17 janeiro 2009

O Desaforo de Yeda

O célebre poeta romano Ovídio estava prestes a se tornar um senador de Roma, quando renunciou ao cargo. Motivo? Declarou que sentia repulsa pela política e que havia nascido para ser poeta. Não sacrificaria sua arte em nome de algo tão baixo.

Desde os tempos de Roma, e até antes deles, obviamente, a política vem causando repugnâncias nos homens de sensibilidade. O nojo mais recente que senti proveniente das imundícias da política foi da louvável decisão da governadora paulista do Rio Grande do Sul: comprar um jato de 26 milhões de dólares para suas viagens. Com o dinheiro do povo, é claro.

O colunista do Correio do Povo, Juremir Machado da Silva, ontem, abordou perfeitamente o assunto, com uma incisiva ironia. Mas sempre vale a pena bater mais nessa fétida tecla, ainda que seja com este humilde blog. O que tenho a dizer sobre o fato? Que cada vez tenho mais nojo da política. É no mínimo um DESAFORO que a nossa governadora, alegando que nosso Estado está quebrado e afundado em crise, gaste a bagatela de 26 milhões de dólares para comprar um jatinho para seu uso. E irão permitir isso os nossos deputados? E ninguém fará nada para impedi-la? Não, por favor, não façam nada.

Pois agora está justificado o porquê do governo não querer cumprir a lei e pagar o piso de 950 reais para os professores gaúchos. Está certíssima a governadora. Se pagar, não dá para comprar o jatinho. Façam as contas, quanto pisos de 950 reais são necessários juntar para comprar algo de vital importância ao desenvolvimento do Estado como é o jato da governadora? Tem gente reclamando que o dinheiro para comprar o jato é de um montante superior ao destinado para a segurança no RS. E daí? Que seja. Quem precisa de educação e segurança? Precisa-se de um jatinho.

Antes de mais nada, professor só presta para tentar educar crianças que os pais não se prestam para educar em casa. Não, professor presta também para tentar tirar marginal da marginalidade, como se isso fosse possível. Enfim, professor só presta pra tentar transformar o Brasil num país sério. O Brasil, um país sério? Hehehe!

Quanto à segurança, qual a utilidade dela? Imaginem que vida tediosa teríamos vivendo com segurança... Sair nas ruas sem a tensão de poder ser assaltado ou morto não tem graça nenhuma. Por isso que eu digo: um jatinho vale muito mais a pena, pois reis, rainhas, imperadores e a nobreza em geral, têm todo o direito de ter um povo que trabalhe e se sacrifique para que eles vivam no luxo. Não é assim desde sempre? Quem disse que o mundo mudou? Ouvir essa expressão “o mundo mudou” me causa ânsias de vômito.

Então, deixem a governadora. Ela é política. Precisa voar um pouco para ver se tira do nariz o mau-cheiro das fezes da política em que vive afundada. Ainda bem, Ovídio, que tu não foste senador.

Agradecimento a Márcio Brasil

Agradeço ao meu amigo Márcio Brasil pela publicação de dois poemas meus em seu novo espaço no jornal Expresso Ilustrado. Sim, o espaço é dele, mas o Márcio decidiu abri-lo para que outros jovens escritores santiaguenses divulguem suas obras. Isso só prova a nobreza e a generosidade que sempre fizeram parte do caráter do Márcio. Os poemas publicados foram escolhidos por ele mesmo, retirados aqui de meu blog. Parabéns, Márcio, pela tua louvável atitude. Valeu, amigo!

15 janeiro 2009

Há um Espírito que Paira sobre Aquele Campo

Quando principiou a baixar o sol, parti de minha casa. Logo, cairia um melancólico crepúsculo romântico! Um dia de outono suavemente frio em que algumas poucas nuvens rubro-arroxeadas lamentavam-se em sonhos pelos horizontes iminentes. Enigmáticos rumores pelo ar... Profundo e terrível enigma pelas atmosferas densas...

Iniciei minha caminhada calma e decididamente, deveria atingir aquele campo misterioso no instante imediatamente anterior ao anoitecer, o exato momento que precede a chegada da noite.

Eu vi aquele campo largo e profundo somente uma vez. E nunca mais o esqueci. Havia um mistério sobre ele... À primeira vista, compreendi que algum ser pairava acima de sua antiga imensidão verde-escura. O campo situava-se em uma alta e vasta colina cercada de frondosas e dramáticas matas. Algo vivia oculto naquelas matas estranhas, fantásticas, algo...digamos...arcânico. Há sempre algo mais por trás de tudo. E chegara o dia.

E o dia era nebulosamente tranqüilo. Um clima de flutuante magia dominava os ares. Ao deixar minha casa, enquanto o sol descia solene em sua solidão, algumas borboletas adejavam suas asas celestialmente azuis no caminho sem calçamento por onde deveria seguir. Nenhuma pessoa nas ruas. O local onde eu morava, já quase fora da região urbana, parecia completamente abandonado, só eu perambulava pela estreita rua cercada de altas árvores frutíferas. Ensolarada. Ao longe, até onde alcançava a vista, vastas e límpidas coxilhas alastravam-se supremas.

Em uma delas é que eu buscava chegar. Em uma delas, em certo dia chuvoso, eu senti comovido que havia algo mais ali. Era quase noite, e a chuva caía macia e murmurante, como um afago sobrenatural. Olhei ao alto da coxilha cercada de bosques, exclamei comigo mesmo: “não posso ver, mas sinto que há algo aqui”. E hoje retorno para comprovar...

Que tarde carregada de magia! O sol morria sentencioso e eu avançava. A serenidade outonal era perfeita. Somente ouvia sonatas de pássaros. O canto do gado, dos cavalos, das ovelhas. Mas em mim vibrava uma terrível febre. Sereno, mas interiormente alarmava-me. Queimava muita alma dentro de meu espírito. Inflamavam-se minhas emoções flamejantes. Pensava nela. Ainda mais que o caminho era cercado de laranjeiras e limoeiros. Não estavam floridos, porém o perfume de incenso exalado pelas árvores era sublime. O aroma das laranjeiras convidava ao amor, e pensava nela. E a febre se intensificava, e o sol morria, e eu avançava rumo àquele campo.

Logo após aquele roseiral vivamente rubro, percebi de forma definitiva que chegara um agradável frio crepúsculo. Era outono, e o sol deixava adeuses em paz. A chuva invisível e cristalina da lua e das estrelas principiava a cair, e após o roseiral estaria quase lá. Um vento frio do sul começou a soprar insolitamente, Havia algo mais naquele vento, havia saudade, havia rumores, havia paixão. O céu agora era um manto azul-violáceo, com tonalidades rosa nos horizontes, e o negro da noite iniciava a derramar nos espaços sua ária triste e apaixonada. Sonhava...
Agora me encontrava totalmente no pampa. Nenhum sinal de civilização. Ao longe, avistava o campo misterioso. Em minha mente ruflavam suas pétalas as rosas daquele roseiral, pelo qual passara. Por que ainda pensava naquelas rosas vermelhas? Vermelhas de sangue? Logo a noite seria definitiva, e eu acercava-me a um passo da noite. Mas pairava algo no ar... Aproximava-me do campo indecifrável. E atingi meu destino. Extático, quedei-me emocionado aos pés da coxilha. E a noite caiu. Ali, diante de mim, minha intuição me afirmava, pairava um denso mistério, embora ainda não pudesse contemplá-lo ou compreendê-lo.

Um pouco mais adiante, conforme o campo perdia elevação, uma venerável mata se alastrava. Fluidos e essências artísticas gotejavam dos frios céus estrelados e iluminados por uma delirante lua pálida, um convite aos fantasmas que se amam.

Sentei-me sobre aquele campo verdejante e orvalhado à espera do que viria a ocorrer, enquanto os seres noturnos entoavam suas lôbregas e oníricas canções. Havia uma intensa e palpitante poesia pelos ares puros, límpidos, vibravam divinas inspirações que me invadiam, enquanto dirigia meu sonho àquela que me esperava... Nisso, algum estranho rumor principiou a nascer da mata, um som inclassificável, como se fossem vários uivos simultâneos e desconhecidos. O som intensificou-se e pareceu movimentar-se da mata para sobre o campo, fixando-se acima da verde coxilha. De modo que, gradativamente, os uivos foram se extinguindo para dar lugar a uma tênue e multicor nuvem luminosa que constantemente modificava as tonalidades, passando do branco para o verde, para o amarelo, o vermelho, o azul e o roxo. Levantei-me e, com certo receio, dirigi-me exatamente para baixo do centro da nebulosa da luz fantasmagórica que se originou dos uivos. Então, uma densa e rosácea luminosidade, de uma espécie diversa da anterior, desceu da nuvem luminosa e envolveu-me completamente.

Seus abraços calorosos e sublimes enlevavam-me de ternuras femininas, tranqüilizando profundamente meu coração. Foi quando percebi que eu estava ascendendo, que a luz feminina erguia-me em seus braços etéreos e levava-me para o interior da nuvem luminosa. Após ter meus olhos ofuscados e tendo que os fechar por alguns instantes, pude abri-los novamente. Encontrei-me em outra região de completo enigma: era o interior da nebulosa nuvem de luz.

Contemplei então o mesmo campo onde me encontrava a poucos minutos, com sua bela coxilha e sua matas exuberantes. Porém, além do campo em seu aspecto físico, ali existia algo mais... Eu fitava uma infinidade de rostos espectrais, fantasmagóricos, formados unicamente por insólitas luminosidades cintilantes e esbranquiçadas, que se movimentam, oscilando constantemente sua aparência, como se fossem chamas sem fogo. Os rostos olhavam-me fixamente e eu sentia-me ansioso por conhecê-los. Até que pude inferir que aquele número infinito de faces fantásticas consistia em algo próximo aos espíritos, às almas dos seres animais e vegetais que naquela região viviam. O local que agora me encontrava seria uma outra dimensão interligada, correspondente espiritual do misterioso campo que sempre atraíra minha imaginação...

Permaneci por um tempo indeterminado, aparentemente longo, flutuando pela onírica região, observando estarrecido todas aquelas faces volúveis, fulgurantes, evanescentes, com esquisitos olhos fugidios que não deixavam de me acompanhar, até que fui desperto de meu estado de quase hipnose pelo som retumbante de um tropel de cavalos.
Olhei ao fundo da paisagem e percebi a rápida aproximação de uma gigantesca cavalaria de guerreiros indetermináveis, tão espectrais, fantasmagóricos e voluvelmente luminosos como as faces espirituais dos seres da natureza. Porém, aquela cavalaria transmitia um horror insano, um medo paralisante. Nesse instante senti que a luz rosácea que me envolvia descia comigo para devolver-me ao mundo físico. Logo, encontrava-me novamente sobre a coxilha orvalhada, em plena noite profunda. O ambiente permanecia inalterado, absolutamente tranqüilo. Passados alguns instantes, deduzi que mais nada ocorreria ali e decidi retornar à minha casa. Despedi-me do mirífico lugar e tomei o caminho de volta.

Enquanto caminhava pela madrugada que me observava, refleti sobre o que havia vivenciado. Seria real, eu teria adormecido sem perceber? Não sei com certeza, mas posso afirmar que nesse momento uma voz inaudível fisicamente soprou nos meus ouvidos como uma inspiração advinda do desconhecido, não sei se exterior ou interior, ou ambos: era mais ou menos o seguinte o que ela me soprava: no mundo físico, tudo pode ainda aparentar tranqüilidade, aquele clima canhestramente tranqüilo que precede a tempestade, mas em outras esferas, em outras dimensões que se interpenetram, como a água penetra a terra, acontecimentos inimagináveis se concretizam, para, em breve, refletirem-se no mundo natural, assim como a chuva, que antes toca o céu para depois tocar a terra, como a tempestade que vem chegando, que ao longe vem soprando e formando sua nuvens carregadas e seus raios tenebrosos, mas que nós ainda não podemos vê-las. E talvez nem a esperemos...

14 janeiro 2009

Mergulho

sussurro líquido de água em cristal
em correntezas de sangue
ao sol dos desejos...

eu mergulho...

canto doce-oculto de ave em mistério
flutuando em distâncias
de nuvens de sonhos...

eu mergulho...

violino psíquico em magia férvida
em sonatas de alma
por luares de beijos...

eu mergulho...

mar de música refletindo sinos
em laringes de arcanjos
pelos teus braços
a sós...

eu mergulho
na tua voz...

Essas e Outras

As partituras das obras de Bach
eram usadas pra enrolar peixes
nas feiras.
Um crítico disse
que a 3ª Sinfonia de Beethoven
era barulhenta e sem futuro.
Diziam os críticos
que as sinfonias de Bruckner
eram de muito mau-gosto
e precisavam ser revisadas.
E Brahms foi julgado retrógrado.

As pinturas de Hieronymus Bosch
eram praticamente desconhecidas
enquanto ele vivia.
As exposições de William Blake
foram completamente ignoradas.
Se Cézanne não morresse
com quase 70 anos
não veria seu reconhecimento.
E ninguém queria comprar
os quadros de Van Gogh.

Baudelaire só conseguiu vender livros
depois de morto.
Lovecraft jamais
conseguiu publicar um livro.
As editoras não tinham o menor interesse
pelos poemas de Fernando Pessoa.
E Poe era ignorado
pelos seus compatriotas.

É por essas e outras
que vou morrer escrevendo.

11 janeiro 2009

Carta

a Arte é a expressão em oculto
de tudo o que não é expresso
o que ela fala
jamais se diz
o que ela sabe
nem quem a fez o sabe
que quem a fez não a fez
ela apenas passou por si

a Arte vem de onde não se acha
vive acima de quem a vive
sabe mesmo não sabendo
que há um mais-além que a vida
prova mesmo que não prove
que jamais há um fim pra alma
a Arte condena e salva

a Arte não tem donos ou criadores
tem mensageiros
decodificadores
que às vezes nem sabem o que transmitem
e transmitindo não sabem por que fazem
e fazendo mal sabem o que fizeram

a Arte é a alma universal
e o artista seu carteiro cósmico:
pouco importa a Ela
no que o carteiro está acreditando:
geralmente os carteiros
não sabem o que há na carta
e desconhecem o que estão levando

10 janeiro 2009

Sobre "Vinhos"

Abaixo, está o poema de minha autoria a ser publicado no Caderno Literário Pragmatha sobre a temática "vinhos":

Crepúsculo

cipreste no escuro aos gritos
sopro na noite de gelo
dente de lobo na cruz
beijo de roxo no céu

sangue de lobo no escuro
roxo de gelo no dente
beijo nos gritos do céu
sangue de cruz no cipreste

sangue nos gritos do lobo
beijo de noite de sangue
sopro de sangue já roxo
sangue no escuro do céu

sangue da noite ao cipreste
grito de sangue no dente
sangue no beijo de sangue
sangue e mais sangue e
mais vinho...

José Régio

A pedidos de alguns leitores, deixo aqui uma pequena biografia sobre este grande poeta português.

José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo e ensaísta foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

09 janeiro 2009

E-mail enviado a Júlio Prates

Júlio:

Somente hoje li tua polêmica postagem sobre a poesia em Santiago. Tu tens razão, poeta é tudo, ou quase tudo, o que disseste. Mas ainda não disseste tudo, alías, faltou as principais características, um poeta é muito mais. Por exemplo: um poeta detesta política e políticos. Às vezes se mete nela, mas é de tanto nojo que tem. Então se mete pra ver se detona tudo logo. Eu sempre fui contra o título de Santiago, Terra dos Poetas. Mas eu não estou nem aí, por mim que esses políticos deem o nome que quiserem a Santiago. Por que eu vou estar me preocupando com isso? Tenho coisas bem mais importantes pra fazer. Quer ser Terra do Poetas, que seja, pra mim tanto faz. Eu quero ficar no meu canto e falar daquilo que ninguém fala: do Fim. Se os outros me consideram poeta ou não, não faz diferença, eu sei o que eu sou.

Só uma coisa não ficou claro no teu texto. Disseste que poeta é vagabundo. Em que sentido? Se for no sentido de ter um emprego, eu concordo plenamente (tanto que eu não tenho), mas isso não significa que um poeta não trabalhe, fazer poesia dá muito trabalho.

A propósito, tua postagem é do dia 7/01. No dia 6/01 eu postei um poema no meu blog chamado Poema Nulo(abaixo). Percebas a coincidência da temática. Será que eu captei o que tu irias dizer? Isso é mais uma das coisas que faltou na tua definição de poeta: um poeta está em outro tempo e espaço. Ah, e o principal, que deverias ter dito: um poeta é sempre uma nulidade.

Abraços!

Obs.: ao final do corpo do e-mail, enviei o "Poema Nulo", o qual está postado abaixo.
Obs.2: o e-mail está aqui fielmente reproduzido, inclusive com seus eventuais erros de português e/ou digitação.

08 janeiro 2009

Morte Lenta

Ao coaxar de sapos exaustos uma canção estranhamente triste foi alçando seu voo esgotado. Ninguém a ouvia... Subia como um incenso pesado, denso, nervoso. Um incenso de odor carregado e pálido. Talvez não um incenso, talvez uma fumaça tensa, um fumo de um cigarro cósmico lentamente consumido e golfejado pela garganta. Será que só eu estava ali?

A nuvem cinza que surgiu por sobre o cinamomo amarelado não era simpática. Havia algo de alerta nela. O sol era mortiço, adoentado, insalubre. Causava-me uma febre desanimante, mas a nuvem não ousava cobrir aquele sol enfermiço. Ainda. E como era longa aquela nuvem. Por mais que eu tentasse, eu não conseguia avistar o seu fim. E como ela pairava em uma extrema e angustiante lentidão... Deitei-me no chão e comecei a me arrastar, erguendo pesada e dificultosamente os braços. Como tudo era difícil pra mim. Eu não queria ouvir aqueles lamentos, mas eles queriam que eu os ouvisse. Como eu não sou ninguém, necessitei ouvi-los. E cada vez mais cinza era a nuvem. Aquela canção incessante de uma insuportável tristeza de Poe aliou-se aos nimbos sem sorte. Talvez fosse ela própria. E nos horizontes anômalos soou uma marcha cansada...

Vermelhos. Eram agora escarlates os horizontes. Lembrei-me da febre escarlatina e das feridas da peste bubônica. Era de lá que partiam agourentas as notas da marcha cansada. Compasso quatro por quatro, e o exército de pesadelos caminhava junto. Extenuado. Eu arrastava-me, cantando canções de compositores já mortos. Não sei por que, voava nas asas dos urubus a solene tranquilidade escura que precede as tempestades. E os passos cresciam em intensidade. Pesados. Noturnos. Tambores.

“Réquiem do Sol”! gritou-me Cruz e Sousa. Quem é que acordava comigo? O bafo de um lobo negro gelou-me o sangue. Fixei minha mente nos seus olhos. Só tristeza eu encontrei por lá. Tristeza e cansaço. Cansaço e crepúsculo. O lobo suicidou-se no galho seco do cinamomo. Sol febrento, que dá ânsias de vômito. Senti náuseas. Não me sinto bem. Do lado do cinamomo nasce um cipreste. Cinza. Quase negro como a nuvem, agora quase negra. A paz pressaga que precede as tormentas. Os raios longínquos, distantes como o teu amor. A Marcha! Os trovões como os sussurros das promessas que não foram. Tua alma olhando doce pela porta noturna da “mão fatal que escreveu na minha vida...” Árvores... de Azevedo onde azedam meus sonhos.

Trovões distantes. Sonatas de corvos. Cios de gatos sem gatas. Terra vermelha dos cemitérios da campanha. Uma cruz caiu e ninguém juntou. Será que só eu estou aqui? Quem canta seus males espanta, quem canta seus males espanta, quem canta seus males espanta... Fúnebre. Lúgubre. Marcha. Tímpanos soando como caveiras que batem em tambores. Quem é que vem? Está longe ou já vem perto? Perto? Um deserto! se estendeu por sobre o sangue. Nem agora vais sangrar na minha boca? Deus! Começou a soprar aquele vento! Brisa leve e fria, brisa leva e ria, brisa calma que precede os temporais. Não mais... Nunca mais.

Os vossos risos calaram-se como cala a madame confiante que é assaltada na noite. Vento mais forte, que cresce e ressurge como os passos, como o som de botas velhas e sujas, como um sorro que foge em desespero pelo campo seco mergulhado em ocaso. O sol enfermiço sumiu. E o vento cresce como o cipreste negro. Quem é que olhou para trás? Mais frio. Que olho estranho, soturno em pânico, inquietante, absurdo, profundo como tudo o que não foi! Saudades... Meu Deus, quem foi que olhou, quem foi? Que angústia infinita e exausta nunca para de chorar? Uma gota de chuva nos meus lábios. Até quando? De quem era aquele olho? Por que eu sozinho aqui? O que foi que eu fiz? O sangue gradativamente coagula-se, e só eu escuto o coaxar dos sapos. Assombra como cresceram os ventos. Furacão! A Sombra... Alguma coisa voou...

Na noite eclipsada pairou um anjo. Não consigo ver se suas asas são de coruja ou de morcego. Não era um anjo, mas um arcanjo. Som de patas. Cavalos. Lentos. Espadas desembainhando-se. O arcanjo pousou sobre o cipreste. Ele bem que me disse que pousaria... Relinchar de cavalos... Marcha... Do relógio berraram meia-noite. Subiu o vapor negro de um rio...

Segundo movimento da 3ª Sinfonia de Beethoven. Tu não quiseste ouvir comigo. Medo... Marcha extremamente lenta. Mas Marcha... Mas Morte. Ouço passos pesados no tempo... É assim que caminha a humanidade...

07 janeiro 2009

Pragmatha

O Caderno Literário Pragmatha em breve estará em sua 12ª edição, com o tema "vinhos". O Pragmatha é um caderno virtual de divulgação poética oriundo de Porto Alegre que já conta com milhares de assinantes e é divulgado entre diversas entidades, escolas, agremiações literárias de todo o Brasil. É aberto a qualquer poeta de qualquer região do país, muito embora exista uma seleção para a publicação dos poemas enviados. A temática é sugerida, não obrigatória. Maiores informações pelo e-mail: sandra.veroneze@pragmatha.com.br

06 janeiro 2009

Poema Nulo

como todos os outros
todos os outros meus
talvez todos mais que os meus
talvez ser nulo é ser poema
um ser nulo é um ser poeta
que o que sinto penso e digo
nunca será contigo
que o que sinto penso e escrevo
jamais será o que devo
e se um dia meu martelo
poder bater em tua porta
será claro: estará morta

adoeci-me sentindo
sentindo sem sentido
pra não curar ninguém
que curar ninguém queria
nem eu queria também
e tudo aquilo que não disse
talvez fosse o meu dever
falei por mim e fiz por nada
suicidei-me sem morrer
senti na pele não ser Deus
velando a dor de todo um mundo
e ouvi ao fim de umas senhoras:
“quem faz verso é vagabundo...”

mas sempre dará muitas voltas
as curvas do Espaço-Tempo
em suas não-curvadas
revoltas

05 janeiro 2009

Dos Melhores Poemas

O poema abaixo, escrito pelo poeta português José Régio e publicado em seu livro Poemas de Deus e do Diabo é, para mim, um dos melhores poemas criados no século XX. Sem hesitações, eu elegeria esta obra como um dos lemas de minha vida.

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí.

José Régio

03 janeiro 2009

Richard Wagner - Apocalipse Musical


O compositor alemão Richard Wagner (1813 – 1883) foi o criador de uma das mais intensas e poderosas obras musicais de todos os tempos, encarnou de forma perfeita e transcendente todo o terrível romantismo germânico e tornou-se um dos mais expressivos gênios artísticos da história.

Wagner foi um revolucionário da arte, um homem dotado de elevados ideais que procurou concretizá-los através da expressão da Arte Total. Esta uniria a música, a literatura e o teatro de forma perfeitamente integrada, indissociável e harmônica, criando então o majestoso “Drama Wagneriano”, com o qual Wagner forçou e derrubou as barreiras musicais, transcendendo a música tonal para atingir o delírio fantástico da atonalidade, onde a melodia se dilui em um universo imaterial, na denominada “Melodia Infinita”. Nela, a sensação de que nunca vai acabar hipnotiza nossos ouvidos em uma sublime magia devastadora.

O Drama Wagneriano consiste em um novo tipo de ópera, muito mais potente, violenta, profunda e envolvente que as óperas italianas, as quais antes de Wagner dominavam o mundo operístico. Wagner tornou a ópera uma obra de arte completa, uma vez que, também sendo poeta, o músico alemão escrevia suas próprias letras (o que dificilmente ocorre nas óperas), baseando a grandiosidade de seus textos nas mitologias nórdica e celta e em vastos conhecimentos de literatura, ocultismo e filosofia.

A força avassaladora de sua música, a ensurdecedora potência de suas gigantescas massas orquestrais e de seus coros, a magia e dramaticidade enlouquecedoras de seus cantores jamais foram igualados no mundo musical, raras composições são capazes de despertar tanta força interior no ouvinte. Não foi em vão que Hitler regava seus exércitos com as óperas wagnerianas, para embriagá-los de força e poder antes das batalhas. Um uso equivocado da capacidade da música do gênio. Ainda que Wagner fosse declaradamente anti-semita (algo muito comum no século XIX), sua discordância contra os judeus era unicamente no campo ideológico, discordava de seus interesses materiais e financeiros, jamais pregou a violência contra os mesmos, possuindo amigos judeus, inclusive.

Wagner também foi um grande amigo do filósofo Nietzsche. Este chegou a declarar-se um seguidor de Wagner, um discípulo dele, até que romperam por questões ideológicas. A verdade é que Wagner sempre esteve um degrau à frente de Nietzsche. Enquanto o filósofo, que preconizava a possibilidade do “super-homem”, algo já inerente ao drama wagneriano, morreu na miséria, doente e louco, cedendo ao seu destino “demasiado humano”, Wagner triunfou sobre todos seus obstáculos pessoais e profissionais, impondo sua obra ao mundo, nesse ponto, aproximando-se realmente do “super-homem”.

Entre as principais obras de Wagner está a ópera “Tristan und Isolde”, baseada na lenda céltica. Um hino absurdamente intenso à loucura do amor trágico, uma música sombria, tempestuosa, demente, inflamada, carregada de uma dilacerante magia que rompe as barreiras físicas e espirituais da música, levando-nos a um outro universo de sublimidade e horror.

Mas sua obra mais ambiciosa é a tetralogia de “O Anel do Nibelungos”, baseada na grandiosa e trágica mitologia nórdica. Trata-se da mais colossal obra musical já criada, totalizando mais de 15 horas de duração, dividida em 4 óperas de um força sobrenatural e feérica, um poder insano e devastador, de uma dramaticidade jamais vista. A saga do “Anel” influenciou Tolkien em “O Senhor dos Anéis”, e o trecho da tetralogia wagneriana, “A Cavalgada das Walkirias” serviu de trilha sonora para o filme “Apocalipse Now”. Nada mais adequado, afinal, o Drama Wagneriano, se resumido em uma só palavra, seria certamente: “Apocalíptico!”

01 janeiro 2009

Ah... A Luz do Infinito

a luz do infinito me bate na porta
ah a luz do infinito me bate com a porta
a luz que não tenho daria meu livro
vou ver se te vivo

a luz do infinito me mata minha morte
ah a luz do infinito me mata com a morte
a luz que não tenho é tudo que devo
vou ver se me escrevo

a luz do infinito já toca minha graça
ah a luz do infinito não toca com graça
a luz que não tenho me toca um noturno
vou ver se me durmo

a luz do infinito tem asas que sorvo
ah a luz do infinito tem asas de corvo
a luz que não tenho é um poço sem mastro
vou ver se te astro

a luz dos teus olhos é toda minha vida
a luz dos meus olhos é toda sem vida
a luz que não tenho me foge se corro
vou ver se me morro

28 dezembro 2008

Mas...

“Ah, mas então tudo será baldado?
Tudo desfeito e tudo consumido?”

Cruz e Sousa

mas então
restará só uma promessa
pairando impassível
sobre o branco impossível do nada?

sentidos de alma
pedaços de estrela
tormentas de olhos
distâncias de amor
voando em vazio?

tuas asas não batem?
tua estrada não leva?
tuas flores não cheiram?
teu canto não canta?

e os altos de campos de sóis pelos cosmos?
e os lagos de olhares que um dia subi-me?
e os beijos nos ares que em sonho encontrei-te?
e as luzes eternas do Réquiem em que vivo?

mas então...
não?

25 dezembro 2008

Junqueira Freire (1832 - 1855)

Junqueira Freire é um dos poetas brasileiros incluídos em nosso Ultra-romantismo. É bem pouco conhecido, até mesmo pelos fãs da literatura sombria. No entanto, sua pequena produção poética, justificada em parte pela sua morte precoce (23 anos), se não é das mais originais e maduras, revela uma intensidade de vivência emocional e um profundo conhecimento dos conflitos que massacram a alma humana. O poema abaixo reflete de forma radical e definitiva uma visão inconsolável da desesperança do homem perdido dentro de um mundo aniquilador dos altos sentimentos.

DESEJO
(Hora do Delírio)

Se além dos mundos esse inferno existe,
Essa pátria de horrores,
Onde habitam os tétricos tormentos,
As inefáveis dores;

Se ali se sente o que jamais na vida
O desespero inspira:
Se o suplício maior, que a mente finge,
A mente ali respira;

Se é de compacta, de infinita brasa
O solo que se pisa:
Se é fogo, e fumo, e súlfur, e terrores
Tudo que ali se visa;

Se ali se goza um gênero inaudito
De sensações terríveis;
Se ali se encontra esse real de dores
Na vida não possíveis;

Se é verdade esse quadro que imaginam
As seitas dos cristãos;
Se esses demônios, anjos maus, ou fúrias,
Não são uns erros vãos

Eu - que tenho provado neste mundo
As sensações possíveis;
Que tenho ido da afeição mais terna
Às penas mais incríveis;

Eu - que tenho pisado o colo altivo
De vária e muita dor;
Que tenho sempre das batalhas dela
Surgido vencedor;

Eu - que tenho arrostado imensas mortes,
E que pareço eterno;
Eu quero de uma vez morrer para sempre,
Entrar por fim no inferno!

Eu quero ver se encontro ali no abismo
Um tormento incrível:
- Desses que achá-los nas existência toda
Jamais será possível!

Eu quero ver se encontro alguns suplícios,
Que o coração me domem;
Quero lhe ouvir esta palavra incógnita:
- "Chora por fim, - que és homem!"

Que, de arrostar as dores desta vida,
Quase pareço eterno!
Estou cansado de vencer o mundo,
Quero vencer o inferno!

Junqueira Freire

23 dezembro 2008

13 Versos

Trago nos olhos uma marcha fúnebre
à humanidade que caminha pútrida,
e a mão que acena de caveira esquálida
a um hino roxo de um final que é trágico.
A tua desgraça, ó mundo humano, é júbilo
pra quem de horror já traz em lava o espírito
e viu à morte os altos gênios - mártires!
que pra te erguer verteram sangue e lágrimas.
Homem acabado, sinto miasma e túmulo
pra te enterrar em teu dantesco báratro
e erguer a flâmula em teu lixo cósmico.

A ti eu deixo o meu adeus de Hercólubus
e parto só pra contemplar o Término.

18 dezembro 2008

No Zero Hora


Foi uma honra para mim hoje ver um de meus poemas publicados no Almanaque Gaúcho do jornal Zero Hora, e ao lado uma foto e um comentário sobre Luiz de Miranda, um dos maiores poetas gaúchos da atualidade, poeta de intensa inspiração, como bem provam suas temáticas fortes e seu estilo contundente. E ainda fiquei sabendo que ele é o poeta que mais publicou poemas no mundo! Incrível! Ao lado, a página do jornal com meu poema e com o comentário sobre Luiz de Miranda. Agradeço ao Zero Hora e ao Almanaque Gaúcho pela publicação.

O quê?

não entenda nada do que digo
não digo nada para ser entendido
o nada é o que tenho a dizer
que eu nada tenho de nada
e meu nada tem só dúvida
eu todo sou nada e dúvida
pergunta de nada no cosmos...

veia de sonhos rebentou-me nos olhos
desejo último em cadeira elétrica
beijo de lâmina ao lábio enforcado
teu olho brilhou-me em aviso de raios
onde caiu tudo o que eu soube?
clarão de ocaso antes da noite
canto de cisne antes da chuva
vela de rosas acesa em tormenta
por onde é que voa tudo que eu verso?
um sopro de urgência tua alma me traz
mas em cuspes de deuses jamais te confessas
onde é afinal que tu estás?
dá-me tua mão ou as tuas promessas...