09 novembro 2010

Viver, de Mário Quintana

 Mário Quintana (1906 - 1994), um dos maiores poetas gaúchos, talvez o maior, é também um dos maiores poetas brasileiros. Ainda bem que nunca foi eleito para essa palhaçada intitulada "Academia Brasileira de Letras", o que concede ao nosso Quintana ainda mais honra e valor.  Nascido em Alegrete, em meio ao pampa, como eu, viveu, no entanto,  a maior parte de sua vida em Porto Alegre e amou intensamente a capital gaúcha.  Sua poesia, de uma simplicidade profunda e expressiva, percorre com naturalidade desde a mais aguda ironia até um singelo lirismo que nos fascina e comove. Sua sensibilidade e criatividade poética, sua capacidade de síntese, seu despojamento de linguagem, sua preocupação com o mundo e o homem moderno o colocam como um dos pontos mais altos da poesia contemporânea brasileira. Abaixo, um de seus poemas. (Na imagem, o quadro "A Morte de Ophelia", de Millais.)

Viver
Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar...  Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
         e voar...
                 cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!



Mário Quintana

07 novembro 2010

O Tornado

...o tornado que retorna eterno à minha torre
planeja pelo eterno o teu olhar em torno
e a tua (re)volta sopra em trovão nos nervos
que nada volta para valsar em sempre
mas para tornear como vertigem turva
em torvelinhos-ar do que revolto venta
fugaz tormenta em que tornei de novo
e no momento que me atormenta o tempo
sinto ternura no maior tormento
e a outra vez que em volta vieres torno
à torre de retorno eterno que me hei tornado...


05 novembro 2010

Palavras ao Sol

Sol
és um traidor
prometeste-me tanto ser com os teus dias
mas tostaste minhas esperanças
com o fogo injusto das tuas auroras...
bastou o teu amanhecer ilusório
para que os sonhos me presenteados
pela materna Lua
(“Ó Lua, Lua triste, amargurada...”)*
se dissolvessem na indiferença da tua luz...
quando eu mais precisei de ti
me viraste a face
por entre as nuvens
da tempestade...

ah se eu pudesse
impedir que viesse o teu verão
asfixiá-lo com a minha névoa
enegrecê-lo com a minha noite
e congelá-lo com a minha geada
para não ter que ver
com o cansaço dos meus olhos
pelas ruas degradantes de calor
o desfilar patético em todos os sentidos
da fútil frívola supérflua
desta imbecil alegria estúpida
da humanidade sem nenhum sentido

mas o que digo?
sim, agora eu recordo:
devo estar contigo...
Sol, és meu alento último
és o Fim
Tu acabarás com esta humanidade:
perdoa-me, sou teu amigo.

* verso de Cruz e Sousa



04 novembro 2010

Os Teus Olhos Noturnos...

talvez seja com a insana
palavra de sombra
que se sana
e se aclara a verdade...
o que ilumina melhor a noite
do que a mais relampejante tempestade?

graças aos teus agouros
ah coruja amiga
eu não me iludo...
ah os teus olhos imensos noturnos
que alertantemente
veem tudo...

somente um olho escuro
conhece o segredo que há
entre esta estrofe
e uma revoada de urubus...
só a sombra
percebe os mínimos detalhes
da luz...

02 novembro 2010

Cantiga para não morrer

Ferreira Gullar é um dos mais importantes poetas brasileiros da atualidade. Nascido em 1930, em São Luís do Maranhão, ainda vive e escreve, e sua poesia é conhecida internacionalmente. Sua obra é vastíssima e adentra-se em diversos estilos e nas mas variadas temáticas. Vai do Concretismo ao Romantismo. Na imagem, o quadro "O Canto da Sereia", de Waterhouse. No Dia de Finados, não falarei em Fim. Pelo contrário, deixo uma "Cantiga para não morrer", de Ferreira Gullar. Que pena que não é minha...


Cantiga para não morrer

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Ferreira Gullar

01 novembro 2010

Cuidado! Poeta à Vista!

é grande o perigo em ser poeta
(ah quem dera
fosse só perigo...)
há que se andar sobre o fio da navalha
(ah quem dera
fosse um sol comigo...)
a que me destino
e a voz rouca do infortúnio mudo
há que virar um hino...
para chegar aonde me esperam
de minhas esperanças
tornei-me o assassino
perdi-me
encontrando para outros
tornei-me príncipe escravo
dos versos livres
em que me imagino...

lá nos confins do que se perde
em busca do que não estava
“vim, vi e venci”
e o deixei
sobre o macio granizo
da tua mão...
e parto com os dedos em sangue
sem nem sequer pedir um não
de gratidão...

30 outubro 2010

Poema Catastrófico nº3 – Amazonas sem Lágrimas

(Poema para a seca recorde na Amazônia, a maior já constatada.)


eu
o maior rio do mundo
sou talvez o leito planetário
das lágrimas divinas
Deus emocionado com sua criação
derramou nos meus caminhos
suas cósmicas lágrimas...

mas agora Deus parou de chorar
e seco como o suco da desgraça
abandona-me como o eco
do voo endurecido de uma garça...

Deus não chora mais
é frio e indiferente
secaram suas esperanças
e compreendeu:
agora tudo é seco:
seca é a vida
seca é a alma
seco
é o sorriso das crianças

mais seco que o meu leito
é a terra seca
do humano peito

e como sempre
ninguém dará atenção
às minhas palavras insanas...
mas sei que as minhas correntezas
sem lágrimas divinas
serão de lágrimas humanas...

29 outubro 2010

Não se pode esquecê-Lo...

O grande, o imenso, o gigante Fernando Pessoa... não se pode esquecê-Lo. É por isso que deixo três pequenos-enormes poemas do maior gênio da literatura de língua portuguesa. Nada mais a declarar. (Na imagem,  a escultura "Anjo da Tristeza", de William Wetmore Story.)

Deve chamar-se tristeza

Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.

Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.

Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.


Bem, hoje...

Bem, hoje que estou só e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto, se o for, serei em vão.

Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.

Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.

Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer coisa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem.


Sonho

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa

27 outubro 2010

Poema Catastrófico nº2 - Mares Mortos

(poema para o novo Tsunami que devastou a costa da ilha de Sumatra, na Indonésia, e já deixou centenas de mortos. E também levando em conta a recente constatação de que cerca de um terço das formas de vida dos oceanos ou já se extinguiu ou está à beira da extinção.)

7,7
na escala richter...
dizem que o 7 é um número sagrado
mas eu não sei o que digo
com a minha boca asfixiada
com o sangue da água:
para mim o 7 é sangrado

os tímpanos da orquestra em terremoto
da percussão dos sismos
cismaram com meus tímpanos
por mais que me ensinassem
a não me abalar com pessimismos...
e com abalos sísmicos?

arrastou-me os rastos dos rastejos
dos silvos das serpentes asiáticas...
surgem quando menos se espera:
pode se extinguir o Tigre de Sumatra
mas a Natureza é sempre fera...

agora estou lá
morto pelos maremotos
entre os maresmortos...

Um Pouco de Autopromoção

Já disse aqui que os artistas devem fazer às vezes uma autopromoçãozinha, principalmente quando não têm a divulgação da grande mídia, como é o meu caso. Assim, de vez em quando eu me autopromovo. Afinal, os políticos passam se autopromovendo, mentindo muitas vezes, por que então eu não poderei me autopromover? O texto abaixo foi escrito em seu blog pela blogueira paulista Katia Martins  - www.literaturamundana.blogspot.com.  Ela escreveu o seguinte:

"Eu já estou há muito tempo por aí.
Já li muitos clássicos, muito lixo, e estava meio inconformada com a literatura atual.
Mas, descobri uma luz no fim do túnel: A.REIFFER
Não sei se ele vai ficar zangado comigo, mas eu gostaria que todos conhecessem esse "menino" com alma nobre e escrita primorosa.
Digo isso vindo de uma universidade federal, onde muitos se denominam especiais, mas não são.
Muitos acreditam ser, mas esse garoto - para mim que sou anciã - realmente é.
Morram de inveja!
Leiam."

Obrigado, Katia.

25 outubro 2010

Poema Suicida (sobre Palavras de Brahms)

“Na capa (da partitura) deverá ser colocada a imagem de uma cabeça com uma pistola apontada para ela. Creio que isso dará uma ideia dessa música. Tratarei de enviar uma foto minha”. (Comentário de Johannes Brahms sobre seu Quarteto para piano e cordas nº3, Op.60)

ah quem me dera
poder isso dizer de uma arte de mim vinda...

ser o alto da expressão máxima
do último adejo de asa
que faltou para o derradeiro degrau
um olho que sempre esteve ali chamando
e que a um passo da visão extrema
perdeu no voo uma pena
e não deu sinal...
o ciclone que arrastava do vulcão ao abismo
a catedral que o sol sangrava
despencada por um sismo
e a tênue teia entre o amor e o fatal...
o que se ergueu e que depois se foi expulso
o sonho o nunca o nada o pulso
e coisa e tal...

apesar do sem-fim do sentimento
que me alarma
eu não passo de um sublime fracasso
que me alarma...
meu amado amigo Brahms:
empresta-me a tua Arte
ou a tua Arma...

22 outubro 2010

...e vi que havia Sangue em minha Espera

tateei no vinho em treva
o Prenúncio
e vi que havia Sangue em minha Espera
colerizavam nos meus olhos
congestionados de ler sinais vermelhos
em Lao-Tsé e em Confúcio
os sintomas rubros de uma fera...

a culpa fulva
lacrimejou nos cortes dos meu dedos
e vi que havia Sangue em minha Espera
um sabiá golfejou da laranjeira
entre cantos das cortes dos meus medos
uma envenenada amarela...

degolei a laranjeira no auge
da sua menstruação
e vi que havia Sangue em minha Espera
semeei seus ovários pelos horizontes
com a espada em zodíaco da minha mão
furiando aquele incêndio com uma vela

sonhei que um sapo e um cavalo
urinavam líquidos escarlates pelas águas
do poço em que ceifei das tulipas a mais linda
que era Ela
e o pulso do meu coração se vinagrava
ainda
e vi que havia Sangue em minha Esfera...

21 outubro 2010

Uma Sentença

morre o sol e nasce a lua
e o Fim em tudo flutua...
já há tão pouco a ser dito
que não há por que falar de amor
ao que é finito.

para deixar um verso que fique
é mister que eu não fique em nada
e o mistério da minha vida inútil
não passe de um passo a uma palavra
(que não disse)
suicidada...

para deixar um verso que fique
perde-se a rima do coração...

tudo o mais é ilusão.

20 outubro 2010

Dilma ou Serra?

Não direi o óbvio de que tanto a Dilma quanto o Serra têm mais contras do que prós. São dois maus candidatos. Não aprecio nenhum dos dois. Tanto é que no primeiro turno fiquei na dúvida entre Marina e Plínio, e fiquei com o último.

Porém, por trás de Dilma e de Serra está algo mais importante na hora de governar do que a pessoa do presidente. No fundo, não é a pessoa que governa, é o seu partido. E a sua intrínseca ideologia. O PT de Dilma é um partido de esquerda, ainda que tenha se aproximado do centro nos últimos anos. O PSDB de Serra é um partido de direita, ainda que também tenha se aproximado do centro. Porém, ainda é esquerda contra direita.

E eu jamais votarei na direita. Nunca. Já disse isso aqui no blog. Repito. Portanto, vou de Dilma. E seja o que tiver de ser. O que é a direita? É o governo de e para as classes dominantes, sempre foi assim, por mais que se esforcem em dizer que não. A ditadura militar brasileira foi um governo de direita. A Alemanha nazista era de direita. O fascismo de Mussolini na Itália era de direita. Apenas para ficar com os exemplos mais conhecidos.

Para mim já são motivos suficientes para não votar no Serra. Mas como se esses ainda não fossem suficientes, recebi um e-mail defendendo Serra que me forneceu ainda mais motivos para nele não votar. Transcrevo um trecho do e-mail:


"Se Arnaldo Jabor, o crítico e comentarista do Jornal Nacional e do Jornal da Globo também está pedindo pra não votar na Dilma - Temer

Se a Marília Gabriela também está pedindo pra não votar na Dilma - Temer

Se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil está pedindo pra não votar na Dilma - Temer

Se Pastores de todo o Brasil estão se mobilizando contra a candidatura da Dilma - Temer"

Então, se o Arnaldo Jabor apoia Serra, é porque a Globo também apoia, aliás isso é óbvio, é só olhar os seus noticiários, e se a Globo é a favor, eu sou contra. A chata da Marília Gabriela vai de Serra? Ainda bem. E os padres e os pastores querem Serra? Deus o livre,então, votar no Serra. Deus defenda uma coisa dessas!

18 outubro 2010

Oração – Alerta

Tu
cujo Nome não me é dado distinguir
nem dizer-me mesmo a mim
faz que eu esteja sempre atento...

ao não e ao sim
além do máximo que me for possível
faz que me seja óbvio o que é óbvio
e uma antena oculta ainda que trágica
além do trágico do que é invisível...

faz que não me escape nem o nada
nem o mínimo movimento que se esconde
e que eu sinta o todo o onde o cada
o que não pode o que não há o que não veja
como a presa percebe a cobra
como a cobra pressente a presa

que eu esteja
em cada pulsar de veia
em todo sinal que vibre
como o tigre persegue a presa
como a presa se esquiva ao tigre

faz que eu capte o gesto e a íris
o dilatar-denúncia da pupila
o sonho o vago o sem-saída
o sorriso amarelo da esperança
o falso sol em ouro que me brilha...

faz que eu esteja sempre atento
ao sangrar do crepúsculo do tempo
ao que está aqui fora
e mais ainda
ao que está lá dentro...

16 outubro 2010

da Rebeldia

rebeldes com causa
rebeldes sem causa
ou rebeldes com cauda
de rato?

rebeldes com calda
de leite
de saco...

rebeldes com causa?
rebeldes com calça
bem frouxa
bem frouxos
engolindo os reais
(que dizem ser o real)
dos outros...
rebeldes arcados
alcaides
com o peso do desprezo
do preço...

rebeldes sem calça
com o saco
coçando
e com o saco dos outros
puxando

15 outubro 2010

Os Políticos Passam, Os Artistas Ficam...

Sobre o título desta postagem, deixo uma curiosidade, um fato ocorrido com o gênio da música Johann Sebastian Bach. Em 1721, o compositor alemão dedicou a Christian Ludwig, margrave de Brandenburg-Schwedt, uma espécie de prefeito da época na Alemanha, os seus 6 Concertos de Brandenburgo, uma das obras musicais mais geniais já compostas. O próprio margrave havia encomendado as obras. Porém, o senhor Christian Ludwig não deu muita importância para os concertos. Possuía uma orquestra de má qualidade para as exigências de interpretação das obras, e não se dignou a melhorá-la para que as obras pudessem ser executadas. Resultado: os concertos de Brandenburgo não foram executados na época. Ficaram lá, jogados. Certamente, o margrave deveria estar muito ocupado com seus afazeres de político. E Bach, quem era Bach?

Na época, Bach não era reconhecido como o gênio musical que é hoje. Vivia de forma muito modesta, tinha que trabalhar muito para sustentar sua numerosa família. Não enriqueceu com sua arte. Muitas de suas obras nunca foram executadas durante sua vida, várias se perderam. Bach era visto como um grande organista e cravista, mas não como um grande compositor. Julgavam-no como um compositor menor. Não entendiam seu gênio. Achavam sua obra muito hermética, difícil, sombria, e até retrógrada. De modo que o pouco caso do senhor margrave, um ilustre político, não foi algo surpreendente.

Porém, como o mundo dá voltas, não? Quem hoje conhece o senhor Christian Ludwig? Aposto que todos os leitores do blog já ouviram falar em Bach. E vários o conhecem muito bem. Mas Christian Ludwig... Se o senhor margrave hoje ainda é lembrado no mundo, é como aquele para quem Bach dedicou os Concertos de Brandenburgo... Se não fosse Bach...

14 outubro 2010

E Enquanto Discutem o Aborto, o Planeta Sangra Sem Parar...

Para não dizerem que eu sou um adepto do alarmismo exagerado, vou apenas transcrever aqui a notícia veiculada no site do MSN Estadão e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões. Isso é o que realmente deveria preocupar os candidatos a presidente (e os seus respectivos eleitores), e não ficar discutindo se são a favor ou não do aborto, em suas briguinhas ridículas para ver qual é o mais "santo". Vejamos o que diz o site:

"Em menos de 40 anos, o mundo perdeu 30% de sua biodiversidade. Nos países tropicais, contudo, a queda foi muito maior: atingiu 60% da fauna e flora original. Os dados são do Relatório Planeta Vivo 2010, publicado a cada dois anos pela organização não governamental WWF.

O relatório, cujas conclusões são consideradas alarmantes pelos ambientalistas, é produzido em parceria com a Sociedade Zoológica de Londres (ZSL, na sigla em inglês) e Global Footprint Network (GFN).

Os países pobres, frequentemente tropicais, estão perdendo biodiversidade a uma velocidade muito alta', afirmou Jim Leape, diretor-geral da WWF Global. 'Enquanto isso, o mundo desenvolvido vive em um falso paraíso, movido a consumo excessivo e altas emissões de carbono.'

A biodiversidade é medida pelo Índice Planeta Vivo (IPV), que estuda a saúde de quase 8 mil populações de mais de 2,5 mil espécies desde 1970.

A maior queda foi nas populações de água doce: 70% das espécies desapareceram.
O consumo está desenfreado. A demanda por recursos naturais também aumentou. Nas últimas cinco décadas, as emissões de carbono cresceram 11 vezes.

O relatório afirma que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por 33 países em geral desenvolvidos, são responsáveis por 40% da pegada de carbono global, e emitem cinco vezes mais carbono do que os países mais pobres.

Comparados a ela, os BRICs (grupo formado pelos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China) têm o dobro da população e uma menor emissão de carbono per capita. O problema, alerta o relatório, é se os BRICs seguirem no futuro o mesmo padrão de desenvolvimento e consumo da OCDE.

Índia e China, por exemplo, consomem duas vezes mais recursos naturais do que a natureza de seu território pode repor. Atualmente, os países utilizam, em média, 50% mais recursos naturais que o planeta pode suportar. Se os hábitos de consumo não mudarem, alerta o relatório, em 2030 se estará consumindo o equivalente a dois planetas.

13 outubro 2010

Quem Pisou o meu Chão?

antes de eu pisar aqui onde piso
quem pisou antes de mim?
quem foi que foi onde agora sou eu?
quem pisou o chão da minha casa
antes da minha casa se erguer?
aquele que trabalhava na construção civil
que eu nunca vi e que nunca me viu?
e antes dele
quando era só campo ou mato ou banhado?
passou por aqui um guerreiro
que tenha morrido ou tenha matado?
pisou onde estou algum bicho?
carneiro cavalo jaguar ou guará?
será que algum dia de novo esse bicho
a sua pata-pegada aqui deixará?
um homem pré-histórico
pisou a minha casa futura?
ou minha casa um dia serviu
de uma milenar sepultura?
e antes ainda nos tempos estranhos
de monstros e de dinossauros...?
que pata acompanhou o  meu passo
sem nunca saber que estaria
no meu mesmo invisível compasso?
e que mistério existido sem conhecimento
fora da ciência e da consciência
e de qualquer momento
pode ter um dia pisado o meu piso?
queimou o meu chão um dragão?
não sei, só sei que tudo passa:
estes passados versos que escrevo
também um dia serão pisados
por uma traça...

11 outubro 2010

"A cidade ali está com seus enganos..." - A Cidade, de Fagundes Varela

A meu ver, Fagundes Varela (1841 - 1875), é um de nossos poetas injustiçados. Está certo que não foi dos mais originais de nossos românticos, não foi o iniciador de nenhum dos três períodos do romantismo, e acabou sendo ofuscado pela originalidade e radicalismo de Álvares de Azevedo e pela força grandiosa da inspiração de Castro Alves. No entanto, a imensa variedade de sua temática, que parte do pessimismo e da desilusão do 2ª geração romântica (na qual é incluído) até atingir as alturas do "condoreirismo" da 3ª geração , a espontaneidade da escrita, a beleza plástica de seus versos, a sua intensidade emocional fazem de Fagundes Varela um dos grandes poetas brasileiros. 

É oportuno lembrar que mesmo não tendo sido o poeta carioca o iniciador da geração "condoreira" no Brasil, ele de certa forma se antecipou, prevendo Castro Alves, pois foi o primeiro ultrarromântico a deixar as sombras do "mal-do-século". Isso deveria ser levado mais em consideração ao se avaliar a  importância de sua obra. A presença da natureza é constante e muito forte na obra de Fagundes Varela. E estou certo de que se ele vivesse hoje teria uma imensa consciência ecológica. 

Prova disso é o poema "A Cidade", que está abaixo. Um poema que se nos apresenta com terrível atualidade. Que o leitor tire suas conclusões. Para não deixá-lo muito cansativo à leitura no blog, tomei a liberdade de excluir algumas poucas estrofes. Na imagem, o quadro, "O Crescente das Casas" de Egon Schiele.

A Cidade
A cidade ali está com seus enganos,
seu cortejo de vícios e traições,
seus vastos templos, seus bazares amplos,
seus ricos paços, seus bordéis salões.

A cidade ali está: sobre seus tetos
paira dos arsenais o fumo espesso,
rolam nas ruas da vaidade os coches
e ri-se o crime à sombra do progresso.

A cidade ali está: sob os alpendres
dorme o mendigo ao sol do meio-dia,
chora a viúva em úmido tugúrio,
canta na catedral a hipocrisia.

A cidade ali está: com ela o erro,
a perfídia, a mentira, a desventura...
Como é suave o aroma das florestas!
Como é doce das serras a frescura!

A cidade ali está: cada passante
que se envolve das turbas no bulício
tem a maldade sobre a fronte escrita,
tem na língua o veneno e nalma o vício.



Quanta atroz injustiça e quantos prantos!
Quanto drama fatal! Quantos pesares!
Quanta fronte celeste profanada!
Quanta virgem vendida aos lupanares!

Quanto talento desbotado e morto!
Quanto gênio atirado a quem mais der!
Quanta afeição cortada! Quanta dúvida!
Num carinho de mãe ou de mulher!



E abalroam-se as múmias coroadas,
corpos de lepra e de infecção cobertos,
em cujos membros mordem-se raivosos
os vermes pelas sedas encobertos!



Aqui verdes campinas, altos montes,
regatos de cristal, matas viçosas,
borboletas azuis, loiras abelhas,
hinos de amor, canções melodiosas.



Ali a honra e o mérito esquecidos,
mortas as crenças, mortos os afetos,
os lares sem legenda, a musa exposta
aos dentes vis de perros objetos!



Salve, florestas virgens! Rudes serras!
Templos da imorredoura liberdade!
Salve! Três vezes salve! Em teus asilos
Sinto-me grande, vejo a divindade!



Fagundes Varela