mundo que acaba:
e uma torre tão alta
ao alto ao longe me chama
em chamas meus olhos se aclaram
clara tua voz que me encanta
e o mundo ao nada se esvai
não posso ir-me sem ver-me
sem tocar na janela que cantas
asa de fim nos versos nasceu-me
nos céus me sonho em teu sonho
some-se nuvem em teus olhos
não posso temer ter-me em voar
em gotas de lua gelou-se meu sopro
vento de morte caiu-me em castelos
teu castelo em noite inflamada
na torre, só, tua palavra de febre
aprisionada...
18 novembro 2008
17 novembro 2008
Elogio ao Urubu
É comum as pessoas perguntarem-me por que visto somente roupas pretas. Eu poderia relatar inúmeros motivos, mas como sei que não valerá a pena proferi-los, limito-me a responder: “porque eu gosto.” Porém, agora, deixarei bem claro, ou bem escuro, um dos motivos. É que eu queria ser um Urubu. Não, não estou brincando, não estou sendo irônico. Estou apenas realizando uma afirmação, absurda talvez, mas nem por isso ela é menos real que uma afirmação dita “sensata”. Qual seria a afirmação sensata? Eu jamais deixaria de ser um humano para ser um Urubu. Seria essa? Seja como for, pretendo provar até o final deste texto que é mais vantajoso ser um Urubu do que um ser humano. Poderão os poucos amigos leitores não concordar com as provas. Porém, provas não são sempre provas? Ah, pouco me importa.
Ah, a grandiosidade do Urubu!... Percebam que sempre neste texto escreverei Urubu com letra maiúscula. É devido a minha imensa admiração por este fantástico animal. Por favor, não confundam Urubu com corvo ou com abutre. Vamos a um pouco de biologia. Aqui no RS, costumamos chamar os Urubus de corvos. Tudo bem, são regionalismos, e nada mais nobre do que comparar os Urubus aos nobres corvos, como posso esquecer deste também magnífico animal, grande amigo de Poe? Porém, os Urubus não são corvos, nem parentes deles. Não há corvos no RS. Somente Urubus. Aqui, os parentes dos corvos são as gralhas negras, outro animal digno de todo nosso respeito. Os Urubus são aves de rapina da família cathartidae, os corvos não são aves de rapina, e pertencem à família corvidae. Já os abutres, mais próximos dos Urubus que os corvos, são maiores, mais fortes, mais indiscretos e barulhentos que os Urubus e na coloração de suas penas não predomina o preto, mas também há cinza, pardo, marrom e até branco. E não há abutres na América do Sul. Desculpem por esse parêntese, mas é necessário deixar bem claro, ou escuro, o que é o Urubu a que me refiro.
Urubus voam alto, muito alto, plainam a grandes alturas acima da mediocridade humana, sem medo de enfrentar a luz solar. Que maior sensação de grandeza e liberdade que o vôo de um Urubu? Comem carniça? Comem, e qual o problema? Sempre se diz que gosto não se discute. E percebam a vantagem de se comer carniça. Ela é abundante, dificilmente faltará. Eles vivem da morte. Encantador paradoxo. E a morte é o que mais vive hoje em dia. Em breve comerão os nossos cadáveres... Duvidam? Cuidado...
Alguém poderá rebater, dizendo que os Urubus despertam medo e repugnância e são mortos pelos homens por esse motivo. Sim, despertam medo, e é exatamente por isso que NÃO são mortos. As pessoas simples do campo, em geral, possuem a crença louvável de que matar Urubu traz azar. Muito raro alguém matar um Urubu. Eu nunca soube de alguém que o fizesse, a não ser por acidente. E quem vai querer comer carne de Urubu? Notem que o Urubu, apesar de toda destruição ambiental, ainda é uma ave relativamente comum. Ele resiste, o Urubu é uma ave forte. É uma grande ave! Um grande ser! E quanto à repugnância que ele desperta? Ora, pois que desperte! Os Urubus devem estar muito preocupados com a repugnância dos homens para com eles, rs rs rs!
Aliás, por que eles despertam repugnância? Porque comem carniça? Ou porque trazem mau-agouro? O homem também come carne morta, a diferença é que ele tempera e cozinha. E a alimentação dos Urubus é bem mais natural. E depois eles se purificam voando a poéticas alturas. Mas o homem não pode purificar sua alma, não pode acabar com a repugnância que desperta a todos com seus crimes, com sua perversidade, com sua hipocrisia... O homem é mais repugnante.
E diga-se, apenas de passagem: o Urubu não traz mau-agouro. Ele avisa. É um absurdo condenar o mensageiro pelas desgraças que nós mesmos trouxemos a nossa existência...
E, para finalizar: um Urubu não precisa de emprego, não precisa de dinheiro, não precisa de reconhecimento, não precisa de padrinhos para obter sucesso, aliás, não precisa de sucesso, não precisa de roupas nem de carros nem de computadores, não precisa seguir regras, a não ser as dele mesmo, não precisa ir pra praia pra dizer que se diverte, não precisa... enfim, um Urubu só precisa da morte. E isso é o que não falta. Eu queria ser um Urubu.
Ah, a grandiosidade do Urubu!... Percebam que sempre neste texto escreverei Urubu com letra maiúscula. É devido a minha imensa admiração por este fantástico animal. Por favor, não confundam Urubu com corvo ou com abutre. Vamos a um pouco de biologia. Aqui no RS, costumamos chamar os Urubus de corvos. Tudo bem, são regionalismos, e nada mais nobre do que comparar os Urubus aos nobres corvos, como posso esquecer deste também magnífico animal, grande amigo de Poe? Porém, os Urubus não são corvos, nem parentes deles. Não há corvos no RS. Somente Urubus. Aqui, os parentes dos corvos são as gralhas negras, outro animal digno de todo nosso respeito. Os Urubus são aves de rapina da família cathartidae, os corvos não são aves de rapina, e pertencem à família corvidae. Já os abutres, mais próximos dos Urubus que os corvos, são maiores, mais fortes, mais indiscretos e barulhentos que os Urubus e na coloração de suas penas não predomina o preto, mas também há cinza, pardo, marrom e até branco. E não há abutres na América do Sul. Desculpem por esse parêntese, mas é necessário deixar bem claro, ou escuro, o que é o Urubu a que me refiro.
Urubus voam alto, muito alto, plainam a grandes alturas acima da mediocridade humana, sem medo de enfrentar a luz solar. Que maior sensação de grandeza e liberdade que o vôo de um Urubu? Comem carniça? Comem, e qual o problema? Sempre se diz que gosto não se discute. E percebam a vantagem de se comer carniça. Ela é abundante, dificilmente faltará. Eles vivem da morte. Encantador paradoxo. E a morte é o que mais vive hoje em dia. Em breve comerão os nossos cadáveres... Duvidam? Cuidado...
Alguém poderá rebater, dizendo que os Urubus despertam medo e repugnância e são mortos pelos homens por esse motivo. Sim, despertam medo, e é exatamente por isso que NÃO são mortos. As pessoas simples do campo, em geral, possuem a crença louvável de que matar Urubu traz azar. Muito raro alguém matar um Urubu. Eu nunca soube de alguém que o fizesse, a não ser por acidente. E quem vai querer comer carne de Urubu? Notem que o Urubu, apesar de toda destruição ambiental, ainda é uma ave relativamente comum. Ele resiste, o Urubu é uma ave forte. É uma grande ave! Um grande ser! E quanto à repugnância que ele desperta? Ora, pois que desperte! Os Urubus devem estar muito preocupados com a repugnância dos homens para com eles, rs rs rs!
Aliás, por que eles despertam repugnância? Porque comem carniça? Ou porque trazem mau-agouro? O homem também come carne morta, a diferença é que ele tempera e cozinha. E a alimentação dos Urubus é bem mais natural. E depois eles se purificam voando a poéticas alturas. Mas o homem não pode purificar sua alma, não pode acabar com a repugnância que desperta a todos com seus crimes, com sua perversidade, com sua hipocrisia... O homem é mais repugnante.
E diga-se, apenas de passagem: o Urubu não traz mau-agouro. Ele avisa. É um absurdo condenar o mensageiro pelas desgraças que nós mesmos trouxemos a nossa existência...
E, para finalizar: um Urubu não precisa de emprego, não precisa de dinheiro, não precisa de reconhecimento, não precisa de padrinhos para obter sucesso, aliás, não precisa de sucesso, não precisa de roupas nem de carros nem de computadores, não precisa seguir regras, a não ser as dele mesmo, não precisa ir pra praia pra dizer que se diverte, não precisa... enfim, um Urubu só precisa da morte. E isso é o que não falta. Eu queria ser um Urubu.
13 novembro 2008
Um Errado
lamento
e sinto
mas eu sou um erro
e erro
por sentir
e errar sem rumo
em tudo aquilo que não sou
e no meu absurdo mundo
os teus fortes são fracos
e eu caminho e me iludo
e por nenhum caminho eu vou
porque eu sou um errado
eu amo a lua
no escuro lado
e eu cuspo sangue
nos copos que tu me alcanças
e eu solto corvos
nas luzes que tu me ensinas
são todas insensatas
são sempre insanas
as minhas sinas
desprezo os teus acertos
odeio o que tu amas
eu morro na tua vida
a noite negra de tormenta
é a minha preferida
não me fales do que é certo
eu acerto só no erro
e esse teu claro sucesso
nada vale a um poeta:
é insosso! é pequeno!
da boca de quem amo
quero um trago de veneno...
e sinto
mas eu sou um erro
e erro
por sentir
e errar sem rumo
em tudo aquilo que não sou
e no meu absurdo mundo
os teus fortes são fracos
e eu caminho e me iludo
e por nenhum caminho eu vou
porque eu sou um errado
eu amo a lua
no escuro lado
e eu cuspo sangue
nos copos que tu me alcanças
e eu solto corvos
nas luzes que tu me ensinas
são todas insensatas
são sempre insanas
as minhas sinas
desprezo os teus acertos
odeio o que tu amas
eu morro na tua vida
a noite negra de tormenta
é a minha preferida
não me fales do que é certo
eu acerto só no erro
e esse teu claro sucesso
nada vale a um poeta:
é insosso! é pequeno!
da boca de quem amo
quero um trago de veneno...
11 novembro 2008
A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.VI - Final
05 de janeiro de 2025 - Nesse momento, acercou-se a nós aquele homem alto, moreno, de aspecto grave e fisionomia firme, enérgica, porém marcantemente serena. O homem disse chamar-se César. Afirmou que era o momento de fazer-nos algumas revelações. Advertiu-nos para que não perguntássemos nada além do que ele nos dissesse. Impressionava a sensação de autoridade e confiança que ele transmitia, e nem pensamos em questionar sua advertência. O homem iniciou revelando-nos que o planeta que se aproximou da Terra foi o causador do aparente “fim” da eletricidade produzida pelas máquinas humanas. De alguma forma, seu poder eletro-magnético não conhecido pelos homens havia “sugado” para si, atraído como um imã, toda a eletricidade que a humanidade fabricara. A aproximação do planeta também foi responsável por uma série de desastres climáticos, ambientais e geológicos, todos agravados pela destrutiva ação do homem na Terra. Formaram-se apocalípticas tempestades, incêndios catastróficos, alterações aberrantes de temperatura, terremotos, maremotos, estiagens devastadoras em algumas regiões, enquanto em outras, inundações nunca antes presenciadas.
Segundo César, a aproximação do astro também afetava a saúde física e psíquica dos humanos, causando uma espécie de loucura generalizada, além de uma série de epidemias desconhecidas pela ciência de nossa civilização. Disse ainda que a órbita do planeta era extremamente longa e irregular, mas que ele se aproximava da Terra de tempos em tempos, às vezes chegando muito perto, como neste caso, outras vezes, não muito. Era um planeta gigantesco, e seu poder de atração gravitacional muito maior do que o da Terra, o que por si só é causa suficiente de inúmeros cataclismas.
Afirmou ainda César que o sinistro planeta possuía a capacidade inexplicável pelas leis da física conhecidas de se ocultar no espaço, não sendo identificado por telescópios, até que estivesse tão perto que poderia ser visto a olho nu. Acrescentou que alguns seres humanos, entre os quais eu e Carolina, eram imunes aos efeitos direto do planeta, mas não quis revelar os motivos dessa imunidade, completando que com o passar do tempo saberíamos. Finalizou revelando que aqueles que nos trouxeram para este lugar naquela noite eram seres extraterrestres com sua nave espacial, não entrando em maiores detalhes sobre o assunto. Sua última frase, um tanto enigmática e que muito me chamou a atenção, foi: “A maioria dirá que o planeta gigante destruiu a humanidade. Eu digo que a humanidade se autodestruiu, e o planeta apenas restabeleceu a ordem necessária, conforme o tempo revelará...”
Não resisti e tive que fazer uma única pergunta: “Mas que lugar é este em que estamos?” César limitou-se a lembrar-nos de sua advertência inicial: não deveríamos realizar nenhuma pergunta. Em seguida, levantou-se do gramado e partiu calmamente.
Bem, senhores, creio que não há mais nada a acrescentar. Escrevi quase tudo o que lembrei, procurando estabelecer datas para os acontecimentos, conforme vossos insistentes pedidos. Cumpri também com a ordem expressa dos senhores de não relatar nada mais além do dia em que César nos fez aquelas revelações. Muitas coisas descobrimos após aquele dia, outras revelações fantásticas e aterradoras, contudo, creio que não são para este relato, embora eu não compreenda o por quê. Aos poucos vamos entendendo os motivos de estarmos aqui, e o trabalho terrível que devemos realizar. Nossa vida não tem sido fácil, porém é uma luta extremamente gratificante.
Como não foi esclarecido o motivo de ter-me sido solicitada a elaboração deste relato, não sei se cumpri com vossos objetivos. Escrevi o que julguei ser realmente importante. No entanto, sem dúvida haverá alguns pontos falhos, uma vez que minha memória não guardou vários fatos devido ao estado lamentável em que me encontrava. Alguns pontos foram-me lembrados por Carolina. Espero ter cumprido satisfatoriamente esta minha tarefa. Aqui está meu relato. Não sei o que os senhores farão com ele. Talvez, nem deva saber...
NOTA: O relato de Carlos Walter Mann foi encontrado no ano de 2008, na cidade de Santiago, no Rio Grande do Sul, Brasil. Estava ele impresso em algumas páginas colocadas dentro de uma pequena pasta vermelha. Tal pasta encontrava-se sobre a grama, à beira de um trevo de acesso à cidade, e foi recolhida durante uma manhã de sol por um senhor que realizava tranqüilamente uma de suas caminhadas matinais.
Segundo César, a aproximação do astro também afetava a saúde física e psíquica dos humanos, causando uma espécie de loucura generalizada, além de uma série de epidemias desconhecidas pela ciência de nossa civilização. Disse ainda que a órbita do planeta era extremamente longa e irregular, mas que ele se aproximava da Terra de tempos em tempos, às vezes chegando muito perto, como neste caso, outras vezes, não muito. Era um planeta gigantesco, e seu poder de atração gravitacional muito maior do que o da Terra, o que por si só é causa suficiente de inúmeros cataclismas.
Afirmou ainda César que o sinistro planeta possuía a capacidade inexplicável pelas leis da física conhecidas de se ocultar no espaço, não sendo identificado por telescópios, até que estivesse tão perto que poderia ser visto a olho nu. Acrescentou que alguns seres humanos, entre os quais eu e Carolina, eram imunes aos efeitos direto do planeta, mas não quis revelar os motivos dessa imunidade, completando que com o passar do tempo saberíamos. Finalizou revelando que aqueles que nos trouxeram para este lugar naquela noite eram seres extraterrestres com sua nave espacial, não entrando em maiores detalhes sobre o assunto. Sua última frase, um tanto enigmática e que muito me chamou a atenção, foi: “A maioria dirá que o planeta gigante destruiu a humanidade. Eu digo que a humanidade se autodestruiu, e o planeta apenas restabeleceu a ordem necessária, conforme o tempo revelará...”
Não resisti e tive que fazer uma única pergunta: “Mas que lugar é este em que estamos?” César limitou-se a lembrar-nos de sua advertência inicial: não deveríamos realizar nenhuma pergunta. Em seguida, levantou-se do gramado e partiu calmamente.
Bem, senhores, creio que não há mais nada a acrescentar. Escrevi quase tudo o que lembrei, procurando estabelecer datas para os acontecimentos, conforme vossos insistentes pedidos. Cumpri também com a ordem expressa dos senhores de não relatar nada mais além do dia em que César nos fez aquelas revelações. Muitas coisas descobrimos após aquele dia, outras revelações fantásticas e aterradoras, contudo, creio que não são para este relato, embora eu não compreenda o por quê. Aos poucos vamos entendendo os motivos de estarmos aqui, e o trabalho terrível que devemos realizar. Nossa vida não tem sido fácil, porém é uma luta extremamente gratificante.
Como não foi esclarecido o motivo de ter-me sido solicitada a elaboração deste relato, não sei se cumpri com vossos objetivos. Escrevi o que julguei ser realmente importante. No entanto, sem dúvida haverá alguns pontos falhos, uma vez que minha memória não guardou vários fatos devido ao estado lamentável em que me encontrava. Alguns pontos foram-me lembrados por Carolina. Espero ter cumprido satisfatoriamente esta minha tarefa. Aqui está meu relato. Não sei o que os senhores farão com ele. Talvez, nem deva saber...
NOTA: O relato de Carlos Walter Mann foi encontrado no ano de 2008, na cidade de Santiago, no Rio Grande do Sul, Brasil. Estava ele impresso em algumas páginas colocadas dentro de uma pequena pasta vermelha. Tal pasta encontrava-se sobre a grama, à beira de um trevo de acesso à cidade, e foi recolhida durante uma manhã de sol por um senhor que realizava tranqüilamente uma de suas caminhadas matinais.
08 novembro 2008
A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap. V
Meados de dezembro de 2024 - Acredito que o acontecimento derradeiro foi em dezembro, pelo menos foi o que posteriormente os senhores me relataram. Sinceramente, não sei como chegamos vivos até aquele dia. Recordo vagamente de que consegui abater um boi que surgiu em nossa propriedade, e foi comendo sua carne que sobrevivemos. O frio era insuportável, abaixo de -10ºC, com certeza, embora não houvesse como eu saber a temperatura exata. A água do poço estava congelada. Já prevendo que isso ocorreria, armazenamos dentro de casa grandes quantidades de água. Para nos aquecermos e cozinhar, fomos obrigados a queimar nossos próprios móveis. Creio que nos últimos dias chegamos a comer carne crua.
A maior parte da luz solar era impedida de chegar à Terra devido à interposição do imenso planeta vermelho. Os dias eram sombrios, desolados, nevoentos, e afligia-nos psicologicamente de forma arrebatadora. Passávamos a maior parte do tempo dormindo, por fraqueza e para conservarmos o que nos restava de energia. Mal consigo lembrar desses dias infaustos. Só sei que quando dormíamos, éramos assediados por pesadelos insanos e indescritíveis. Imagens nebulosas de horrores, de morte, de epidemias, de genocídios, de loucuras, de guerras, de catástrofes ambientais naturais e provocadas pela mão humana vinham-me à mente e à de Carolina, durante nosso sono perturbado. Creio que eram como visões do que aconteceu ou acontecia com o restante da humanidade.
Foi então que em uma noite de funesto silêncio, fomos acordados de nosso sono agourento por dois homens estranhos. Mal consigo lembrar-me do que vi, tamanho era nosso abatimento. Estávamos realmente próximos da morte. Eles carregaram-nos no colo até uma espécie de avião ou helicóptero desconhecido muito luminoso que estava nos fundos de nossa propriedade. Deitaram-nos em camas estranhas e nos deram algo igualmente estranho para beber, um líquido pastoso de sabor muito forte. Então, voltamos a adormecer quase que de forma imediata.
05 de janeiro de 2025 - Foi o dia em que acordamos. Enigmaticamente, dormimos de forma ininterrupta por duas semanas. Nossos sonhos agora eram povoados por visões de paz e de belezas deslumbrantes, em um ambiente desconhecido, porém livres de horrores e tormentos. Quando despertamos, não sabíamos onde estávamos. Então vieram até nós um homem e uma mulher altos e de bondosa aparência, com uma fisionomia um pouco estanha, no entanto. Deram-nos de comer e de beber. O lugar em que nos encontrávamos consistia em algo como uma pequena casa de madeira simples, muito limpa e organizada.
Era manhã, e o sol raiava lá fora com toda sua força e plenitude. A temperatura era agradável, e ouvíamos o canto de dezenas de pássaros, alguns conhecidos, outros não. Sentíamo-nos muito bem, tanto física quanto psicologicamente. Os terrores que havíamos vivenciado pareciam ser apenas pesadelos já superados... Não compreendíamos por que estávamos naquele local desconhecido, mas o casal que se encontrava conosco tranqüilizou-nos dizendo para aguardarmos que logo tudo seria explicado, ou pelo menos tudo o que deveríamos saber. Decidimos então esperar e não fazer nenhum questionamento por enquanto.
Após nos sentirmos revigorados pela nutritiva refeição, saímos do aposento e fomos conhecer os arredores. O lugar era como uma pequena cidade, talvez uma aldeia, aparentemente isolada entre belos montes cobertos por densas florestas por um lado e vastos campos verdejantes por outro. Avistávamos algumas pessoas nas pequenas ruas da aldeia, nenhuma conhecida. Ouvíamos vozes articuladas em outras línguas, entre elas o espanhol. Não divisávamos nas ruas nenhum tipo de automóvel, apenas carroças e charretes puxadas por cavalos ou bois. O clima era um tanto medieval e estranho, contudo, de profunda paz e serenidade. Sentamos em um gramado para conversarmos sobre o que presenciávamos.
(Continua...)
A maior parte da luz solar era impedida de chegar à Terra devido à interposição do imenso planeta vermelho. Os dias eram sombrios, desolados, nevoentos, e afligia-nos psicologicamente de forma arrebatadora. Passávamos a maior parte do tempo dormindo, por fraqueza e para conservarmos o que nos restava de energia. Mal consigo lembrar desses dias infaustos. Só sei que quando dormíamos, éramos assediados por pesadelos insanos e indescritíveis. Imagens nebulosas de horrores, de morte, de epidemias, de genocídios, de loucuras, de guerras, de catástrofes ambientais naturais e provocadas pela mão humana vinham-me à mente e à de Carolina, durante nosso sono perturbado. Creio que eram como visões do que aconteceu ou acontecia com o restante da humanidade.
Foi então que em uma noite de funesto silêncio, fomos acordados de nosso sono agourento por dois homens estranhos. Mal consigo lembrar-me do que vi, tamanho era nosso abatimento. Estávamos realmente próximos da morte. Eles carregaram-nos no colo até uma espécie de avião ou helicóptero desconhecido muito luminoso que estava nos fundos de nossa propriedade. Deitaram-nos em camas estranhas e nos deram algo igualmente estranho para beber, um líquido pastoso de sabor muito forte. Então, voltamos a adormecer quase que de forma imediata.
05 de janeiro de 2025 - Foi o dia em que acordamos. Enigmaticamente, dormimos de forma ininterrupta por duas semanas. Nossos sonhos agora eram povoados por visões de paz e de belezas deslumbrantes, em um ambiente desconhecido, porém livres de horrores e tormentos. Quando despertamos, não sabíamos onde estávamos. Então vieram até nós um homem e uma mulher altos e de bondosa aparência, com uma fisionomia um pouco estanha, no entanto. Deram-nos de comer e de beber. O lugar em que nos encontrávamos consistia em algo como uma pequena casa de madeira simples, muito limpa e organizada.
Era manhã, e o sol raiava lá fora com toda sua força e plenitude. A temperatura era agradável, e ouvíamos o canto de dezenas de pássaros, alguns conhecidos, outros não. Sentíamo-nos muito bem, tanto física quanto psicologicamente. Os terrores que havíamos vivenciado pareciam ser apenas pesadelos já superados... Não compreendíamos por que estávamos naquele local desconhecido, mas o casal que se encontrava conosco tranqüilizou-nos dizendo para aguardarmos que logo tudo seria explicado, ou pelo menos tudo o que deveríamos saber. Decidimos então esperar e não fazer nenhum questionamento por enquanto.
Após nos sentirmos revigorados pela nutritiva refeição, saímos do aposento e fomos conhecer os arredores. O lugar era como uma pequena cidade, talvez uma aldeia, aparentemente isolada entre belos montes cobertos por densas florestas por um lado e vastos campos verdejantes por outro. Avistávamos algumas pessoas nas pequenas ruas da aldeia, nenhuma conhecida. Ouvíamos vozes articuladas em outras línguas, entre elas o espanhol. Não divisávamos nas ruas nenhum tipo de automóvel, apenas carroças e charretes puxadas por cavalos ou bois. O clima era um tanto medieval e estranho, contudo, de profunda paz e serenidade. Sentamos em um gramado para conversarmos sobre o que presenciávamos.
(Continua...)
07 novembro 2008
A Doença da Luz (ou o Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.IV
Meados de agosto de 2024 - Durante várias noites repetiram-se as absurdas tempestades de raios, sendo estes cada vez mais anômalos e destrutivos. Creio que só por um milagre nossa casa não foi atingida, porém nosso galpão, um pouco afastado da casa, recebeu uma das ramificações monstruosas e foi totalmente aniquilado. Nosso cavalo e nossos frangos estavam lá dentro. Morreram todos. Sem os animais, nossa situação tornava-se mais e mais difícil, para não dizer trágica.
E quando finalmente chegou ao fim o período das tempestades, há cerca de quatro semanas, principiou-se um tempo violentamente seco, impressionou-nos a rapidez brutal com que a umidade desapareceu do ar. Um sol inclemente castigava nossa região em pleno inverno, e a temperatura ultrapassava os 30ºC. Era um calor insalubre, doentio, irradiava-nos uma sensação febricitante, deixando-nos irritadiços algumas vezes, e noutras abatia-nos com um insuportável desânimo e torpor.
Não demorou muito para que infernais incêndios sem controle devastassem os campos e as matas da região, e densas nuvens de fumaça pioravam nosso já lamentável estado físico e psicológico. Eu e Carolina todos os dias tínhamos que retirar baldes e mais baldes do poço para apagar o fogo que ameaçava o pomar e as esquálidas tentativas de replantar nossas hortas. E a água começava a escassear rapidamente. Já iniciávamos a passar fome, mas graças ao próprio fogo ela foi aliviada. Freqüentemente, animais fugiam das chamas e aproximavam-se de nossa casa. Mesmo sendo contra a caça, não tive alternativa. Necessitei caçá-los para sobrevivermos. Abatia animais selvagens e domésticos, como vacas e ovelhas.
Nossas noites tenebrosas eram agora iluminadas pelos deprimentes e intermináveis incêndios e pela luz amarelada e insuportavelmente triste de uma lua cheia ameaçadoramente esfumaçada, como surgida de um pesadelo pressago. Aqueles fantasmagóricos sons noturnos que infestavam as noites durante o período de tormentas cessaram por completo, mas nossa tensão permanecia. Carolina já entrara em depressão e meu estado psíquico não era muito melhor que o dela. Então, em certa tarde de muito sol, quando o fogo principiava a regressar, olhei para o céu intentando encontrar alguma nuvem de chuva. Porém o que vi foi algo inquietantemente estranho. Quase que ao lado do sol eu julguei avistar um outro. Sim, outro sol de um brilho menor e de tom avermelhado. No entanto, não me era possível, obviamente, fixar minha atenção na direção do sol e não tive certeza do que vi.
Início de novembro de 2024 - Meu decadente estado de alma por essa época deixou-me na memória apenas os fatos mais significativos, os mais terríveis dentro de tantos horrores. Os incêndios haviam cessado por completo. A temperatura diminuíra muito, o frio era absurdo para a época, com temperaturas próximas a zero. A luz do sol havia regredido, minguado canhestramente. Nossas fontes de alimentação encontravam-se no fim. O pomar já não possuía mais frutas, nossas plantações morreram inteiramente, o estoque de alimentos enlatados logo acabaria. Nossa única esperança de alimentação era a caça, cada vez mais difícil. Mesmo no estado em que me encontrava, eu partia em busca de animais e atirava no primeiro que surgisse, indistintamente. Era doloroso para mim atirar em animais selvagens, mas não havia saída. E eu estava certo que em breve não encontraria mais nenhum para abater.
Fracos e atormentados psiquicamente, sentíamos que nossa morte se aproximava. Nada sabíamos do que estava acontecendo. E nem tínhamos mais condições de pensar nisso. Creio até que delirávamos...
Dissera que a luz do sol havia minguado, regredido de forma absurda. A única explicação para o fenômeno seria aquele “outro sol” que eu havia visto há meses. Aquele sol de brilho estranho e avermelhado, de uma aura fantasmal, estava agora muito mais próximo. Eu delirava? A questão é que ele havia se aproximado muito da Terra e já encobria uma grande parte do sol. Porém, o que chamei de “outro sol”, não o era. Tratava-se, acreditei, de outro planeta, um gigantesco e ominoso planeta vermelho que se aproximava ameaçadoramente... Eu não tenho palavras para descrever a opressora e massacrante sensação de medo e horror que aquele inacreditável planeta nos causava. Nós sentíamos e víamos morrer a luz do sol, assim como morrera a eletricidade. Eu tinha apenas minha esposa e a luz dos olhos dela. Ela tinha apenas a mim e a luz de meus olhos. E foram essas únicas luzes, creio, que nos alimentaram e nos mantiveram vivos.
(Continua...)
E quando finalmente chegou ao fim o período das tempestades, há cerca de quatro semanas, principiou-se um tempo violentamente seco, impressionou-nos a rapidez brutal com que a umidade desapareceu do ar. Um sol inclemente castigava nossa região em pleno inverno, e a temperatura ultrapassava os 30ºC. Era um calor insalubre, doentio, irradiava-nos uma sensação febricitante, deixando-nos irritadiços algumas vezes, e noutras abatia-nos com um insuportável desânimo e torpor.
Não demorou muito para que infernais incêndios sem controle devastassem os campos e as matas da região, e densas nuvens de fumaça pioravam nosso já lamentável estado físico e psicológico. Eu e Carolina todos os dias tínhamos que retirar baldes e mais baldes do poço para apagar o fogo que ameaçava o pomar e as esquálidas tentativas de replantar nossas hortas. E a água começava a escassear rapidamente. Já iniciávamos a passar fome, mas graças ao próprio fogo ela foi aliviada. Freqüentemente, animais fugiam das chamas e aproximavam-se de nossa casa. Mesmo sendo contra a caça, não tive alternativa. Necessitei caçá-los para sobrevivermos. Abatia animais selvagens e domésticos, como vacas e ovelhas.
Nossas noites tenebrosas eram agora iluminadas pelos deprimentes e intermináveis incêndios e pela luz amarelada e insuportavelmente triste de uma lua cheia ameaçadoramente esfumaçada, como surgida de um pesadelo pressago. Aqueles fantasmagóricos sons noturnos que infestavam as noites durante o período de tormentas cessaram por completo, mas nossa tensão permanecia. Carolina já entrara em depressão e meu estado psíquico não era muito melhor que o dela. Então, em certa tarde de muito sol, quando o fogo principiava a regressar, olhei para o céu intentando encontrar alguma nuvem de chuva. Porém o que vi foi algo inquietantemente estranho. Quase que ao lado do sol eu julguei avistar um outro. Sim, outro sol de um brilho menor e de tom avermelhado. No entanto, não me era possível, obviamente, fixar minha atenção na direção do sol e não tive certeza do que vi.
Início de novembro de 2024 - Meu decadente estado de alma por essa época deixou-me na memória apenas os fatos mais significativos, os mais terríveis dentro de tantos horrores. Os incêndios haviam cessado por completo. A temperatura diminuíra muito, o frio era absurdo para a época, com temperaturas próximas a zero. A luz do sol havia regredido, minguado canhestramente. Nossas fontes de alimentação encontravam-se no fim. O pomar já não possuía mais frutas, nossas plantações morreram inteiramente, o estoque de alimentos enlatados logo acabaria. Nossa única esperança de alimentação era a caça, cada vez mais difícil. Mesmo no estado em que me encontrava, eu partia em busca de animais e atirava no primeiro que surgisse, indistintamente. Era doloroso para mim atirar em animais selvagens, mas não havia saída. E eu estava certo que em breve não encontraria mais nenhum para abater.
Fracos e atormentados psiquicamente, sentíamos que nossa morte se aproximava. Nada sabíamos do que estava acontecendo. E nem tínhamos mais condições de pensar nisso. Creio até que delirávamos...
Dissera que a luz do sol havia minguado, regredido de forma absurda. A única explicação para o fenômeno seria aquele “outro sol” que eu havia visto há meses. Aquele sol de brilho estranho e avermelhado, de uma aura fantasmal, estava agora muito mais próximo. Eu delirava? A questão é que ele havia se aproximado muito da Terra e já encobria uma grande parte do sol. Porém, o que chamei de “outro sol”, não o era. Tratava-se, acreditei, de outro planeta, um gigantesco e ominoso planeta vermelho que se aproximava ameaçadoramente... Eu não tenho palavras para descrever a opressora e massacrante sensação de medo e horror que aquele inacreditável planeta nos causava. Nós sentíamos e víamos morrer a luz do sol, assim como morrera a eletricidade. Eu tinha apenas minha esposa e a luz dos olhos dela. Ela tinha apenas a mim e a luz de meus olhos. E foram essas únicas luzes, creio, que nos alimentaram e nos mantiveram vivos.
(Continua...)
05 novembro 2008
A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap. III
22 de junho de 2024 - Estávamos completamente isolados. Após ter matado aquele louco que se acercou da carroça, vi apenas mais dois humanos, ambos igualmente enlouquecidos. Também necessitei matá-los. O primeiro deles tentou se aproximar de Carolina enquanto ela tirava água de nosso poço artesiano. O segundo, encontrei no campo quando fui visitar nosso vizinho mais próximo, que ficava a cerca de 4 km. Tentou atacar-me com um machado. Acertei uma bala em seu peito e prossegui rumo a meus vizinhos. Não havia ninguém vivo por lá. Os cadáveres de Antônio, sua esposa e seus filhos jaziam apodrecidos no pátio. Apenas pus na carroça seus estoques de querosene e gás, assim como as velas que encontrei, e voltei para casa. Nessa tarde, reforcei drasticamente a segurança de portas e janelas.
Durante a escura noite, não consegui dormir. Apesar de estarmos no princípio do inverno, o calor era insuportável. E já fazia cerca de uma semana que, durante estas noites densas e abafadas, eu ouvia ao longe gritos horríveis, dificilmente conseguiria descrevê-los, eram como urros, grunhidos, pios, gemidos, enfim, toda espécie de som aterrador. Eu não saberia dizer se eram de homens ou animais, ou de algum ser monstruoso. Naquela altura, em meio a tantas aberrações, eu tenebrosamente imaginava o que poderia ser aquilo e comentava com Carolina as idéias terrificantes que surgiam a minha mente, enquanto um gélido arrepio percorria nossas almas... Porém, naquela noite tudo parecia ainda mais intenso e perturbador, o calor, o clima físico e psicológico de opressão, os sons infernais da noite... Foi então que percebemos que se formava uma tempestade, uma absurda tempestade...
A tormenta formou-se numa velocidade vertiginosa e assustadora. De uma hora para outra, violentas rajadas de vento surgiram dos céus congestionados, nossa casa parecia que seria derrubada em questão de minutos. Trovões atordoantes massacravam os céus, e dantescos relâmpagos como eu jamais vira bombardeavam os campos até onde a vista alcançava. A eletricidade que o homem não mais podia produzir estava ali devastando horizontes. Eram raios gigantescos, grotescamente ramificados, cruzando-se incessantemente por entre a pesada chuva. Víamos árvores serem atingidas, e um dos raios caiu em nosso pomar. A fúria do vento varria as extensões diante de nossos olhares aterrorizados. Havia algo de errado, de anômalo naquela tormenta, principalmente em seus raios. Eles eram doentios, imensos em demasia, suas ramificações ominosas e a freqüência com que surgiam nos céus eram completamente anormais.
Durante aproximadamente uma hora, mal conseguíamos respirar de tanto medo e apreensão. Impossível expressar nossa sensação de alívio quando a tormenta cessou de forma tão súbita quanto iniciara. Nossa casa estava intacta. Porém, algumas árvores do pomar foram derrubadas e perdemos praticamente todas nossas plantações de legumes e verduras.
(Continua...)
Durante a escura noite, não consegui dormir. Apesar de estarmos no princípio do inverno, o calor era insuportável. E já fazia cerca de uma semana que, durante estas noites densas e abafadas, eu ouvia ao longe gritos horríveis, dificilmente conseguiria descrevê-los, eram como urros, grunhidos, pios, gemidos, enfim, toda espécie de som aterrador. Eu não saberia dizer se eram de homens ou animais, ou de algum ser monstruoso. Naquela altura, em meio a tantas aberrações, eu tenebrosamente imaginava o que poderia ser aquilo e comentava com Carolina as idéias terrificantes que surgiam a minha mente, enquanto um gélido arrepio percorria nossas almas... Porém, naquela noite tudo parecia ainda mais intenso e perturbador, o calor, o clima físico e psicológico de opressão, os sons infernais da noite... Foi então que percebemos que se formava uma tempestade, uma absurda tempestade...
A tormenta formou-se numa velocidade vertiginosa e assustadora. De uma hora para outra, violentas rajadas de vento surgiram dos céus congestionados, nossa casa parecia que seria derrubada em questão de minutos. Trovões atordoantes massacravam os céus, e dantescos relâmpagos como eu jamais vira bombardeavam os campos até onde a vista alcançava. A eletricidade que o homem não mais podia produzir estava ali devastando horizontes. Eram raios gigantescos, grotescamente ramificados, cruzando-se incessantemente por entre a pesada chuva. Víamos árvores serem atingidas, e um dos raios caiu em nosso pomar. A fúria do vento varria as extensões diante de nossos olhares aterrorizados. Havia algo de errado, de anômalo naquela tormenta, principalmente em seus raios. Eles eram doentios, imensos em demasia, suas ramificações ominosas e a freqüência com que surgiam nos céus eram completamente anormais.
Durante aproximadamente uma hora, mal conseguíamos respirar de tanto medo e apreensão. Impossível expressar nossa sensação de alívio quando a tormenta cessou de forma tão súbita quanto iniciara. Nossa casa estava intacta. Porém, algumas árvores do pomar foram derrubadas e perdemos praticamente todas nossas plantações de legumes e verduras.
(Continua...)
02 novembro 2008
A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.II
14 de maio de 2024 – Esses dois meses que passaram foram decisivos no desenrolar da catástrofe e deram-me uma visão absolutamente desesperadora do que acontecia com a humanidade. Definitivamente, já não existia uma civilização. Não, não voltamos à barbárie. Antes tivéssemos voltado. Na verdade, involuímos de forma absurda para um estado de degradação inimaginável, o mundo via aflorar o lado mais negro e diabólico do ser humano, e eu pensava desolado no que estaria acontecendo naqueles instantes ao redor do mundo...
Como qualquer tipo de comunicação à distância era impossível, inclusive deslocar-se com veículos automotivos, cujas baterias não funcionavam, eu não podia mais saber o que estava sendo feito para a solução da tragédia, se é que alguma coisa poderia ser feita. O que a ciência poderia fazer, como poderia construir qualquer nova tecnologia que não dependesse de eletricidade se todas as máquinas necessárias para tanto só funcionavam com eletricidade? Não havia saída para a civilização.
Eu e minha esposa estávamos isolados e com medo. Havíamos consumido quase todo nosso estoque de alimentos. Onde obter mais? E como conservar alimentos sem geladeiras? Felizmente, o inverno se aproximava, e com o frio, a necessidade de refrigeradores seria menor. Mas precisaríamos de mais calor, de mais fogo. Deveríamos obter mais gás. Era imperativo voltar à cidade. Sim, porque vivíamos um pouco afastados dela. Nossa casa situava-se além do perímetro urbano, possuíamos uma pequena propriedade onde cultivávamos um vasto pomar e plantávamos alguns legumes e verduras, além de criarmos frangos. No entanto, tanto eu como Carolina trabalhávamos na cidade em nossos respectivos empregos, que haviam sido suspensos pela falta de energia.
Em minha última visita à cidade, há menos de um mês, a maioria dos estabelecimentos comerciais haviam fechado suas portas, ou por falta de fornecedores ou por medo dos saques. A população, já perdendo seus empregos e sem dinheiro, não tinha alternativa, a não ser saquear os mercados para a obtenção de alimentos. Mesmo assim, eu deveria ir à cidade na esperança de encontrar o que nos faltava e conseguir mais gás. Felizmente, eu possuía uma pequena carroça e um cavalo. Foi o que possibilitou minha pequena viagem.
15 de maio de 2024 – No início da tarde, parti em direção à cidade. Por precaução, levei comigo uma arma de fogo. Conforme me aproximava da zona urbana, um cenário de desolação verdadeiramente apocalíptico ia se desenrolando. Eu via casas em ruínas, automóveis destruídos, pessoas e animais mortos às centenas pelas ruas imundas, abarrotados de todo tipo de lixo e sujeira. O mau cheiro da podridão infestava minhas narinas. “Meu Deus!” pensei comigo, “a ausência da eletricidade causou todas essas tragédias em tão pouco tempo?” E passei a imaginar os horrores que poderiam estar assolando o mundo naquele exato momento... Continuei avançando pelo que parecia ser o cenário de uma guerra. Não podia dizer como, mas acreditava que toda ou quase toda população da cidade estava morta ou desaparecida. O cavalo abria caminho por entre cadáveres, e os únicos seres vivos que eu via, além das plantas, eram alguns gatos, cachorros e aves perdidos por entre a destruição.
Avistei o que havia sido um supermercado. Peguei a arma e entrei. O mercado fora saqueado, mas ainda pude encontrar alimentos enlatados e em conserva, bem como alguns pacotes de velas. Rapidamente, saí do mercado e dirigi-me até o depósito de gás. Ainda consegui encontrar três bujões intactos. Preocupado com a segurança de minha esposa, tomei o caminho de volta. Por entre os mortos, eu tentava desesperado entender o que estava acontecendo com a humanidade. O que ocorrera com a população de mais de 50 mil habitantes da cidade onde eu vivia? E enquanto refletia inutilmente, alguém surgiu por detrás de algumas árvores. Era um homem com aspecto de mendigo. Quando me avistou, partiu em minha direção numa corrida desvairada. Parecia enlouquecido. Peguei a arma, estava pronto para atirar. Porém, antes tentei interrogá-lo, saber quem era, o que estava acontecendo. Foi inútil, parecia não me ouvir. Ele se acercou da carroça ameaçadoramente. Matei-o com um tiro na cabeça.
Alarmado com o ocorrido, temi pela vida de Carolina. Fui para casa o mais rápido possível. Para meu alívio, ela estava bem.
(Continua...)
Como qualquer tipo de comunicação à distância era impossível, inclusive deslocar-se com veículos automotivos, cujas baterias não funcionavam, eu não podia mais saber o que estava sendo feito para a solução da tragédia, se é que alguma coisa poderia ser feita. O que a ciência poderia fazer, como poderia construir qualquer nova tecnologia que não dependesse de eletricidade se todas as máquinas necessárias para tanto só funcionavam com eletricidade? Não havia saída para a civilização.
Eu e minha esposa estávamos isolados e com medo. Havíamos consumido quase todo nosso estoque de alimentos. Onde obter mais? E como conservar alimentos sem geladeiras? Felizmente, o inverno se aproximava, e com o frio, a necessidade de refrigeradores seria menor. Mas precisaríamos de mais calor, de mais fogo. Deveríamos obter mais gás. Era imperativo voltar à cidade. Sim, porque vivíamos um pouco afastados dela. Nossa casa situava-se além do perímetro urbano, possuíamos uma pequena propriedade onde cultivávamos um vasto pomar e plantávamos alguns legumes e verduras, além de criarmos frangos. No entanto, tanto eu como Carolina trabalhávamos na cidade em nossos respectivos empregos, que haviam sido suspensos pela falta de energia.
Em minha última visita à cidade, há menos de um mês, a maioria dos estabelecimentos comerciais haviam fechado suas portas, ou por falta de fornecedores ou por medo dos saques. A população, já perdendo seus empregos e sem dinheiro, não tinha alternativa, a não ser saquear os mercados para a obtenção de alimentos. Mesmo assim, eu deveria ir à cidade na esperança de encontrar o que nos faltava e conseguir mais gás. Felizmente, eu possuía uma pequena carroça e um cavalo. Foi o que possibilitou minha pequena viagem.
15 de maio de 2024 – No início da tarde, parti em direção à cidade. Por precaução, levei comigo uma arma de fogo. Conforme me aproximava da zona urbana, um cenário de desolação verdadeiramente apocalíptico ia se desenrolando. Eu via casas em ruínas, automóveis destruídos, pessoas e animais mortos às centenas pelas ruas imundas, abarrotados de todo tipo de lixo e sujeira. O mau cheiro da podridão infestava minhas narinas. “Meu Deus!” pensei comigo, “a ausência da eletricidade causou todas essas tragédias em tão pouco tempo?” E passei a imaginar os horrores que poderiam estar assolando o mundo naquele exato momento... Continuei avançando pelo que parecia ser o cenário de uma guerra. Não podia dizer como, mas acreditava que toda ou quase toda população da cidade estava morta ou desaparecida. O cavalo abria caminho por entre cadáveres, e os únicos seres vivos que eu via, além das plantas, eram alguns gatos, cachorros e aves perdidos por entre a destruição.
Avistei o que havia sido um supermercado. Peguei a arma e entrei. O mercado fora saqueado, mas ainda pude encontrar alimentos enlatados e em conserva, bem como alguns pacotes de velas. Rapidamente, saí do mercado e dirigi-me até o depósito de gás. Ainda consegui encontrar três bujões intactos. Preocupado com a segurança de minha esposa, tomei o caminho de volta. Por entre os mortos, eu tentava desesperado entender o que estava acontecendo com a humanidade. O que ocorrera com a população de mais de 50 mil habitantes da cidade onde eu vivia? E enquanto refletia inutilmente, alguém surgiu por detrás de algumas árvores. Era um homem com aspecto de mendigo. Quando me avistou, partiu em minha direção numa corrida desvairada. Parecia enlouquecido. Peguei a arma, estava pronto para atirar. Porém, antes tentei interrogá-lo, saber quem era, o que estava acontecendo. Foi inútil, parecia não me ouvir. Ele se acercou da carroça ameaçadoramente. Matei-o com um tiro na cabeça.
Alarmado com o ocorrido, temi pela vida de Carolina. Fui para casa o mais rápido possível. Para meu alívio, ela estava bem.
(Continua...)
31 outubro 2008
A Doença da Luz (ou o Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.I
O Conto abaixo, do qual publico seu primeiro capítulo, talvez seja minha obra em prosa mais bem acabada, e também a de mais difícil realização. Tornou-se um pouco extensa, se considerarmos a dimensão média de meus contos. Por isso, confio na paciência dos leitores para o acompanharem através de capítulos que serão postados aqui de dois em dois dias. Estou certo que o final será absolutamente surpreendente.
7 de maio de 2025 - Meu nome é Carlos Walter Mann, e o relato que me foi solicitado pelos senhores encontra-se nas linhas a seguir. Procurei explicar os acontecimentos de acordo com as datas mais significativas para mim, algumas delas ficaram profundamente gravadas na memória. É a minha visão particular da catástrofe, vamos a ela...
23 de fevereiro de 2024 - Naquela manhã de verão plena de sol, ao levantar-me, percebi que a geladeira não estava funcionando. Tentei acender as luzes. Não havia energia elétrica. Imaginei que fosse apenas uma interrupção temporária no fornecimento de eletricidade. Logo deveria voltar. Minha esposa, Carolina, ainda dormia. Sentei-me e fui comer algumas frutas, e em seguida li o jornal. No entanto, passara-se mais de uma hora, a luz não retornara. Decidi ligar para a companhia de energia elétrica. O atendente não soube informar-me absolutamente nada sobre o que estava acontecendo. Disse-me que a interrupção no fornecimento de energia ocorrera durante a madrugada de forma misteriosamente inexplicável, e não era algo restrito a nossa região, mas atingia todo o país, melhor dizendo, atingia todo o planeta! Por mais absurdo que isso pudesse ser, até onde se sabia, não havia energia elétrica em nenhuma parte do mundo. Finalizou a breve conversa afirmando que o estranho e caótico caso já estava sendo seriamente estudado por milhares de técnicos e cientistas em todos os países do mundo e logo deveria ser solucionado.
Em seguida, telefonei para o celular de um amigo que trabalhava na própria companhia. Desejava ter uma idéia melhor do que ocorria. Com muita pressa e nervosismo, meu amigo limitou-se a dizer que tudo ocorreu de uma hora para outra, a energia simplesmente deixou de ser fornecida simultaneamente em todos os países, sem nenhuma causa aparente. Não houve falha em nenhum ponto, todas as unidades produtoras de energia elétrica estavam funcionando perfeitamente, sem nenhum erro. Porém, não existia energia. As usinas ao redor do mundo não produziam absolutamente nada de eletricidade. E, até o momento, não havia explicação alguma. E desligou o celular. Fui deitar ao lado de Carolina e ler um livro.
19 de março de 2024 – A energia ainda não voltara. Apesar dos terríveis esforços em todo o mundo, não só nenhuma solução foi encontrada, como também a causa do pior desastre da história da humanidade permanecia uma incógnita. E ainda pior que isso: não só a eletricidade oriunda de usinas (fossem elas hidrelétricas, termelétricas, nucleares...) deixou de existir, mas também qualquer tipo de eletricidade produzida pelo homem: pilhas, baterias, células fotoelétricas, enfim, nada mais funcionava. Não era mais possível ao homem produzir energia elétrica. Creio que os senhores podem imaginar perfeitamente o caos absoluto que reinou no planeta. Sem a energia elétrica, o homem atual não é nada.
Com o colapso energético, a comunicação entre os humanos deixou de existir, pois até mesmo as companhias telefônicas e os correios não tinham mais condições de funcionar. Sem telefones, sem internet, sem televisores, sem rádios, enfim, sem nada, teríamos regressado aos séculos em que não dependíamos da eletricidade, se isso fosse possível. Não era. Não estávamos preparados para tanto.
A humanidade paralisou-se completamente. Imaginem as negras conseqüências da catástrofe... Basta lembrar que todas as instituições, todas as indústrias, todas as empresas, toda a ciência, praticamente todas as profissões, todos os governos, os mais banais afazeres, desde um celular a um automóvel, de uma calculadora a um computador, de uma lanterna a um avião são dependentes de energia elétrica. É inenarrável a titânica magnitude do desastre que rapidamente estabeleceu o mais absurdo caos entre a civilização...
(continua...)
7 de maio de 2025 - Meu nome é Carlos Walter Mann, e o relato que me foi solicitado pelos senhores encontra-se nas linhas a seguir. Procurei explicar os acontecimentos de acordo com as datas mais significativas para mim, algumas delas ficaram profundamente gravadas na memória. É a minha visão particular da catástrofe, vamos a ela...
23 de fevereiro de 2024 - Naquela manhã de verão plena de sol, ao levantar-me, percebi que a geladeira não estava funcionando. Tentei acender as luzes. Não havia energia elétrica. Imaginei que fosse apenas uma interrupção temporária no fornecimento de eletricidade. Logo deveria voltar. Minha esposa, Carolina, ainda dormia. Sentei-me e fui comer algumas frutas, e em seguida li o jornal. No entanto, passara-se mais de uma hora, a luz não retornara. Decidi ligar para a companhia de energia elétrica. O atendente não soube informar-me absolutamente nada sobre o que estava acontecendo. Disse-me que a interrupção no fornecimento de energia ocorrera durante a madrugada de forma misteriosamente inexplicável, e não era algo restrito a nossa região, mas atingia todo o país, melhor dizendo, atingia todo o planeta! Por mais absurdo que isso pudesse ser, até onde se sabia, não havia energia elétrica em nenhuma parte do mundo. Finalizou a breve conversa afirmando que o estranho e caótico caso já estava sendo seriamente estudado por milhares de técnicos e cientistas em todos os países do mundo e logo deveria ser solucionado.
Em seguida, telefonei para o celular de um amigo que trabalhava na própria companhia. Desejava ter uma idéia melhor do que ocorria. Com muita pressa e nervosismo, meu amigo limitou-se a dizer que tudo ocorreu de uma hora para outra, a energia simplesmente deixou de ser fornecida simultaneamente em todos os países, sem nenhuma causa aparente. Não houve falha em nenhum ponto, todas as unidades produtoras de energia elétrica estavam funcionando perfeitamente, sem nenhum erro. Porém, não existia energia. As usinas ao redor do mundo não produziam absolutamente nada de eletricidade. E, até o momento, não havia explicação alguma. E desligou o celular. Fui deitar ao lado de Carolina e ler um livro.
19 de março de 2024 – A energia ainda não voltara. Apesar dos terríveis esforços em todo o mundo, não só nenhuma solução foi encontrada, como também a causa do pior desastre da história da humanidade permanecia uma incógnita. E ainda pior que isso: não só a eletricidade oriunda de usinas (fossem elas hidrelétricas, termelétricas, nucleares...) deixou de existir, mas também qualquer tipo de eletricidade produzida pelo homem: pilhas, baterias, células fotoelétricas, enfim, nada mais funcionava. Não era mais possível ao homem produzir energia elétrica. Creio que os senhores podem imaginar perfeitamente o caos absoluto que reinou no planeta. Sem a energia elétrica, o homem atual não é nada.
Com o colapso energético, a comunicação entre os humanos deixou de existir, pois até mesmo as companhias telefônicas e os correios não tinham mais condições de funcionar. Sem telefones, sem internet, sem televisores, sem rádios, enfim, sem nada, teríamos regressado aos séculos em que não dependíamos da eletricidade, se isso fosse possível. Não era. Não estávamos preparados para tanto.
A humanidade paralisou-se completamente. Imaginem as negras conseqüências da catástrofe... Basta lembrar que todas as instituições, todas as indústrias, todas as empresas, toda a ciência, praticamente todas as profissões, todos os governos, os mais banais afazeres, desde um celular a um automóvel, de uma calculadora a um computador, de uma lanterna a um avião são dependentes de energia elétrica. É inenarrável a titânica magnitude do desastre que rapidamente estabeleceu o mais absurdo caos entre a civilização...
(continua...)
28 outubro 2008
Soneto Noturno
Ah, que Tristeza flutua nos luares,
mais agora que o mundo vai morrendo,
e um vulto envolto em sonhos pelos ares
em raios e grinaldas vem descendo...
Nos teus olhos sinto anjos florescendo...
dou-te a alma se à noite me beijares
no perfume que o escuro vai tecendo
aos fantasmas que em névoas vêm aos pares.
E em mim gotejam almas: noite nua
nas árias lutulentas que cantaste,
na febre, na loucura que flutua...
És sangue de rosas, espinhos da haste,
a alma da morte, veneno da lua...
Ó Noiva! Foste tu que me mataste!
mais agora que o mundo vai morrendo,
e um vulto envolto em sonhos pelos ares
em raios e grinaldas vem descendo...
Nos teus olhos sinto anjos florescendo...
dou-te a alma se à noite me beijares
no perfume que o escuro vai tecendo
aos fantasmas que em névoas vêm aos pares.
E em mim gotejam almas: noite nua
nas árias lutulentas que cantaste,
na febre, na loucura que flutua...
És sangue de rosas, espinhos da haste,
a alma da morte, veneno da lua...
Ó Noiva! Foste tu que me mataste!
26 outubro 2008
a Fernando Pessoa
pessoalmente
não me sinto ser uma pessoa
nem sei o que é ser o que sou
ou não-sou
o que meu ser pensam ser as pessoas
jamais será o meu ser impessoal:
eu não estou no que me é
afinal
o que sou
em mar de essências ressoa...
além do mais do que vale a pena
eu só queria ser
um(a) grande Pessoa
não me sinto ser uma pessoa
nem sei o que é ser o que sou
ou não-sou
o que meu ser pensam ser as pessoas
jamais será o meu ser impessoal:
eu não estou no que me é
afinal
o que sou
em mar de essências ressoa...
além do mais do que vale a pena
eu só queria ser
um(a) grande Pessoa
Um comentário sobre Oracy Dornelles
Algumas pessoas me perguntaram qual foi meu comentário sobre um poema de Oracy, no caso, um de seus poemas morfológicos. Digo que o comentário foi feito no blog de minha amiga Fátima, porém, infelizmente ela o apagou. Embora eu não concorde em apagar comentários realizados em blogs, sejam eles positivos ou negativos (afinal, essa é uma das funções deles, a interatividade), eu entendo os motivos dela. No entanto, eu sempre deixo salvo os comentários que realizo em blogs, quando eles são extensos. Então, para os interessados, publico aqui aquele comentário, na íntegra, originalmente feito no blog da Fátima. É o que penso, com toda sinceridade, sobre a poesia atual de Oracy.
"Olá, Fátima! Bem, já que o Oracy gosta tanto de criticar o que escrevo, permita-me, Fátima, deixar agora a minha crítica a um poema dele, que até pode ser válido para todos os outros que ele escreve neste mesmo estilo. Sim, um poema excelente dentro da poesia minimalista, com grande significação em poucas palavras, intelectualmente admiravelmente construído. Mas seria essa poesia fria e intelectual a verdadeira poesia? Que emoção verdadeira há nela? Onde ela toca em nossas almas? Onde está a força do ritmo, ou a magia da leitura das palavras em algo tão mínimo? Com toda sinceridade, não sinto nenhuma emoç]ao ao lê-la. Posso ficar pensando para tentar entender seus significados, mas nisso não entra meus sentimentos, é algo frio, analítico, mental, raciocinativo, não tem alma, não tem o espírito fecundador das grandes poesias. E Essa poesia minimalista já não corresponde às novas tendências da poesia, vem surgindo um grito de libertação dessa poesia cômica e intelectualista para buscar trazer novamente para a poética a emoção, o coração, o espírito da poesia discursiva ou semidiscursiva (sem descuidar dos elementos pós-modernos) que põe fogo na alma. Eu, ultimamente, tenho procurado escrever dentro de uma nova visão. Estou farto do minimalismo. O próprio Alfredo Bosi afirma sobre a nova poesia: "Ressurge o discurso poético e, como ele, o verso, livre ou metrificado – em oposição à sintaxe ostensivamente gráfica." Um abraço!"
"Olá, Fátima! Bem, já que o Oracy gosta tanto de criticar o que escrevo, permita-me, Fátima, deixar agora a minha crítica a um poema dele, que até pode ser válido para todos os outros que ele escreve neste mesmo estilo. Sim, um poema excelente dentro da poesia minimalista, com grande significação em poucas palavras, intelectualmente admiravelmente construído. Mas seria essa poesia fria e intelectual a verdadeira poesia? Que emoção verdadeira há nela? Onde ela toca em nossas almas? Onde está a força do ritmo, ou a magia da leitura das palavras em algo tão mínimo? Com toda sinceridade, não sinto nenhuma emoç]ao ao lê-la. Posso ficar pensando para tentar entender seus significados, mas nisso não entra meus sentimentos, é algo frio, analítico, mental, raciocinativo, não tem alma, não tem o espírito fecundador das grandes poesias. E Essa poesia minimalista já não corresponde às novas tendências da poesia, vem surgindo um grito de libertação dessa poesia cômica e intelectualista para buscar trazer novamente para a poética a emoção, o coração, o espírito da poesia discursiva ou semidiscursiva (sem descuidar dos elementos pós-modernos) que põe fogo na alma. Eu, ultimamente, tenho procurado escrever dentro de uma nova visão. Estou farto do minimalismo. O próprio Alfredo Bosi afirma sobre a nova poesia: "Ressurge o discurso poético e, como ele, o verso, livre ou metrificado – em oposição à sintaxe ostensivamente gráfica." Um abraço!"
23 outubro 2008
Webrevista - Projeto C.O.V.A
O meu amigo e escritor Giovani Coelho de Souza elaborou uma webrevista de seu Projeto C.O.V.A, onde publicou um magnífico tributo a Álvares de Azevedo, incluindo nele meu Soneto Ultra-romântico. Agradeço ao amigo e deixo todos meus elogios a seu trabalho, o qual foi perfeitamente conduzido, tanto formal quanto conteudiscamente. Há na webrevista textos de alta qualidade, uma adequada e impressionante escolha de imagens, incluindo pinturas clássicas. Percebe-se que é um trabalho feito com o coração. Parabéns.
Link para download da webrevista(edição 1):
http://www.mediafire.com/file/d4ttjtrkwkz/WEBREVISTA
Link para download da webrevista(edição 1):
http://www.mediafire.com/file/d4ttjtrkwkz/WEBREVISTA
19 outubro 2008
A Saída
tu és o último canto
do conto eterno em que conto
em que me encontro e retorno
e sempre em torno ao meu rosto
o teu encanto me conta
o que pra sempre me resta
o que deixei de meu rastro
tu és o último conto
em que pra sempre te canto
e pelo céu eu me arrasto
revolto eu volto no entanto
com tudo o que é de minha conta
um vulto em vida e revolta
conta comigo em tua volta
conta comigo os meus olhos
vê como eles são tantos
e como paguei minha conta
olhando acima da lama
no canto daquele que ama
a saída de tudo é a Alma
do conto eterno em que conto
em que me encontro e retorno
e sempre em torno ao meu rosto
o teu encanto me conta
o que pra sempre me resta
o que deixei de meu rastro
tu és o último conto
em que pra sempre te canto
e pelo céu eu me arrasto
revolto eu volto no entanto
com tudo o que é de minha conta
um vulto em vida e revolta
conta comigo em tua volta
conta comigo os meus olhos
vê como eles são tantos
e como paguei minha conta
olhando acima da lama
no canto daquele que ama
a saída de tudo é a Alma
17 outubro 2008
É Lógico que a Vida não Possui Lógica
“...não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser cotidiano, ser nítido,
Ter um lugar na vida...”
Fernando Pessoa
Não, não possui. Talvez possua algum Equilíbrio, um equilíbrio sombrio, oculto, incompreensível, inacessível e absoluta e canhestramente ilógico. Mas um equilíbrio. E sempre acima de nossa mão. Por que deveria ser compreensível? Já alguns dirão que esse equilíbrio não existe. Eu não digo nada. Não gosto de dizer as coisas. Gosta de cantá-las. E de gritá-las. Mas não de dizê-las, dizer é tão fraco.
A Lua estava anômala ontem. Foi necessário que eu saísse às ruas naquele estado de sono que não era o sono. Era um sono em um estado alterado de consciência. Saí caminhando pelo dia não-diurno, sim, porque eu sentia um sono profundo e vertiginoso, algo como um desejo não-terráqueo nem fictício, mas dominado por todas as cores de beijos. Não, não sou sonâmbulo. Naquela praça, vi 4 homens lendo jornais. Jamais conseguiria defini-los, mas os defino: horríveis, todos eles: olhos esbugalhados, descabelados, tossindo, boca escorrendo sangue como um churrasco mal-assado, não falavam uns com os outros, não se movimentavam. Não sei se andei ou flutuei até eles, aliás, eu não sei nada. E pedi um jornal emprestado e li todas as manchetes. Horríveis, todas elas.
Como era mágico e salutar meu sono... Com as manchetes dos jornais fiz um poema, sem modificar uma só palavra. O poema mais trágico da história da humanidade. Sonhei... Não sei com o que sonhei, mas vivi o mais fundo possível o que sonhei. Que mais se pode fazer? E como saí das florestas felinas sem ter uma só palavra a dizer a ninguém, isso é que é de se admirar! E como senti os vapores nunca-vistos de tudo que tu me disseste aquele dia sem que me olhasses uma só vez nos olhos... E como olhei nos teus olhos com cheiros de músicas sem que tu me dissesses um só verbo divino ou caído.
Amanhã vai chover... Assim, percebi que a humanidade não vale a pena... Vale a pena aquele rio que nunca correu, aquela flor que nunca nasceu, aquela árvore que nunca cresceu, aquela música que nunca tocaram, aquele céu que nunca brilhou, aquele beijo que nunca se deram... Por isso voam aves de verde pelas ânsias perfumadas daquele inverno que nunca apagou sua luz. Nem a minha. Porém, o mais absurdo de tudo, algo realmente ilógico e que nunca me foi permitido entender é que a sociedade no fundo odeia os professores. Deve ser por que eles são os únicos capazes de melhorar seus filhos. Se o homem quisesse ser melhorado, eu não estaria aqui dormindo, sonhando e escrevendo.
Quantas estrelas caíram aquele dia do céu... Uma delas abriu ao meio minha cabeça, literalmente, e uns uivos-desejo flutuavam tensos ao longe, e perto de mim. Era uma noite sombria, mas tu não estavas sobre os altares. Como se iluminou todo o luar, como uma treva santa chocou-se contra os versos que uma águia largou do bico sobre a morte... Três mãos alucinadas ergueram-se de dentro de meu peito, e vi uma chuva de olhos com chifres brancos perfurarem todo meu coração, o sangue não-meu que lacrimejava ao espaço doente formou uma nuvem que aceleradamente ascendeu ao sonho onde eu dormia. Não esqueçam que eu estava dormindo, por favor, não percam o fio da meada. Corri. Tu não estavas lá. Tudo não estava lá.
E no Brasil odeia-se ainda mais os professores, e estou certo que isso é uma das principais características de nossa cultura, talvez a principal, aquela que define definitivamente o que é ser brasileiro, odiar um professor, afinal, sem isso o Brasil não seria Brasil. Mas um canto e um grito titânicos ergueram-se majestosos daquele planeta de luz que não vejo. Como soou apaixonado um violino de Brahms aos meus ouvidos, e todas as coisas se angustiavam de forma tão ciclonicamente sublime que um furacão passou pela minha cidade e arrasou com tudo, inclusive comigo. Por isso durmo e elevo meu coração na ponta de uma espada flamígera e atiro-o ao relâmpago que me beija... O fim é como o começo: “Sim, está tudo certo./Está tudo perfeitamente certo./O pior é que está tudo errado.” É do Álvaro de Campos, que nunca existiu e valeu a pena. E eu me acordei.
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser cotidiano, ser nítido,
Ter um lugar na vida...”
Fernando Pessoa
Não, não possui. Talvez possua algum Equilíbrio, um equilíbrio sombrio, oculto, incompreensível, inacessível e absoluta e canhestramente ilógico. Mas um equilíbrio. E sempre acima de nossa mão. Por que deveria ser compreensível? Já alguns dirão que esse equilíbrio não existe. Eu não digo nada. Não gosto de dizer as coisas. Gosta de cantá-las. E de gritá-las. Mas não de dizê-las, dizer é tão fraco.
A Lua estava anômala ontem. Foi necessário que eu saísse às ruas naquele estado de sono que não era o sono. Era um sono em um estado alterado de consciência. Saí caminhando pelo dia não-diurno, sim, porque eu sentia um sono profundo e vertiginoso, algo como um desejo não-terráqueo nem fictício, mas dominado por todas as cores de beijos. Não, não sou sonâmbulo. Naquela praça, vi 4 homens lendo jornais. Jamais conseguiria defini-los, mas os defino: horríveis, todos eles: olhos esbugalhados, descabelados, tossindo, boca escorrendo sangue como um churrasco mal-assado, não falavam uns com os outros, não se movimentavam. Não sei se andei ou flutuei até eles, aliás, eu não sei nada. E pedi um jornal emprestado e li todas as manchetes. Horríveis, todas elas.
Como era mágico e salutar meu sono... Com as manchetes dos jornais fiz um poema, sem modificar uma só palavra. O poema mais trágico da história da humanidade. Sonhei... Não sei com o que sonhei, mas vivi o mais fundo possível o que sonhei. Que mais se pode fazer? E como saí das florestas felinas sem ter uma só palavra a dizer a ninguém, isso é que é de se admirar! E como senti os vapores nunca-vistos de tudo que tu me disseste aquele dia sem que me olhasses uma só vez nos olhos... E como olhei nos teus olhos com cheiros de músicas sem que tu me dissesses um só verbo divino ou caído.
Amanhã vai chover... Assim, percebi que a humanidade não vale a pena... Vale a pena aquele rio que nunca correu, aquela flor que nunca nasceu, aquela árvore que nunca cresceu, aquela música que nunca tocaram, aquele céu que nunca brilhou, aquele beijo que nunca se deram... Por isso voam aves de verde pelas ânsias perfumadas daquele inverno que nunca apagou sua luz. Nem a minha. Porém, o mais absurdo de tudo, algo realmente ilógico e que nunca me foi permitido entender é que a sociedade no fundo odeia os professores. Deve ser por que eles são os únicos capazes de melhorar seus filhos. Se o homem quisesse ser melhorado, eu não estaria aqui dormindo, sonhando e escrevendo.
Quantas estrelas caíram aquele dia do céu... Uma delas abriu ao meio minha cabeça, literalmente, e uns uivos-desejo flutuavam tensos ao longe, e perto de mim. Era uma noite sombria, mas tu não estavas sobre os altares. Como se iluminou todo o luar, como uma treva santa chocou-se contra os versos que uma águia largou do bico sobre a morte... Três mãos alucinadas ergueram-se de dentro de meu peito, e vi uma chuva de olhos com chifres brancos perfurarem todo meu coração, o sangue não-meu que lacrimejava ao espaço doente formou uma nuvem que aceleradamente ascendeu ao sonho onde eu dormia. Não esqueçam que eu estava dormindo, por favor, não percam o fio da meada. Corri. Tu não estavas lá. Tudo não estava lá.
E no Brasil odeia-se ainda mais os professores, e estou certo que isso é uma das principais características de nossa cultura, talvez a principal, aquela que define definitivamente o que é ser brasileiro, odiar um professor, afinal, sem isso o Brasil não seria Brasil. Mas um canto e um grito titânicos ergueram-se majestosos daquele planeta de luz que não vejo. Como soou apaixonado um violino de Brahms aos meus ouvidos, e todas as coisas se angustiavam de forma tão ciclonicamente sublime que um furacão passou pela minha cidade e arrasou com tudo, inclusive comigo. Por isso durmo e elevo meu coração na ponta de uma espada flamígera e atiro-o ao relâmpago que me beija... O fim é como o começo: “Sim, está tudo certo./Está tudo perfeitamente certo./O pior é que está tudo errado.” É do Álvaro de Campos, que nunca existiu e valeu a pena. E eu me acordei.
14 outubro 2008
Uma Lenda (e um Tributo a Brahms)
É manhã. Eu caminho pelo campo para descobrir o que é que me observa. E o campo é verde, vivo e vasto. Alguém, alguma coisa, algum ser, de forma permanente e misteriosa, oculto sob o invisível, vigia-me cheio de presságios... É aurora e o sol sobe. E a aurora é bela e fria. No céu imensamente azul, no céu estranhamente azul, uma grande ave paira sobre meus sonhos. É ela que me observa? Porém, quem é que toca a Sinfonia nº. 1 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, porém não sei de onde ela nasce.
Dos grandes e roxos olhos da ave eu fito a saudade. E a ave parte ao longe sob o sol que brilha e assim percebo que não é ela que me observa. O sol brilha. O orbe imperador nosso, doador de toda a vida, também mantém fixo seus olhos de luz, fogo e raio sobre minha consciência. Mas não é ele que me observa. À medida que caminho por entre flores e enxames de borboletas, vejo que o astro solar sobe no empíreo, cintila sobre a tranqüilidade escura e iminente das antigas folhas das árvores das matas que avisto ao longe. E a cintilar nas femininas árvores, o sol proclama com cristalinas trombetas que não é ele que me observa, porque ele somente o faz durante o dia, e quem me observa o fará eternamente... Porém, quem é que toca o concerto para piano nº. 2 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
Vem uma névoa. Névoa densa e fria e longa e bela. Um céu nublado que amorteceu a luz solar. E o sol se mortifica em benefício à sombra. Um gelado estremecimento anímico traz consigo um inconcebível enigma... Que almas são aquelas que diviso flutuando invisíveis por entre a neblina? Uma dança de espectros assoma solene ascendendo em alto cedro negro. Espíritos brancos e pálidos valsam e miram meus olhos, mas não são eles que me observam, apesar de tão fantástico espetáculo. Quem é que berra dentro do bosque? Bosque em sonhos, sombrio. Contudo não sou eu que sonho...
É Tarde. Acho que parte minha inspiração, ainda que permaneça ouvindo tantos gritos e grunhidos e rugidos e urros e gemidos e lamentos e murmúrios e sussurros que caem e sobem, que vão e voltam, que voam e brilham, que crescem e morrem, que dançam e beijam na tarde em névoa da mata estranha. E sei que não são essas coisas que me observam. Há segredos e arcanos inacessíveis por trás de tão largo labirinto. Porém, quem é que toca o quarteto para piano e cordas nº. 3 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
Ali corre um gato-do-mato. Escondeu-se atrás de um cipreste. Que nuvens etéreas se evolam daquele cipreste, carregadas da mais intensa paixão desesperada?... No entanto, a paixão não é minha. Acho que perco minha paixão. Sei que a vertigem em um dos galhos do cipreste mergulha na emotividade psíquica daquelas nuvens vermelhas que não sei de onde caem. Só sei que não existem ciprestes em nossas matas nativas... Portanto, não é nem o gato nem o cipreste que me observam. E nem mesmo aquele ser inclassificável que agora cruza montado em um lobo-guará. Porque eu o conheço. Avistando as longínquas colinas e coxilhas longas e adormecidas sob as nuvens densas, tensas, nervosas e carregadas, eu sei que não é ele. Seu sorriso não me engana. Eu, um cavaleiro de uma coroa perdida há muitos séculos, fitando os cavalos e as ovelhas pastarem ao longe... Sei que não pode ser ele.
Que inverno magnífico e trágico! Vejo teus olhos com febre nos horizontes. Olhos que choram e sangram lilases. Talvez sejam eles que me observam. Talvez eu esteja atingindo o ápice do segredo, o auge de todos os enigmas e mistérios... Porém, quem é que toca o Réquiem de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
A névoa se dissipa. Meu coração se acalma e segue batendo lento, muito lento, sublimemente lento, canhestramente lento. Já não sou mais eu. Sinto saudades do que não foi. Aqueles perfumes balsâmicos dos pântanos e arbustos já assombrados e alarmados surgem etéreos, enquanto o sol asfixiado em incensos desmaia cantando no chumbo, no verde, no rosa, no roxo do céu do crepúsculo romântico. Simultaneamente aos berros do sapo, uma lua titânica surge em plenilúnio, fantasmagórica e espectralmente, ascendendo rápido por entre céus e nimbos. Inauditamente amarela e dourada. Uma lua noturna nasce triunfante e lacrimosa. Quantos anseios e ânsias, e desejos e sonhos cavalgam com ela em dramático tropel? Meu Deus, quem é que me observa? E quantos fantasmas gemem e violinam no crepúsculo que avança? E quantos seres que não sei que seres são valsam nas nuvens avermelhadas, arroxeadas, acinzentadas e inflamadas na noite que ainda não é? Que Dança Fatal é esta que me alucina? É divina ou diabólica? Porém, quem é que toca o quinteto op. 30 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
E aquela lua onírica que me observa? E aquela lua de vinho? E o morcego ruflando? E a coruja agourando? Aquela lua de sangue... Aquela lua de lábio... Aquela lua de Eros... Aquela lua de alma... Aquela lua de olhos... Aquela lua que é tua. Mas não é ela que me vigia, que me contempla, que me observa. Aquela lua não é a lua. Não é o satélite da Terra. Aquela lua é um sinal, é um arcanjo, é um trono. Aquela lua é tua deusa! E dela pingam sonhos melancólicos. Gotejam grotescos sentimentalismos. Gotejam olhos e tristezas, tristezas que não têm fim... Olhos e tristezas góticas que se calamitam. Vejo fantasmas rubros ao redor da lua se abraçando sobre árvores velhas, estranhamente velhas, nunca-vistamente verdes. Meu Deus, quem é que me observa? Ainda não é noite, é quase. Subindo, eu fito uma lua menstruada de onde partem sussurros e músicas em surdina, e cantos de mortuários espíritos, e sonhos de amores fatais, e febres de corações inflamados, e tragédias de sublimes éteres do espaço infinito, da eternidade que assombra e apaixona, de beijos sangüíneos na boca, na língua, que pairam nos outonos tristonhos. Vejo olhos em todos os cantos, em todos os rios, em todas as matas, em todos os céus, em todos os seres! Meu Deus, quem é que me observa? E quem é que toca Brahms? Quem é que toca Brahms numa tempestade apocalíptica, a febre de Brahms, a fúria de Brahms, o sonho de Brahms! Meu Deus! quem é que toca, quem é que me observa? A Tristeza? A Tragédia? A Força? A Paixão? De Brahms? Que jamais se rende, que jamais se verga, que jamais se entrega!
Sim, porque vibra a Sinfonia nº. 4 de Brahms em meus tímpanos, e agora eu sei de onde ela nasce... É tu que tocas, é tu que me observas...
É Noite. E pela primeira vez sinto medo, pois estou no escuro da Noite e sei que é tu que me observas... Eu sigo meu caminho, olhando-te, e tenho medo...
Dos grandes e roxos olhos da ave eu fito a saudade. E a ave parte ao longe sob o sol que brilha e assim percebo que não é ela que me observa. O sol brilha. O orbe imperador nosso, doador de toda a vida, também mantém fixo seus olhos de luz, fogo e raio sobre minha consciência. Mas não é ele que me observa. À medida que caminho por entre flores e enxames de borboletas, vejo que o astro solar sobe no empíreo, cintila sobre a tranqüilidade escura e iminente das antigas folhas das árvores das matas que avisto ao longe. E a cintilar nas femininas árvores, o sol proclama com cristalinas trombetas que não é ele que me observa, porque ele somente o faz durante o dia, e quem me observa o fará eternamente... Porém, quem é que toca o concerto para piano nº. 2 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
Vem uma névoa. Névoa densa e fria e longa e bela. Um céu nublado que amorteceu a luz solar. E o sol se mortifica em benefício à sombra. Um gelado estremecimento anímico traz consigo um inconcebível enigma... Que almas são aquelas que diviso flutuando invisíveis por entre a neblina? Uma dança de espectros assoma solene ascendendo em alto cedro negro. Espíritos brancos e pálidos valsam e miram meus olhos, mas não são eles que me observam, apesar de tão fantástico espetáculo. Quem é que berra dentro do bosque? Bosque em sonhos, sombrio. Contudo não sou eu que sonho...
É Tarde. Acho que parte minha inspiração, ainda que permaneça ouvindo tantos gritos e grunhidos e rugidos e urros e gemidos e lamentos e murmúrios e sussurros que caem e sobem, que vão e voltam, que voam e brilham, que crescem e morrem, que dançam e beijam na tarde em névoa da mata estranha. E sei que não são essas coisas que me observam. Há segredos e arcanos inacessíveis por trás de tão largo labirinto. Porém, quem é que toca o quarteto para piano e cordas nº. 3 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
Ali corre um gato-do-mato. Escondeu-se atrás de um cipreste. Que nuvens etéreas se evolam daquele cipreste, carregadas da mais intensa paixão desesperada?... No entanto, a paixão não é minha. Acho que perco minha paixão. Sei que a vertigem em um dos galhos do cipreste mergulha na emotividade psíquica daquelas nuvens vermelhas que não sei de onde caem. Só sei que não existem ciprestes em nossas matas nativas... Portanto, não é nem o gato nem o cipreste que me observam. E nem mesmo aquele ser inclassificável que agora cruza montado em um lobo-guará. Porque eu o conheço. Avistando as longínquas colinas e coxilhas longas e adormecidas sob as nuvens densas, tensas, nervosas e carregadas, eu sei que não é ele. Seu sorriso não me engana. Eu, um cavaleiro de uma coroa perdida há muitos séculos, fitando os cavalos e as ovelhas pastarem ao longe... Sei que não pode ser ele.
Que inverno magnífico e trágico! Vejo teus olhos com febre nos horizontes. Olhos que choram e sangram lilases. Talvez sejam eles que me observam. Talvez eu esteja atingindo o ápice do segredo, o auge de todos os enigmas e mistérios... Porém, quem é que toca o Réquiem de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
A névoa se dissipa. Meu coração se acalma e segue batendo lento, muito lento, sublimemente lento, canhestramente lento. Já não sou mais eu. Sinto saudades do que não foi. Aqueles perfumes balsâmicos dos pântanos e arbustos já assombrados e alarmados surgem etéreos, enquanto o sol asfixiado em incensos desmaia cantando no chumbo, no verde, no rosa, no roxo do céu do crepúsculo romântico. Simultaneamente aos berros do sapo, uma lua titânica surge em plenilúnio, fantasmagórica e espectralmente, ascendendo rápido por entre céus e nimbos. Inauditamente amarela e dourada. Uma lua noturna nasce triunfante e lacrimosa. Quantos anseios e ânsias, e desejos e sonhos cavalgam com ela em dramático tropel? Meu Deus, quem é que me observa? E quantos fantasmas gemem e violinam no crepúsculo que avança? E quantos seres que não sei que seres são valsam nas nuvens avermelhadas, arroxeadas, acinzentadas e inflamadas na noite que ainda não é? Que Dança Fatal é esta que me alucina? É divina ou diabólica? Porém, quem é que toca o quinteto op. 30 de Brahms? Sim, porque vibra essa obra em meus tímpanos, mas não sei de onde ela nasce.
E aquela lua onírica que me observa? E aquela lua de vinho? E o morcego ruflando? E a coruja agourando? Aquela lua de sangue... Aquela lua de lábio... Aquela lua de Eros... Aquela lua de alma... Aquela lua de olhos... Aquela lua que é tua. Mas não é ela que me vigia, que me contempla, que me observa. Aquela lua não é a lua. Não é o satélite da Terra. Aquela lua é um sinal, é um arcanjo, é um trono. Aquela lua é tua deusa! E dela pingam sonhos melancólicos. Gotejam grotescos sentimentalismos. Gotejam olhos e tristezas, tristezas que não têm fim... Olhos e tristezas góticas que se calamitam. Vejo fantasmas rubros ao redor da lua se abraçando sobre árvores velhas, estranhamente velhas, nunca-vistamente verdes. Meu Deus, quem é que me observa? Ainda não é noite, é quase. Subindo, eu fito uma lua menstruada de onde partem sussurros e músicas em surdina, e cantos de mortuários espíritos, e sonhos de amores fatais, e febres de corações inflamados, e tragédias de sublimes éteres do espaço infinito, da eternidade que assombra e apaixona, de beijos sangüíneos na boca, na língua, que pairam nos outonos tristonhos. Vejo olhos em todos os cantos, em todos os rios, em todas as matas, em todos os céus, em todos os seres! Meu Deus, quem é que me observa? E quem é que toca Brahms? Quem é que toca Brahms numa tempestade apocalíptica, a febre de Brahms, a fúria de Brahms, o sonho de Brahms! Meu Deus! quem é que toca, quem é que me observa? A Tristeza? A Tragédia? A Força? A Paixão? De Brahms? Que jamais se rende, que jamais se verga, que jamais se entrega!
Sim, porque vibra a Sinfonia nº. 4 de Brahms em meus tímpanos, e agora eu sei de onde ela nasce... É tu que tocas, é tu que me observas...
É Noite. E pela primeira vez sinto medo, pois estou no escuro da Noite e sei que é tu que me observas... Eu sigo meu caminho, olhando-te, e tenho medo...
09 outubro 2008
Sempre...
I
ah o ato oculto
de fechar os olhos
som
de sonhos sonho em alma
vou
e sono-me em descanso e réquiem
e já não sou-me
anoiteço e tecem-me
a lua o livre o longe
onde serei o ser no sempre
e meus versos serei eu contigo
no que deixo estou-me eterno
e ao não-ser meu ser te digo...
II
ah o ato alado
de abrir os olhos...
sol
de volta envolto em aura
sou
e vôo-me em coragem e Brahms
e no tudo fico-me
amanheço e criam-me
a luz o livro a lenda
onde serei o ser no agora
nos meus versos serei eu comigo
e no que deixo estou-te amando
e sempre em ser serei contigo
ah o ato oculto
de fechar os olhos
som
de sonhos sonho em alma
vou
e sono-me em descanso e réquiem
e já não sou-me
anoiteço e tecem-me
a lua o livre o longe
onde serei o ser no sempre
e meus versos serei eu contigo
no que deixo estou-me eterno
e ao não-ser meu ser te digo...
II
ah o ato alado
de abrir os olhos...
sol
de volta envolto em aura
sou
e vôo-me em coragem e Brahms
e no tudo fico-me
amanheço e criam-me
a luz o livro a lenda
onde serei o ser no agora
nos meus versos serei eu comigo
e no que deixo estou-te amando
e sempre em ser serei contigo
06 outubro 2008
Marcha Fúnebre
meus olhos-clima de fim
fim-lábio negro de lua
lua que rosa meus lagos
lagos de valsas aos gritos
gritos com sono no sangue
sangue de pulsos me selam
selam meus braços e caem
caem os abraços na luz
luz que te perco e me sonha
sonha em teu canto entre noite
noite tua alma me espia
espia orando e de beijos
beijos de fim nos meus olhos
fim-lábio negro de lua
lua que rosa meus lagos
lagos de valsas aos gritos
gritos com sono no sangue
sangue de pulsos me selam
selam meus braços e caem
caem os abraços na luz
luz que te perco e me sonha
sonha em teu canto entre noite
noite tua alma me espia
espia orando e de beijos
beijos de fim nos meus olhos
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