sou o que não sou
por isso irei chegar
onde jamais chegarei
e onde chegar
se chega não se podendo
e ainda que não poderei
irei ir sentindo
e sendo
que só o impossível
é que vale a pena
que não sendo pessoa
minha alma é imensa
acordando pequena
que ali onde não estive
é onde sempre cheguei
e se um dia vivi
é porque fracassei
e tudo que ninguém dirá
alcançarei em silêncio
para entregar a ti
e quando estiver certo
que em tudo falhei
eu criarei:
consegui.
07 julho 2009
03 julho 2009
Transbordamento
as águas de tudo que sinto
transbordam das sangas
rios
oceanos
como num tsunami holocáustico
as lavas de todas minhas ânsias
se jorram dos picos
cumes
montanhas
como num vulcão catastrófico
as luzes de todos meus sonhos
se espalham por campos
terras
planetas
como uma final bomba atômica
por que então minha arte
se deve conter
dentro das regras?
transbordam das sangas
rios
oceanos
como num tsunami holocáustico
as lavas de todas minhas ânsias
se jorram dos picos
cumes
montanhas
como num vulcão catastrófico
as luzes de todos meus sonhos
se espalham por campos
terras
planetas
como uma final bomba atômica
por que então minha arte
se deve conter
dentro das regras?
02 julho 2009
Pensamento Mágico X Pensamento Mecanicista
A Índia e o Hinduísmo (ou a superfície de um Hinduísmo degradado) estão na moda agora, graças à novela da Globo. Aproveito então, para deixar algo sobre o assunto.
O Hinduísmo tem, ou tinha, um pensamento mágico sobre o universo. Eu não irei afirmar se é correto ou se não é. Melhor que cada um chegue a sua própria conclusão. A verdade é que graças a esse pensamento mágico, os hindus, antigamente, consideravam todos os seres vivos como sagrados (não que agora isso tenha acabado totalmente, mas se modificou bastante, degenerou-se em grande parte, como tudo em nossa civilização).
Durante séculos, milênios, os hindus conviveram em harmonia com a fauna e a flora de seu país. Esse pensamento mágico, que a “ciência” ocidental consideraria equivocado, antiquado, retrógrado, “não-científico”, em realidade era muito mais avançado em relação ao pensamento mecanicista que infestou nossa civilização após o fim da Idade Média. Para os antigos hindus, todos os seres possuíam alma, e por isso deveriam ser respeitados. Deveríamos conviver com a natureza e respeitá-la, não dominá-la ou explorá-la egoicamente.
Porém, nos séculos XIX e XX, os ingleses invadiram a Índia, e o pensamento mecanicista do ocidente, para o qual tudo era visto como uma máquina perfeitamente explicada pelo homem, deslumbrou-se com toda a riqueza da natureza indiana. Deslumbrou-se não para contemplá-la ou conviver harmoniosamente com ela, mas para dominá-la, conquistá-la, retirar dela até sua última gota de vida e de riqueza. Pois, para o pensamento dito “científico” do ocidente naquela época, a alma não existiria nem no homem, muito menos em outros seres, considerados “inferiores”.
O resultado foi o massacre impiedoso da então abundante fauna e flora da Índia. Florestas foram dizimadas; elefantes foram escravizados para retirar da própria floresta as árvores derrubadas. Tigres, leões e leopardos foram exterminados para serem exibidos como troféus. Veados-almiscareiros eram mortos para virarem perfume. Macacos de diversas espécies eram abatidos pelo simples prazer de matar. Esse era o pensamento “correto” para os ocidentais: extirpar da natureza tudo o que nela houvesse de vida, submetê-la à vontade superior dos homens, vencê-la como se ela fosse nosso maior inimigo.
Foi assim só na Índia? Óbvio que não. Eu nem necessito mencionar o resto... Hoje, colhemos os negros e podres frutos do “correto”, do "verdadeiro" pensamento mecanicista. O planeta morre. Isso é tudo. Enquanto o “equivocado” e “retrógrado” pensamento mágico ainda é visto com desdém, ou ridicularizado. E assim caminha a humanidade...
O Hinduísmo tem, ou tinha, um pensamento mágico sobre o universo. Eu não irei afirmar se é correto ou se não é. Melhor que cada um chegue a sua própria conclusão. A verdade é que graças a esse pensamento mágico, os hindus, antigamente, consideravam todos os seres vivos como sagrados (não que agora isso tenha acabado totalmente, mas se modificou bastante, degenerou-se em grande parte, como tudo em nossa civilização).
Durante séculos, milênios, os hindus conviveram em harmonia com a fauna e a flora de seu país. Esse pensamento mágico, que a “ciência” ocidental consideraria equivocado, antiquado, retrógrado, “não-científico”, em realidade era muito mais avançado em relação ao pensamento mecanicista que infestou nossa civilização após o fim da Idade Média. Para os antigos hindus, todos os seres possuíam alma, e por isso deveriam ser respeitados. Deveríamos conviver com a natureza e respeitá-la, não dominá-la ou explorá-la egoicamente.
Porém, nos séculos XIX e XX, os ingleses invadiram a Índia, e o pensamento mecanicista do ocidente, para o qual tudo era visto como uma máquina perfeitamente explicada pelo homem, deslumbrou-se com toda a riqueza da natureza indiana. Deslumbrou-se não para contemplá-la ou conviver harmoniosamente com ela, mas para dominá-la, conquistá-la, retirar dela até sua última gota de vida e de riqueza. Pois, para o pensamento dito “científico” do ocidente naquela época, a alma não existiria nem no homem, muito menos em outros seres, considerados “inferiores”.
O resultado foi o massacre impiedoso da então abundante fauna e flora da Índia. Florestas foram dizimadas; elefantes foram escravizados para retirar da própria floresta as árvores derrubadas. Tigres, leões e leopardos foram exterminados para serem exibidos como troféus. Veados-almiscareiros eram mortos para virarem perfume. Macacos de diversas espécies eram abatidos pelo simples prazer de matar. Esse era o pensamento “correto” para os ocidentais: extirpar da natureza tudo o que nela houvesse de vida, submetê-la à vontade superior dos homens, vencê-la como se ela fosse nosso maior inimigo.
Foi assim só na Índia? Óbvio que não. Eu nem necessito mencionar o resto... Hoje, colhemos os negros e podres frutos do “correto”, do "verdadeiro" pensamento mecanicista. O planeta morre. Isso é tudo. Enquanto o “equivocado” e “retrógrado” pensamento mágico ainda é visto com desdém, ou ridicularizado. E assim caminha a humanidade...
30 junho 2009
Ninguém...
cheguei a todo lugar
onde chegar já não chega
fui além do além do não ido
com tudo que tinha de mim
com minha alma e arte
com minha sombra e rastro
e já não pude voltar
quando cheguei ao fim
em meu nada levei o todo comigo
estive à beira de tudo que é alto
pisei ao extremo daquilo que é abismo
e ninguém soube e ninguém viu
disse o que não é ouvido
apostei o tudo que não tinha
e meu número nunca saiu
voei meu sonho ao proibido
fervi meu sangue com veneno
senti além do que em mim não coube
escalei sem corda o topo do absurdo
alcei-me ao ponto de um limite que não há
e ninguém viu e ninguém soube...
onde chegar já não chega
fui além do além do não ido
com tudo que tinha de mim
com minha alma e arte
com minha sombra e rastro
e já não pude voltar
quando cheguei ao fim
em meu nada levei o todo comigo
estive à beira de tudo que é alto
pisei ao extremo daquilo que é abismo
e ninguém soube e ninguém viu
disse o que não é ouvido
apostei o tudo que não tinha
e meu número nunca saiu
voei meu sonho ao proibido
fervi meu sangue com veneno
senti além do que em mim não coube
escalei sem corda o topo do absurdo
alcei-me ao ponto de um limite que não há
e ninguém viu e ninguém soube...
600 milhões de casos de gripe comum todos os anos...
A mortalidade da gripe suína é bastante irregular de país para país. No Brasil, por exemplo, por enquanto é baixíssima, estando abaixo de 0,2%. No México, está acima de 1%, e na Argentina chega quase a 2%. Porém, na média mundial atual, segundo o OMS, está em 0,6%, dentro dos padrões da gripe comum.
No entanto, o que não se pode é divulgar a informação calamitosa de que a gripe comum tem mortalidade de 5%. Segundo a OMS, a gripe comum ataca cerca de 600 milhões de pessoas por ano em todo mundo. Se tivéssemos um índice de mortalidade de 5% na gripe comum, teríamos 30 milhões de mortes pela gripe todos os anos. Seria uma pandemia superior à da gripe espanhola, que matou entre 18 e 20 milhões de pessoas em um ano, a mais letal pandemia de gripe de que se tem notícia. Uma pandemia superior a essa, seria um verdadeiro desastre humanitário.
Creio que na ânsia de tentar convencer a população de que a gripe suína não é tão grave como se imaginava, os veículos de informação estão superestimando a gravidade da gripe comum. Querem desfazer um monstro e acabam criando outro.
No entanto, o que não se pode é divulgar a informação calamitosa de que a gripe comum tem mortalidade de 5%. Segundo a OMS, a gripe comum ataca cerca de 600 milhões de pessoas por ano em todo mundo. Se tivéssemos um índice de mortalidade de 5% na gripe comum, teríamos 30 milhões de mortes pela gripe todos os anos. Seria uma pandemia superior à da gripe espanhola, que matou entre 18 e 20 milhões de pessoas em um ano, a mais letal pandemia de gripe de que se tem notícia. Uma pandemia superior a essa, seria um verdadeiro desastre humanitário.
Creio que na ânsia de tentar convencer a população de que a gripe suína não é tão grave como se imaginava, os veículos de informação estão superestimando a gravidade da gripe comum. Querem desfazer um monstro e acabam criando outro.
29 junho 2009
Gripe Suína é mais Letal
Folheando o jornal Expresso Ilustrado, deparei-me com uma informação absurda. A de que o gripe comum possui um índice de mortalidade de 5%. Se assim fosse, teríamos milhões de pessoas mortas pela gripe comum todos os anos. A gripe espanhola que no passado matou cerca de 18 milhões de seres humanos ao redor do mundo apresentava uma mortalidade de 4,5%.
Na verdade, segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Renato Grinbaum, o índice de mortalidade da gripe comum encontra-se na faixa de 0,5 a 1%, enquanto que o da gripe suína está numa faixa entre 0,5 a 1,5%, dependendo da região do planeta. Mas como ela ainda está em processo de expansão, não se pode estabelecer com precisão sua taxa de letalidade. Mesmo que a diferença seja mínima e não muito significante, a gripe suína é um pouca mais letal que a comum, e não o contrário, como afirmou o jornal santiaguense.
Sugiro que o jornal Expresso corrija a informação veiculada.
Na verdade, segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Renato Grinbaum, o índice de mortalidade da gripe comum encontra-se na faixa de 0,5 a 1%, enquanto que o da gripe suína está numa faixa entre 0,5 a 1,5%, dependendo da região do planeta. Mas como ela ainda está em processo de expansão, não se pode estabelecer com precisão sua taxa de letalidade. Mesmo que a diferença seja mínima e não muito significante, a gripe suína é um pouca mais letal que a comum, e não o contrário, como afirmou o jornal santiaguense.
Sugiro que o jornal Expresso corrija a informação veiculada.
28 junho 2009
Rio do Inferno
em rio
de lágrimas
eu rio
das lágrimas...
a humana vida
é uma ironia fantástica
de uma pintura de Bosch
deboche
em graça sarcástica
mas...
e aquele humano
sorriso?
só riso.
de lágrimas
eu rio
das lágrimas...
a humana vida
é uma ironia fantástica
de uma pintura de Bosch
deboche
em graça sarcástica
mas...
e aquele humano
sorriso?
só riso.
26 junho 2009
Veneno
eu nada tenho a dizer
a não ser: chegou o Fim
nem um pouco importa a mim
se meu poema é veneno
e se meu poema é um corte
de morte na morte e pra morte
não há mais nada a fazer
o tempo dá um grito e morre
o sangue do amor escorre...
se meu poema é veneno
é de um fantasma catártico:
um trágico em trágico e trágico
nosso destino é morrer
tragando o vinho que espera
nos olhos da ânsia da fera...
sim, meu poema é veneno
licor de rosa indefesa:
tristeza à tristeza: Tristeza
a não ser: chegou o Fim
nem um pouco importa a mim
se meu poema é veneno
e se meu poema é um corte
de morte na morte e pra morte
não há mais nada a fazer
o tempo dá um grito e morre
o sangue do amor escorre...
se meu poema é veneno
é de um fantasma catártico:
um trágico em trágico e trágico
nosso destino é morrer
tragando o vinho que espera
nos olhos da ânsia da fera...
sim, meu poema é veneno
licor de rosa indefesa:
tristeza à tristeza: Tristeza
Histórias Nefastas
O meu amigo e ótimo escritor de literatura fantástica, Paulo Soriano, lançou este ano seu primeiro livro de contos, intitulado "Histórias Nefastas", e nos presenteia com 24 histórias do mais puro horror gótico.
Influenciado principalmente pelos gênios do fantástico Allan Poe, Lovecraft e Hoffmann, Soriano mergulha fundo em um universo absolutamente sombrio e impiedoso, onde assomam todas as maldições, torturas físicas e espirituais, o ominoso e o demoníaco, o sobrenatural sem explicação, tudo povoado pelos mais absurdos seres.
O clima de perturbação permeia a obra do começo ao fim, e sua linguagem sofisticada e de leitura agradável, ainda que dentro de um vasto e pesado campo lexical, fascina-nos e prende nossa atenção. Os finais de seus contos quase sempre reservam uma terrível surpresa, e a inteligência com que são idealizados é digna dos melhores escritores do gênero.
Nem todos os contos estão no mesmo nível, pois há alguns poucos, bem poucos, que estão presos aos clichês do gênero, apesar de muito bem escritos. Porém há vários magistralmente construídos, de grande originalidade e significado. Destaco as seguintes magníficas histórias: "Quando Deus nos abandona", pelo sua conclusão absolutamente cruel, "O Elixir da Juventude", que realmente impressiona em seu final, "Um homicídio perfeito", que se destaca pela inteligência de sua construção, "O retorno", pela sua originalidade e audácia da temática, "A Casa das Sombras Nefastas", onde se destaca toda a força inventiva de Soriano, e, finalmente, "Círculo Vicioso", para mim, o melhor conto do livro, pequeno na extensão, mas imenso na significação e originalidade.
Com "Histórias Nefastas", Paulo Soriano se firma como um dos melhores escritores do fantástico gótico nacional.
24 junho 2009
A Criação Maldita
Com uma febre demoníaca, caminhei alucinado até o meu jardim que há pouco, há bem pouco, fora devastado por um furacão, arranquei as raras rosas que restaram, martelei-as até que sangrassem, sem nenhuma compaixão. E o sangue fino que escorreu de suas pétalas dilaceradas, eu o esmaguei entorpecidamente entre os meus dedos inflamados.
Gotejando meu sangue doente e virulento, com os olhos ferventes e derramados de líquidos sanguinosos, como o sol maléfico dos desertos tropicais, saí pelas ruas imundas insanamente decidido a buscar a morte indistinta. Chutei todas as pedras do caminho, e elas não feriram os meus pés quase descalços, com unhas de lobo. Gradativamente, meus dentes cresciam e gotejavam uma hedionda saliva férvida de ódio e impregnada da minha sede ardente de sangue. Ao cair sobre o chão corrompido, as gotas ácidas e febrentas da minha saliva queimavam as gramas ressecadas.
As lágrimas secaram em meus olhos, e meus cabelos desgrenhados revoltavam-se ao vento quente das tempestades iminentes... Relâmpagos e trovões sentenciavam os horizontes sem paz. Nas atmosferas carregadas, a luz dos raios era a única que existia, a única que irradiava alguma esperança ao meu coração roído por venenos. Era a esperança do Fim. Os venenos fatais que percorriam céleres as minhas veias explodidas alimentavam o meu horror. Eu arrastava meu pesado manto negro por todos os lugares degenerados do planeta em asfixia, deixando fundos sulcos de infortúnios em meus caminhos malditos.
Ribombares lôbregos de trovões densos de aflições ecoavam como estertores mortais de um réquiem agonizante pelos ares infestados de tristeza. O meu olhar transtornado mantinha-se firme nos horizontes ameaçadores, de mortiças cores arroxeadas e rubras, mantinha-se firme, forte e decidido o meu olhar, como o do condenado que caminha imperturbável ruma à forca, como em um desafio ao meu destino absurdo. Cresciam as unhas de meus dedos e se tornavam pontiagudas, pontiagudas como o desespero de minha alma com as asas tostadas.
Ouvia berros indizíveis nos meus ouvidos, como se o inferno fosse se abrindo a cada passo que minhas pernas possantes davam por entre a desolação do ambiente impuro. O fogo tempestuoso das minhas esperanças crestadas e carcomidas uma a uma, assomava triunfante pelo infinito da minha desgraça.
Alguns miseráveis seres humanos intentavam inutilmente dizer-me coisas inúteis aos meus ouvidos exauridos. Eu cuspia um catarro espesso, férvido e sangrento no rosto hipócrita de todos eles. Eu não mais necessitava de verdades mentidas, ainda mais por esses humanos acabados. Ninguém impediria o meu avanço infernal.
A fúria assassínia em meus olhos propagava-se a distâncias colossais, como se eu fosse um titã de sinistras mitologias. Batidas frenéticas de arautos diabólicos esmagavam tudo o que surgia à minha frente. O céu, impassivelmente negro e tumultuado por vendavais que a tudo curvavam menos a mim, pesava-me em insânia nas minhas costas que a tudo suportavam.
Uma sensação anômala de ocaso devastou-me o peito já há muito devastado. Eu já havia percorrido quilômetros por entre o triunfo do horror e da morte, e meu tamanho tornou-se tão imenso que, em uma velocidade mórbida e canhestra, eu conseguia retirar de forma cada vez mais brutal meus pés do lodo purulento de vermes e porcos humanos. A destruição absoluta era meu rastro.
Uma essência azul de um resto de amor inútil ainda cintilava em meu interior funestamente massacrado sem a mínima misericórdia. Assassinado de angústias e decepções, com minhas garras de tigre esfomeado, eu extirpei essa essência oprimida e a ergui aos céus congestionados em um retumbante brado gutural de eterna inconformidade avassaladora. Eu odeio infinitamente quem me criou. Quem me criou foi a Humanidade. E eu terei dela a minha Vingança.
Gotejando meu sangue doente e virulento, com os olhos ferventes e derramados de líquidos sanguinosos, como o sol maléfico dos desertos tropicais, saí pelas ruas imundas insanamente decidido a buscar a morte indistinta. Chutei todas as pedras do caminho, e elas não feriram os meus pés quase descalços, com unhas de lobo. Gradativamente, meus dentes cresciam e gotejavam uma hedionda saliva férvida de ódio e impregnada da minha sede ardente de sangue. Ao cair sobre o chão corrompido, as gotas ácidas e febrentas da minha saliva queimavam as gramas ressecadas.
As lágrimas secaram em meus olhos, e meus cabelos desgrenhados revoltavam-se ao vento quente das tempestades iminentes... Relâmpagos e trovões sentenciavam os horizontes sem paz. Nas atmosferas carregadas, a luz dos raios era a única que existia, a única que irradiava alguma esperança ao meu coração roído por venenos. Era a esperança do Fim. Os venenos fatais que percorriam céleres as minhas veias explodidas alimentavam o meu horror. Eu arrastava meu pesado manto negro por todos os lugares degenerados do planeta em asfixia, deixando fundos sulcos de infortúnios em meus caminhos malditos.
Ribombares lôbregos de trovões densos de aflições ecoavam como estertores mortais de um réquiem agonizante pelos ares infestados de tristeza. O meu olhar transtornado mantinha-se firme nos horizontes ameaçadores, de mortiças cores arroxeadas e rubras, mantinha-se firme, forte e decidido o meu olhar, como o do condenado que caminha imperturbável ruma à forca, como em um desafio ao meu destino absurdo. Cresciam as unhas de meus dedos e se tornavam pontiagudas, pontiagudas como o desespero de minha alma com as asas tostadas.
Ouvia berros indizíveis nos meus ouvidos, como se o inferno fosse se abrindo a cada passo que minhas pernas possantes davam por entre a desolação do ambiente impuro. O fogo tempestuoso das minhas esperanças crestadas e carcomidas uma a uma, assomava triunfante pelo infinito da minha desgraça.
Alguns miseráveis seres humanos intentavam inutilmente dizer-me coisas inúteis aos meus ouvidos exauridos. Eu cuspia um catarro espesso, férvido e sangrento no rosto hipócrita de todos eles. Eu não mais necessitava de verdades mentidas, ainda mais por esses humanos acabados. Ninguém impediria o meu avanço infernal.
A fúria assassínia em meus olhos propagava-se a distâncias colossais, como se eu fosse um titã de sinistras mitologias. Batidas frenéticas de arautos diabólicos esmagavam tudo o que surgia à minha frente. O céu, impassivelmente negro e tumultuado por vendavais que a tudo curvavam menos a mim, pesava-me em insânia nas minhas costas que a tudo suportavam.
Uma sensação anômala de ocaso devastou-me o peito já há muito devastado. Eu já havia percorrido quilômetros por entre o triunfo do horror e da morte, e meu tamanho tornou-se tão imenso que, em uma velocidade mórbida e canhestra, eu conseguia retirar de forma cada vez mais brutal meus pés do lodo purulento de vermes e porcos humanos. A destruição absoluta era meu rastro.
Uma essência azul de um resto de amor inútil ainda cintilava em meu interior funestamente massacrado sem a mínima misericórdia. Assassinado de angústias e decepções, com minhas garras de tigre esfomeado, eu extirpei essa essência oprimida e a ergui aos céus congestionados em um retumbante brado gutural de eterna inconformidade avassaladora. Eu odeio infinitamente quem me criou. Quem me criou foi a Humanidade. E eu terei dela a minha Vingança.
22 junho 2009
Suprema Indiferença
agora, que me importa
que caia tudo à minha volta
que desmorone o que me cerca
e que restem só as auras
pairando em fúnebres clarões?
como todo real louco
eu só sigo vultos almas
sombras fantasmas
e aparições...
se a nuvem cobre o sol
se ouviu-se um raio insano
se o canto queda mudo
se a casa já desaba
se apodrece logo o fruto
se bateram em mim a porta
se o pior inda há de vir
se o poço é mesmo fundo
que me importa?
deixai-me dormir
caguei pro mundo!
mas... a meu redor tudo corre
aos gritos de “me socorra me socorra!”
Céus! a humanidade morre!
ora... deixai que morra
que caia tudo à minha volta
que desmorone o que me cerca
e que restem só as auras
pairando em fúnebres clarões?
como todo real louco
eu só sigo vultos almas
sombras fantasmas
e aparições...
se a nuvem cobre o sol
se ouviu-se um raio insano
se o canto queda mudo
se a casa já desaba
se apodrece logo o fruto
se bateram em mim a porta
se o pior inda há de vir
se o poço é mesmo fundo
que me importa?
deixai-me dormir
caguei pro mundo!
mas... a meu redor tudo corre
aos gritos de “me socorra me socorra!”
Céus! a humanidade morre!
ora... deixai que morra
21 junho 2009
As Litanias de Satã
Charles Baudelaire foi o precursor do Simbolismo na Literatura. Hoje, ele é considerado o pai da poesia moderna, pois uniu os voos sublimes do romantismo ao horror e ao grotesco da realidade. Juntamente com Allan Poe, a quem Baudelaire deve sua maior influência, foi o mais maldito dos poetas. Maldição essa, amargamente expressa no poema abaixo. (Acima, a escultura "Lúcifer" de Guillaume Geefs)
As Litanias de Satã
Charles Baudelaire
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!
As Litanias de Satã
Charles Baudelaire
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas, a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!
19 junho 2009
Elementar
se tu me chamas
em mar de chamas
eu mergulho em febre
afogueado
ao teu mar de fogo
em meus incêndios d'águas
como um fogoethe ao céu
refletido em lagos
me werthe sangue
ao afoguear-me insano
em teus profundos olhos
se
há fogo
me
afogo
em mar de chamas
eu mergulho em febre
afogueado
ao teu mar de fogo
em meus incêndios d'águas
como um fogoethe ao céu
refletido em lagos
me werthe sangue
ao afoguear-me insano
em teus profundos olhos
se
há fogo
me
afogo
17 junho 2009
Meus Pêsames
meus fúnebres sinfônicos:
melodiosa e melancólica
tua voz de orquestra em cordas
já me avisa em horizontes...
meus lúgubres letárgicos:
sonolenta e sorumbática
teu cansaço em noite e lua
já me afaga em rosa e sangue...
meus tétricos majésticos:
mal fadada e magnífica
tua luz de morte em punho
já me sonha em cruz e espada...
meus trágicos catárticos:
carinhosa e catastrófica
teu olhar de amor e fim
já me beija em nuvem-inferno...
meus pêsames tristíssimos!
melodiosa e melancólica
tua voz de orquestra em cordas
já me avisa em horizontes...
meus lúgubres letárgicos:
sonolenta e sorumbática
teu cansaço em noite e lua
já me afaga em rosa e sangue...
meus tétricos majésticos:
mal fadada e magnífica
tua luz de morte em punho
já me sonha em cruz e espada...
meus trágicos catárticos:
carinhosa e catastrófica
teu olhar de amor e fim
já me beija em nuvem-inferno...
meus pêsames tristíssimos!
14 junho 2009
Conto de Fadas Fatal
Era uma vez um barco, e um maldito sobre ele. Eu estava no barco no centro de um imenso rio, o rio Noite das Almas, em um barco sem remos, sem leme, sem nada, desgraçadamente perdido, desorientado. Foi então que 9 fadas violetas emergiram das águas, ergueram o barco e puseram-me em terra firme. Agradeci, e uma delas, a mais bela, a mais triste, disse:
- Olha! Ali, atrás daquele angico, vive o gnomo que toca violoncelo eternamente. Vai até ele. O elemental tem muito a te dizer. Vai logo, pois é quase tarde.
Imediatamente, fiz o que a fada ordenou e acerquei-me do estranho ser. Junto com ele estavam um silfo e uma ondina. O primeiro tocava violino, e a segunda, piano. Era um fantástico trio de Beethoven, o trio fantasma. Depois tocaram um de Schubert. Escutei e voltei a um gramado de corujas da infância, muito antigo. Mas em seguida, exerceu-se a atmosfera de crepúsculo inevitável no interior das músicas, e tive que questionar o gnomo antes que fosse tarde. O que tens a me dizer, pequeno amigo?
- Nada. Só que no Castelo de Gumercindo, a Donzela Bradante está gritando, gritando como nunca, obscuramente louca, desesperada. Outra vez está na janela da torre emitindo suas absurdas sentenças. Rápido, tu deves encaminhar-se para lá e salvá-la.
Dei um salto por sobre as moitas e como um raio passei a percorrer florestas infindas, enevoadas, sombrias de um verde-negro. Em cada canto desciam das gigantes árvores velhas bruxas decrépitas, bruxas doentes, e sensuais vampiresas que nos ensejam o desejo de ser mordido e sentir o cheiro do sangue e o gosto da vida se esvair pelas veias. Mas não o fiz. As bruxas cochichavam e debochavam expectorando:
- Atirem flechas, dêem tiros de canhões, metralhem, detonem bombas nucleares, não vai dar, é tarde demais, tarde demais. E dispararam numa carreira desabalada pelo meio do mato.
Eu tinha que ir logo, meu Deus, ir logo, violento, desbragado, infrene. Está tudo prestes a tudo. Não tinha tempo de pensar, por isso intuía. Foi então que ante minha fronte febril um nimbo principiou a derramar uma chuva ácida, e vi, por entre as gotículas prismadas em arco-íris, vi Siegfried, o herói do Anel dos Nibelungos, bebendo hidromel com o Deus Wotan, descansando ao lado a espada Nothung e a Lança do Poder. Mas como uma flecha de bestas medievais, dirigiram a mim seus olhos de fogo, empunharam as espadas, berraram:
- O Crepúsculo dos Deuses, as iminências cósmicas, esgotou-se o tempo, a simbologia do derradeiro. Usa tua energia sexual-volitiva e relampejando vai em frente.
E fui, como o vértice de um furacão, o vórtice de um trovão, tufão, de ciclones, de vendavais, de tormentas, de tempestades, temporais. Alucinado, eu “era todas as guerras”.
E o tempo passava implacável, cada minuto, cada segundo escorria e eu não conseguia mantê-los em minhas mãos que notei passar a metamorfosearem-se em mãos de lobo. Calamidades! Agora sou um lobo e corri, corri desesperado, cruzei matos, campos, banhados, açudes e sangas, e cheguei. Mas nunca se chega a tempo. Estou sempre atrasado. Abandonei o lobo e voltei a ser homem, um pouco mais alto e exausto. Cansado, fatigado, esgotado, mas eu prosseguia, tinha que prosseguir, tinha que me sacrificar, mortificar, ainda que todos fossem incompreensivos e injustos. O tempo não parava e tudo estava nas últimas forças definitivas, tudo acabava, morria, findava-se e eu em desabalada carreira atônita e assombrada. Troares de trovões catastróficos de outros planetas holocáusticos que corroíam as luzes ligeiras do sol. Em fuga desceram extraterrestres de Vênus, sacis e curupiras amazônicos, a agourar e abençoar meus caminhos... Então retumbaram as seguintes tragédias:
- Destrói o quanto antes. Sem piedade, arranca do teu interior aquele tumor maligno e acharás a porta do Castelo e a escada para a torre.
E eu parti como uma águia voraz, como um tigre, um jato de cometas explodindo núcleos de hélio, faíscas e incêndios nos cosmos varridos por ventos solares.
Trágico, cheguei até o Castelo onde se encontrava a Donzela Bradante. Situava-se no alto de uma coxilha no vasto pampa roxo-esverdeado. Lá estava ela vociferando. Ao redor da torre, uma imensa multidão se acumulava. Ao observar aquela gente, senti espanto: todos exibiam em seus rostos expressões de horror, medo, desespero... E punham as mãos nas faces e na cabeça e arrancavam os cabelos, rangiam os dentes, piscavam nervosos os olhos e irradiavam ódio e desdém e cerravam as sobrancelhas e vomitavam sentindo dores intestinais e suavam frio sangue gelado e gritavam com ânsias com nojo e tédio e cortavam-se com sofreguidão e oravam erguendo as mãos aos céus e curvavam-se e encolhiam-se e atiravam-se no chão batendo as mãos na terra e... Tentei saber o porquê de todo aquele horror e foi então que dirigi minha atenção aos gritos da Donzela na torre. Eram os seguintes berros que desesperavam a população:
- E quando chegar a morte? O que vocês vão fazer? E quando chegar a morte? De onde vocês vieram? Por que estão aqui? Por que vivem? E quando chegar a morte? Por que não querem falar na morte? E quando vier a tormenta? Por que não querem falar na tormenta? E as coisas que ninguém sabe? O que é aquilo que não se explica? E quando chegar a tormenta? E a morte? Por que não querem falar na morte?
E ao finalizar de falar, ou melhor, de berrar desesperada, a Donzela sentou-se, e toda a multidão permaneceu imóvel, estarrecida em absoluto silêncio aterrador. Então eu subi até a torre por uma escada de trovões, e eu já estava sangrando. Ao chegar à torre, a Donzela Bradante também expelia sangue pela boca. Golfejando juntos um sangue absurdamente vermelho, fomos até a beira da janela e nos atiramos sanguinosos sobre a multidão que agonizava. E fomos felizes para sempre...
- Olha! Ali, atrás daquele angico, vive o gnomo que toca violoncelo eternamente. Vai até ele. O elemental tem muito a te dizer. Vai logo, pois é quase tarde.
Imediatamente, fiz o que a fada ordenou e acerquei-me do estranho ser. Junto com ele estavam um silfo e uma ondina. O primeiro tocava violino, e a segunda, piano. Era um fantástico trio de Beethoven, o trio fantasma. Depois tocaram um de Schubert. Escutei e voltei a um gramado de corujas da infância, muito antigo. Mas em seguida, exerceu-se a atmosfera de crepúsculo inevitável no interior das músicas, e tive que questionar o gnomo antes que fosse tarde. O que tens a me dizer, pequeno amigo?
- Nada. Só que no Castelo de Gumercindo, a Donzela Bradante está gritando, gritando como nunca, obscuramente louca, desesperada. Outra vez está na janela da torre emitindo suas absurdas sentenças. Rápido, tu deves encaminhar-se para lá e salvá-la.
Dei um salto por sobre as moitas e como um raio passei a percorrer florestas infindas, enevoadas, sombrias de um verde-negro. Em cada canto desciam das gigantes árvores velhas bruxas decrépitas, bruxas doentes, e sensuais vampiresas que nos ensejam o desejo de ser mordido e sentir o cheiro do sangue e o gosto da vida se esvair pelas veias. Mas não o fiz. As bruxas cochichavam e debochavam expectorando:
- Atirem flechas, dêem tiros de canhões, metralhem, detonem bombas nucleares, não vai dar, é tarde demais, tarde demais. E dispararam numa carreira desabalada pelo meio do mato.
Eu tinha que ir logo, meu Deus, ir logo, violento, desbragado, infrene. Está tudo prestes a tudo. Não tinha tempo de pensar, por isso intuía. Foi então que ante minha fronte febril um nimbo principiou a derramar uma chuva ácida, e vi, por entre as gotículas prismadas em arco-íris, vi Siegfried, o herói do Anel dos Nibelungos, bebendo hidromel com o Deus Wotan, descansando ao lado a espada Nothung e a Lança do Poder. Mas como uma flecha de bestas medievais, dirigiram a mim seus olhos de fogo, empunharam as espadas, berraram:
- O Crepúsculo dos Deuses, as iminências cósmicas, esgotou-se o tempo, a simbologia do derradeiro. Usa tua energia sexual-volitiva e relampejando vai em frente.
E fui, como o vértice de um furacão, o vórtice de um trovão, tufão, de ciclones, de vendavais, de tormentas, de tempestades, temporais. Alucinado, eu “era todas as guerras”.
E o tempo passava implacável, cada minuto, cada segundo escorria e eu não conseguia mantê-los em minhas mãos que notei passar a metamorfosearem-se em mãos de lobo. Calamidades! Agora sou um lobo e corri, corri desesperado, cruzei matos, campos, banhados, açudes e sangas, e cheguei. Mas nunca se chega a tempo. Estou sempre atrasado. Abandonei o lobo e voltei a ser homem, um pouco mais alto e exausto. Cansado, fatigado, esgotado, mas eu prosseguia, tinha que prosseguir, tinha que me sacrificar, mortificar, ainda que todos fossem incompreensivos e injustos. O tempo não parava e tudo estava nas últimas forças definitivas, tudo acabava, morria, findava-se e eu em desabalada carreira atônita e assombrada. Troares de trovões catastróficos de outros planetas holocáusticos que corroíam as luzes ligeiras do sol. Em fuga desceram extraterrestres de Vênus, sacis e curupiras amazônicos, a agourar e abençoar meus caminhos... Então retumbaram as seguintes tragédias:
- Destrói o quanto antes. Sem piedade, arranca do teu interior aquele tumor maligno e acharás a porta do Castelo e a escada para a torre.
E eu parti como uma águia voraz, como um tigre, um jato de cometas explodindo núcleos de hélio, faíscas e incêndios nos cosmos varridos por ventos solares.
Trágico, cheguei até o Castelo onde se encontrava a Donzela Bradante. Situava-se no alto de uma coxilha no vasto pampa roxo-esverdeado. Lá estava ela vociferando. Ao redor da torre, uma imensa multidão se acumulava. Ao observar aquela gente, senti espanto: todos exibiam em seus rostos expressões de horror, medo, desespero... E punham as mãos nas faces e na cabeça e arrancavam os cabelos, rangiam os dentes, piscavam nervosos os olhos e irradiavam ódio e desdém e cerravam as sobrancelhas e vomitavam sentindo dores intestinais e suavam frio sangue gelado e gritavam com ânsias com nojo e tédio e cortavam-se com sofreguidão e oravam erguendo as mãos aos céus e curvavam-se e encolhiam-se e atiravam-se no chão batendo as mãos na terra e... Tentei saber o porquê de todo aquele horror e foi então que dirigi minha atenção aos gritos da Donzela na torre. Eram os seguintes berros que desesperavam a população:
- E quando chegar a morte? O que vocês vão fazer? E quando chegar a morte? De onde vocês vieram? Por que estão aqui? Por que vivem? E quando chegar a morte? Por que não querem falar na morte? E quando vier a tormenta? Por que não querem falar na tormenta? E as coisas que ninguém sabe? O que é aquilo que não se explica? E quando chegar a tormenta? E a morte? Por que não querem falar na morte?
E ao finalizar de falar, ou melhor, de berrar desesperada, a Donzela sentou-se, e toda a multidão permaneceu imóvel, estarrecida em absoluto silêncio aterrador. Então eu subi até a torre por uma escada de trovões, e eu já estava sangrando. Ao chegar à torre, a Donzela Bradante também expelia sangue pela boca. Golfejando juntos um sangue absurdamente vermelho, fomos até a beira da janela e nos atiramos sanguinosos sobre a multidão que agonizava. E fomos felizes para sempre...
12 junho 2009
Lei
10 junho 2009
Ponto *
até certo ponto
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?
na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.
*Este poema foi realizado em parceria com meu amigo Marcus Vinícius Manzoni. Ele o está musicando.
me atiro da ponte
até certa ponte
eu passo do ponto
uma ponte no passo
a um passo da ponte
me atiro com um tiro
se passo do tiro
me volto ao meu ponto
passo ponto e ponte
mas e eu estou onde
que nunca me encontro
e nunca estou pronto?
na ponta da noite
me aponto no escuro
ponteando socorro
batendo no muro
no ponto do erro
na margem da ponte
eterno horizonte
eu bato no peito
eu penso se corro
e nunca me encontro
e nunca estou pronto?
eu passo do ponto
e pronto.
*Este poema foi realizado em parceria com meu amigo Marcus Vinícius Manzoni. Ele o está musicando.
08 junho 2009
Sobre Minc e Sobre Crusius
Sobre Carlos Minc
O ministro do meio ambiente chamou os ruralistas de “vigaristas”. O erro do ministro foi ter generalizado. É claro que existem ruralistas decentes e honestos, com consciência ecológica, que trabalham para produzir e ao mesmo tempo preservar o ambiente, e esses merecem todo o meu respeito e admiração. Porém, infelizmente, grande parte dos produtores rurais não possui essa consciência. O que querem é lucrar cada vez mais, visam somente o lucro imediato, e não deixam de ser uns vigaristas. Não estão nem um pouco preocupados em preservar as matas, os rios, os animais selvagens que estão em suas terras. Aqui mesmo, no RS, em várias regiões, os agricultores devastaram todas as matas de suas terras, inclusive as matas ciliares, e agora, em épocas de seca, os cursos d’água se esgotam com assustadora rapidez, uma vez que já não possuem a mata para reter a umidade. Os resultados são grandes conhecidos nossos.
Por que será que sempre os ministros do meio ambiente são motivos de briga, discussões, e são mal vistos pela maioria dos ruralistas e até por outros ministros? Com a ex-ministra Marina da Silva ocorreu o mesmo. Ninguém gostava dela. Agora isso acontece com o Carlos Minc. Será porque no fundo ninguém quer preservar o ambiente e os recursos naturais? Será que todos odeiam tudo que for sinônimo de preservação? Será que é porque acreditam que deixar pelo menos uma parte de uma floresta em pé atravanca o progresso? Progresso é plantar cada vez mais, é construir estradas, rodovias, fazer hidrelétricas, é devastar para criar gado? É explorar à exaustão os recursos naturais? Isso é progresso? Progresso para a morte do planeta, e consequentemente da humanidade, com certeza é.
É impressionante como o ser humano, por mais que sofra na pele as consequências dos seus atos, não muda sua forma de pensar. Como diria um grande filósofo contemporâneo, “o homem não aprende as lições da vida nem a canhonaços”. Para o homem, progresso continua sendo a luta contra a natureza, como se ela fosse algo a ser vencido, dominado e explorado. Aquele antigo e nefasto pensamento de Descartes e de outros filósofos que julgavam que a natureza devia ser inteiramente subordinada, escravizada à vontade do homem. Progresso continua sendo aumento de lucro, aumento de produção, crescimento financeiro. Sempre se comemora o aumento da produção de determinado bem, seja na agropecuária ou na indústria. Porém, nunca se questiona qual o preço que foi pago por esse “crescimento”. Chegará o dia em que não se poderá mais pagar o preço...
Sobre Yeda Crusius
Sobre a governadora, muito pouco tenho a falar. Apenas comento que segundo pesquisa do DataFolha, mais de 57% dos gaúchos acreditam que há corrupção em seu governo, e que desses, 70% querem o seu impeachment. Eu me incluo entre eles. E acrescento que antes dessa nova onda de corrupção vir à tona, comentei aqui sobre a campanha do CPERS e outros sindicatos, onde a imagem da governadora era relacionada à corrupção. A maioria do povo gaúcho julgou exagerada tal campanha e se voltou contra o CPERS. No entanto, agora a maioria desse mesmo povo gaúcho crê que há corrupção em seu governo. Mais uma vez, os professores saíram na frente e foram incompreendidos. E, como sempre, odiados.
O ministro do meio ambiente chamou os ruralistas de “vigaristas”. O erro do ministro foi ter generalizado. É claro que existem ruralistas decentes e honestos, com consciência ecológica, que trabalham para produzir e ao mesmo tempo preservar o ambiente, e esses merecem todo o meu respeito e admiração. Porém, infelizmente, grande parte dos produtores rurais não possui essa consciência. O que querem é lucrar cada vez mais, visam somente o lucro imediato, e não deixam de ser uns vigaristas. Não estão nem um pouco preocupados em preservar as matas, os rios, os animais selvagens que estão em suas terras. Aqui mesmo, no RS, em várias regiões, os agricultores devastaram todas as matas de suas terras, inclusive as matas ciliares, e agora, em épocas de seca, os cursos d’água se esgotam com assustadora rapidez, uma vez que já não possuem a mata para reter a umidade. Os resultados são grandes conhecidos nossos.
Por que será que sempre os ministros do meio ambiente são motivos de briga, discussões, e são mal vistos pela maioria dos ruralistas e até por outros ministros? Com a ex-ministra Marina da Silva ocorreu o mesmo. Ninguém gostava dela. Agora isso acontece com o Carlos Minc. Será porque no fundo ninguém quer preservar o ambiente e os recursos naturais? Será que todos odeiam tudo que for sinônimo de preservação? Será que é porque acreditam que deixar pelo menos uma parte de uma floresta em pé atravanca o progresso? Progresso é plantar cada vez mais, é construir estradas, rodovias, fazer hidrelétricas, é devastar para criar gado? É explorar à exaustão os recursos naturais? Isso é progresso? Progresso para a morte do planeta, e consequentemente da humanidade, com certeza é.
É impressionante como o ser humano, por mais que sofra na pele as consequências dos seus atos, não muda sua forma de pensar. Como diria um grande filósofo contemporâneo, “o homem não aprende as lições da vida nem a canhonaços”. Para o homem, progresso continua sendo a luta contra a natureza, como se ela fosse algo a ser vencido, dominado e explorado. Aquele antigo e nefasto pensamento de Descartes e de outros filósofos que julgavam que a natureza devia ser inteiramente subordinada, escravizada à vontade do homem. Progresso continua sendo aumento de lucro, aumento de produção, crescimento financeiro. Sempre se comemora o aumento da produção de determinado bem, seja na agropecuária ou na indústria. Porém, nunca se questiona qual o preço que foi pago por esse “crescimento”. Chegará o dia em que não se poderá mais pagar o preço...
Sobre Yeda Crusius
Sobre a governadora, muito pouco tenho a falar. Apenas comento que segundo pesquisa do DataFolha, mais de 57% dos gaúchos acreditam que há corrupção em seu governo, e que desses, 70% querem o seu impeachment. Eu me incluo entre eles. E acrescento que antes dessa nova onda de corrupção vir à tona, comentei aqui sobre a campanha do CPERS e outros sindicatos, onde a imagem da governadora era relacionada à corrupção. A maioria do povo gaúcho julgou exagerada tal campanha e se voltou contra o CPERS. No entanto, agora a maioria desse mesmo povo gaúcho crê que há corrupção em seu governo. Mais uma vez, os professores saíram na frente e foram incompreendidos. E, como sempre, odiados.
05 junho 2009
Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Op.60, de Brahms
Em 1874, Brahms compôs o seu 3º e último quarteto para piano e cordas, o mais sombrio e trágico dos três. A violência da paixão e do amor desesperado vibra terrível do começo ao fim da obra. Os raros momentos de melancólica serenidade são bruscamente interrompidos por uma fúria infrene e dilacerante. As melodias são sinistras e lacônicas, os ritmos, febris e caóticos, e o diálogo entre os instrumentos é de uma alucinada inquietação e de um desespero inconformado.
Sobre essa obra, afirmou o próprio Brahms, ao escrever à editora Simrock: "Na capa deverá ser colocado o desenho de uma cabeça com uma pistola apontada para ela. Acredito que isso dará uma ideia dessa música. Tratarei de enviar-lhe uma foto minha."
Com o Quarteto para piano e cordas em Dó menor, Brahms intentou pôr um ponto final no seu amor por Clara Schumann, viúva do também gênio musical Robert Schumann. Brahms a amava desde os seus 20 anos de idade, quando Schumann ainda vivia e era um grande amigo de Brahms. Amava-a platônica e secretamente. Acredita-se que após a morte de Schumann, Clara, 14 anos mais velha que Brahms, também o amou. Porém, se existiu o amor entre ambos, jamais foi concretizado.
Aos 41 anos, Brahms intentou com seu quarteto expressar tudo o que sentia por Clara, e assim, esquecê-la. Conseguiu expressar o que sentia, mas não conseguiu esquecê-la. Morreu amando Clara, um ano depois dela, na solidão.
Transcrevo abaixo um trecho do livro "Vida de Brahms", de Willibald Nagel, onde o autor comenta sobre a referida obra:
"É uma das obras de mais difícil compreensão do mestre. Brahms já falara dela a Billroth, dizendo ser uma produção um tanto original, 'como que uma ilustração do último capítulo do homem do fraque azul e do colete amarelo', referindo-se ao suicídio de Werther. É isso o que nos dá a chave do segredo; Brahms, com inflexível força de vontade, lutou contra os impulsos do seu próprio eu, a fim de renunciar às suas pretensões acerca da esposa do seu melhor amigo, Schumann. Este Quarteto em Dó menor se nos apresenta como uma confissão de um ente que sofreu um terrível abalo moral. É uma obra dominada por uma paixão diabólica, pela queixa torturante, contra a qual é inútil resistir, refletindo uma harmonia e um ritmo inquietos e selvagens. Apenas no 3º movimento surge um fundo de romântica doçura e beleza, mas que é quebrado pelo último movimento, onde retorna o conflito e o martírio noturno."
Finalizo com uma questão: quanto é necessário sofrer o artista para criar sua obra?
03 junho 2009
Última
esta é a última vez
porque depois de tudo
se o tudo for o nada
a minha voz mal dita
se abismará nos cantos do impossível...
as minhas mãos contritas
se perderão no espaço esvaziado...
a minha febre em vida
se queimará nas cinzas do já morto...
o meu olhar m...aguado
se afogará no mares do não-visto...
meu coração cravado
se enfartará nas garras dos abutres...
essa minha arte em chamas
se apagará nos incêndios do inútil...
e esta minha alma em flamas
se voará às bandeiras do fatal...
porque depois de tudo
se o tudo for o nada
a minha voz mal dita
se abismará nos cantos do impossível...
as minhas mãos contritas
se perderão no espaço esvaziado...
a minha febre em vida
se queimará nas cinzas do já morto...
o meu olhar m...aguado
se afogará no mares do não-visto...
meu coração cravado
se enfartará nas garras dos abutres...
essa minha arte em chamas
se apagará nos incêndios do inútil...
e esta minha alma em flamas
se voará às bandeiras do fatal...
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