15 março 2014

Lições da Poeira

vê como tudo se perde
por entre os dedos
do que não vemos
vê como tudo se verte
por entre a vida
que nem é vista
e a água que corre
(como se fosse num porre)
nem percebemos
que já é areia...
lições
da poeira


quando vê-se que é
o que é já se foi
estamos sempre
um passo atrás
daquilo que passa
só somos
(só
somos...)
quando nem é mais
e deixamos que morram
antes que o corpo
as nossas almas
até então imortais
mas só de areia...
lições
da poeira


e o que sobra
é o papel do que fomos
aquela superfície maquiada
o pó da face
plastificada
e ficam ali as pessoas
sendo um móvel
de belo verniz
mas que por dentro
(num carcomer lento)
os cupins o deixaram em lasca...
aquelas pessoas
ainda vivas
que do que foram
só restou a casca
um balde vivo de poeira
castelos
de areia...

14 março 2014

da Vida Real (ao Dia Nacional da Poesia)

há uma vida
que não a vivida
um outro lugar
onde eu devia estar
e que é o meu dever
mas onde não me vejo
porque não encontro um ponto
entre o meu desejo
e o meu ser

os homens
fazendo-me fôrmas disformes
quiserem convencer-me
de que o rastejar de verme
e o estar dentro dos moldes
é o mesmo que vida
ou coisa que o diga

fizeram de suas vidas
só os meios de se viverem
que acaba por não ser nada
por não chegar a fins nenhum
mas querem que entre eles
e seus motivos reles
eu me sinta vivo
sendo o só de mais um

há uma vida
que não a vivida
onde eu deveria viver
mas há um abismo fundo
entre o que é mundo
e o que sinto em meu ser...

Poema ao Dia Nacional da Poesia, comemorado hoje, 14 de março, aniversário de Castro Alves


12 março 2014

Para Aqueles que Aprenderam a Lição

sentiu
aquele gosto
de esgoto
trago que traga
a quem o traga
como se tivesse de almoço
a própria praga

sentiu aquele gosto de rato
como se um deles mijasse no prato
e boiasse barata no copo
depois descendo
pela ardência do esôfago
e ouviu o baque báquico
de sua queda
na úlcera fúngica
do estômago

sentiu aquele gosto do tarde
como se mastigasse o cáustico
(tremendo as mãos dormentes)
com o farelo da quebra dos dentes
e sangue de porca num jarro
no desespero do erro
infeccionado
de arrependimento e catarro

sentiu aquele gosto de gente
pela traqueia exposta
(a lição de não vomitar bosta)
naquele ato
do após que falava
que era engolir
palavra por palavra


07 março 2014

Soneto de um Mundo Finito

sentido que existe além do meu corpo
leva-me a um algo distante pressinto
mais do que vida que mato e que minto
fora do tempo em que furia-me o corvo

olhei para o longe com um vasto absorto
e todo meu olho era um trago absinto
filtro de névoa onde houvesse um distinto
e o sonho não fosse um fétido aborto

findo este mundo, para onde o que digo?
há algo de eterno entre o som dos olhares
há algo de vivo entre o morto e o jazigo...

sentido que capta além dos pensares
como que sinto a que sinta contigo
quando no sangue nos vier te vingares?

05 março 2014

Nem todo brasileiro gosta de carnaval

nem todo brasileiro
gosta de carnaval
ou de se extravasar extrovertido
em ditas felicidades
infelizes
e decadentais
num euforismo caótico-alegre
confundido com alegria
e outras cadências supérfices
degradacionais

nem todo brasileiro
gosta de pagodeiras
axezeiras caganeiras
e outras babaceiras
de bolos fecais

não que eu queira ofender
todos esses sublimes
(a)fundamentos co-culturais

mas deixo meu atestado
de antipático
e outras coisas e tais

03 março 2014

Ninguém se Importa

seja a justiça feita
esteja a justiça torta...
ninguém se importa

que passe pela mata viva
que passe pela mata morta...
ninguém se importa

que pulse alma pela veia
ou nem sangue pela aorta...
ninguém se importa

ninguém se importa
até que escute
as batidas na sua porta...

01 março 2014

Cobrança

cobram-me que eu saiba
que o homem é essencialmente
nobre

mas podre
e coberto o coração de moedas
o homem
só ouve um sino
de cobre sujo
de toque mudo
sem dobre

cobram-me que eu saiba
que o homem é infelizmente
cobra

antes fosse
e talvez tivesse
sabedoria de sobra

mas pobre
e coberto o coração de moeda
o homem é tão somente
cobre

28 fevereiro 2014

que sonho que eu sou quando eu for-te

que sonho que eu sou quando eu for-te
no que eu deixei-me em que parte
se tanto eu partia em nos ver-te...

nem chuva não cai mais dos mares

não tenho onde é que vou por-me
ou deixar-te a quem não achar-me
se tanto vi o céu não mais ser-me...

nem lago sai mais dos cantares

a rosa pairou-me em horror-te
beijá-la é o dever-me de arte
se tanto li o som do que verte...

nem sangue sai mais dos olhares

que sonho que eu sou quando há mor-te
no que eu deixei-me em que amarte...

26 fevereiro 2014

Sobre o Fanatismo

I

fanatismo
é observar um galho
julgando ser a árvore
e querer que o galho
seja a árvore
em definitivo

II

todo homem se suicida:
seja em corpo ou mente
em psique ou alma
de tal ou qual forma
em maior ou menor grau
em tormento ou na paz...

fanatismo
é suicidar-se
jurando a todos e a si
que não o faz

III

fanático
é quem quer fazer
com que o seu eu
se torne o meu


24 fevereiro 2014

Soneto de Retorno

fazer voltar tudo o que hoje é antigo
e que surja a alma destas cinzas brasas
das cinzas brasas pelos campos trigos
te trago águias com amor nas asas

águias de asas altas do que te digo
e que eu diga sonho entre as tardes claras
nas tardes claras ter tua mão comigo
por entre as eras das sublimes sagas

sublimes sagas do que foi distante
de um mundo em ouro por extintas lâmpadas
e agora vamos pelos céus avantes

nos céus avantes com estas notas tântricas
somos essências das eternas fontes
e um vinho em paz nas tuas íris límpidas

*Dedicado a Patrícia Almeida

23 fevereiro 2014

Uma Advertência de Satã

As estrofes abaixo são do poema  "O Imprevisto" que está incluído na edição completa das poesias do grande gênio maldito, Charles Baudelaire.  Há nos próximos versos uma severa advertência de Satã. Ela começa no trecho : "Haveis à regra obedecido..." Parece que serve para muitos, inclusive para algumas pessoas mui religiosas:

'E depois surge Alguém, por todos renegado
E que lhe diz, mordaz e altivo: "Haveis à regra
Obedecido e em meu cibório comungado
Na jubilosa Missa negra?

Cada um de vós no coração fez-me um altar;
Beijastes em segredo o meu traseiro imundo!
Escutai de Satã a gargalhada no ar,
Imensa e feia como o mundo!

Supusestes então, hipócritas surpresos,
Que se zomba do mestre e a ele se é infiel,
Ou que vos cabe a recompensa de dois pesos,
Tornar-se rico e ir para o Céu?'

Charles Baudelaire

21 fevereiro 2014

Nada a (me) Declarar*

o que há
no jornal de hoje que leio
( e já é ido
esquecido
como quem não foi escolhido
em um sorteio)
é o nada de amanhã
inútil fato fatídico:

o que é já foi
e o que vem
(como acontecimento)
já nasce sendo passado...
e nada restará do teu lado

tu, humanidade do agora
(és pior ou sempre a mesma?)
que observo
(como quem vê passar uma lesma)
vais me dizer o quê?

da filosofia uma oferta?
(cadáveres de boca-aberta)
esperanças de ilusões aladas?
(ridículos finais de piadas)
ou políticas das altas esferas?
(têm mais a me dizer as cadelas)

lá vaga o teu nada
(-adiantar)
nadando na baba
dos sapos dos sábios...
e o que eu farei
com tanta riso estúpido
derramado
do furúnculo
dos lábios?

aqui neste planeta exangue
(tu bem o sabes)
o que importa é o Sangue...

*Poema reelaborado e republicado.


19 fevereiro 2014

Os Aduladores de São Yago*

torpes
querem todos
chegar ao topo
dos montes de nadas
castelos de cartas
inflados de ar
e de marmeladas

tortos
mais máscaras do que rostos
vão vendendo seus ânus
a preços mais baixos
do que os dos capachos
em que esfregam a merda
dos sapatos
seus cagados amos

raça
de duas caras
escancaradas
de farsa e trapaça
sorrisos de aparência
gelatina na consistência
gotejando baba
a ostentar suas gordas carcaças
e a levantar as saias
abaixando as calças

línguas largas e gastas
lacaias
de lambedores de botas
e bostas
com a espinha curvada
e com sacos nas costas...

mas as espadas e as nuvens
já estão postas
pra a tempestade
de chuva de facas
e vento de pontas

*Referência a Iago, personagem da peça Otelo, de Shakespeare, símbolo do homem falso e hipócrita.

17 fevereiro 2014

Música Infernal ou Apocalíptica escrita em nádegas numa obra de Bosch?


Quem acompanha o blog sabe o quanto sou fã de Hieronymus Bosch, um dos maiores gênios da pintura de todos os tempos, cuja visão espantosamente adiantada previu, com CINCO SÉCULOS de antecedência, as loucuras, o caos,o  sonho e o pesadelo do Surrealismo. Tanto que no poema que postei anteriormente, está o acompanhando uma pintura do gênio holandês.

Pois mais genial ainda se torna Bosch quando ouvimos uma música cuja partitura ele deixou estampada em um detalhe que muitas vezes passa despercebido no "Inferno" do seu Trítico "O Jardim das Delícias", pintado há mais de 500 anos. Nas nádegas de um suposto condenado, está pintada a partitura, com notações musicais da época, semelhantes ao do canto gregoriano. Acompanhe nos quadros o detalhe da partitura e um detalhe maior da cena do "Inferno" de Bosch. 

Pois uma estudante universitária americana, conhecida apenas como Amélia, tentou executar a música. Disse a estudante: "Eu decidi transcrevê-la em notação moderna, supondo que a segunda linha escrita é em C (Dó), como era comum para os cantos desta época". 


Aqui neste site, que é da própria estudante, a música pode ser ouvida. Será que corresponde realmente ao que tentou deixar Bosch? Por que aquela partitura foi gravada nas nádegas de um condenado? Perceba no quadro maior que há um livro de partituras aberto bem próximo ao condenado. Provavelmente, nunca teremos essas respostas. Para isso temos a imaginação e a intuição. 

16 fevereiro 2014

Soneto à Vitória do Caos



não, agora que soam tempos outros
eu falarei como te sendo o ausente
ou um nada que nem sequer se sente
um vazio pelas mentes dos doutos

pesteado bicho pelos campos solto
pingo de sangue na vagina quente
a poeira de um meteoro incidente
um palavrão na boca de um louco

serás o assalto de uma velha astuta
gosto insentido de cianureto
os pedaços de carniça em disputa

a navalha que num fígado eu meto
saliva morna de um beijo de puta
e a tua presença entre meu soneto

(Na imagem, "O Julgamento Final", de Hieronymus Bosch).

15 fevereiro 2014

do Meu Nome Quando é Dito

o meu nome quando é dito
(e quem há dito
que meu nome alguma vez
bem dito?)
nunca se sonora como sendo
quando dizem que sou eu
não há-de
e ninguém a mim
me entendo

e quando dizem que não sou
se contradizem no assim mesmo
porque ao dizê-lo o não
meu ser já se foi
e já o é
sendo som

o meu nome é aquilo que não-trilho
um passo dado ao nada e ao brilho
um sim subindo pelo não dizendo

o meu nome é aquilo que nem-lendo
palavra nada
na última página
arrancada
de um livro de vento

o meu nome
é como se fosse o como...
e como
é que se pode vir do vago?...

do meu nome
não se diz nem do que é céu
mas acham que digo do meu eu
ou que sabem do que é meu...

ledo engano...
mas só quando advir o dano
advertir-se-ão que sou
mas...
só sendo
eu não-eu.

14 fevereiro 2014

Show de Preconceito e de Absurdos realizado pelo deputado Luiz Carlos Heinze, do PP

Não me estenderei muito nesta postagem, porque ficar escrevendo sobre determinados políticos definitivamente não vale a pena. Apenas digo que as declarações do deputado federal pelo PP não me impressionaram, pelo contrário, era o que eu esperava dele, e é o que eu espero de outros políticos de sua mesma linha (eu ia escrever "laia", mas desisti). 

O Heinze, tão amado por um setor da sociedade santiaguense, pelo menos foi sincero. Sem máscaras, sem hipocrisia, mostrou a cara. Está certo que foi num momento de êxtase emocional, cercado pelos seus correligionários e afins, em um daqueles discursos inflados, flatulentos e demagógicos típico de muitos políticos. E não foi só ele, obviamente, basta assistir ao vídeo, mas tente não vomitar. Ali também está o deputado pelo PMDB Alceu Moreira. Veja aqui.

O seu Heinze afirma: "...é ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta está ali aninhado..."  Seria hilário, não fosse patético. Inclusive o seu Heinze chega a aconselhar os produtores rurais a contratar segurança privada para defender sua propriedade. Defender do quê? Como? Quem tem que se defender é a sociedade de determinados "produtores" que querem mais e mais terras para encher de soja, transgênicos, agrotóxicos, devastando e poluindo.

Já escrevi aqui sobre a defesa enlouquecida do deputado Heinze pelo nefasto, destrutivo, vergonhoso Novo Código Florestal. Diz que defende os pequenos agricultores. Defende, isso sim, os campos e a renda dos grandes latifundiários. Não quer terra para os índios, por exemplo, porque quer mais terra para os grandes latifúndios, que possam ser compradas a preços irrisórios, e ter sua flora e fauna aniquiladas em nome dos gordos lucros do agronegócio. Só não vê quem não quer. E têm os que veem mas se fazem que não veem nada.