02 setembro 2009

Eu, Um Assassino (Parte Final)

Fui o primeiro a deixar a sala de reuniões. Com a companhia de dois de meus homens de maior confiança, fui até o banheiro, e meu primeiro ato foi lavar exaustivamente as mãos com água e sabão e logo após desinfetá-las com uma substância especial. Claro que não havia deixado o copo de água mineral na sala de reuniões. Trouxera-o em minha mão direita, tampado, e despejei seu conteúdo na privada, dando descarga em seguida. Após, coloquei o copo em uma grande sacola que estava com meus guarda-costas, tirei toda minha roupa de cima e também as depus na sacola. Nela, também foi colocada a pasta que estava comigo com tudo que havia dentro dela. Minutos depois, a sacola com todo seu conteúdo seria queimada por meus capangas. Antes de sair do banheiro, lavei minhas mãos mais uma vez, desinfetando-as novamente.

Sem dúvida, entre os quatro chefes, eu era o mais satisfeito. Acharam mesmo eles que eu iria pisotear em minha honra e esquecer suas afrontas e atrocidades contra minha gente? Que eu iria aceitar a paz com suas odiosas Famílias? Imbecis! Deixei-os pensar que poderiam estabelecer suas decisões, que eu as aceitaria. Porém, eu queria a MINHA paz, e a minha paz era vê-los mortos. E dentro de 24h, eles estariam mortos e eu estaria em paz. E a Família Veracini assumiria o controle total dos negócios.

É ostensível que não os envenenei. Há várias formas de se matar uma pessoa. No meu ofício, há que se conhecê-las todas e ter a consciência de saber utilizá-las da forma mais adequada e no momento mais correto. Jamais me equivoquei em um assassinato. E também jamais me arrependi de algum. Se achamos que podemos nos arrepender de algum ato nosso no futuro, é melhor nem cometê-lo. Todos os que matei, mereciam morrer. Eram assassinos como eu. E se ainda não eram, viriam a ser.

Eram pessoas que estavam em um negócio de risco e sabiam que a morte era uma companhia próxima e constante. Talvez eu também mereça morrer. Basta que alguém consiga me assassinar. É justamente esse o problema. Se alguém obtiver esse êxito, deixo meus aplausos antecipados. Às vezes, penso que ajo como se fosse um braço divino. Elimino pessoas que merecem ser eliminadas. Varro o mundo de uma torpe sujeira. De modo que quando chegar o meu momento de ser varrido, estarei preparado.

E também não me arrependo de trabalhar com negócios ilegais. Ganho dinheiro de forma desonesta? Talvez, mas o que é ser desonesto? O médico que cobra uma quantia absurda por uma reles consulta de 5 minutos para mal examinar um pobre coitado, e dizer que ele não tem nada, também não é desonesto? Um empresário que ganha lucros exorbitantes com seus produtos não é desonesto? O pastor de uma igreja que cobra para transmitir um conhecimento supostamente divino enganando a boa-fé dos cidadãos não é desonesto? O governo não é desonesto nos altíssimos e cruéis impostos que nos empurra goela abaixo? Sim, tudo isso é desonesto, porém é legal. É roubo permitido por lei. Quem disse que a lei é correta? Por isso não a sigo.

Com meus negócios, apenas disponibilizo às pessoas aquilo que elas desejam, porém é ilegal, a lei não permite. E elas me pagam pelo que disponibilizo e pelo risco que corro para tanto. Nada mais justo. Creio que até sou mais honesto que aquele médico que enriquece à custa da doença e da ignorância dos outros. Então, aquele que vier me acusar de desonestidade, que primeiro olhe para seu umbigo.

Sempre pensei que eu deveria criar e seguir as minhas próprias leis. Por que eu deveria seguir as leis estabelecidas por outros, que defendem os interesses de outros? Qual ser humano pode ou deve ter o direito de ditar regras, leis e condutas para outros humanos seguirem sem questionar?

Em todo caso, seja qual for a culpa que eu carregue nas costas, não serão os homens que me farão pagá-la. Jamais submeterei a eles a minha força de vontade. Deus talvez me fará pagar? É possível. Porém, nesse caso, também terei algo a receber. Mesmo com Deus, ainda assim, saberei negociar.

Mas creio que devo esclarecer como matei aqueles senhores, chefes das demais Famílias mafiosas. Obviamente eles ainda não morreram, mas já posso contá-los como mortos. Como deve parecer lógico, as trufas não estavam envenenadas, caso contrário eu jamais teria comido a trufa que foi indicada por Maschetto. Porém, somente agora revelo que retirei a trufa com minha mão ESQUERDA. E tive toda a atenção do mundo para em momento algum da reunião colocar qualquer dedo da mão direita em minha boca, nariz, olhos ou ouvidos. Lembrem-se que minha mão direita estava úmida com a água mineral do copo, e eu fiz questão de apertar as mãos dos demais chefes com bastante ênfase, para que suas mãos também ficassem umedecidas. Em seguida, sentamo-nos para o início das negociações. Imediatamente, ofereci as trufas aos três senhores. Cada um pegou uma trufa com a mão direita, a mão umedecida, e a comeu. Logicamente, eu já investigara se algum deles era canhoto. Felizmente, eram todos destros. As trufas não possuíam embalagens próprias, encontravam-se numa caixinha de plástico sem nenhum envoltório individual. De forma que os chefes encostaram seus dedos úmidos diretamente nas trufas. E as ingeriram. Pronto, consumado! Nesse instante, eles fizeram soar o martelo da sentença de suas próprias mortes.

Como disse, há várias formas de se matar uma pessoa. O problema é saber a forma mais adequada para cada ocasião. Existem, por exemplo, vírus mortais, absolutamente devastadores. A ciência descobriu vários. E aperfeiçoou alguns. Para guerras. O homem é mesmo perverso. É para coisas como essa que a ciência evoluiu.

Semanas atrás, incumbi meus homens de descobrirem qual dessas armas de guerra desenvolvidas pelas forças armadas americanas seria a mais mortífera, qual vírus mataria de forma mais rápida e mais cruel e possuiria um meio de contágio adequado para o caso em questão. Em poucos dias obtive a informação. Um vírus que destruía o organismo em aproximadamente 24h. Não foi difícil “comprar” um cientista que me fornecesse algumas cepas do vírus. Os cientistas de hoje amam mais o dinheiro do que a ciência. Eu até mesmo pensei que ele fosse sair mais caro. Claro que estou certo de que ele jamais quebrará o código de silêncio. Afinal, foi muito bem informado da fama e dos procedimentos da Família Veracini. Nossas propostas sempre são irrecusáveis. E jamais fazemos ameaças. O homem inteligente sabe se fazer entender sem nunca ameaçar. Quem ameaça já admitiu metade de sua culpa. E, obviamente, o cientista entendeu, afinal não é um homem estúpido, que será ótimo para ele viver sob nossa proteção e, em troca, fornecer algumas informações confidenciais quando necessário. Claro que também lucrando financeiramente. Ele pesou na balança, ponderou sobre os dois lados e percebeu que isso era bem melhor que acabar seus dias com uma bala metida na sua testa. Foi a conclusão a que ele chegou.

Bem, não será preciso dizer que na água mineral havia uma concentração de vírus fatais. Um vírus que não se espalha pelo ar, só contamina pelo sangue ou em contato direto com as mucosas humanas. Como as da boca. E mata em 24h. Fora do corpo humano, em temperatura ambiente, os vírus permanecem vivos por cerca de 12h.

De modo que agora, acabo de ler nos jornais: “Três dos maiores gângsteres da Filadélfia morrem de doença desconhecida. David Bracci, Antonio Machetto e James Bruniere faleceram poucas horas depois de serem levados ao hospital já em estado grave. Cerca de 9h depois de sua internação, seus corpos encontravam-se aniquilados em horríveis hemorragias. Ignora-se como contraíram a fatal enfermidade.” Sim, isso mesmo, hemorragias! Morreram derramando seu sangue miserável, esvaídos em sangue. Há que ter sangue! Sangue só se lava com sangue! Esse é o procedimento da Família Veracini.

Assina: Edgar Veracini

01 setembro 2009

Eu, Um Assassino

A reunião fora marcada para as 18h. Ficou rigorosamente estabelecido que no interior da sala de reuniões somente nós quatro entraríamos. Éramos os chefes das Famílias e discutiríamos os negócios de forma direta, sem nenhum tipo de intermediário. Para a segurança e maior tranquilidade de todos, combinamos que os seguranças, guarda-costas e capangas de toda espécie, inclusive caporegimes e consiglioris, deveriam permanecer pelo lado de fora, sem a mínima interferência no interior da sala. Pelo acordo, deveríamos, naturalmente, entrar na sala absolutamente desarmados.

Há muito eu esperava por esse dia. Minha preparação fora completa. Cheguei cinco minutos antes ao local combinado, acompanhado por três homens de absoluta confiança. Fui o segundo a chegar. Passados dois minutos, chegaram os demais chefes, praticamente ao mesmo tempo. Optei por ser o primeiro a entrar na sala de reuniões, não sem antes passar por uma exaustiva revista por parte dos guarda-costas das Famílias rivais, os quais conferiram também, como não poderia deixar de ser, uma pequena pasta que trazia comigo. Havia nela, conforme foi constatado, alguns documentos não confidenciais, canetas, cigarros, um pequeno copo lacrado com água mineral e uma caixinha com quatro trufas de chocolate. Questionaram-me o porquê das trufas. Respondi que eram para mim. Levar trufas envenenadas numa reunião seria um golpe tão primário que jamais algum chefe cairia. Fui liberado e penetrei no ambiente antecipadamente tenso da sala de reuniões.

Meu primeiro ato dentro da sala foi abrir a pasta, retirar o copo de água mineral e deslacrá-lo com o máximo cuidado. Umedeci minha mão direita com a água. Em seguida, entraram na sala dois dos chefes das Famílias, Bracci e Maschetto. Logo após, foi a vez de Bruniere. Cumprimentei Bracci e Maschetto com um forte e demorado aperto de mão. Da mesma forma o fiz com Bruniere, que, surpreso, comentou:

- Sua mão está úmida, Veracini, estaria um pouco nervoso?
- De forma alguma, Bruniere, você conhece bem a minha frieza. Eu estava bebendo um pouco de água mineral e acabei derramando o líquido em minhas mãos. Como podem ver, o copo está ali sobre a mesa. Os senhores queiram desculpar-me por cumprimentá-los com as mãos úmidas.
- Sem problemas, exclamou Bracci. Vamos sentar-nos e darmos logo início a nossa reunião. Gostaria que não nos prolongássemos em demasia.
- Sou da mesma opinião, completei.

Principiamos a discutir sobre nossos negócios. Nossos diálogos como de costume, eram calmos e pausados, cordiais, diplomáticos, delicados e sinuosos. Intentávamos dissimular ao máximo a tensão e a desconfiança que fervilhava no interior de cada um de nós. Tratando de negócios, nossos diálogos eram direcionados com o intuito aparente de ajeitar as coisas de uma forma que todos nós lucrássemos e deixássemos a reunião total ou parcialmente satisfeitos. Porém, a intenção verdadeira, aquilo que fervia em nossos âmagos era algo integralmente diverso. Desejávamos a morte um do outro.

Eu desejava com ânsia infinita a morte de cada um daqueles mafiosos, daqueles homens desonestos, cínicos, calculistas, dissimulados, mentirosos e assassinos. Exatamente iguais a mim. Aliás, nós não diferimos muito do restante da humanidade. Talvez a nossa diferença esteja no fato de que quando desejamos matar alguém, se for conveniente para os negócios, afinal sangue custa caro, nós o fizemos. Os outros homens não possuem coragem suficiente. Não possuem, provavelmente, porque não têm meios para isso. Se cometerem um assassinato, é quase certo que serão presos. Já nós, devido às nossas relações e influências, estamos seguros de que não iremos para a cadeia. Ninguém conseguiria provas contra nós. Somos sagazes demais para que permitamos o surgimento de provas. Então, afirmo solenemente que eu estava decidido a assassinar aqueles três chefes das Famílias rivais, com quem eu dialogava de forma tão tranquila e educada, mantendo-me frio, não obstante a tensão natural daquele momento.

Era óbvio que eu não iria matar aqueles senhores apenas porque isso era conveniente, lucrativo para os negócios. Há sempre algo de pessoal em qualquer assassinato. Eu os odiava profundamente. Mas não com aquele ódio de ferver o sangue, desesperado, explosivo. Tal categoria de ódio leva tudo a perder, sempre. Somente os tolos deixam seu ódio transparecer. Meu ódio era um ódio sereno, frio e perfeitamente controlado. Um ódio paciente, como a agressividade da cobra que se enrodilha e aguarda o momento certo de dar o bote.

Mas o certo era que os odiava. Eles já haviam assassinado pessoas intimamente ligadas a mim, amigos de confiança, parentes pelos quais eu nutria um sincero afeto, mulheres que eu amara. De modo que eu desejava a vingança. E poucas coisas na vida nos transmitem uma sensação tão deleitosa e reconfortante quanto o ato de vingar-se. Aquece o coração. Um homem com o sangue latino sabe muito bem disso. Sangue se lava com sangue. Quem tem sede de sangue não pode se satisfazer simplesmente com um mero copo d’água. De modo que eu queria sangue. Os outros não matam porque não podem. Porque não possuem a segurança interior e exterior e/ou a inteligência para tanto. Como eu possuo as duas as coisas, eu o faço.

Estou certo de que os outros chefes das Famílias também pretendiam acabar comigo. Porém, também estou certo de que não possuíam um plano infalível como o meu. E todas as minhas ações foram perfeitamente calculadas para que meu plano fosse concluído com êxito. De forma que logo no início de nossas negociações retirei de minha pasta a caixinha com as quatro trufas e as ofereci aos outros chefes, argumentando que isso simbolizaria uma confraternização de paz entre nós. Naturalmente, todos ficaram desconfiados, de modo que Bracci questionou-me com uma sombria ironia:

- É claro que as trufas não estão envenenadas, não é mesmo, Veracini?
Sorri e retruquei:
- E eu seria assim tão óbvio? Mas se desejarem, para tranquilizá-los, comerei por primeiro uma das trufas.
Maschetto, fumando seu charuto, concordou e acrescentou:
- É claro, mas nós escolheremos uma delas para você.
- De acordo! exclamei.

Maschetto mesmo indicou a trufa que eu deveria retirar e comer. E eu o fiz. Em seguida, tranquilizados, os demais chefes retiraram as suas e logo as saborearam. Em um momento tenso como aquele, em que o ar parecia denso e carregado de vibrações psíquicas um tanto negativas, saborear uma fina e deliciosa trufa de chocolate era algo que transmitia um agradável prazer tranquilizador.

E a conversa sobre nossos negócios foi se desenrolando de maneira cordial, cínica e hipócrita, como sempre acontece, sem deixar de ser séria e regada de tensas desconfianças mútuas. Vários assuntos foram teoricamente resolvidos durante a reunião, porém a mim isso já não despertava o menor interesse, eu apenas fingia concordar com tudo. Afinal, aqueles homens eram homens mortos.

Cerca de 2h depois, a reunião finalizou-se, e todos saímos satisfeitos com as resoluções tomadas e com os acordos pactuados. Os outros chefes das Famílias pareciam estar muito contentes com a minha boa vontade em aceitar todos os termos do acordo, tanto que até desconfiaram da relativa facilidade de minha aceitação. De forma que em alguns momentos tive que agir de maneira dissimuladamente mais dura, para que fossem amenizadas as desconfianças.

(Amanhã, a parte final)

30 agosto 2009

Fúria

cada sonho que se procria
é vergado por furacões
cada olho pelo horizonte
é um raio que me condena

o tempo passa e pulsa
a boca beija e brame
a morte mata e move

cada vida demais amada
é morte ao extremo temida
cada sino que bate aos olhos
é minuto chorando à porta

a terra treme e troa
a fera fere e finda
martelam Morte e Marte

cada bafo em crise do ocaso
é gelo que me explode as veias
cada ânsia enforcada à noite
é sopro que me queima as asas

grito-gangrena e guerra
sonho-sangue sangrado
trompa-trombeta ao tempo

28 agosto 2009

Johann Wolfgang Von Goethe


Hoje, 28 de agosto, completa-se 260 anos do nascimento de Johann Von Goethe, um dos maiores gênios da literatura universal, responsável pelo estabelecimento do Romantismo na literatura e fundamental para o seu surgimento nas outras artes.

Goethe nasceu em Frankfurt, na Alemanha, em 1749, e como Beethoven na música e Goya na pintura, ele representa a passagem da Classicismo para o Romantismo na literatura. Goethe é clássico e romântico. Para expressar a grandeza de Goethe, nada melhor que as palavras de seu grande amigo Schiller, outro grande nome do romantismo alemão: "Não há meios de capturar Goethe. Por isso, ao mesmo tempo, ele me é repugnante, e amo fervorosamente seu espírito e tenho por ele uma profunda admiração. Fez despertar em mim uma estranha mescla de amor e ódio. Seria capaz de matar sua alma, e, não obstante, seguir amando-o de todo coração..."

Muitos sentem o mesmo que Schiller com relação a Goethe. Uma atração e uma repulsa, como se fosse um estranha divindade pagã. Goethe é múltiplo, a tudo se adapta, de todos escapa e em tudo se tranforma. Além de ser um magnífico criador em todos os campos literários, também se interessou por todos os tipos de arte, pelo Ocultismo, pelas ciências naturais, pelas línguas, história, política. Tudo o atraía, e nada o prendia definitivamente.

A história de Goethe se adapta perfeitamente a sua vida, às necessidades de seu espírito. Nas palavras de Schiller: "seu destino fez tudo o que seu gênio necessitava, enquanto eu tenho que lutar até esse minuto!" E nas palavras de Paul Valéry: "Ele representa para nós, seres humanos, um dos nossos melhores intentos de assemelhar-se aos deuses".

Não há como não admirar Goethe, assim como é difícil simpatizar com ele de imediato. Ele não possuia pontos fracos para as feridas mortais, não dava passo em falso, jamais confundiu-se no mistério e sempre conservava uma secreta cautela, que lhe permitia chegar à beira do abismo e salvar-se no último minuto. Tanta segurança incomoda os homens. Queriam ver nele um ponto fraco, algo que o deixasse a mercê das críticas, mas jamais encontraram. Ele sempre se sobrepôs a tudo. E na sua obra máxima, "Fausto", formulou, abrangeu e elevou todas as questões fundamentais da humanidade, com uma maestria e consciência jamais igualadas.

"Cuidado, amigo,
Com este inimigo
mundo fatal...
Parece maciço,
Mas é quebradiço
como cristal".

Goethe

27 agosto 2009

Criminoso


sou um criminoso
porque matei o tempo
ou porque o vivi?

o que é matar o tempo?
e o que é o tempo?
e o que é matar?
e o que é viver?

30 minutos
só ouvindo música:
tempo morto ou vivo?

30 anos
só ganhando dinheiro:
tempo vivo ou morto?

ou morto-vivo?

eu mato o tempo
ou é o tempo que me mata?

viver o tempo
é descer à realidade
ou é elevar-se ao sonho?

em que cosmo
está escrito
com letras de fogo
como se deve
aproveitar o tempo?

afinal...
só mata o tempo
quem não sente
que o Tempo
é imortal...
(na imagem, o quadro A Persistência da Memória, de Salvador Dalí)

26 agosto 2009

Entrevista

Entrevista que concedi ao presidente da Casa dos Poetas de Santigo, Giovani Pasini. Retirei a postagem completa de seu blog http://giovanipasini-educacao.blogspot.com/. As entrevistas com escritores também serão publicadas e divulgadas no site da Casa dos poetas (endereço abaixo) e no orkut da Casa dos Poetas.


A Casa do Poeta de Santiago http://www.casadopoetadesantiago.com.br/ está lançando o projeto "A Voz do Escritor" que visa entrevistar escritores de Santiago e região, difundindo através da internet o seu trabalho e opiniões.
Este projeto possui a intenção de lançar no blog do Giovani Pasini, no site e no orkut da Casa do Poeta de Santiago, todas as segundas-feiras, uma matéria sobre os autores locais, contribuindo, assim, com o epíteto "Santiago: Terra dos Poetas".
Se o leitor tiver alguma idéia, sugestões de entrevistados, poderá enviar para os seguintes e-mails: gpasini@ig.com.br e secretaria@casadopoetadesantiago.com.br ou deixar um comentário.
O nosso primeiro entrevistado é o conhecido escritor ALESSANDRO REIFFER DE ALMEIDA, 31 anos, natural de Santiago, RS.
O Alessandro Reiffer é professor e escritor, já possui um grande reconhecimento dos leitores da região e de todo o Brasil, sendo que o seu trabalho leva o leitor à uma viagem introspectiva interessantíssima.
A entrevista foi realizada no dia 24 de agosto de 2009 e está sendo publicada como um encarte especial, sendo que permanecerá em destaque até a próxima segunda-feira, dia 31 de agosto de 2009.
Conheça o nosso escritor! Aproveite esta entrevista!
1 - Você já tem algum trabalho (livro, pesquisa, poesias etc.) publicado? Quais?
Sim, possuo um livro de contos, Contos do Crepúsculo e do Absurdo, publicado em dezembro de 2006, e o zine literário Poemas do Término e Contos do Fim, que publico bimestralmente desde 2003 e está em sua 35º edição. Também possuo trabalhos publicados em antologias, jornais, revistas e em vários sites da Internet.
2. Como você definiria o seu estilo? Você gosta de escrever quais textos: contos, crônicas, poesias etc?

Escrevo predominantemente poesias e contos, mas eventualmente também escrevo crônicas e artigos diversos. Defino meu estilo como algo dentro de um neo-romantismo e de um neo-simbolismo, ou até mesmo um pós-modernismo apocalíptico.
3. Com quantos anos você começou a escrever? Por qual motivo?

Meu primeiro poema escrevi com oito anos de idade, meu primeiro conto com 15. O motivo não foi nenhum em específico, apenas o afloramento natural de minha vocação.
4. Qual o seu próximo projeto? Algum livro que você está trabalhando? Qual será o tema?

Finalizei meu 1º livro de poemas, intitulado Poemas do Fim e do Princípio, que é uma seleção consciente daqueles que considero meus melhores poemas escritos até este ano, incluindo alguns inéditos. O livro deverá contar com mais de 200 poemas. No momento estou em busca de patrocínio para a publicação. Gostaria de publicá-lo ainda este ano. Também preparo um novo livro de contos, mas sem previsão de publicação.
5. Quais o(s) escritor(es) que você gosta e aconselha aos leitores desta reportagem?

Seriam muitos, mas entre os estrangeiros eu sempre irei aconselhar Edgar Allan Poe, Dante Alighieri, Johann Von Goethe, Fernando Pessoa, Baudelaire e Victor Hugo. Entre os nacionais, aconselho Cruz e Sousa, os poetas do Ultrarromantismo e do Simbolismo em geral, Castro Alves, Augusto do Anjos, Murilo Mendes, Machado de Assis, Paulo Leminski e o gaúcho Eduardo Guimaraens.
6. Qual o conselho que você daria para quem está iniciando na escrita?

Que leia muita literatura, e que aprecie muita arte em geral. Que procure sentir cada momento com o máximo de seus sentimentos. Só o sentimento pode criar um bom escritor. Sentir é a chave. E então, depois escrever o que vier no coração, mas sem nunca perder a autocrítica. Deve-se buscar a inspiração com toda força e depois lapidá-la com todo cuidado. O iniciante deve ter em conta que escrever seriamente não é simplesmente desabafar o que está sentindo. É buscar do fundo da inspiração aquilo que se quer dizer e então trabalhar incansavelmente, até que a inspiração seja transformada em arte realmente expressiva, de preferência criativa e original.
7. Utilize este espaço para falar o que quiser para os leitores da reportagem:

Para tudo há um preço a se pagar. Quem quer escrever, criar realmente, deve pagar vários preços. Um deles é nunca deixar o sentimento morrer. E para isso, nunca se deve se deixar ser levado pela vida prática. A vida prática acaba com qualquer escritor, com qualquer artista. Claro que não podemos deixá-la de lado totalmente, mas se considerarmos o trabalho profissional, ou o dinheiro, ou a sociedade como mais importante que nossa arte, jamais seremos artistas. A recompensa é que só a arte e a filosofia podem imortalizar o que um homem quis dizer ao mundo. Um político, por exemplo, pode ser hoje uma pessoa muito importante, muito famosa. Mas dentro de pouco tempo será esquecido. E se for lembrado, será apenas de nome. Quem se recordará da obra dele? Mas a arte fica. Hoje lemos Homero, que viveu séculos antes de Cristo. Há filmes baseados em suas obras. E o tempo sempre se encarrega de determinar aqueles que disseram algo para a posteridade, e que, portanto, serão lembrados, e aqueles que apenas falaram de um momento transitório, e que, consequentemente, serão esquecidos.

25 agosto 2009

Soneto de Um Maldito

(a pedido de um leitor, republico este soneto)

Ninguém vê a lava que me mata o sangue,
ninguém vê as asas que me encobre um corvo,
nem no lábio o beijo de um anjo torvo,
nem a cruz de erros de meu corpo langue...

Minha fada morre em um lago exangue,
minha estrela urra por um céu que é torto,
nos pulsos sinto um sonho grande e morto,
como querer que meu sangrar se estanque?

Sou a tristeza de tudo que vejo,
trago em meus ombros um grave prejuízo,
das trevas do céu me caem os desejos...

Meus olhos te deixam escuros avisos,
horrores sussurram em todos meus beijos,
e chora um inferno em cada sorriso.

23 agosto 2009

Soneto Oculto

um vulto de fim subiu-me nos lábios
e de mais vultos surgiram mais vultos
e todos vultos sangrarem-me juntos
disse que um vulto afundou-me nos lagos

três vultos de não beijaram pressagos
fúnebres danças de vultos sepultos
ciclones de vulto aos meus graves cultos
faquearam meu sonho a vultos já vagos

vulto de amor martelou minhas rosas
só vulto fitei erguendo teu véu
fêminos vultos em crises chorosas

vulto em loucura levou-me dos teus
mas vulto-nada em desgraças de prosas
desejos gritou de um vulto que é Deus

21 agosto 2009

Minha Absurda Lira

minha lírica de adeus e crepúsculo
vê sóis naufragando nas torres
das torres partem olhos e pios
de corujas com asas de sangue
que gotejam nas luas de fel
como beijos que sonham e morreram
altas mortes de tudo que foi
tu não vieste nas asas das íris
tu não viste minha alma de fim
gritos da noite caídos de luz
ciclones de anjos rezando desgraças
a roxo navio que afunda no céu
céu de tormenta que canta em tua boca
tudo que vai que se perde se finda
dança um azar no lábio no mundo
fogo em promessas de três Prometeus...

quando tua face olhará no meu sono
e na minha lira de ocaso e adeus?

Agradecimento

O amigo Ruy Gessinger publicou um trecho de meu texto postado abaixo em seu blog. Não é a primeira vez que ele publica um de meus escritos. Sinto-me honrado e agradecido e deixo esta postagem para externar meu agradecimento ao apoio que o Ruy concede a minha literatura, pois trata-se de um empresário consciente e de grande alma, algo pouco comum nos dias de hoje. E, sem dúvida, vale a pena acompanhar seu blog, há sempre textos de grande profundidade lá: http://blog.gessinger.com.br/

20 agosto 2009

Evolução ou Involução?


Muitos creem que a humanidade está evoluindo. Eu afirmo e sustento exatamente o contrário. A humanidade está involuindo.

Ou será que a evolução a que algumas pessoas se referem é o fato de hoje possuirmos computadores, celulares, automóveis, vacinas, aviões a jato, de termos ido à lua, compreendido as estruturas da célula, enfim, todas essas conquistas científicas que no fundo, e todos sabem disso, não nos tornaram melhores? Entendo que evolução é quando algum ser vivo torna-se melhor, física e psiquicamente. Até mesmo se considerarmos um conceito darwiniano de evolução, a de um ser tornar-se mais bem adaptado ao ambiente em que vive, será inegável que o ser humano não evoluiu. Não só não nos tornamos mais bem adaptados ao nosso ambiente, como o estamos destruindo de forma completa, definitiva e irreversível. Isso é evolução?

É evolução contemplarmos estarrecidos quilômetros e quilômetros de florestas outrora exuberantes absolutamente devastadas, transformadas em estéreis desertos? É evolução vermos nossos rios e mares outrora límpidos e resplandecentes de vida convertidos em esgotos a céu aberto? É evolução a tortura e o massacre impiedoso dos animais de todas as espécies, de todas as formas de vida, com o objetivo único de obterem-se mais e mais lucros financeiros? É evolução deixarmos de respirar ar puro para sentir entranharem-se em nossas narinas todos os tipos de venenos e podridões? O que me dirão os senhores se eu disser que na Idade Média, na IDADE MÉDIA!, a natureza era muito mais respeitada por povos como os celtas e os hindus? Então quer dizer que sair de um estado de harmonia entre homens e demais seres vivos para um de completo desrespeito e desequilíbrio é evolução?

Evoluímos de forma tão sublime, que hoje possuímos armas tão potentes capazes de destruir nosso planeta mais de 30 vezes. 30 vezes! Como se uma só não fosse suficiente. Mas creio que nem será necessário usá-las... Nossa evolução é tão grandiosa que hoje há nada mais nada menos que 1 bilhão de miseráveis, 1 bilhão de humanos ABAIXO da linha da pobreza. Nem falo nos que são somente pobres. Quantos seriam? Uns 3 bilhões? E esse número aumentou em apenas algumas centenas de milhões na última década. Certamente, isso é algo insignificante, um acidente de percurso. Enquanto isso, alguns nadam na riqueza extraída do sofrimento e da exploração de bilhões de humanos impotentes e alienados...

Então quer dizer que acabou a escravidão e assim evoluímos? É claro, certamente não é escravo o humano que trabalha de 8 a 10h por dia, às vezes até mais, para no fim do mês receber míseros 500 pilas que mal são suficientes para sua alimentação, quem dirá para outras necessidades humanas como vestuário, saúde e lazer. Certamente é uma grande evolução o assalariado ver seu trabalho estúpido ser carcomido por uma desumana carga tributária. É evolução ele morrer esperando por atendimento em uma fila repulsiva do INSS, enquanto é roubado por quadrilhas de cafajestes nos governos federais e estaduais.

Evoluímos tanto que a corrupção acabou. Hoje não vemos mais, em nenhuma parte do mundo, governos, empresários, funcionários públicos, políticos extorquindo o miserável dinheiro de um povo acomodado e imbecilizado por uma mídia degradante, povo esse que só trabalha para fazer outros enriquecerem. Onde estão os antigos desvios de verbas que os reis e nobres tanto faziam? Onde estão as propinas, os subornos, os apadrinhamentos, as orgias com o dinheiro público? Incrível, hoje não se faz mais isso. Realmente evoluímos.

Evoluímos. Acabou, por exemplo, o preconceito. Ninguém mais ADMITE ser preconceituoso. Muito menos invejoso. E menos ainda egoísta, desonesto, cobiçoso,hipócrita etc, etc, etc. Enfim, evoluímos, tornamo-nos anjos.

Certamente é uma belíssima evolução o professor que entra em uma sala de aula e tem que rezar para não ser agredido. Não, não é ser agredido verbalmente, isso é coisa já ultrapassada, agora se agride com tapas, socos, pontapés, facas e revólveres. É a evolução! E a cultura, e a educação, e a sabedoria de nossos alunos então? Eu me emociono constatando como evoluímos tanto. Hoje os jovens não sabem nada sobre arte, por exemplo, mas sabem tudo sobre “big brother”. Claro, “big brother” é o que há de mais importante. Isso sem falar nos vícios. O mais novo é o “crack”, que é um vício sublime. Afinal, não é comovente vermos alguém viciado em uma substância tão imaculadamente branca? Isso é evolução. O mundo mudou!

A nossa magnífica evolução propiciou-nos, por exemplo, sairmos da grandeza e da elevação de Beethoven para a imundícia do “funk”. Vejam como a humanidade se tornou melhor, seus sentimentos morreram. Para que sentimentos? Para que poesia? Que se esqueça Dante Alighieri. Está obsoleto. A revista “Caras” é muito mais útil e profunda... O amor tornou-se uma piada. Sentir é motivo de risos. Evoluímos.

Evoluímos! Não vejo violência em nenhuma parte do mundo. Podemos sair de casa tranquilos e confiar totalmente no ser humano. Podemos também confiar na mídia e nos governos que jamais nos esconderão uma informação. Também não há mais fanatismo religioso. Agora, por exemplo, não se faz mais guerras contra os árabes para tomar a terra santa. Agora as guerras são para ter o controle sobre o petróleo. É muito mais inteligente. É a evolução. E os árabes, em contrapartida, deixaram de degolar com suas espadas afiadas. Espada é algo retrógrado. Agora somente lançam aviões contra prédios gigantescos. E a evolução é tamanha que tudo está equilibrado. De um lado temos os fanáticos religiosos. De outro, os fanáticos materialistas. Ou seja, está tudo em harmonia. E a verdade que se dane. Aliás, para que buscar a verdade? Ela não traz dinheiro algum. E hoje, a religião e a ciência, como todos sabem, só buscam o dinheiro. Nada mais prático. Isso é a evolução.

Enfim, agora que o hedonismo impera, que a vida não tem sentido algum, que o lucro e a mídia governam todas as mentes, que a alma morreu no coração humano, que vivemos sob o reinado da aparência e do egoísmo, que destruímos nossa própria casa a passos firmes, decididos e implacáveis, e que em breve o planeta estará morto, evoluímos. Afinal, como diria Baudelaire, o suicídio tornou-se o ato mais sensato da existência.

Basta de ironias. Se com minhas palavras ainda não convenci o leitor de que INVOLUÍMOS, espero que a imagem acima convença.

19 agosto 2009

eu não estou onde estou
e não pense que eu estou contigo
porque eu estou contigo
muito além de ti
e além de mim
estou contigo
não estando aqui

e nem comigo estou
estou com o que não é
e com o que não sou
e o pior não ser
é o ser sem ninguém saber
é o estar distante ao longe
e o todo mundo pensar
te conhecer

mas o real
é que o real não é
a realidade:
eu estou naquilo
que paira lá
da infinidade

no fundo eu não existo
porque não existe nada
do que não sou
e se existe
eu não estou
logo
eu não sou eu
meu ser olhou ao alto
e se perdeu
então me achar não tente
ao lado de onde vês
há muito tempo eu fui
e jamais chegou
a minha vez

estou no que não é
e o resto é pó
de resto
eu sinto muito
e sinto só

16 agosto 2009

O Triunfo dos Abutres (Parte Final)

Tais abutres surgiam sempre de um ponto definido do céu, como se esse ponto constituísse uma passagem invisível a outra dimensão ignota do universo. E após pousarem, principiavam a emitir grunhidos e grasnados em uníssono, como uma hórrida orquestra canhestramente compassada. Tal som deprimente principiava de forma lenta e quase inaudível, progredindo para um crescendo de rapidez verdadeiramente ensurdecedora, capaz de enlouquecer qualquer ser humano que o ouvisse por um longo período de tempo.

Em determinados momentos, vários daqueles urubus, ou abutres, revoavam e partiam silenciosos em direção a outro ponto do céu congestionado. Tal ponto aparentava ser diametralmente oposto ao que me referi anteriormente. Do primeiro ponto, surgiam os abutres. No segundo, eles desapareciam. E enquanto algumas daquelas aves das sombras submergiam naquele local invisível do céu, mergulhando em um mistério absurdo, outros assomavam desse mesmo mistério e pousavam barulhentos nos galhos das árvores para dar continuidade à infernal sinfonia. E esse fluxo de abutres era irritantemente incessante.

De modo que eu já não estava suportando aquela gritaria funesta e canhestramente ritmada, que intensificou meu tormento a níveis intoleráveis. Mesmo em meio àquele absurdo, eu mal conseguia intentar obter alguma explicação ao horror. De onde provinham a para onde iriam aqueles titânicos urubus? Como poderiam surgir do invisível e submergir no invisível?

Minha perturbação interior crescia cada vez mais. Senti que minha cabeça explodiria a qualquer momento, que arrebentariam as fibras de meu coração, sob a tensão sobre-humana de tamanha tortura psicológica. Tudo em meu interior fervilhava. Parecia que algo lutava, debatia-se para emergir de minha alma, de meu ser mais profundo.

Quando já não resistia àquele martírio e decidi partir daquele vale ominoso, um enorme e assustador abutre pousou a minha frente. Dirigiu seu olhar penetrante e ameaçadoramente aguçado aos meus olhos, e eu estaquei como que petrificado.

Sendo dardejado pelo olhar vermelho e sanguinolento daquele abutre, senti minha alma ferver. E algo de terrível aqueles impiedosos olhos me irradiavam. Diziam-me que todos aqueles urubus gigantescos, todos aqueles abutres com sua massacrante sinfonia consistiam em monstruosas personificações de todas as esperanças e sonhos da humanidade que morreram e morrem em todos os corações humanos.

E de meu peito em combustão, senti que um hercúleo abutre de proporções extremas e descomunais ganhava forma, ganhava asas. E em um devastador adejo de suas asas sem limites, dirigiu seu voo ciclônico rumo àquele ponto invisível na atmosfera carregada de nuvens negras... E unido a toda a infinidade dos outros urubus e abutres, teria então, da humanidade, a sua vingança...

15 agosto 2009

O Triunfo dos Abutres


Minha solidão e meu desconsolo levaram-me a perambular melancólico e sem destino rumo às imensidões nostálgicas do pampa gaúcho. Parti ainda bastante cedo, em um dia frio e ensolarado. Os ares salutares do campo aos poucos foram aliviando o transtorno de meu espírito. Sentia-me relativamente bem contemplando os horizontes onde resplandeciam verdes coxilhas, exuberantes capões de mata, e, vez ou outra, eu atravessava pequenas e límpidas sangas. Minha maior alegria era quando avistava algum animal selvagem, como graxains, seriemas e lagartos.

De modo que lentamente fui avançando pelas pradarias, a locais cada vez mais isolados, onde já não divisava nenhum ser humano. Porém, quando já havia praticamente esquecido de meus infortúnios e decepções, ao sair de um trecho fechado de mata, algo de anômalo e doentio irradiou-se em meu interior.


O cenário que avistei a minha frente divergia de tudo o que contemplara até então. O que avistei não eram mais coxilhas verdejantes, porém uma vastidão de campos cinzentos e ressecados, canhestramente cobertos de nuvens ainda mais cinzentas, que transmitiam uma pungente sensação de dor e desespero. Lá, o sol não brilhava, e ao me aproximar mais do local, percebi que o campo seco apresentava um forte declive logo adiante, que levava a algo como um vale ainda mais sombrio. Tal vale parecia impregnado de altas árvores secas e retorcidas, as quais cercavam um vasto lago de águas lugubremente estagnadas.


Nesse instante, um sentimento de absoluta e devastadora tristeza apossou-se de mim. Um furacão de sensações febris e perturbadoras fervilhou em minha psique inflamada, e senti que o bando de meus sonhos mortos principiou a se debater violentamente em meu peito. Levado por meu tormento hipnotizante, decidi pisar aqueles campos funestos que gradativamente tornavam-se mais e mais escuros e ressecados, infestados de espinhentos caraguatás. Sentindo todo o peso agourento daquelas nuvens sobre meus ombros, lutulento, aos poucos fui descendo e dirigindo-me àquele vale infausto.


Um cheiro enjoativo de sangue surgiu em ondas pelos ares densos e pesados. Conforme avançava, meu transtorno físico e psíquico se intensificava. O caminho até o fundo abismal do vale parecia agora bem mais extenso do que a impressão inicial, e o próprio lago e a infinidade de árvores secas e retorcidas que o circundavam eram, em realidade, de uma imensidão assombrosa e absolutamente ilógica.


Apesar da temperatura fria do dia e de não brilhar o mínimo raio de sol no lugar sombrio em que me encontrava, um bafo morno e carregado, que parecia ter surgido daquele lago de águas estagnadas, oprimia minha angustiada respiração.


Finalmente, atingi a região do lago. O cheiro de sangue coagulado e apodrecido era quase insuportável. O ar quente, fétido e insalubre causava-me náuseas. A concentração de nuvens escuras no céu era intensa e opressiva. Pareciam estar muito baixas, como nimbos de mau agouro. Meu estado de perturbação psíquica atingira o auge, porém, uma força de atração irresistível impedia-me de abandonar aquela tétrica região.


Observei com atenção a imensidade doentia daquele lago absolutamente parado, não havia a mínima movimentação em suas águas medonhamente avermelhadas. Aproximei-me dele, infiltrando-me por entre aquelas odiosas árvores secas e espinhosas, e toquei aquelas águas. Embora não tendo coragem de provar seu sabor, tive a certeza, pelo cheiro, aparência e consistência, que eu me encontrava às margens de um gigantesco lago de sangue, provavelmente mesclado com alguma água imunda.


Fitando com torturante atenção os arredores do lago, vislumbrei uma vastidão pantanosa de banhados e charnecas que exalavam uma névoa abjeta e repulsivamente rosácea. Eram cobertos por uma desolada vegetação rasteira de aspecto cinzento e degradado. Foi no instante em que contemplava estarrecido todo o horror diante de mim e tentava explicar para mim mesmo o que seria tudo aquilo, que surgiu de um ponto negro do céu as asas de um imenso urubu preto que ameaçadoramente pousou em um galho retorcido.


Imediatamente após esse primeiro urubu, surgiram dezenas, centenas, milhares de outros urubus, tão gigantescos e ameaçadores como o primeiro. Alguns pousavam nas árvores mortas, outros, à beira do lago de sangue e bebiam de suas águas Pude observar de forma mais detalhada os que pousavam nas árvores. Eram imensos e possantes, possuíam garras enormes e afiadas, diferentes do urubu comum encontrado nas terras gaúchas. Aparentavam-se bem mais com os abutres africanos, com a diferença de que apresentavam, como os urubus, uma plumagem inteiramente negra no dorso, com penas brancas na região interna das asas.


Amanhã, a parte final...

13 agosto 2009

Como?

como foi
que me atirei da torre
que levei-me com o avalanche
do topo da montanha
como foi que quebrei minhas flores
que derramei minha graça
que cortei os pulsos
da minha estrela e do meu sol
como foi que pisei minha taça
que furei meu céu
que nublei meu peito
que desfolhei teu véu
como foi que troquei meu ouro
por um prato de feijão
que sangrei minha coroa
e fui sentar no chão
como foi que me desviei da luz
que me enlevava nos olhos teus
como foi
se eu ainda trago na arte
o vinho das asas
de Deus?

10 agosto 2009

Há que ter Alguém

não é
que eu queira o sangue
quero o sangue
porque...
não é
é vida
não é
que eu fale da morte
a morte é
que nos fala
e quem ama a vida
tem que ter o sangue
e saber da morte
que o sangue é alma
muito além da vida

e além do mais
do além
há que ter alguém
que diga do escuro
que fale
do que não se fala
mas que sempre fala
e jamais se ouve
há que ter alguém
como sempre houve...

que nem tudo é luz
e se a luz é luz
só o sabe a sombra
e se a vida é forte
só o sente a morte

por isso assombro
porque sei que a vida
não é bem assim...
pra que a vida vença
há que ter o Fim.

08 agosto 2009

Poemas do Término e Contos do Fim 35


Foi lançada a 35ª edição do zine literário Poemas do Término e Contos do Fim, desta vez com um novo design idealizado com muita competência e talento por meu amigo Guilhermes Damian, atualmente trabalhando na revista Veja. Esta edição do zine inclui o conto "O Livro que Explica Deus" e mais 4 poemas de ocaso.


O Poemas do Término e Contos do Fim pode ser encontrado em Santiago nas locadoras Fox e Classic, na Ponto Cópias, na biblioteca pública e na biblioteca da Uri. Támbém é distribuído em outras cidades do RS como Santa Maria, Santo Ângelo, Campo Bom e Porto Alegre. Também pode ser enviado para qualquer cidade do Brasil e exterior, sendo cobradas apenas as despesas de envio.

06 agosto 2009

da Noite a da Arte


se tu te julgas
satisfatoriamente feliz
é melhor que esqueças
da Noite e da Arte
que a Noite e a Arte
pertencem
aos insatisfatoriamente tristes
aos tristemente insatisfeitos

então
larga das asas do Sonho
e deita em tua cama
de sono tranquilo
e vazio

deixa o Sonho partir só
e voar livre a toda parte
que o Sonho
é tão triste quanto a Noite
e tão insatisfeito quanto a Arte

04 agosto 2009

Poesia Velha

gata de canto holocáustico
de coruja pingando na geada:
minha poesia velha
é lâmina de espada
desembainhada

gota de choro noctívago
de neve exaurindo-se a luz:
minha poesia velha
é tigre esfomeado
arrebatando cruz

Goethe de destino fáustico
de frio naufragando no amor
minha poesia velha
é relâmpago pela janela
na festa do leitor

01 agosto 2009

As Almas do Fantástico na História do RS - Conto 1º: O Horror no Campo


(O conto “O Horror no Campo” faz parte de uma série de 7 contos que estou compondo abordando o fantástico na história gaúcha, inspirados em fatos reais, mas desenvolvidos de forma fictícia. Este foi o 1º que compus da série. Foi publicado apenas em meu zine, ainda no ano passado, mas ainda não aqui no blog. Após esse, concluí mais 4 contos, e estou no processo inicial do que será o nº6. Embora estejam relacionados, os contos são independentes entre si.)



No ano de 1631, padres jesuítas e colonizadores a serviço da Espanha, com o auxílio de índios catequizados, fundaram uma pequena colônia no interior do RS. A povoação progrediu através dos anos, chegando a possuir alguns milhares de habitantes. No entanto, conforme a colônia crescia em aparente tranquilidade, uma sombra funesta e silenciosa foi fatalmente sendo despertada nos vastos campos e matas densos de mistério que dominavam a região. Havia algo naquele local estranho que não era nem um pouco amistoso à presença daqueles habitantes estrangeiros. Uma oculta e ominosa força natural não podia aceitar os espanhóis e nem mesmos os índios que já não eram fiéis à sua origem, pois haviam se tornado cristãos...

Em alguns momentos da história humana e em determinados lugares enigmáticos de nosso planeta, a natureza revolta-se contra a existência dos homens... Foi o que ocorreu na 3ª década do século XVII em um pequeno local do então quase deserto pampa gaúcho. Aos poucos, os ventos, as águas, as terras, as plantas, os animais, todos foram lenta e furtivamente conspirando contra os padres, colonizadores e indígenas, sem que a princípio algo fosse claramente percebido.

Tudo teve seu início com a formação de uma estranha e violenta tempestade. No mês de abril de 1636, uma reviravolta assustadora no tempo devido à chegada de uma intensíssima frente fria com ventos absurdamente gelados para a época, ocasionou uma tormenta sem precedentes ao chocar-se com o ar quente que até então permanecia sobre o pampa. De uma hora para outra, gélidas rajadas de vento, uma chuva torrencial mesclada a granizo e um verdadeiro bombardeio de raios passaram a assolar a pequena povoação ainda pouco protegida.

A tempestade durou poucos minutos, porém seus efeitos foram de total destruição. As construções já concluídas ou que ainda estavam sendo erigidas foram quase que completamente arrasadas, seja pelas violentas lufadas de vento ou pela pavorosa queda de raios. Plantações inteiras deixaram de existir, anos de trabalho pesado desfizeram-se em minutos. No entanto, apesar da morte de alguns cavalos, não houve vítimas fatais entre os humanos, e logo após a tempestade acalmar-se, os povoadores reiniciaram suas atividades em busca da reconstrução.

Contudo, após a chegada da anômala tormenta, aquela região não voltaria a ser a mesma. Os dias sucediam-se se mantendo invariavelmente nublados, sombrios e intensamente frios. Neblinas e garoas eram muito freqüentes e, aliadas ao frio, aos poucos foram minando os nervos dos colonizadores. O gélido vento Minuano não dava trégua, e logo uma epidemia de uma poderosa gripe alastrou-se entre os colonizadores e indígenas, causando inclusive vítimas fatais entre estes últimos. A população principiou a reduzir-se. Os padres oravam e fitavam os céus soturnos na triste esperança de que a graça divina estabelecesse um fim àquele clima doentio, contudo foi inútil. As semanas passavam agourentas e sem o menor vestígio de sol.

Com as plantações destruídas, a fome passou a assolar os habitantes, principalmente após a estranha e desconhecida peste que dizimou o gado e os cavalos criados pelos espanhóis. Não restou alternativa, a não ser partir para a caça. No entanto, mesmo com toda a experiência dos índios e sabendo-se que a caça na região era abundante, não se conseguia abater nenhum animal realmente útil para a alimentação. Os caçadores avistavam veados, capivaras, emas, tatus, lagartos, jacus, pacas, porém de forma absolutamente inexplicável, não conseguiam abatê-los, salvo algumas aves de pouca carne. E repetia-se o mesmo insucesso na pesca. Os rios transbordantes de águas pareciam estar vazios de peixes. E se os caçadores não encontravam a caça, as serpentes encontravam os caçadores. Nunca houve na povoação tantos casos de picadas de cobras, na maioria fatais. Ocorreu ainda um caso da morte de um padre atacado por um imenso felino durante a noite, e um espanhol teve sua mão extirpada por um animal da mesma espécie. O homem acabou morrendo de gangrena dias depois.

E através daqueles dias de frio hediondo e deprimente escuridão funerária, as forças naturais foram dizimando a população de colonizadores e indígenas. E foram estes que perceberam que havia algo de errado com a natureza, que existia uma ameaça terrível e impalpável pairando nos ares daquela região. Intentaram então retornar às suas antigas crenças, às orações aos seus deuses telúricos, porém já era tarde demais, e o que quer que fosse de oculto que ali exterminava os humanos era definitivamente implacável.

As causas das mortes eram as mais variadas, todas oriundas de “acidentes” naturais ou doenças. As vitimas ou eram levadas pelas águas e morriam afogadas, ou eram atingidas por raios, ou picadas por serpentes, ou ingeriam plantas venenosas, ou morriam nas garras das feras, da fome ou do frio. Alguns ainda eram vítimas de doenças desconhecidas, ou então enlouqueciam e num ataque de demência tentavam assassinar seus companheiros, mas acabavam por eles sendo mortos.

Passaram-se cerca de 6 meses. A população inicial contabilizava mais de 4000 indivíduos, na maioria homens, mas também havia mulheres e crianças, principalmente entre os indígenas, das quais a quase totalidade já falecera. E nesses 6 meses de horror, em que o quadro funesto do clima permanecia inalterado, mais de 75% da população fora exterminada. Então os menos de 1000 sobreviventes tomaram a decisão de retirar-se daquele local amaldiçoado. Seria uma marcha difícil e penosa pela desolação daquele pampa sombrio e hostil, porém não havia outra saída.

Mas... no exato dia em que a população estava preparada para a partida, surgiu o primeiro caso de uma peste absolutamente mortífera e brutal. Os índios afirmavam que a enfermidade viera com os ares insalubres daquele tempo maldito e que consistia na arma derradeira da natureza para a aniquilação dos povoadores. Os sintomas da peste eram assombrosamente horríveis. A vitima inicialmente sofria terríveis dores de cabeça e nos olhos, além de violentas crises de febre, vômito e diarréia. Então, em questão de poucas horas, surgiam por todo corpo feridas e chagas abomináveis, imensas e repugnantes de infecção, donde vertia um líquido amarelado, viscoso e purulento, exalando um cheiro fétido e nauseabundo. A morte advinha em 3 dias.

Os casos surgiam às dezenas; mesmo assim os espanhóis e índios decidiram partir no dia seguinte aos primeiros casos. Conseqüentemente, sua marcha tornou-se uma verdadeira marcha fúnebre. Conforme avançavam pelos campos gelados, úmidos e nevoentos, deixavam um rastro de cadáveres aberradores. A peste não poupou ninguém, e após algumas dezenas de quilômetros percorridos através do horror, estavam todos mortos, apodrecendo sobre as vastas pradarias gaúchas. Porém, houve um sobrevivente. O padre Pablo Gonzalez foi o único a não contrair a enfermidade. Foi encontrado por uma tribo de índios nativos que passava pelo local e levado a uma outra redução jesuítica.

O religioso, então, retornou à Espanha e lá relatou toda a catástrofe que vivenciara. Ninguém acreditou. Preferiu-se crer que os espanhóis e os índios catequizados foram assassinados por alguma tribo indígena de guerreiros selvagens, e que o padre Gonzalez, em sua imensa piedade, optou por esconder o fato a fim de poupar a tribo de uma possível vingança espanhola, pois espanhóis e portugueses exterminavam as tribos que resistiam à catequização. Vale lembrar que quando o padre fora resgatado pelos índios, o tempo sombrio já havia passado. O dia estava ensolarado, agradável e de uma beleza radiante. Muitas décadas depois, o local da tragédia foi povoado com sucesso pelos portugueses, que, aliás, nada souberam sobre ela.

Mas... afinal, por que a natureza rebelou-se contra os espanhóis e indígenas naquela ocasião, sendo que o mesmo não ocorreu em outros casos de povoações similares? Não se sabe. O que se sabe é que, às vezes, as ocultas e insondáveis forças naturais decidem varrer os representantes humanos de determinado local. E, talvez, em breve chegue o dia em que essas mesmas forças decidam varrer toda a humanidade de todo o planeta...