Os leitores do blog são pessoas bem informadas, por isso não me darei ao trabalho de explicar o que é wikileaks. Se por acaso alguém não souber, basta procurar no Google.
O que me surpreende, na verdade, não são as revelações que o Wikileaks tem feito de governos e políticos, surpreende-me o fato de as pessoas ainda se surpreenderem com tais revelações. É lógico que os governos, que os países, “pensam merda” de outros governos e outros países. E pensam coisas muito piores, que, segundo o próprio Wikileaks, nem chegaram a ser reveladas. Até porque não se teve acesso a todos os “podres. E pensam merda e fazem merda e depois a escondem. Assim como nós “pensamos merda” de outras pessoas e nunca revelamos, ou revelamos em segredo, assim como nós fazemos merda às escondidas. O que são os países? São o prolongamento de cada um dos habitantes que o compõem.
O Wikileaks é algo como um develador de pensamentos, de consciências. Felizmente, ele só existe para os países e seus governos e empresas. E se existisse um para pessoas? Que iria lá e expusesse o que pensamos e sentimos e fazemos ocultamente? Haha! Que tragédia, hein? Mas seria algo bastante interessante. Imaginem quantos santinhos do pau-oco seriam desmascarados? Quanta gente que se crê mui nobre, mui sublime, mui correta não veria seu telhado desabar...?
Nós, humanos, somos maus e egoístas. Eu sou. Eu admito. Eu sou egoísta, eu cobiço, eu tenho vaidades, eu sinto preguiça, eu desprezo, eu minto, eu sou misantropo, chego a ser mal-educado, indiferente, eu fracasso em muitas coisas, eu faço fiascos de vez em quando, bebo pra mais às vezes, fumo, enfim, eu confesso que sou eu. Eu não sou nenhuma flor que se cheire, eu não sirvo de exemplo. Mas eu me conheço. E quando nos conhecemos claramente podemos trabalhar melhor sobre nossos próprios defeitos. Porque percebemos quando os defeitos afloram. Aqueles que se julgam pessoas exemplares deveriam se auto-observar melhor...
Agora, há pessoas que se julgam perfeitas, ou quase isso, e adoram posar como bons moços, como perfeitas donzelas, como sábios impolutos, como mestres semidivinos, enquanto a perversidade fervilha por baixo das aparências. Em alguns casos enganam ou tentam enganar de propósito, noutros, enganam a si mesmos. Há pessoas que acreditam de fato que são absolutamente irrepreensíveis. E ai de quem disser o contrário. Existem pessoas que crêem que são as melhores coisas possíveis, que terão sucesso em tudo aquilo que possam empreender, que conhecem todas as verdades, que vivem dando conselhos e metendo o bedelho em tudo, como se os seus conselhos fossem o próprio Verbo de Deus. Talvez devessem fazê-lo diante do espelho.
É, deveria existir um Wikileaks para pessoas. Seria muito divertido. Eu iria rir de muita gente. Ou não riria, apenas ficaria com um sorriso irônico como o do Al Pacino acima, o meu ator preferido. E muito melhor que as minhas palavras é o poema do Fernando Pessoa abaixo. É o Pessoa desmascarando pessoas.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado
[sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.