísticas da história. O gênio alemão, nascido em 16 de dezembro de 1770, não só criou uma nova forma de expressão, não só estabeleceu as bases e levou ao auge o Romantismo musical, como também criou música universal da mais absoluta profundidade e riqueza interpretativa, ainda hoje não superada. E nunca mais o será. Em 2012 escrevi um poema indigno do mestre, mas foi o que consegui fazer em sua homenagem. Agora, republico-o:
(Não-)Palavras a Beethoven
és Tu,
que só dizes
ao que é:
de Ser
a Ser
quanto a mim
que não sou meu eu
não digo palavra
só verso
do nada
que o que música
é silêncio
sublimado em Verbo
e em Verdade
calada
o teu
é um arquetípico
de ideia-alma
substância-essência
síntese e única
em cada toda nota
ao que se consciência
não mais
que se há mais
é a-final.
o que
em tua música há?
tudo aquilo
que o (não-)homem
jamais será?
14 dezembro 2015
Santiago, (Operação) Terra dos Poetas
Nos últimos dias, Santiago não vem tendo seu nome associado à poesia, mas a algo bem diferente. Corrupção? Desvios de verbas? Fraudes? Talvez até fosse mais apropriado mudar o título de "Terra dos Poetas". É, eu sei, não soaria muito bonito associar a algo negativo como "Santiago, Terra dos Corruptos". Alguns, talvez, até protestassem: "Mas a corrupção, por exemplo, em Santiago não é maior que em outras cidades." Em termos absolutos, claro que não. Mas convenhamos que para o tamanho da cidade, que não é muito populosa, os índices estão até que bem altos. Além do mais, Santiago tem mais poetas que outras cidades? E acho que nem proporcionalmente falando.
A coisa começou com a intitulada "Operação Terra dos Poetas", deflagrada pela Polícia Federal, que associou nacionalmente o título de Santiago a uma das maiores fraudes recentes contra o INSS. Um dos maiores envolvidos é santiaguense. Depois veio a "Fraude Rural", que ocasionou a prisão de gente conhecida na cidade. Agora, surge a oposição de entidades federais contra a indicação do santiaguense Marco Peixoto para a presidência do Tribunal de Contas do Estado, com a justificativa de que o mesmo responde por crime de estelionato na justiça e emprega um assessor já condenado por desvio de recursos na Assembleia Legislativa. Sobre o fato, afirmou a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira: "Um acusado de cometer crime não pode comandar uma corte que investiga fraudes e fiscaliza outros órgãos. Não é algo compatível com o cargo de alguém que dirige um órgão que tem a missão constitucional de fiscalizar a legalidade dos atos de pessoal”. Conferir aqui.
E o que mais falta para ser descoberto na Terra dos Poetas?
10 dezembro 2015
08 dezembro 2015
Contra a Manhã
Manhã dos outros! Ó sol que dás confiança
Só a quem já confia! Fernando Pessoa
algo que fosse apenas Noite
noite que só fosse em si
mesma
neste jamais deixar de sê-la
e o sonho fosse por senti-lo
sem ter que ser a que não seja
longe de toda estas manhãs
estas manhãs de ações inúteis
de se fazer acontecer
em que só o nada é que acontece
noturnos sem amanheceres
sem trabalhos que a nada levam
sem balbúrdias de humanos vácuos
sem problemas de homens de bens
no seu mundo que anda ao abismo
nas suas ruas sem sentidos
nas suas vidas sem caminhos...
quem me dera nunca iniciasse
o (não)sol da “manhã dos outros”
06 dezembro 2015
Dois Dentes de Esperança
I
hoje
tudo é comprado
(até virgindades)
e tudo é vendido
há até
quem venda esperanças
(até virgindades)
aos olhos vendados
do povo fodido
II
quem crava seus dentes
nas veias cavas macias
das nações indefesas?
o lucro vampírico
(dos chupacabras)
das grandes
em
presas
hoje
tudo é comprado
(até virgindades)
e tudo é vendido
há até
quem venda esperanças
(até virgindades)
aos olhos vendados
do povo fodido
II
quem crava seus dentes
nas veias cavas macias
das nações indefesas?
o lucro vampírico
(dos chupacabras)
das grandes
em
presas
04 dezembro 2015
Eu Amo a Noite
Fagundes Varela escreveu um dos mais belos e viscerais poemas dedicados à noite (e/ou ao sombrio) da literatura brasileira. Publico-o abaixo:
Eu Amo a Noite
Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.
Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.
Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.
Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.
Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.
Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.
Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua.
Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!…
Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.
Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó…
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?
Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.
Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.
Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!…
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!
Eu Amo a Noite
Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.
Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.
Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.
Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh’alma é de ilusões vazia.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.
Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.
Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.
Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh’alma é de esperanças nua.
Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!…
Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.
Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó…
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?
Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.
Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.
Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!…
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!
02 dezembro 2015
Contra o bom senso
o bom senso
é o que estraga tudo:
o que é o bom senso
senão a cartilha
de se gerar medíocres?
o bom senso é o ninho
dos lugares comuns
o gérmen do tédio
a árvore do comodismo
a lavoura da covardia
o bom senso é a máquina
de se fazer escravos e dominados
o curso superior da servidão
a lei que mantém os fracos
sempre fracos
o bom senso é a máscara
com que se disfarça
a falsa razão
é o julgamento errado
do que nos empurraram como certo
o bom senso
é a negação da criação
enfim
é a maneira que encontraram
de mentir que é vida
o não se viver enquanto vivo30 novembro 2015
Atentado aos não-atentos
a poesia é o nada
tornado inútil
pelo imprestável
é aquilo que não presta
no entre
de um mundo em pressa:
a poesia
é tudo o que resta
é o aquilo
que não pode ser dito
sendo dito
(ou intentado)
atentado
aos não-atentos
dito
mas não compreendido
seja como for
é como se não fosse
viu, veio e venceu
o seu tempo
ou o seu tempo venceu
como um produto
que perde a validade:
logo não está
no tempo que é
quem escreve
querendo dizer alma
não só não diz
(porque não há o quem capta)
como sem nada acaba
(nem paz nem palavra)
que um poeta
não há nada que o valha
27 novembro 2015
Céu Perdido
sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos
porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
em raio de horror tornado tornado
olho amigo para o céu que oceana
todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa sanguínea
tudo é triste abaixo dO que não é
e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão longe, em febre, tão pouco...25 novembro 2015
quem dera ficasse
a vida passa tão rápido
tão rápido
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
que logo são águas passadas
que ao longo são mágoas pesadas
que ao largo são folhas pisadas
e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
sejam flores ou olhares
passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) te diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é vida)
a poesia é o que fica
23 novembro 2015
de Mulheres Difíceis
Poema inspirado e dedicado a Patrícia Almeida, por ocasião de seu aniversário (23/11/2015)
I - viver ao lado de uma mulher
I - viver ao lado de uma mulher
(se ela é uma grande mulher)
não é não ter mais que sonhá-la
não é não ter mais que sonhá-la
por estar com ela
mas estar com ela
para ainda mais sonhá-la
II - há dois tipos de mulheres:
II - há dois tipos de mulheres:
as de personalidade forte
e as que não valem a pena
III - chamam de mulheres difíceis
III - chamam de mulheres difíceis
aquelas que além de inteligência
têm alma:
os homens em geral
não as conquistam
porque homens com alma e inteligência
são ainda mais difíceis21 novembro 2015
de Ironias do Destino
o destino
é um irônico:
fez Beethoven surdo
para que ouvisse o mais alto
fez Milton cego
para que visse o não-visto
fez Pessoa nada
para que nos dissesse tudo
quanto a mim
fez com que eu tomasse vinho
para que enxergasse duplo:
é mesmo muito irônico
esse De(u)stino
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