01 junho 2009

Oculto

os teus olhos
que brilham
diante de mim

as luzes do sol
que vieram brilhar
nos teus olhos

o corpo solar
de onde vem a luz
que te veio brilhar

o fogo atômico
que forma o corpo
do sol que em ti brilha

o fósforo cósmico
que acendeu o fogo
que brilha no sol

a mão que acendeu
o cósmico fósforo
e que nunca brilha

30 maio 2009

Do Fausto de Goethe


Um trecho da 1ª parte do "Fausto" de Goethe, uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Qualquer comentário meu sobre os versos abaixo é absolutamente desnecessário.


Fausto:


"A coisas muito altas anseia a nossa alma,
A matéria, porém, a prende sempre ao chão;
Se alcanças desse Mundo os bens e a loura palma
Da glória, tudo é engodo e constante ilusão.
E às belezas da vida, e aos puros sentimentos,
Envilecem da Terra os ferozes tormentos;
E quando a Fantasia abre asas e voa
No espaço, para o Eterno, em sonhos e esperanças,
Basta pequeno abrigo, enquanto além ecoa
Vendaval que desfaz venturas e bonanças.
O Infortúnio se esconde e se abisma no peito,
As dores acalenta então insatisfeito
E da vida perturba o sossego e o prazer;
Sempre com nova máscara a fazer sofrer,
Ora luxo, ora lar, mulher, criança aflora;
Qual fogo, água, atroz veneno, até punhal;

Treme perante tudo o que não tens, mortal!
E aquilo que perdeste, em lágrimas, deplora!
Não sou de Deus a imagem! Sinto-o profundo.
Pareço mais um verme, e no pó vivo imundo;
Que do pó se alimenta e nele sempre exulta,
Se o pé do itinerante poupa e não o sepulta."

27 maio 2009

Nada

nada
a
declarar

só um canto de treva
no canto negro do céu
só um canto
de tormenta em noite
paira
a um canto
de violino preto

aos cantos
de urubu escuro
pairando
aos cantos

sobre
marcha
mancha
de sangue
aos cantos
da morte

nada

de clarar

25 maio 2009

Eu Não Sou Brasileiro

Sim, não posso ser. Afinal, tudo que dizem que o brasileiro é, eu não sou. Dizem que o brasileiro é isso, é aquilo, que possui determinadas características, mas elas não condizem comigo. Então não posso ser brasileiro. Afinal, se já se criou um estereótipo do que é ser brasileiro, se é através desse estereótipo que as pessoas em geral, principalmente as de outros países, veem os brasileiros, e se eu não estou de acordo com tal estereótipo, então, não sou ou não devo ser brasileiro.

Vejamos:
1) Brasileiro é alegre e de alto astral. Eu não sou alegre e nem tenho alto astral.
2) Brasileiro é extrovertido. Eu não sou extrovertido.
3) Brasileiro adora verão e calor. Eu detesto verão e calor e amo o inverno e o frio.
4) Brasileiro adora praia. Eu até posso achar bonita uma praia se não houver pessoas lá. Detesto aquele monte de gente amontoada na areia, surfistas, cerveja, pessoas bronzeadas etc. Acho tudo isso um saco.
5) Brasileiro prefere bumbuns. Um bumbum pode ser bonito, mas eu prefiro os olhos.
6) Brasileiro adora cerveja. Eu não gosto de cerveja, prefiro um bom vinho.
7) Brasileiro gosta de andar com pouca roupa. Para mim, nada melhor que vestir um longo e pesado sobretudo.
8) Brasileiro gosta de samba, pagode, axé, forró, sertanejo. Eu detesto todos esses tipos de música, e nada têm a ver comigo nem com a região onde vivo.
9) Brasileiro ama carnaval. Eu detesto carnaval.
10) Brasileiro não perde uma festa. Uma festa às vezes é legal, mas na maioria das vezes acho melhor ficar em casa, ou fazer outra coisa, a ir numa festa.
11) Brasileiro tem o seu famoso jeitinho. Para mim, o jeitinho brasileiro é um eufemismo de canalhice.
12) Brasileiro gosta de coisas coloridas. Eu prefiro cores sóbrias e discretas.


Enfim, talvez existam outros pontos em que eu nada tenha a ver com o que se classifica como “brasileiro”. Mas há algo que tenho em comum. Brasileiro adora futebol. Bem, eu também gosto de futebol. Será que só por isso sou brasileiro?

23 maio 2009

Além

o que há além do Limite?
pela outra face da estrela
na noite virada de costas?
o que há no avesso do céu?
afora de todos o dias?
contrário a todas as vistas
diverso de todo o normal?
o que além do bem
e do mal?

o que tem do lado de lá?
do outro lado da sanga
do outro lado do cerro
no lado escuro do sono
no lado oculto da sorte?

o que há além da vida
e da Morte?

21 maio 2009

De Sangue

Choro. E duas gotas de sangue sangram de meus olhos avermelhados. Olho a minha frente. E em um lago com a cor e com o cheiro de sangue coagulado, um bando doentio de corvos e urubus fita fixo os meus olhos desesperados. Eu não sei definir se seus olhares são sentenciosos ou sarcásticos. Creio que os dois. O cheiro quente de sangue se espalha pelo ar denso e lúgubre. O grasnar agourento dos corvos me ensurdece.

Ergo-me da grama sangrenta onde eu sentara sobre o meu próprio sangue derramado. Olho ao alto. Nuvens vermelhas lentamente assomam e tornam-se de um rubro intenso e mórbido, com algumas tendências para o negro. Um raio de fogo avermelhado parece partir o céu congestionado em dois. Um trovão úmido de sangue retumba nas minhas veias inflamadas.

Em breve despencará uma tempestade sanguínea. E o meu banho de sangue será completo e definitivo. Encharcado com o sangue de todas as tormentas, eu ando pelas estradas inundadas com o sangue de tudo que morreu na minha vida.

O bafo sanguinolento dos urubus queima-me os cabelos. Uma linda e nua mulher menstruada cai morta a cinco passos de mim. Seu sangue escorre por suas pernas brancas e magras. Nada a minha frente. Nada ao meu redor. Somente horizontes e mais horizontes de funestos montes devastados e avermelhados. De um vermelho anomalamente triste e melancólico. Uma tristeza fúnebre de febres fulvas férvidas de sangue, canta-me tensas melodias de saudade.

Meu pulso vibra a uma velocidade assombrosa, minhas veias tornam-se proeminentes sob a pele. Sinto o bater absurdo e derramado de meu coração sem freios. Meu sangue arde por todo meu organismo e pela alma. A chuva sanguínea não cessa. Os corvos e urubus revoam em hordas canhestras do lago profundo de sangue e acompanham lentamente meus passos desolados por entre os rios sanguinolentos.

Dezenas de aves mortas e sangradas com seus peitos abertos em hemorragias e com seus corações à mostra caem pelo meu caminho. Ao longe, o grito de um gato no cio assola meus ouvidos. Creio que uma imagem do coração sangrento de Cristo surgiu como uma miragem a minha frente. Não sei dizer com certeza, foi tudo muito rápido.

Um sol de apocalíptico escarlate se ergue acima das nuvens da tempestade de sangue que se estanca subitamente. Um sol estranhamente vermelho de rosto dilacerado. Será mesmo um sol? Não sei. Mas sei que seu brilho vermelho de sangue encanta e consola meus olhos congestionados. Sorrio, com gotas de sangue na boca, uma sanguinolenta esperança.

18 maio 2009

Soneto ao Infinito

Todas as ânsias do meu sonho infeito,
toda a grandeza que me impele à frente,
toda minha alma, minha psique, a mente
a que luz irão no horror derradeiro?

O ser que pulsa pelo mundo inteiro,
a alta lágrima que se alastra quente,
serão perdidos para todo o sempre,
aniquilados do universo ao meio?

Não... pois há uma viva e eternal sentença
que paira livre além de todo mito,
que canta plena de verdade imensa...

Mesmo esquecida no oculto maldito,
A Grande Lei governa forte, intensa
No audaz segredo do além e infinito.

15 maio 2009

Poema ao Frio

Vento glacial e franco
do meu fracasso
fremente fúria invernal
sopra em minha frustrada febre
gela minha frente e sangue
neva em minha frase frágil
em minhas ânsias sem freios
pelas névoas infrenes
que fruem da lua forte
despedaçadas em frutos negros
das frondes fantasmagóricas
em noite fria de beijo em gelo
geada frenética sobre meu peito
em minha fronte trágica
em desgraça frígida
em lufada cáustica:
é em tua friagem que me ergo
em tua frieza que me alargo...

Frio! meu antimundo abrigo
agora que tudo que amo morre
traze teu frêmito a morrer comigo.

13 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.Final)

Enfim, eu havia vivido e praticado todas, ou quase todas, as maldades possíveis, sempre me alimentando das sombras negras que eu absorvia dos olhos de todas as pessoas com as quais eu entrava em contato. A humanidade é uma fonte infinita de tudo o que é maligno. Porém, eu ainda não me tornara um assassino. Sim, era isso o que faltava para a integridade de meu mal.

Tomei então a resolução de cometer o mais cruel dos assassinatos. Não desejava apenas matar alguém, mas matar da forma mais fria e torturante possível. E, claro, de maneira que meu crime jamais fosse descoberto. Tornando-me um cruel homicida, eu teria então resumido em mim, finalmente, todo o horror humano, como se eu fosse um microcosmo da humanidade.

De modo que passei a imaginar qual seria o mais cruel dos crimes. Pensei que deveria escolher uma moça indefesa e inocente, ou a mais inocente possível, já que uma pessoa totalmente inocente não existe. Antes de matá-la, eu iria torturá-la física e psicologicamente. Eu imaginava as perversidades que poderia cometer. Poderia queimar partes de seu corpo, aos poucos, sentir o cheiro da pele queimada. Poderia perfurar seus olhos e beber o líquido intraocular, arrancar fios de cabelo e fazê-la os engolir. Poderia abrir seu abdômen e retirar seus intestinos, obrigando-a a olhar para eles, enquanto eu os cortava e os queimava. Poderia arrancar seus dedos, beber seu sangue, enfiar insetos em seus ouvidos, estuprá-la, arrancar seus mamilos, enfim, as possibilidades de tortura eram infinitas. Eu estava, portanto, decidido.

No início da noite, saí às ruas portando uma pistola, e não foi difícil encontrar minha vítima. Era uma linda moça de cerca de 20 anos, com belos olhos castanhos. Calcei-a com a arma e ordenei para que me acompanhasse em silêncio, que assim nada aconteceria com ela.

Caminhamos, da forma mais natural possível, até minha casa. Entramos, e ordenei à moça que sentasse em uma cadeira. Ela protestou e, muito nervosa, perguntou o que eu queria com ela. Então disse friamente que se ela abrisse a boca para falar qualquer palavra sem a minha permissão, eu meteria uma bala na sua cabeça e teria prazer em comer seus miolos. Ela se calou, apavorada. Em seguida, atei seus pés e suas mãos firmemente e sentei-me diante dela para contemplar sua beleza aterrorizada.

Perguntei seu nome. Chamava-se Luísa. Decidi, então, antes de iniciar a sessão de tortura, olhar nos seus olhos para absorver o mal que havia nela e fortalecer-me ainda mais. Porém, nesse instante, algo totalmente inesperado aconteceu. Nenhuma sombra negra saía de seus olhos. Pelo contrário, o que vi em seus olhos foi o brilho de uma luz profunda, creio que a mesma que as pessoas diziam perceber nos meus olhos durante minha infância e no princípio de minha adolescência.

Por instantes, permaneci absorto, extático, extasiado contemplando aquela luz sublime que emanava dos olhos de Luísa. E a moça, percebendo meu estado de alucinação, com receio, mas revelando coragem, declarou com firmeza: “Se vai me matar, por favor, faça logo”. Eu não disse nada. Levantei da cadeira, libertei Luísa das amarras e a conduzi até a porta. Ao abri-la, murmurei, profundamente abalado: “Sublime Luísa, eu te agradeço infinitamente e do fundo da minha alma miserável, te peço um inútil perdão”.

Ela me olhava fixamente, não entendendo absolutamente nada, porém percebi que já não estava com medo. Então, com seus lindos olhos fixos nos meus, falou com voz suave: “Que estranho, tem uma luz brilhando nos teus olhos...” Ao que respondi: “Sim, e essa luz é tua, não minha. Agora vá”. E ela partiu rapidamente.

Fechei a porta e sentei-me na cadeira. Desesperado, não consegui chorar. Somente um pensamento perturbava minha mente: era o de que a luz dos olhos de Luísa, tendo-se fixado uma só vez em mim, havia anulado toda a sombra de treva que acumulei no meu interior durante todos esses anos. Eu havia voltado a ser o que um dia fui. Depois de ter sido o pior dos monstros e vivido uma vida de maldade, horror e crime, eu poderia voltar a ser o que era em minha infância?

Não, não poderia. Se quando comecei a absorver o mal dos humanos, eu tivesse encontrado uma pessoa, uma só que fosse, como Luísa, que possuísse essa luz nos olhos que ela me transmitiu, eu não teria me tornado o demônio que até bem pouco tempo fui. Eu não teria. Mas eu não encontrei ninguém assim. Eu só vi sombra e trevas nos olhos das pessoas.

Agora é tarde demais. Decidi então escrever este relato, para testemunhar a minha desgraça. Que pelo menos ele sirva para algo de bom, já que eu não servi. O meu objetivo foi resumir em mim todo o mal da humanidade. Só faltou eu ter sido um assassino. Não fui. Porém, ainda falta mais uma coisa: a humanidade se autodestrói. Eu ainda não me autodestruí. Farei agora. Largo a caneta. E aponto a arma para a minha cabeça...

12 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.II)

Carregando em meu interior a maldade de milhares de pessoas, pensei em qual seria o comportamento inicial de alguém com um caráter perfeitamente diabólico. E, friamente, determinei que eu deveria transmitir a todos uma aparência e uma sensação primordial de que eu era o melhor dos humanos, como até então todas as pessoas próximas a mim, com razão, consideravam-me. Não foi difícil, portanto, ser o mais hipócrita dos hipócritas.

Eu pregava a todos o amor, a paz, o altruísmo, a honestidade, enquanto o horror e o ódio fervilhavam em minha psique. Utilizando-me de minha inteligência calculista e de minha total falta de escrúpulos, fui galgando degraus na vida social, passando impiedosamente por cima de meus adversários, humilhando-os e prejudicando-os de todas as formas ao meu alcance. No entanto, sem jamais que alguém soubesse que eu era o responsável pelos atos abomináveis.

Assim, entrei para a vida pública, mentindo descaradamente, não perdendo oportunidades de ser desonesto, acumulando bens materiais pelos meios mais escusos. Tornei-me um perfeito corrupto: um ladrão irrepreensível. Roubava o máximo que podia sem despertar a mínima suspeita.

Quando reuni um montante de dinheiro que julgava suficiente, abandonei minha carreira para dedicar-me plenamente à maldade e à depravação. Então pude finalmente retirar minha máscara hedionda de hipocrisia e ser descaradamente mau. Esmaguei todos os sonhos e ideais de nobreza e dignidade que um dia nutri em meu ser, desisti definitivamente de encontrar o verdadeiro amor em uma mulher e lancei-me a mais extrema e absurda promiscuidade. Participei das piores orgias, chafurdei em todas as lamas, pisei sem pena nos corações de todas as mulheres que diziam me amar. Explorei-as sexualmente, para logo depois as desprezar como um monstro, ridicularizando-as e debochando de seus sentimentos. Eu nunca acreditei que alguma delas realmente me amasse, e o que nutria por todas era um profundo e amargo ódio.

Viciei-me em todos os vícios, experimentei todas as drogas e influenciei para que o maior número de pessoas fizesse o mesmo que eu. Desestimulei todos os ideais, todos os pensamentos nobres, todos os sentimentos elevados. Desprezei todas as manifestações verdadeiras da arte para cultuar o que havia de mais imundo.

Tornei-me um consumista irrefreável, consumia tudo o que me era possível, desperdiçando o máximo que podia os recursos naturais. Com um prazer infinito, eu jogava lixo nos rios, queimava produtos de fumaça tóxica com o intuito único de poluir o ar. Eu agredia árvores e plantas e torturava animais sem a mínima clemência. Caçava sempre que podia apenas para ter o prazer de ver o animal morrendo. Enfim, eu queria simbolizar o mal da humanidade em todos os sentidos, em todas suas possibilidades, desejava levar a cabo a plenitude da malignidade que existia no ser humano.

Eu sentia-me na obrigação de ser perverso. Eu invejava, cobiçava, odiava, não porque isso aflorasse em mim naturalmente, mas porque eu assim desejava. Porque esse era o desejo das sombras dentro de mim, e o desejo delas era o meu. Eu buscava realizar-me a fundo dentro da vastidão do mal. Era como uma missão que eu devesse cumprir. E estou certo que eu a estava cumprindo. Com méritos. E isso me enchia da mais ominosa vaidade, do mais perverso orgulho.

E que deleite eu sentia em humilhar todos os que se aproximassem de mim. Eu os ridicularizava pela feiura de seu aspecto físico, ou pela sua falta de inteligência, ou por ser gordo, por ser negro, por ser pobre, por ser deficiente físico, enfim, eu sempre encontrava um motivo para humilhar os outros, para utilizar-me de meu devastador deboche.

Eu tinha uma especial predileção por ridicularizar todas aquelas pessoas que ainda possuíam, ou pensavam possuir, algo de profundo, de ideal, de nobre em seus corações. Jogava-lhes na cara o quão eram imbecis em crer em algo elevado, o quanto tudo isso era inútil e anacrônico, e que estavam desperdiçando suas vidas em quererem ser “grande homens”. Meus olhos brilhavam ao ver aqueles jovens enfurecidos ou desolados por eu ter pisado nefastamente em todos os seus sonhos, seja de grandeza, de dignidade ou de amor.

Quando percebia que meus recursos financeiros estavam se reduzindo, para não ter que trabalhar ou ganhar dinheiro de alguma maneira honesta, eu formulava uma maneira de enganar os incautos e roubar-lhes o máximo que pudesse. Alguns dos procedimentos de que fiz uso foi emprestar certas quantias a juros exorbitantes e associar-me ao tráfico de drogas. Porém, o mais eficaz para obter imensas somas de dinheiro foi utilizar-me de minha antiga convivência na vida pública com os mais distintos políticos. Eu os chantageava. Sim, porque eu sabia de muitas coisas e poderia denunciá-los, caso não fosse devidamente recompensado. Isso se tornou para mim uma fonte inesgotável.

Uma satisfação indescritível eu sentia correr pelas minhas veias quando eu via nos noticiários todas as abominações, todos os horrores, todos os absurdos que assolavam a humanidade nos quatro cantos do planeta. Assassinatos, genocídios, corrupção, violência e exploração de todas as espécies, vícios, devastações impiedosas, poluições nunca vistas, massacres de animais, os crimes mais monstruosos, as degradações mais repulsivas, a injustiça, a fome, as doenças, a miséria, as catástrofes ambientais, a desigualdade, o reinado do egoísmo, o império da aparência, todas as atrocidades que diariamente bombardeiam nossos olhos eram para mim um colírio que me enchia de alegria. Eu me regozijava em saber que em um mundo cada vez pior, eu era o pior dos humanos.

(Amanhã, o capítulo final)

11 maio 2009

E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.I)

(Este conto será publicado em 3 capítulos, diariamente)


Não digo meu nome. Ele não é importante. Sou apenas mais um ser humano. Digo que quando eu estava com meus 13 anos de idade, não havia outro adolescente tão puro e inocente quanto eu. A bondade e a nobreza de meu coração impressionavam a todos, e as pessoas mais próximas a mim frequentemente diziam que tinham a impressão de ver nos meus olhos brilhar uma luz profunda em cada momento em que eu realizava, sem nenhum interesse, sem esperar nenhuma recompensa, uma boa ação.

Eu estava sempre disposto a amar e a auxiliar qualquer pessoa que necessitasse de minha ajuda para o que quer fosse. Amava a humanidade e a natureza da mesma forma, e todos os meus atos, da mais plena boa vontade, visavam o bem para todos os seres do planeta. Meus pensamentos eram os mais elevados. Meus sentimentos, os mais sublimes. E da mesma forma que o amor vivia em mim, eu cria que ele também pudesse existir nos demais homens, ainda que eu soubesse das perversidades de que a humanidade era capaz.

Prossegui desenvolvendo esse amor em minha alma até por volta dos 17 anos. Foi então que minha doença teve seu início. Os médicos e psiquiatras jamais souberam explicar o que acontecia comigo. Era alguma espécie de psicopatologia. Obviamente, jamais fui curado, pelo contrário, a moléstia progrediu mais e mais, de forma implacável.

Consistia tal enfermidade na capacidade demoníaca que adquiri de poder ver, como se fosse algo físico, material, a maldade que havia nas pessoas. É ostensível que tal capacidade anômala e perturbadora atormentava-me sem trégua em todos os instantes em que eu me encontrasse na presença de qualquer ser humano. Eu via uma sombra, uma névoa intensamente escura, quase negra, que se desenvolvia nos ares e assumia formas monstruosas, diabólicas, diante de meus olhos apavorados.

Enquanto eu, de maneira insana, e considerado um insano por todos ao meu redor, observava aterrado o desenrolar nebuloso daquelas sombras pelo ar, no interior dessas mesmas sombras assomavam-se pares de olhos vermelhos que se fixavam nos meus. Então, rápidas como um raio, as sombras, a partir de seus olhos sanguinolentos, penetravam, através de meu olhar, no interior de minha psique.

E a partir desse instante, tais condensações de maldade, como eu achei adequado denominar, infligiam em meus sentimentos e pensamentos coisas horríveis que mal consigo nomear. O que posso dizer é que as sombras oriundas dos olhos de todas as pessoas com quem eu entrava em contato, não importando quem fosse tal pessoa, nem o momento, nem o lugar onde eu estivesse, invariavelmente penetravam em meu interior, trazendo consigo toda a maldade que havia nos outros indivíduos e transmitindo-a a mim. Tais eram os sintomas básicos de minha enfermidade, de minha loucura. Porém, minha desgraça ia mais longe.

Imediatamente após aquelas sombras entrarem em meu ser, surgia em minha mente o conhecimento de todo o horror oculto que existia em determinado indivíduo. Eu passava a conhecer os seus mais íntimos segredos, as suas perversidades mais inconfessáveis, seus crimes cometidos sem o conhecimento de ninguém, sua hipocrisia, seus desejos monstruosos, seus ódios, cobiças e invejas, seu desespero e infelicidade jamais expressados ou admitidos. Enfim, tudo aquilo que se fosse alardeado ao mundo, causaria o mais grotesco espanto.

E com o conhecimento da integridade do horror que habitava o âmago da alma de meus semelhantes, passei a sentir um desprezo, uma repulsa, um ódio a todos os seres humanos. Aquele meu antigo pensamento de que os humanos eram, no fundo, bons e confiáveis, morreu completamente. E as sombras negras que invadiam meu interior pareciam ditar a minha psique que eu deveria me tornar como eles, fazer morrer todo o amor que havia em mim e deixar nascer e procriar-se o mal em todas as suas formas, com todas as suas consequências.

A princípio, tentei resistir. Eu procurava afastar-me das pessoas ao máximo para não ser invadido por suas sombras. Porém, era-me impossível viver assim, nesse isolamento completo. E como era inevitável contatar-me com outros humanos, também era inevitável, devido a minha doença, que as sombras me invadissem. E quando elas penetravam em minha psique, sempre me ordenavam para que eu fosse mau. E a minha resistência lentamente sucumbiu. E aos poucos, tornei-me um homem realmente mau, perverso, cruel e calculista. E eu desejei ir além da maldade comum a todo e qualquer ser humano. Eu queria ser o pior de todos, eu queria resumir em mim tudo o que havia de pior na humanidade.

E se antes eu sentia repugnância de me aproximar das pessoas para não ser invadido por suas sombras asquerosas, agora eu buscava isso. Procurava me aproximar de todos os seres humanos, dos mais perversos deles, para absorver toda sua maldade e tornar-me pior do que eles. Meu anseio era ser o símbolo maior da degradação e da iniquidade da civilização atual. E considerei-me capaz de atingir meu objetivo.
(amanhã, o capítulo II)

09 maio 2009

...de Asas

a tu que és Alta
Alta de alma e de tudo que te eleva

Alta como incensos do que há de vir
e as flores se perfumam ao teu sorrir

Alta como os sonhos de sóis no mar
e as águas se evaporam ao teu cantar

Alta como um vento em fúria a correr
e os raios se iluminam ao teu sofrer

Alta como piano em verso a voar
e as artes se emocionam ao teu sonhar

Alta como água em nuvem a se expandir
e as chuvas lacrimejam ao teu sentir

Alta como chama e noite ao luar
e as estrelas despencam ao teu olhar

Alta como a luz ao longe a se ir
e o universo infinita o teu abrir...

...de Asas

08 maio 2009

Rima

finalmente
pensando na humanidade
encontrei
finalmente
a rima mais adequada
a perfeita
a ideal...

qual?

esperança
cansa

07 maio 2009

7 de Maio: Johannes Brahms


Em 7 de maio de 1833 nascia em Hamburgo, Alemanha, um dos maiores gênios musicais da história: Johannes Brahms. Ouço Brahms desde os 15 anos de idade e aos poucos fui conhecendo sua obra. Hoje, que já conheço profundamente toda ela, posso dizer que conheço a alma da obra de Brahms. E tudo o que ele expressou em sua música é tudo aquilo que sinto. Na sua música, está o meu sentimento, a minha alma.


Com o tempo, Brahms tornou se um grande amigo meu, alguém em quem posso confiar em todo e qualquer momento. Se não posso ouvir sua música em determinado instante, sempre trago suas melodias em minha mente, em meu coração.


Brahms une força e melancolia, uma sublime tristeza resignada, porém, jamais curvada. A força de um ser que viveu a tragédia, que conheceu as decepções da vida, mas que jamais se curvou diante delas. Brahms é furioso e sereno. Grandioso e íntimo. Voa pelas mais terríveis alturas, sem nunca tirar os pés do chão. Seu poder é invencível. Sua tristeza é inigualável. Leva-nos dos campos ao céus. Dos lagos aos infernos. Das matas aos infinitos. Da solidão ao amor... Não é à toa que é considerado o maior herdeiro de Beethoven.


Obrigado, Brahms, por ter existido. Que fique aqui toda a minha admiração, respeito e veneração a tua obra e a tua pessoa.


06 maio 2009

Poemas do Término e Contos do Fim 34

Foi lançada hoje a edição 34 do zine literário "Poemas do Término e Contos do Fim", contendo o conto "A Criatura que Não Deveria Existir" e mais 6 poemas alucinados. Em breve, o zine estará em todos os pontos costumeiros de distribuição em Santiago, e também em outras cidades do RS e do Brasil. O "Poemas do Término e Contos do Fim" é de distribuição gratuita, sendo cobradas apenas as despesas de envio, caso seja necessário enviá-lo pelo correio.

05 maio 2009

Cansei-me

cansei-me de não cansar
e en fim cansei-me
e nem sei-me
tudo alcan-sei
errado:
acabei
não ficando aqui
nem do outro lado
por tudo passei
com passos de sonhos
e em tudo há passado
vi olhos nas luzes
vi luzes nos olhos
eu vi sem limites
e o meu cansaço
é ilimitado

nos pulsos ao sangue
os impulsos da vida
me pulsaram de mais
cansou-me nas veias
o correr do sentir-te
e o parar dos iguais

e ao meu sentir incansável
vais te cansares do mundo
e dormindo de tudo
amar-te...

e a Arte.

03 maio 2009

Lei do Sete

O número 7 era sagrado para Pitágoras, sábio e matemático grego.

Por quê?

Por que há 7 notas musicais?

Por que o espectro solar possui 7 cores, ou as 7 cores do arco-íris?

Por que há 7 glândulas endócrinas principais?

Por que há 7 dias na semana?

Por que cada fase da lua possui 7 dias?

Por que são 7 as maravilhas do mundo antigo?

Por que há 7 cordas na lira de Apolo?

Por são 7 os níveis da eletrosfera do átomo?

Por que são 7 os grandes sábios da Grécia?

Por que há 7 tubos na flauta de pan?

Por que há 7 dimensões?

Por que 7 igrejas são citadas no Apocalipse?

Por que há 7 chacras?

Por que há 7 sacramentos no Cristianismo?

Por que há 7 degraus na hierarquia dos impérios?

Por que há 7 pecados capitais?

Por que se diz que os gatos têm 7 vidas?

Por quê?

02 maio 2009

História Lacônica e Absurda

A tormenta que trago na alma carregou-me para aquela floresta sombria. Isolado da humanidade sinto-me em paz. Com extremada atenção observava todos os seres que surgiam ao meu redor. Sons familiares e estranhos elevavam-me ao sublime. Absolutamente sereno, avançava, até o instante em que um ruído anormal arrancou-me de meu estado de profunda tranqüilidade.

O som perturbador consistia em um borbulhar de água. Mas um borbulhar anormal. Com uma água que fervia ele se aparentava. Extremamente intenso e inusitado, levando-se em conta o interior de um bosque. O ruído provinha de algum ponto à frente.

Avancei.

Na mata fechada o som crescia e alarmava cada vez mais. Avistei a alguns metros uma gigantesca clareira. Cintilava. Tal clareira era um imenso lago no interior da floresta. Lago titânico! Borbulhava e fervia de forma canhestra. Toquei a água. A temperatura era absolutamente normal. Perplexo, contemplei a imensidão aquática.

Alarmei-me.

Suas águas principiaram a atingir meus pés. O avanço era rápido. Penetrei na mata, assustado. E contemplei um terrível espetáculo! Uma explosão no interior do lago. A totalidade das águas jorrou aos céus.

As águas espalharam-se por quilômetros. Imediatamente após, vi uma monstruosa coluna de luz. Surgiu das profundezas do lago, ao espaço infinito dirigia-se. Ofuscava-me intoleravelmente. Ao longe, nos azulados céus, ela desaparecia. Para onde iria a colossal coluna de luz?

Mirar sua luminosidade por mais de alguns exíguos segundos era-me impossível. E o silêncio era absoluto. Porém, ele quebrou-se. Subitamente, uma infinidade mirífica de sons invadiu meus ouvidos. Todos simultâneos. Infinito número de cantos de pássaros. Estranhos e familiares. Rugidos de animais ferozes. Relinchar de cavalos. Palavras de Dante. Harmonias angelicais. Etéreos corais de Bach. Sons de águas correndo, das ondas dos mares. O farfalhar das árvores das matas. O sopro soturno do vento. Grilos e sapos em concerto. Homens, mulheres e crianças, falando, rindo, chorando, cantando. Sempre ininteligível. Sublimes instrumentos musicais. Violinos, órgãos, flautas, pianos. Cantos poéticos. Madonas de Rafael. Líricos versos. Epopéias imensas. Visões pictóricas. Trechos de composições clássicas, todas grandiosas. A 9ª Sinfonia de Beethoven, um exemplo. Outros sons indefiníveis. O brilho da luz alucinava.

Emocionei-me.

Ao limite humano. A um passo da loucura. Algo fervilhou em minha alma. Sonhei e morri, para renascer. Olhei para os céus. Que mistérios imponderáveis seriam o destino da coluna de luz? A luz? Era a Alma do Mundo. Para onde iria agora? Alma que abandonava seu corpo. Alma que abandonava seu planeta...

A Terra morria.
É necessário que eu diga mais?

30 abril 2009

Sangue e Sentido

qual o sensato
sentido que há
em enlouquecer-me
sem sentido
sangrando versos
sentidos
a insensíveis olhos sem sangue?

caí-me sem sentidos
após a tormenta
que me sa(n)grou
e que sem esse sangue
que me é sa(n)grado
que me é sentido
a vida
não tem sentido
nenhum

e o meu sentido supremo
é ser um filho precoce
do sangue que há-de-vir
e sa(n)gra(n)do o meu pe(n)sar
meu trabalho é sentir

28 abril 2009

Missão

perdoa-me se fracassei:
se cada verso que escrevi
não foi o que escrevi realmente
e se onde te levei
não foi o máximo que podia levar-te
mesmo saindo de mim
não saí do que não sou
mesmo tocando o alto
não cheguei onde eu estou

perdoa-me se não te fiz chorar
se não foi música
o que te cantei
se não foi vida
tudo que sonhei
perdoa se não estou aqui
perdoa
se não morri

perdoa se sou poeta mau
e não abri teu peito
e não apertei teu coração
e não incendiei tua alma
se não fiz sofreres
o sofrimento que não tens
ou que pensas que não tens

perdoa se não levei teus olhos
ao lado de lá do outro lado
do horizonte
ao longe do depois do espaço
ao depois do longe daqui
perdoa
se meu verso está abaixo
do que senti

perdoa
se não te joguei ao céu
se não te afoguei no mar
perdoa
se ainda foi pouca
a minha suprema dor
e se com minhas palavras-chave
não encontraste o amor