30 abril 2011

Aquilo que Não Disse

não há nada que não
que já não tenha sido
que já não fosse dito
o que direi é a mesma coisa
daquilo que ainda não é
e os sábios deveriam saber disso
e não cairem (en)laçados
pela letra ao pé

 toda árvore que agora existe
(e quando lembro dela fico triste)
é ser que não sendo si sempre foi
desde a pele da cobra ao olho do boi
é repetição representada de outro outro
que  não está aqui para ser pensado
e a senti-lo há que ser maldito
ou um vale preso ao infinito

bom escrito é o que diz
aquilo que não diz
é como o professor
escrevendo ao quadro negro
sem ter na mão o giz
pois sabe-se que a árvore ali deixada
não é ela como sendo
a coisa imaginada
e o melhor verso
é o que nunca trata dela
mas o que apenas a pinta
(já que ela sempre foi pintada)
ao canto irreal de uma tela

29 abril 2011

Para Onde Vai o Dinheiro do que é Produzido no Brasil?

Essa é uma pergunta que sempre me fiz. E nunca ninguém me respondeu satisfatoriamente. Como pode um país que está entre as 10 maiores economias mundiais ter bolsões de miséria gigantescos?  Má distribuição de renda? Óbvio. Mas por quê? Por que a renda é má distribuída? De que adianta o desenvolvimento se ele não resolve os problemas sociais e ambientais? Obviamente, não é desenvolvimento, pode ser crescimento, assim como é um crescimento a proliferação das células de um câncer.

A melhoria da distribuição de renda dos últimos anos é, na verdade, pífia, apesar do esforço do último governo. E isso é uma questão que governo nenhum resolve sem uma mudança de mentalidade dos indivíduos. Eu, às vezes, fico pensando desconsolado quando leio as notícias de jornais: empresas estatais têm lucro recorde, bancos estatais têm lucro recorde, país bate recordes de produção, país bate recordes de exportação e por aí vai. É tudo muito belo, mas e daí? Eu sou um brasileiro e não vejo benefício nenhum com todos esses recordes de produção. Pelo menos para mim, para minha família, para os que conheço, não. Servem para quê? Para quem?  Para ocorrer uma verdadeira distribuição de renda, não só no Brasil, mas em muitos outros países, deveria haver uma reforma moral, ética, mental, psíquica, enfim, não uma reforma de governo, mas do próprio ser humano. Coisa que, em meu pessimismo, duvido muito.

O texto abaixo não é uma resposta à minha pergunta, mas tem bastante relação com o que acabo de afirmar. Foi escrito por Caco Coelho, em sua coluna do último sábado no jornal "Correio do Povo". Não é o texto integral, mas apenas o trecho que julgo mais pertinente.

"O Brasil, desde sempre, adequou a divisão de suas riquezas ao privilégio de poucos. (...) A maior parte dos investimentos públicos, subserviente a esses princípios seletivos, sempre foi feita para aqueles que possuem mais. O princípio público nunca foi respeitado. No lugar de promover a coletividade, a maioria da população permanece tendo que dedicar o seu esforço para locupletar os mais abastados. Assim é o investimento em educação, onde a maior parte é destinada ao ensino superior. A este privilégio têm acesso aqueles que tiveram a oportunidade de estudar em escolas particulares, de frequentar cursinhos eletistas. (...)

Agora mesmo, foi divulgada a safra recorde de grãos de nosso Estado: 24 milhões de toneladas foram produzidas. O Rio Grande do Sul possui uma população de pouco mais de 10 milhões de pessoas, sendo que 3 milhões estão na linha da miséria absoluta, ou seja, não sabem o que vão comer na próxima refeição. Toda essa produção injetará na economia gaúcha mais de 13 bilhões de reais, o mesmo que o lucro liquido de um banco. Ou seja, o que representa a oportunidade de colocar por ano na mesa de cada cidadão o correspondente a quase duas toneladas e meia de grãos, é o mesmo que um grupo pode lucrar explorando o capital."

Quantas toneladas de grãos tiveram em sua mesa aqueles cadavéricos humanos da foto acima?

27 abril 2011

Sei que Algo Acontece...

sei que algo acontece...
o fundamental é o que está latente
o que não está simplesmente atrás
mas à frente
como consequência não-sólida
mas astralizada
o que se move como sopro e tigre
há passos de tudo
que se passa em passado
que ela se ergue em olho
levantado

qual sábio é que garante
que um vento que se veste inofensivo
lá em processos desvistados
não se tornará tornado furacão?
tudo o que hão não são o que são...

quando cai uma flor
há outro algo além da sua queda
e este outro nos envolve
em insondável onde:
há um ato que é fato
e há outro que se esconde

tudo traz um além-motivo
ainda que a ele (rindo)
não nos motivemos
mas ele sempre sorri
acima
do nosso riso...  

25 abril 2011

"Julgas que uma grande cidade dura para sempre?", diz Walt Whitman

Walt Whitman (1819 - 1892) é considerado um dos maiores poetas norte-americanos, muitos consideram até como sendo o maior. Não entrarei na questão se realmente  é ou não o maior, mas que sua obra é riquíssima e revolucionária não resta a menor dúvida. Em termos de forma, foi de fundamental importância para a poesia moderna, pois foi o responsável  pela introdução dos versos livres na literatura universal, feito de excepcional coragem. Em termos de conteúdo, também inovou no tratamento dos temas, abordando com profundidade e naturalidade a vida nas cidades, os progressos científicos, a democracia, a liberdade, sem esquecer, no entanto, as questões espirituais, o contato com a natureza, a elevação humana, a igualdade entre os indivíduos.

Abaixo, deixo dois trechos de seu extenso poema "Canção do Grande Machado", onde realiza, entre outras, uma funda reflexão sobre a passagem do tempo, a transitoriedade de todas as coisas. Confiram:

Canção do Grande Machado (trechos)
Aquilo que dá vigor à vida dá vigor também à morte,
E a morte faz avançar tanto quanto a vida faz avançar,
E o futuro não é mais incertto que o presente...
(...)
O que pensas que resiste ao tempo?
Julgas que uma grande cidade dura para sempre?
Ou um estado industrial produtivo? Ou uma bem elaborada constituição?
Ou os navios mais bem construídos?
Ou os hotéis de granito e ferro?
Fora! Nada disso deve ser cultivado com afeto,
Eles cumprem o seu momento, os dançarinos dançam, os músicos tocam para eles,
O espetáculo passa...
(...)
O que são agora os teus ganhos financeiros?
O que podem fazer eles agora?
O que é agora a tua respeitabilidade?
O que é a tua teologia, instrução, sociedade, tradições, estatutos, agora?
Onde estão agora tuas zombarias sobre o ser?
Onde estão as tuas críticas sobre a alma agora?

Walt Whitman

23 abril 2011

e o Resto é Fim

deixo que o verso saia como ele foi
sem que eu pense em nada
para deixá-lo sendo o que ele não é
o verso nada tem a ver do que penso
a arte que por ele passa
vem do todo e nada tem de mim
é livre em seres que não tenho
é livro que se cala no que digo
é vento que se vaga não comigo
é lago que se nada no não-dito

deixo que passe o que se passa por mim
de que importa aquilo do que sinto?
de que sente o sangue que não tenho?
de que vale o vale que me afundo?

o verso é vasto longo e fundo
vai muito além do que está aqui
por que querer que ele fale de um eu?
por que o verso tem que ser o que é meu?

o verso é de mim o meu ser:
se o meu ser não fala por mim
deixo que o verso fale por si...
e o resto é fim.

22 abril 2011

13 Versos Fúnebres para a Sexta-Feira Santa

pois para a tristeza não há antídoto
e a vida passa como marcha fúnebre
que seja o que for e seja ou não válido
que só que me importa é teu gesto lânguido
ou só que me inflama é teu rosto sânguino,
e não religiões que vão-se tão rápido...
naquilo que morre sempre há um pórtico
e o que há de mais grave é sempre mais mágico:
fuga bachiana ameaça monárquica
e pulsa mistério além do que místico...

só busco de ti o que há no teu trágico
sinto algo de fim no teu olhar crístico

(Na imagem, o quadro "A Crucificação", de Grünewald)

20 abril 2011

Amanhecer (à) Tarde

(a)onde estão (vão)
os teus passos?
(meus laços)
que tantos (folhas de) outonos
deixaram passar aos meus pés
(onde é que tu és?)
onde estão (não?)
os teus traços?
que tantos (sonhos?) estranhos
(de estanhos)
agora cinzaram meus pós
(o que é teu após?)
onde estão os teus vagos?
(tu, vagas?)
demares derrios delagos  
que tanto sedaram meus tragos
(de sede de seda)
e agora selaram-me a sós
(quem é que sabe de nós?)
onde é que (in)pulsa teu dia?
(ah és tão-só (tão só...) melodia)
que tanto tornou-me (tornado) só vento
(é Brahms, Chopin ou olhares?)
teus olhos (in)versos sustento
onde é que hão teus passares?
(pesares...)
(próximo e tanto que afasta)
e tanto sem forma e sem nome...
(que fome...)

já basta.

18 abril 2011

Disse-me o Demônio

disse-me o demônio que não-sendo existia
sem ser falava a mim seu eu
que (ele) se vive por e de olhar e olhos
(dos outros)
fluidificando somente a si (dos olhos)
o que flui pelos magnetismos corrompidos
(ab)sorvendo o denso do amor
e o fogo das entranhas do brilho
inspirando o amargo do veneno
com a inspiração em amargamente vazio
do que fluiu com esperança a largando
essência do olhar desnobrificada
raio dessentimentalizado
de sol que se solidificou
e quedou em degener-essência

e agora o demônio sem ser
é que é em si o deixar do olhar
tomou à sua vista o esvaziado
a alma do olho é agora o que erra
e o Demônio
é o único homem sobre a Terra

(Na imagem, detalhe da escultura "Lúcifer" de Guillaume Geefs)

16 abril 2011

da Minha Arte

da minha (p)arte
poeta é olho
ser minha sina
ser fim sozinho
do meu espinho
poeta é nunca
que nunca seque
bater meu peito
do meu desfeito
poeta é pulso
fazer que sinta
ser tinta e nota
da minha porta
poeta é ir-se
tirar à lágrima
em anjo adejo
do meu desejo
poeta é lábio
que eu sempre sangue
teu beijo forte
de minha sorte
poeta é nada
querer que venha
o que partida
de minha vida
poeta é morte
olhar em tudo
virar em alma...

sem uma palma.

14 abril 2011

Poema para o Conto A Máscara da Morte Rubra de E.A.Poe

mesmo com sorrisos
o pulso não para de pulsar
como os pulsares
das galáxias distantes
que vivem luzem morrem
os pânicos instantes...

além da nossa pelo cosmos
há uma outra contradança
que não cessa não descansa
e nos alarma em hora em hora
se pulsa o baile aqui dentro
há um baile que sangra lá fora...

o passo a passo sangra aos poucos
de minuto a minuto
como a fumaça vagalenta
do sânguino charuto...

e há sempre aviso pregado
na porta do alegre do mundo
que (h)à noite em vertigem vigia
de segundo a segundo:

pulsares de relógio é o que resta
quando se tem de tirar a máscara
no enfim da festa...

12 abril 2011

Novo Código Florestal, Impunidade Eterna, o Fim das Florestas e a Minha Descrença

Dizer que o Brasil é o país da impunidade já virou um lugar comum. E eu detesto lugares-comuns. E é duplamente triste ter que usar esse lugar comum. Mas a prova maior de que o Brasil não sai nunca desse lugar comum é o novo Código Florestal. Aqui não se paga pelos crimes, ainda mais se for por crime ambiental. Já viram alguém preso por crime ambiental?

Aqui se faz e se perdoa. Desde que não se seja pobre. Ser pobre não tem perdão. Agora, querem anistiar os desmatadores com o novo Código. Criei um slogan para o Código do Mal do Rabelo: “Desmatar é humano, perdoar é Brasil”.  É inacreditável como a legislação brasileira contra crimes ambientais é mole. E querem amolecer ainda mais. Se alguém vende uma arma sem documentos, sem autorização, pode pegar até 8 anos de cadeia.  Se alguém desmata quilômetros de nossas florestas, causa queimadas que infestam nosso ar, massacra nossos animais, polui nossos rios, contamina nossa terra com agrotóxicos, enfim, acaba com toda a vida, nunca vai preso, o máximo que faz é pagar alguma multinha, isso quando paga. Geralmente, não paga.

E querem agora autorizar o desmate de 50% das propriedades rurais. Antes só se podia 20%. Mas ninguém respeitava, obviamente, desmatavam de 50% para mais. Agora, se o Código for aprovado, e se poder desmatar 50% por lei, irão desmatar uns 80%. Ninguém nunca cumpre a lei. Não é mesmo? Será o fim de nossas matas. O Fim.

E mais, querem diminuir as áreas de preservação das margens dos rios. Isso soa como uma piada de humor negro. Nossos rios já estão agonizando, assoreados, poluídos e querem diminuir a proteção de suas margens ainda mais. É inacreditável, simplesmente inacreditável. Hoje mesmo li no jornal Correio do Povo que “o rio Uruguai agoniza e que suas águas passaram à classificação 4 devido ao alto índice de contaminação por metais pesados e à presença de mexilhões dourados”, segundo o Movimento Transfronteiriço, que reúne entidades ambientais brasileiras, uruguaias e argentinas. O Movimento classifica o novo Código como “Um desserviço para o Brasil e para o meio ambiente”.

E a impunidade em nossas terras, obviamente, vai muito além da questão ambiental. Qual foi o militar que foi punido pelos crimes que cometeram durante a ditadura? Apenas querem que esqueçamos o que eles fizeram. Que perdoemos.

E os mensalões? Tem vários: o do PT, o do Dem, o do PSDB, do tempo do Fernando Henrique (que não foi divulgado porque a mídia brasileira é quase toda de direita ou centro-direita, inclusive aqui em Santiago). Houve punição para os “mensalistas”? E o caso do Detran aqui no RS? Quem foi, afinal, que pagou pelos roubos? Bom, e por aí se vai ao infinito. É tanta impunidade que não tem como lembrar de tudo...

E para piorar a impunidade, agora os juízes dos Estados onde faz muito calor só querem trabalhar das 9h até as 14h e não até as 18h, como está na lei. Nem os juízes querem cumprir a lei. Acham que são melhores que os outros trabalhadores? É até um deboche, uma gozação com o trabalhador que vai das 8h até as 18h (ou mais) trabalhando, faça chuva ou faça sol. E eles, os juízes, têm ar-condicionado em suas salinhas. De que calor eles reclamam? E ganham quantos salários-mínimos mesmo? Não lembro se são 2 ou 3. Pobrezinhos...

Depois querem que eu acredite no Brasil. Eu não acredito nesse “desenvolvimento” brasileiro. Nem com Lula, nem com Dilma, nem com Serra, nem com FHC, nem com o Papa, nem com o Diabo. E não acredito no “desenvolvimento” chinês, nem no americano, nem no europeu, nem no japonês, enfim, eu não acredito em nenhum tipo de desenvolvimento que é realizado às custas do fim da vida natural. É tudo uma farsa, uma ilusão, uma grande mentira que o tempo se encarregará de fazer desmoronar. Tragicamente.

11 abril 2011

Noturno

ali onde olhos
ao canto da noite
há um  outro canto de atrás
de um outro olho de noite
de um outro sinto inaceito
outro invisível de paz...

acimou-se a sensação
do que não é
como névoa que está sem ser
no gosto que não cheiro do café
para onde dirijo minha vista
visto todo onde que se esconde
há algo ali que nunca se alga
à superfície do oceano
onde me estranho
que ainda que não haja age alma
ali se alta um desígnio em denso
todo mistério saudade propenso
pelo além do que me acalma...

que o meu lugar é ali
no que não está
nem no cá nem que vi...

09 abril 2011

Nem Tu És o que És

verás que o ser de tudo que é
não é aquilo que demonstra ser,
o ser das coisas
não é o que elas são...

vê mais fundo
no alto fundo que não se olha
e verás que por trás do todo
há um outro outro além de tudo...

o que se mostra
não é o que está ali,
ninguém vê o que olha:
o que está ali
não pode ser tido como estado...

o que sabes não é o que conheces,
o tudo que pensas saber
é aquilo que há em ti
mas não em teu ser,
o que há em teu ser
talvez agora esteja longe
e esse longe talvez seja o real...

há sempre outro verso
em tudo que é reverso:
verás que quanto mais com a luz
universares pelo escuro
mais começo e fim
verás em faces a existirem...

nem tu és o que és:
teu eu não é teu ser,
talvez teu eu agora seja noutro abismo,
como um sismo,
talvez teu ser então te chame mais acima,
noutra rima...

08 abril 2011

Palavras Sem-Sentido sobre o Massacre de Estudantes no Rio *

ele as matou.
- não faz sentido -
(talvez sendo elas não sendo elas mas sendo)
e ele as deixou que ficassem
(aquelas)
com algumas baladas
- não há sentido -
matou porque elas
- não é sentido -
não o deixaram que ficasse
(com elas)
em algumas baladas


*Este poema foi composto antes de ser divulgada a notícia de que o assassino sofria bullying na escola, principalmente por parte das meninas. Segundo o que foi divulgado, o atirador era ridicularizado por colegas, e as meninas fingiam interesse no mesmo, para depois "dar um fora".

07 abril 2011

do Amor

o amor é a verdade
(sem) vista pelo espelho...

é um shakespeare tóxico
o amor é um paradoxo:

é fraco como a sorte
e forte como a morte

05 abril 2011

Plêiades

o que não está aqui
o além do lado do meu lado
o que cai se erguendo
pelo atrás da noite
fragrâncias de perfumes que não hão
o extrestelar de átomosferas
que não vê(e)m e que não são
langues longos de outros lugares
outros astros de ventos vagares
vagos estros de vindos que tragam
tragam-me ao sim
o que não mas que sinto
que seja em verdade o longe que minto
tinto ares de áries das plêiades
outros sigos pelo que signo
e ólheo do eterno do gato de alice
que só vale a pena o distante do disse

03 abril 2011

e Quieta e Lenta...

infiltrando-se pelas avenidas
da degradação das metrópoles
e rastejando pelos corredores
da decadência das instituições
ela penetra na toca dos tribunais
exala seu cheiro úmido
na espuma do balbuciar das autoridades
e se ouve seu hipnótico mantra
perfurando com peso imperceptível
o vácuo das declarações dos políticos...

abrindo caminho pela sala das universidades
e lambendo com língua lânguida
as lépidas teorias dos intelectuais
ela vai formando ser círculo cíclico
e entre as máquinas das indústrias e usinas
e quieta e lenta no silêncio dos laboratórios

enroscada

ela já prepara seu bote
e o fim da picada...

02 abril 2011

Decadência da Educação - Colapso da Água

O título desta postagem refere-se a dois editoriais do jornal Correio do Povo. Dias atrás escrevi aqui no blog que as estatísticas afirmam que a educação brasileira está melhorando, mas que na prática eu não vejo nada disso, muito pelo contrário, parece-me cada vez pior. Pois o editorial publicado em 28/03/2011 sob o título de "A degradação do espaço escolar" reforça minha visão. Eis alguns trechos:

"Têm-se tornado cada vez mais comuns as notícias sobre agressões entre colegas e até mesmo contra professores e membros do corpo diretivo. Em Porto Alegre, foi bastante divulgado o caso de um estudante que agrediu violentamente a professora por causa de uma nota baixa.(...)

São muitos os motivos que levaram a que chegássemos ao atual estágio. Os professores estão cada vez mais desmotivados pelo estresse dos baixos salários e das condições de trabalho, com a autoestima em baixa. Além disso, sofrem um processo de desmoralização constante com a perda da autoridade na sala de aula, tendo que se submeter a uma tirania hierárquica que os transforma em peça sem valor de uma engrenagem obsoleta. Também a aprovação automática, que virou rotina, faz com que os mestres sejam obrigados a aprovar alunos sem condições de avançar". 

Quanto ao colapso da água, com o título Um bilhão sem água, o editorial do Correio do Povo de 30/03/2011 afirma o seguinte: 

"De acordo com um  estudo publicado na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, até 2050 mais de 1 bilhão de pessoas deverão ficar sem acesso à agua, principalmente as que vivem nas grandes cidades. (...) As péssimas condições sanitárias nesses grandes conglomerados urbanos tornam ainda mais graves os riscos para a fauna e a flora".

Será que só em 2050? Eu acho que antes, hein...

"E assim caminha a humanidade..."

31 março 2011

O Suicídio (ou Por que eu me Matei?) - Final

Viviam aqueles suicidados com a firme aceitação geral. Eram tomados como exemplos, para todos, de pessoas decididas, conscientes de seu lugar no mundo, sensatas, trabalhadoras, vitoriosas, que obtiveram o pleno sucesso na vida. Os outros, os que não se mataram, os poucos, os raros, que ainda insistiam em não se suicidar, eram duramente condenados, acusados de mil e uma tolices, erros, equívocos, fracassos, absurdos e, até mesmo, de infâmias e crimes. De modo que a pressão psicológica para que também se matassem era gigantesca.

Eu, hesitando em me suicidar, era visto com muito maus olhos, naturalmente. Chamavam-me de louco. Não entendiam, os suicidados, o que eu buscava na vida, se é que eu buscava alguma coisa. Era ostensível, para eles, que eu só obteria derrotas e fracassos, desgostos e desilusões, aflições e angústias, miséria financeira, todo tipo de insegurança e de incompreensão, que sentiria na pele a crueldade do mundo, talvez me tornasse um pária, um marginalizado, e provavelmente acabaria meus dias na mais completa solidão, sem família, sem amigos, sem trabalho, talvez até mesmo em um hospício ou na prisão.

Até que não vendo saída, cercado por todos os lados, pressionado por aqueles que supostamente vinham me ajudar e convencido por seus irrepreensíveis e avassaladores argumentos, decidi-me pelo meu suicídio.

E o cometi. Agora sou um suicidado. Sinto uma moderada tranquilidade que, no entanto, não é sinônimo de paz. Casei-me com outra suicidada, não creio que realmente a ame. E isso também não importa. Ela também não deve me amar de uma forma verdadeira. Aliás, quem ama de verdade? Temos uma linda filha, que, com o tempo, também aprenderá a se suicidar. Assim desejamos, assim devemos desejar. Vivemos de forma relativamente segura, com uma regular independência financeira. Não temos grandes preocupações. Praticamente, não há alterações nos dias de nossa rotina, creio que atingimos, de forma mediana, todos os nossos medianos objetivos. Sim, objetivos moderados. Grandes objetivos, ideais, vastos sonhos são sempre inatingíveis. E trazem dores insuportáveis. Aprendi que devemos sempre evitá-los.

Tenho um bom emprego, trabalho 40h por semana, não é muito, há alguns suicidados que trabalham bem mais. Não é o emprego de meus sonhos, admito, um pouco estressante, é verdade, meio sem graça, mas paga bem. Nos fins de semana, saímos para nos divertir, tomamos umas cervejas, jantamos fora, às vezes viajamos, é uma vida agradável. E é isso. Não há muito que acrescentar. Não me interesso pelas coisas que acontecem no mundo exterior, a não ser aquele interesse indiferente de quem assiste a um telejornal. Lamento as tragédias, sorrio com as boas notícias, mas também o que poderia fazer por elas? Sou, agora, uma pessoa sossegada, não quero nada mais que venha me inquietar, perturbar o meu morno sossego. Agora sou como todos. Agora estou morto.
           
(Na imagem, o quadro "Velho na Tristeza", de Van Gogh)

30 março 2011

O Suicídio (ou Por que eu me Matei?)

Um dia me disseram que seria bem melhor se eu me matasse.  Obviamente, não acreditei. Mas aos poucos, bem aos poucos, muito gradualmente, através de insidiosos detalhes, de sugestões sordidamente subliminares, de fatos e acontecimentos quase que imperceptíveis, a ideia nefasta do suicídio foi tomando forma no meu universo psíquico...

            Na verdade, era algo extremamente difícil, quase impossível, escapar à atuação daquelas sugestões suicidas. Muitas vezes, chegavam a ser mais do que sugestões, tornavam-se mesmo imposições, não imposições violentas ou forçadas, mas imposições daquela categoria que, sem deixar de ser elegante, não nos deixam alternativa. Era como pisar nosso pé com educação, com um doce sorriso no rosto. Diziam-me eles, e me provavam, que todos já haviam se suicidado. E que não se arrependiam. Que assim estariam de acordo com todos aqueles que pensavam no que seria melhor para as nossas existências. Insistiam que eu deveria ser sensato e analisar com racionalidade a questão. Assim exigia a categoria de mundo em que vivíamos.

Durante muito tempo hesitei. Havia algo dentro de mim que me transmitia a sensação de que eles mentiam, ou que, ao menos, omitiam uma parcela fundamental da verdade. Ou ainda que talvez eles estivessem realmente convencidos do que me preconizavam, mas que deveriam ter sido enganados, iludidos por outros, assim como agora intentavam fazer comigo. Seja como for, seus argumentos eram irresistivelmente convincentes, duvidar de suas palavras chegava a ser um sacrilégio.

Com o tempo, descobri que eram sinceros e que estavam imbuídos das mais nobres boas intenções. O que não significa que estivessem com a razão. Acreditavam no que diziam, pensavam de fato aquelas coisas, que pareciam soar em suas palavras com tanta sensatez e bom senso. Porém, creio que tais pensamentos não eram autenticamente seus, talvez fossem incutidos em suas mentes por outros, ou por algum poder obscuro, que eu desconhecia, algo como uma lavagem cerebral. Agora, a lavagem seria em mim.

Para eles, o suicídio era o padrão a ser seguido. Por não tê-lo ainda cometido, causava-me espanto o isolamento em que aos poucos fui constatando que me encontrava. Quase todos os outros já haviam se matado ou estavam a caminho de fazê-lo. Alguns, para tomarem coragem, antes de cometer seu suicídio, tentavam convencer as demais pessoas a realizar o mesmo. Desejavam veementemente o suicídio em massa. Já outros, após o ato suicida, vinham para provar que agora viviam absolutamente tranquilos, sem nenhum tipo de preocupação, existindo como se não existissem, o que constituía, para eles, o auge de uma vida perfeita, aceita e compreendida por todos. Enfim, acreditavam-se felizes. E muitos vinham, por piedade, para ajudar os que ainda não tinham se matado, dispostos a ensinar e encorajar o maior número possível de suicídios.
           
 Amanhã, o final.
(Na imagem, o quadro, "O Suicídio", de Edouard Manet)