Mentira

eu queria dizer 
espalhando aos quatro ventos 
cheio de orgulhos e convecimentos
que eu faço o que eu quero 
com a palavra.
mas é mentira.
ao  fim das contas 
finalmente e enfim
é ela,  a Palavra
que faz o que quer 

de mim.

Réquiem (Dies Irae)

verso por verso não ficará assim:
no sangue teremos nossa vingança
na ira da Morte que jamais se cansa
nós nos ergueremos antes do Fim

toques de beethoveniano clarim
entrarão no teu peito como lança  
que tu não entendes, que não alcanças
serão desastres entre ti e mim

não, ninguém está liberto da dor
um preço haverá antes de ir-se embora 
clama o sangue por onde quer que for

cuida-te, amiga, que é chegada a hora:
da Mãe-Natureza virá o Horror
na fúria da Hécate vingadora.

Ainda

apesar de tudo

ao pesar
(e o tudo não é pouca coisa)
ainda resta uma chama
se for parar pra sentir
ainda sobra algo 
a quem ama
bem lá no fundo 
ainda cintila um fogo
(e não se apagará logo)
antes de tudo que é fim
ainda brilha uma chama
não morreu todo coração 
e nenhum sentimento 
jamais foi em vão 
ainda há algo que clama
em tudo aquilo que finda
não, nem tudo é perdido 
ainda.

Versos Diretos n° 114, 115 e 116

n°114: a sorte de um 
é sempre o azar de outro 
nada vai para lugar algum 
sem se tirar de outro.

n°115: você pode não receber flores
durante toda a sua a vida 
mas você receberá na sua morte
seja lá para onde f(l)ores...

n°116: tudo o que é profundo 
e você despreza 
(ou só não te interessa)
irá cobrar o seu preço 
quando menos se espera.

Um ave à Ave

pelos olhos negros da noite uma ave
uma ave de canto escuro partia
caía entre a treva eterna vazia
levando da minha alma sua chave

os astros choravam um piano mais grave
os anjos tocavam na ave, que eu via
luas nasciam em sangrenta agonia
e um lábio de morte beijava suave

voava ou caía a ave por entre o vasto?
não importa, tudo se ia com ela
levava minha alma sem deixar rasto

no bico da ave acendeu-se uma vela
com ela acesa deste mundo me afasto
e em fatais adeuses o céu se estrela. 

Versos Diretos n°112 e 113

n°112: preparem-se
para a última das Guerras:
é a hora de pegar em almas.

n°113: essa esperança 
que nasce e cresce 
a cada umidade da lua
e morre tostada 
a cada seca do sol.

Resposta

saia para as ruas
e olhe para as pessoas
desde os mais velhos 
até os mais jovens 
observe seus rostos 
seus olhares seus gestos 
tente imaginar o que se passa 
nas suas cabeças e nos seus corações 
o que fazem nas suas vidas 
no seu dia a dia 
nas horas de rotina ou fora delas
depois reflita:
essas pessoas serão capazes 
de mudar a si e a seus comportamentos 
para evitar a hecatombe ambiental 
que destruirá a humanidade?
e aí?

Sexo

o problema de se escrever
é que a palavra diz
e eu não quero dizer nada 
não quero que ninguém 
venha aqui procurar significados
aqui não há nenhuma lição 
nenhuma mensagem edificante 
nenhuma moral a ser tirada
não falo de amor
nem de esperanças
nem de fé
(que tu só entenderia
como ter sucesso 
bom trabalho
e ganhar dinheiro, não é?)
não há nada aqui capaz
de ajudar ninguém 
no caminho da bosta da sua vida 
aqui não há nada 
nem filosofias que tu não seguirás 
nem verdades que tu não aceitarás
nem sentimentos que não te tocarão.
não quero levar ninguém a nada 
(que se fodam)
e eu mesmo em tudo que faço 
sou só ilusão. 

ah, o título deste poema

(já ia me esquecendo)

é só propaganda 

ou seja, é só pra te chamar a atenção.

Versos Diretos n°110 e 111

n°110:  filosofia é aquilo 
que você precisa explicar muito 
para dizer um pouco.
poesia é aquilo 
que você diz muito 
sem ter que explicar nada.

n°111: onde estiver um Tigre
todo o ambiente 
se impregnará de força.
onde houver uma hiena 
todo o ambiente 
se encherá de risos.

No Dia em que fui Poeta

a Lua é minha pastora 
e tudo em mim sentirá 
as tuas mais fatais essências
nas febres busco 

sem destino  me desfaço  
como quem em urgência 
bebe uma taça de vinho em pânico

eu sempre passo
às margens do tenso
e sei de cada lágrima 

nos teus cílios 
toco meus dedos 

pelas cicatrizes noturnas
vou ver-se sonho a versar 

só pelo que névoas 
cair neblinas em tudo 

que me sona aos lábios
e então me durmo e viajo 

pelo que nem dia
tanto o amor é divino 

que mal se sabe de tudo
e mergulhei-me nas árvores
vi aves que vinham voar lá nos vales
e Deus me olha 

como se eu fosse lago
mas só inverti as letras 

de não ser algo.

Passeriforme

ah quem me dera ser ave
para do que céu
eu ter a chave 
para além das feridas farpadas
voar como que leve 
e levar ao que desvela 
a ave do teu véu 
quem me dera ser verso 
para além das sentidas palavras 
deixar te sendo leve
um sopro aos ares
de bateres de asas 

Versos Diretos n°107, 108 e 109

n°107: a vantagem 
de perder a tudo
é não temer mais nada.

n°108: admiramos nos outros 
a inteligência 
mas raramente admiramos 
a sensibilidade.
esquecemo-nos
por exemplo
que um serial killer
é altamente inteligente.

n°109: escritor não é 
quem escreve
é quem tem coragem 
de publicar.

Agora você me vê?

"durante muito tempo
eu estive oculto sob a dor do céu 
asfixiado pelas fumaças

da vida moderna 
mergulhado em absoluto silêncio
entre o peso cadavérico 
das águas empesteadas
eu aguentei quieto 
a faca enfiada na terra
o grito do baque das árvores
que desabava sobre mim
enquanto eu mal suspirava
eu estive no sangue das aves 
abatidas despencadas ao chão 
era eu que corria em cada gota 
de sangue saliva e lágrima 
de todo animal massacrado 
pela praga da humanidade.
eu estive em silêncio e invisível
durante muito tempo 
mas eis então 
que ergui o meu rosto.
agora 
você me vê?"

O que nos levaria ao Alto

poderia ter sido tanto 
mas no caminho havia muito
poderia então ter sido ainda mais
mas na estrada havia tanto 
que no muito nem era nada 
mas sempre o nada se mostra 
como sendo tanto 
que no fundo parece tudo 
mas poderia ter sido um mundo 
a maior das maiores estradas
e só se via tanto pelo caminho
que só se via em contos de fadas
e a vida nunca havia 
se mostrado tão alta
mas havia um ego no caminho 
que no fundo nunca foi nada 
mas o que poderia ter sido tudo
e levado ao que mais alto 
acabou como sem sentido
só por algo que não valia nada 
mas era o que desejava 
cada membro já morto 
da humanidade acabada.

O Fim

ah quem me dera 
dizer mais do que digo
alcançar a mais do que alcanço 
tocar mais do que toco
não por que seja pouco 
mas porque agora é o fim
não porque não possa 
mas porque o tempo passa
e preciso ir além de mim
não como quem se supera 
mas como quem atravessa 
a curva espaço-tempo
para retornar à sua origem
para passar a outra margem 
porque agora é o fim
quem me dera ir além do sim
em época de destruição 
e mostrar que meus olhos 
não são de sombras só porque são 
mas porque estão além de mim
mas porque são luz 
em mundo que só nos diz não
meus olhos te olham 
porque agora é o Fim.

Consolo para os que partem

morrer? que mal há em morrer?
qual o sentido que há em ficar vivo 
em mundo em que a vida é morta?
onde tudo que é belo e bom e fundo é assassinado?
eu não quero viver, por exemplo 
num mundo em que
os felinos selvagens foram extintos.
e é sério. 
um mundo sem Tigres pra mim não é mundo.

"ah mas que absurdo, a vida continua!"
que vida? a humanidade não vive 
nem vegeta, porque há vida nos vegetais.
os humanos caminham a passos largos
para se tornarem zumbis.
a maioria já se tornou.
o apocalipse zumbi dos filmes e séries 
já aconteceu. 
só que zumbis não sabem que são zumbis.

que há que se temer na morte?
morrer é só abandonar 
decepções constantes 
problemas sem solução 
esforços que são inúteis 
trabalhos que não têm sentido 
esperas que nunca chegam 
vazios e quinquilharias
horrores e desgraças 
e coisa e tal...
às vezes penso que morrer cedo 
é uma grande sorte.
morrer é só sair
do meio da morte.

A Noiva

tudo na Morte 
ou é longo ou é fundo:
os dedos são longos 
os toques são fundos 
os cabelos são longos 
os olhares são fundos
os segredos são longos 
os mistérios são fundos 
os alcances são longos 
os distantes são fundos 
o abraço é tão longo 
o beijo é tão fundo
tudo na Morte 
é longínquo e profundo...

menos a sua certeza:
a certeza da Morte
está sempre por perto 
e diante dos olhos.

Como se não houvesse amanhã...

não espera deste poema mentiras de luz 
aqui é o sangue podre que escorre do prego
cravado sem pena no osso da cruz
a treva que impera no sexo das noites
o toque no pé dos dedos da morte
um beijo arrancado do inferno e da dor 
não espera daqui um só pingo de amor
aqui só há a ira em chamas da íris do tigre

a saliva que pinga do dente sedento do lobo
a implacável amargura do olhar do anjo caído
há um desespero satânico e desmedido 
um sopro brusco de tormenta que arrasta 
as folhas mortas pra dentro de casa
luciféricos lábios de fatais violinos
a risada sarcástica dos risíveis destinos 
o coração extirpado jogado às baratas
o pão que o diabo amassou com suas garras 
aqui só há o verme que apodreceu a maçã 
este é um poema para que tu me odeie
mas me odeie com todas tuas veias
como se não houvesse amanhã.

Versos Diretos n°103, 104, 105 e 106

n°103: ninguém entende 
a angústia de quem escreve:
uma noite inteira 
por um único verso
uma vida inteira 
por um universo.

n°104: poeta não é quem escreve 
é quem tem coragem de escrever.

n°105: a própria Luz que não vemos
foi da Noite infinita que veio
que a noite é a origem e a sina
e tudo o que luz se destina
a seu tântalo e fêmino seio
 
n°106: não caia na ilusão.
para o artista
não há perdão.

Vocação

minha vocação é para o que não é 
para o que não pode 
para o que não há-de
todas aquelas coisas não tidas 
todas aquelas causas morridas
todas aquelas guerras perdidas...

eu perco

mas não me vendo.

eu gosto é de ir contra a corrente

(e daí? é meu o meu sentimento)
tenho orgulho

de estar do lado que perde 
minha vitória é manter-me firme

no fracasso 
é melhor perder 

do que com o progresso 

à nossa catástrofe 

dar mais um passo.

não sou um bobo de otimismos

nem palhaço de autoajudas
não monto circos lucrativos
como podem ver

sou um incapacitado 
tenho vocação 

para nem estar aqui.

além do mais 

eu já parti.