07 dezembro 2020

Não me confundam com o que escrevo

minha poesia  não dá concessões
não suaviza não ouve opiniões
minha poesia é como um basta
que não agrada não dá o braço
não busca a paz (não mais)
não se retrata não retrocede
não se arrepende
não volta atrás
não dá ouvidos
radicaliza definitiva
poucos sorrisos
quando ironiza.

minha poesia está cansada
já não perdoa não alivia.
minha poesia
é de tristeza
dilacerada
angústia extrema
é de um luto
absoluto
quase divino.
é só um aviso
que não dá chances
não acredita
e faz miséria
e mau poema.

nem sente pena.

é a minha poesia
não sou eu 
não é o que eu sou.
mas ela fica
e eu logo me vou.

06 dezembro 2020

Adeus, Humanidade

 alguém poderia questionar:
"por que tu escreve? ou
pra quê?
quase ninguém mais lê
muito menos poesia
e se lê entende muito pouco
se é que entende
e mesmo que entenda 
não dá muita atenção
entra por um olho e sai pelo outro"

eu responderia
que isso é escrever pelos outros
mas eu escrevo por mim e para mim
é para o meu bem
(com amáveis exceções)
se for bom para os outros, melhor
se não for, eu escrevi
bem ou mal aí está: obra feita.

mas outros ainda poderiam argumentar:
"não há mais nada a ser dito
tudo o que se diz hoje
já foi dito antes
e de forma melhor por gente melhor."

eu responderia
que não deixa de ser verdade
mas completaria dizendo que ainda
há algo a ser dito:
o Adeus.


02 dezembro 2020

Política no Brasil

torpes
querem todos chegar aos topos
dos montes de merdas 
dos castelos de cartas
inflados de peido e marmeladas

tortos
mais máscaras do que rostos
vão vendendo seus ânus
a preços mais baixos
do que os dos capachos
em que esfregam os sapatos
seus cagados amos

duas caras escancaradas
de farsas e trapaças
sorrisos de babas
a ostentar suas gordas carcaças
abaixando as calças

línguas largas e lacaias
de lambedoras de botas
com a espinha curvada
de carregar sacos
de bostas.

30 novembro 2020

Tens a Minha Palavra

é a palavra que fala
é a palavra que diz
é a palavra que escreve
é com a palavra que se pensa
é com a palavra que se sente
é a palavra que pede que manda que ora
que sonha que sofre que chora
que cria convida aconselha emociona

ninguém pode saber nada sem a palavra
ninguém pode viver nada sem a palavra
ninguém pode SER nada sem a palavra
ninguém diz que ama sem a palavra
ninguém diz que morre sem a palavra
"me liga", "falamos", "me manda mensagem":
é tudo palavra.

é a palavra que deixa o rastro
é ela que diz o Faça-se e o Acabe-se
em tudo o que se faz ou se deixa de fazer
há uma palavra por trás 
antes da palavra ser dada
não há nada
e chega de conversinhas 
e me perdoem o palavrão
mas a porra da palavra
tem que ser respeitada.



29 novembro 2020

Eu Disse

eu disse às flores que só emitissem perfumes
e só irradiassem suas cores
quando tu passares muito perto delas
eu disse às flores
eu disse às árvores que só ficassem verdes
e as que dão frutos que só dessem seus frutos
quando tu estiveres entre as sombras delas
eu disse às árvores
eu disse às dores que só sofressem tanto
e aos sofrimentos que só pudessem ser
quanto tu fugires para longe deles
eu disse às dores
eu disse às onças que estivessem longe
para vir bem perto de ti quando tu passeares
não para te assustar com seus terrores
mas para te proteger dos teus temores
eu disse às onças
eu disse aos rios que corressem mais limpos
e às suas águas que fossem mais puras
quando tu tocares os teus lábios neles
eu disse aos rios eu disse às águas
eu disse à chuva que só caísse forte
e ao raio que só assombrasse a noite
quando tu sonhares pelos astrais mundos
descuidada por entre sóis e luas
eu disse à chuva eu disse ao raio
eu disse às nuvens que se abrissem todas
quando tu sorrires para o céu com os olhos
eu disse às nuvens
e para o céu eu disse que te mostrasse os anjos
quando tu pensares no amor mais fundo
eu disse ao céu 
e eu disse aos anjos...
aos anjos eu disse que eu te disse tudo.



26 novembro 2020

Robôs Fodidos

as pessoas não querem mais ser gente
não querem sentir nem pensar nem viver 
nem querem saber
suas vidas são só vitrines
é só o que o outro vai achar:
que agora são todos fortes e vitoriosos
todos de sucesso e todos de bem
todos justos e saudáveis
todos felizes com sorrisos constantes
todos amantes e amados
todos ricos e bonitos 
todos certos e espertos
chorar é coisa do passado
sofrer é coisa de fracasso
ninguém mais chora ninguém mais sofre
ninguém mais sente
como diria Fernando Pessoa: 
"onde é que há gente?"
ninguém mais erra ninguém mais falha 
ninguém mais se fode
agora são só robôs sem defeitos
feitos em fábrica e linhas de série
autômatos pré-programados 
todos perfeitos e todos iguais...
e nenhum presta.
é preciso acabar esta humanidade
para que volte a Humanidade.


25 novembro 2020

Desprezo

quero ser aquele gato
negro bicho tão noturno
que não tem culpa de nada
que com nada mais se importa
que não tem seu rabo preso
pra fugir da humanidade
me ocultar entre o oculto
e miar para o infinito
pra ser sempre vagabundo
vendo almas e fantasmas
sem provar pra todo mundo
pra sonhar sem ter os sonhos
e dormir por entre a lua
quero ser aquele gato
ser sagrado e ser profano
ser um deus ser um demônio
e no fundo bem no fundo...
desprezar o ser humano

23 novembro 2020

Kafkiano

chegamos a um ponto 
tão absurdamente absurdo 
de tudo que é absurdo 
que o absurdo nem traz susto 
estamos surdos aos absurdos 
vivemos surtos após surtos
e são tantos os horrores e os mortos 
que o absurdo nem é mais a exceção:
é a própria absurda instituição.

21 novembro 2020

Réquiem em Dor Maior

que sonho que eu sou quando eu for-te
em que som deixei-me em que parte
se tanto eu partia em nos ver-te
nem sonho cai mais pelos mares

não tenho onde um sol que vou por-me
ou deixar-te a quem não achar-me
se tanto vi o céu não mais ser-me
nem almas sai mais dos cantares

o Fim me olhou sempre em horror-me
e senti-lo é dever-me de arte
se tanto li a dor do que verte
nem sangue sai mais dos olhares

qual anjo que vem quando há mor-te
no que não deixei-me em que aMarte.

18 novembro 2020

Como se não houvesse Morte

como se houvesse tempo
estão lá com sede de progresso
como se evoluíssem ceifando paraísos
para semear infernos
lucram como se fossem eternos
a transformar vidas em desertos
e é como se nunca bastasse
mentindo como se fosse
para matar a fome
sem ter que distribuir a renda
como se fosse em nome do que fosse justo
como se não fosse pra colher ganâncias
como se fosse ser herói
se enriquecer à custa do que morre
existir à custa do que some

e ainda se acham fortes
e ainda se dizem homens
como se não passassem de parasitas
mais fracos do que cacos
mais fiascos que palhaços
como se não viesse a volta
pelo horror do que plantaram
como se não tivesse preço
todo a beleza desfigurada
como se ficasse por isso mesmo
todo o amor que foi corrompido
e como se não viesse o Tempo
bater no seu endereço

fazem tudo
como se o tudo ficasse mesmo assim:
como se não houvesse o Fim.

16 novembro 2020

Apenas Noite

leis políticas instituições
prédios cidades civilizações
rolarão por terra um dia
mas sempre haverá a noite.

séculos décadas anos
vidas sonhos planos
deixarão a terra um dia
mas ainda continuará a noite.

dados rodas moedas
homens coisas pedras
não serão na terra um dia
no entanto prosseguirá a noite.

planetas sóis luas estrelas
todas as coisas que forem sê-las
não serão no cosmo um dia
e o universo será apenas Noite. 

15 novembro 2020

Mais Alto

um outro sol
um outro sol mais ao alto
se erguerá sobre o sol derradeiro
vitorioso em som sonho e pesadelo
e um outro som mais alto e vermelho
se erguerá em de cada perdido instante
em teu vasto sim de guerra e mais adiante
um outro sou se erguerá em que vai avante
mais alta em larga prata e mortífera espada
de ponta adiante e ainda mais e mais elevada
de ultra e além lâmina e mais afiada em adaga
e um outro canto em soprano surgirá mais além
de sublime em sublime e mais ainda em quem vem
se erguerá mais acima e acima em que nunca ninguém
e se erguerá mais um passo ao alto do horizonte que espanta
e um outro verbo mais grave com fúria aguda venta e se lança
e outro olho mais fundo e avante em outra Força mais alta levanta

13 novembro 2020

Poema Lacônico de Sexta-Feira 13

1.1 - acima das plumas-brancas 
da pomba da esperança
paira a asa-negra do urubu
que voa mais alto.

1.2 - os melhores vinhos
trazem as trevas da noite
e os piores raios
brilham como o dia.

1.3 - no olho do furacão
não há ventos.


12 novembro 2020

Trágico

tristeza de não-antídoto
sorriso de lábio fêmino
um beijo que seja válido
entendo teu gesto lânguido
o sonho em teu rosto sânguino
o longe se arrasta rápido
o tudo que eu digo é símbolo
caminho que seja pórtico
sangue de vela e lâmpada
a chama escarlate tântrica
meus olhos nas luas cálidas
o longínquo em não ser-me ósculo:
trágico é proparoxítono.

10 novembro 2020

De Sangue

sangue nos lábios é perigoso
tanto se vier de fora
como se vier de dentro
mas o sangue vem aos lábios
de qualquer jeito.

vida, sua filhadaputa
ensanguentada louca
que me enche de sangue na boca.

08 novembro 2020

Sofrimento é Algo que Falta

o sofrimento não deve ser medido
pelo tipo de sofrimento
mas pela relação sofrimento x anseio:
sofre a pessoa não pelo que ela é
ou deixa de ser
não pelo que lhe acontece
ou deixa de lhe acontecer
não pelo que ela vive
ou deixa de viver
mas pelo que ela gostaria de ser
ou gostaria que lhe acontecesse
ou que fosse a sua vida
sofrimento é muito mais
o não-vindo.

o tamanho do sofrimento
é o tamanho da insatisfação
o sofrimento é um algo que falta.
uma vida com tudo
ou uma vida com nada
pode dar no mesmo:
o sofrimento se mede pelo desejo
para quem não tem o que comer
o alimento na mesa é a felicidade
para quem tem alimento na mesa
a felicidade está no alimento do sonho
do coração da alma do espírito
e ambos os sofrimentos
são legítimos.



05 novembro 2020

Olhares das Feras


sim, há uma Paz profunda
nos olhares das feras
há verdades silêncios
que se ocultam por eras
saber desde o que é vida
até mortes de estrelas
o olho fogo do tigre
só ao ser se revela 
o olho gelo do lobo
em segredo nos vela

sim, há um Sangue profundo
nos olhares das feras
há tormentas noturnas
que parecem com trevas
são abutres nas árvores
de sentinelas eternas
serpentes que veem almas
de quem passa por elas
é que há um Fim profundo
nos olhares das feras...

04 novembro 2020

Não ter que dizer nada

aquilo que não. que não o quê?
que não tudo.
desde o lá ao agora que não está
ao que seja como sendo
o longínquo de um algo de dentro
o que nunca em nenhum momento
sonho que sona o meu real
o outro lado do que não o outro
além-me-ar estando aqui
pela sanga do teu quintal
flor que cheirou o meu gesto
sem tocar a minha mão
fuga drogada de um verso
ao voo do que não me fui
em estares de imaginação
o  mas do que me distância
e longos pelos teus anelos
olhos  no éter sem sê-los
que terminam em um nada
e começam em um fim
e ainda tem o outro lado
que é aquilo que sim.

01 novembro 2020

Poema de Finados (ou Um Réquiem)


Mozart morreu antes de terminar seu Réquiem
de certeza uma das músicas mais emocionantes comoventes
assombrosas já compostas nessa merda de mundo
até um cara com um coração de pedra esfarelenta
sentiria algum tipo de arrepio de pelos
ao ouvir alguns trechos rápidos
do sobre-humano Réquiem de Mozart.

Mozart finou-se antes de finalizar
a maior Música de Fim da história
ele escreveu sua própria Missa para os Mortos
e morreu aos 35 anos no abandono e na miséria
foi enterrado como indigente e se tornou imortal...
(a vida é uma puta de uma ironia)

adoecido de corpo e de incompreensão
Mozart já não podia suportar o peso
de escrever a música mais trágica de todos os tempos.
outros caras concluíram o Réquiem a partir de esboços de Mozart
mas as partes completadas apenas pelo Amadeus
já dizem tudo e fim de papo.

seu Réquiem é uma titânica súplica desesperada de ajuda
ao mundo a Deus ao universo
uma urgência em pânico daquele que aos 35 anos
era o maior gênio musical de sua geração.

mas o Réquiem de Mozart é muito mais do que 
uma poderosa súplica sobrenatural
é um monumento ao sentimento uma tentativa de salvação
da humanidade pela vivência da própria morte.
a gente se sente um pouquinho salvo
ao ouvir a mais dolorosa música
já arrancada do último amor
antes da Morte.

28 outubro 2020

Poesia não é para ser entendida

poesia é sensação, não é entendimento.
só fica o que for sentido
só fica aquele gosto de algo
nem que não se saiba do que é
(Poesia não é para ser entendida)
 que se sente e não se explica 
aura de alma que é só sugerida 
uma impressão um indício um vago pelo ar
(qual coisa é que faz sentido pela vida?)
a poesia é mais ser do que pensar

eu sou mas não estou 
na poesia que escrevo 
a poesia é como o beijo:
estraga se tentar explicar
é tudo que fica do que pode haver 
é a palavra mais forte a mais funda a mais pura 
a mais próxima do amor
pode ser trágica terrível mas é sempre bela
está no olhar da Sophie nos olhos dela
para ler poesia não há outro motivo
a não ser o de amar
seja lá o que for

essas palavras que digo
nem sei se estão comigo
assim como não sei se estarei vivo 
no meu próximo dia
mas se um deus ou deusa 
viesse nos falar 
só falará poesia.


26 outubro 2020

Não temos olhos para dentro

o gavião voa pelo céu azul
e paira no ar entre a corrente de vento
com suas asas abertas aproveitando o instante
e nós olhamos e achamos isso grande e belo

porque é a vida em seu estado puro
e a vida em seu estado puro é imensa e simples
e vivida a cada instante porque a vida é o instante
e não há outra vida a não ser o instante que se vive
e isso é simples e é grande e é belo

mas nós humanos estamos aqui
não sabemos nem ser simples nem grandes nem belos
sufocados numa existência complicada e pequena
não vivemos os instantes porque pensamos em outros instantes
que ainda não vieram e talvez nunca venham
e bem lá dentro no nosso íntimo no nosso ser
que é onde vive a vida
nós não alcançamos
porque não olhamos mais para dentro
mas só para o próximo desejo lá fora
a (não) ser alcançado.

23 outubro 2020

Cacem minha Alma

Peguem meus versos e matem a pauladas
sujem em fluídos de todas as mortes,
deixem aos pedaços pingando dos cortes,
e enterrem aos montes, não servem pra nada.

Joguem no lixo da Terra acabada,
cacem minha alma em covardes esportes,
juntem com a noite da antiga má-sorte,
deixem que caiam meus olhos da escada.

Aplausos à arte são risos mentidos,
e todo artista que se acha mui útil
já vê seu vasto nas ruas cuspido.

Homens só louvam imbecis, o que é fútil,
o verme e a merda. Tudo ânsia perdido
num ato morto de um sonho que é inútil.

20 outubro 2020

Nas Ruas de Santa Maria

o ato de caminhar pelas ruas
para quem vive é diferente de quem caminha
só pelo necessidade de caminhar 
ou pelo bem estar físico.
geralmente as pessoas caminham mortas:
ou afundadas no quem tem que fazer pelas ruas
ou afundadas na sua dita saúde
para que possam viver mais
estando mortas.

para quem vive caminhar é algo que vem de dentro:
como sentir que naquele canto da calçada
de qualquer rua do centro de Santa Maria
muita coisa já aconteceu, já houve almas ali
sendo felizes ou desgraçadas
e que tanta coisa poderia ter acontecido
e é triste o não ter sido.

as folhas rolando pelas ruas com o vento
são como facas que fere o que se olha
e fere mais ainda o que se sente
e o céu de amores e ausências se infiltra 
por entre prédios sacadas janelas e negócios
como vapores de um pântano de distâncias.

caminhar para quem vive é um ato de solidão.
e o porquê já está explicado.





18 outubro 2020

"Um urubu pousou na minha sorte" Augusto dos Anjos

 a Morte sempre esteve do meu lado
desde quando eu vivia antes de agora
pedi mas ela nunca foi embora
nem se comoveu por eu ter chorado

me olhou com seus olhos acastanhados
os cabelos pelos ombros afora 
sangue e mais sangue e mais sangue indo embora
por entre beijos de horrores e fados

hoje os dias só nos falam de morte
de tudo que parte acaba se finda
e resto de almas caçado em esporte

meus dias de vida resistem ainda
mas "um urubu pousou na minha sorte"
e a Morte... a Morte é sempre mais linda.



15 outubro 2020

Agora, estão Todos Mortos

Goethe disse que nunca conheceu um artista
tão enérgico e concentrado como Beethoven.
depois completou afirmando que
o mundo lhe deveria ser detestável e que  
"infelizmente, tem uma personalidade incontrolável".
Beethoven, que era fã de Goethe, bêbado mais tarde
não gostou dos elogios 
e mandou Goethe se foder declarando que ele, Goethe
gostava demais do ambiente dos ricos para um poeta.

sobre Van Gogh conta-se
que ele passava por episódios de profunda 
tristeza e isolamento (depressão, né)
tinha personalidade complicada (sério?)
e adorava discussões.
frequentemente causava apreensão em sua família
(que ele mandava à merda)
e só tinha amores impossíveis ou infelizes.

já Michelangelo, conhecido como "O Divino"
era desconfiado e antissociável.
tinha má digestão e dores de cabeças frequentes
o que o deixava ainda mais melancólico.
diziam os italianos que era terrível e passional 
e estava sempre puto da cara.

quanto ao borracho Edgar Allan Poe
o inventor do terror moderno
das histórias policiais e de crime
criador do poema mais perfeito da história
bom, esse era o pior.
não passava de um pinguço apaixonado 
com QI acima de 180.
como não tinha Quem lhe Indicasse
muito menos sorte ( que o diga O Corvo)
o gênio da literatura morreu na sarjeta
literalmente.





13 outubro 2020

Sorriso-máscara

aquele sorriso dos seres humanos 
salivando os dentes alvos e calvos
com lábios largos e vastos
já tocando nas costas

aquele sorriso distribuído nas ruas
e servido com bosta
de graça sem graça nenhuma
noticiado em jornais 
e em ditos progressos de governos 

sempre dando nas vistas
e nos nervos 
em telas de TV celulares capas de revistas

aquele sorriso da dita alegria da vida

de que não se duvida e a todos afaga
do ideal alcançado
da esperança elevada

aquele sorriso-máscara 

do que não adianta 
mais nada.

10 outubro 2020

Bunda Suja

ninguém assume seu próprio peido 
ninguém se olha no seu espelho 
muito menos no próprio poço 
todos só querem saber de "eu posso"
mas ninguém enxerga o "eu morro"

só queremos coisas leves 
sem preço retorno ou culpa
otimismos sorrisos sucessos 
existências fashion
e descoladas
onde pensar tornou-se um saco
e sentir tornou-se piada

queremos vidas de nada
em que se possa ter de tudo
e não se paga por nenhum ato
com os lábios até as orelhas
sem voltas sem consequências 

enfim aquela coisa
em que todo mundo caga
e ninguém lava a bunda

e a humanidade afunda

05 outubro 2020

Uma Ave Cantou na Madrugada

 uma ave cantou ontem na madrugada
eram quase 5h
de canto estranho antigo desconhecido
como se fosse um presságio um aviso um hino
(aquela ave realmente cantou de madrugada)
eu não soube que ave que era
eu que conheço tantas aves e tantos cantos
tantos sons tantas músicas tantos espantos
parecia não ser deste século milênio ou idade
soou pré-histórico não-existente algo de extinto
de coisas que morrem que partem desaparecem
parecia que vinha de florestas tombadas e paraísos perdidos
havia algo de fim havia algo de morte
um eco de tudo que foi e já não é
de tudo que é e não será
de tudo que será quando nada for
era como um grito um sangue um pranto
cheirava a sonhos ou de outros planetas
um último ou um novo sopro de vida
a morte e a donzela de Schubert
lacrimosa do Réquiem de Mozart
e foi no fim da madrugada
mas era só o começo do que anoitece
talvez fosse um bater de sino
talvez do fim do mundo
talvez do meu destino


03 outubro 2020

Breve Consideração sobre o Fim desta Humanidade

há sabedoria na natureza.
em todas as grandes extinções em massa
(e hoje já vivemos outra)
o objetivo final sempre foi
extinguir a espécie dominante 
para que outras novas espécies 
pudessem reinar.

29 setembro 2020

Os Homens que não amavam a Natureza

quem não ama a natureza 
não entende como alguém pode amá-la:
não vê valor em uma árvore 
(a não ser o da madeira)
não entende como uma onça pode ser útil 
(a não ser como pele e troféu)
vê em um rio só seu uso prático
(água e nada mais)
não vê na terra a não ser 
o que se arranca da terra
não vê nas matas a não ser o verde 
do dinheiro
quem não ama a natureza
não entende como alguém pode defendê-la 
sem ter algum interesse por trás
quem não ama não entende de amar 
não acha possível que se ame
sem querer vantagens 
quem não ama a natureza não vê nada
além de lucro e utilitarismo
e é tão baixo raso e pequeno 
que não entende que pode haver algo
maior  mais alto e grandioso.
e essa gente hoje está no poder. 


26 setembro 2020

Poema Torto

nós nos entortamos pelos destinos 
deformamos os paraísos 
tornamos tudo cinza e torcido
entre torturas e tortos risos
sonhos mortos e mais desgraças 
erros toscos e tantas pragas
nós somos os nossos nadas.

nós somos porcos entortecidos
entediantes repetitivos
destruidores de amor e alma
matamos corvos
torturamos anjos
nós somos nossos escombros
satã entre nossos ombros 
entre horrores e defeitos.
nós não temos jeito
somos casas  erguidas tortas
caídas capengas ruínas
restos rastos e fingicidas 
nós somos os homens tortos 
com objetivos torpes
que matamos a tudo em torno 
e uns aos outros. 
tornamos um planeta morto 
para, mentindo esgotos, 
fazer um mundo melhor
mas fizemos só algo torto
e cada vez pior.

nós somos só peidos 
levados pelos tornados
nós somos os homens tortos 
e (eu me olhando no espelho)
os entortados.

23 setembro 2020

Na Linha de Chegada

escrever é estar enchendo a cara 
no final da reta 
é ter chegado antes 
por nunca ter se dado ao trabalho 
de sair do lugar
(a chegada é o mesmo ponto de partida 
a humanidade anda em círculos...)
e contemplar já bêbado 
a chegada cágada
(sabem aqueles bichinhos simpáticos 
parecidos com tartarugas?
os cágados?)
aos trancos e aos rastejos 
do que resta 
dos humanos "sóbrios"
com seus cágados desejos.

escrever poesia então 
é um ato infame e vil:
é estar já inútil na linha de chegada 
sabendo que o primeiro que chegar 
(apavorido e abaforado)
será sempre um imbecil.


 

21 setembro 2020

Árvore é Passado


Poema escrito para o Dia da Árvore de 2015:

o que é árvore vai passando
porque vem passando o que é progresso.
abram alas
que o progresso quer passar
por cima de tudo
até não restar nada.
o progresso não tem sentido. 
a humanidade perdeu o sentido.
o homem atrofiou seus sentidos
de encontrar sentido
de fazer sentido
de ser sentido.

agora, qual sentido seguir?

a árvore passa
no sentido de que passou seu tempo
o progresso passa
no sentido de que dá passos
num passo a passo ao abismo 
com o qual em breve 
esta humanidade também
será passado.


#diadaarvore #árvore #arvore #poesia #poemas #destruicaoambiental #pantanal #amazônia #florestas #ofim

18 setembro 2020

A Palavra é o que Fica

o que vou deixar é o que foi escrito.
a palavra é tudo o que fica.
se for em som é palavra líquida 
se for em tinta é palavra sólida.

não ficará o que se pensa 
não restará o que se sente
nada será do que se fez
a vida um dia é morta 
o que foi construído será ruína 
o que foi corpo se apodrece 
o que era sonho então se esquece 
nada fica daquilo que é 
se abismam civilizações e humanidades 
o que é cedo será tarde. 
só a palavra permanece 
é ela que dá início a amor e universo:
no princípio é sempre o Verbo.

16 setembro 2020

A Era da Destruição

O trecho a seguir faz parte do texto A Era da Maldade,  que escrevi e publiquei em outubro de 2018. O trecho reflete perfeitamente o que estamos vivendo hoje com a catástrofe dos incêndios florestais criminosos,  causados na maior parte pela mão humana. A própria PF está investigando 5 fazendeiros (CINCO!) suspeitos de iniciar os incêndios para fazer pasto e lavouras. Que direitos esses ecocidas acreditam que têm em cometer tal atrocidade contra a nação?

"O egoísmo também  nos fala do lucro a qualquer custo. O custo é mais e mais destruição ambiental e exploração do trabalho humano. Vivemos uma nova era da impiedade e do medo, da ausência de compaixão e de solidariedade. Nosso coração morre a cada dia. Voltamos à era da redução das áreas de preservação ambiental, do massacre dos povos nativos, da liberação da caça e da aniquilação da vida selvagem, pois isso não tem valor para o neoliberalismo, a não ser o valor financeiro. A poluição desenfreada não terá limites, a vida será cada vez mais subjugada pelos meios de produção. Vivemos a era em que os recursos naturais, desde campos, florestas, até a água ficarão nas mãos de muito poucos, assustadoramente poucos."

O texto completo pode ser lido aqui .



13 setembro 2020

Quais as Causas das Queimadas Catastróficas no Brasil?


Afinal, quais as causas das queimadas catastróficas e sem precedentes na Amazônia e no Pantanal este ano? 

1) O Aquecimento Global,  que vem mostrando seus efeitos com cada vez mais força em todo planeta,  e cuja origem principal é a ação humana,  em particular a poluição e o desmatamento.

2) O clima anormalmente seco em grande parte do Brasil, que é intensificado pelo desmatamento. A retirada da cobertura vegetal, a qual se intensificou sob o desgoverno Bolsonaro, causa a perda da umidade da terra, que, por sua vez, diminui a formação de chuvas. 

 3) A ganância aliada à ignorância e até à maldade faz com que fazendeiros,  principalmente, se aproveitem da estação seca para pôr fogo na vegetação a fim de "limpar" a terra para em seguida ocupá-la com soja e/ou gado. Essa ação,  criminosa em tempos de seca, gera um avalanche de queimadas incontroláveis. E muitas dessas queimadas não são em propriedades particulares, mas em reservas patrimônios do povo brasileiro.

4) A política ambiental catastrófica do desgoverno Bolsonaro que, além de incentivar o desmatamento para a produção agro e para a  mineração, tem desmantelado e sucateado toda a estrutura dos órgãos ambientais,  deixando de aplicar as verbas previstas para este ano, dificultando trabalhos de fiscalização do IBAMA e tirando da chefia dos órgãos profissionais capacitados para colocar militares que não sabem o que e como fazer.  O Ministério do Meio Ambiente é chefiado por um total incompetente e verdadeiro inimigo das questões ambientais, um sujeito que  já foi condenado por beneficiar ilegalmente mineradoras,  que tem sabotado trabalhos de fiscalização,  perseguido funcionários do IBAMA e deixando de investir na própria área pela qual deveria prezar. Salles,  em acordo com Bolsonaro , aplicou somente 0,4% de toda verba destinada ao Meio Ambiente e cortou em 70% o investimento em brigadas contra incêndios florestais. Para o o próximo ano, este desgoverno acaba de REDUZIR ainda mais as verbas para a área ambiental.  E, assim, assistimos estarrecidos e impotentes  à destruição sem freios  das maiores riquezas desta nação.


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#incendioforestal

11 setembro 2020

Deploração

nós vamos destruir a tudo 
não vai sobrar pedra sobre pedra
nem planta sobre planta
nem prado sobre prado 
nem corpo sobre corpo 

nós vamos consumir a tudo
seja o que nasce cresce ou anda
o que voa nada ou canta 
folha por folha arrancada ao pó 
sangue por sangue derramado ao fogo

nós vamos assistir a tudo 
até ver as chamas subir pelos cabelos 
até que tudo que é deixe de sê-lo
de pétala em pétala arrancada ao túmulo 
olhar por olhar soterrado ao poço 

nós vamos fazer ruir a tudo 
não vai sobrar prato sobre prato
nem prazo sobre prazo 
nem lábio sobre lábio...

só pranto sobre pranto.




08 setembro 2020

Horrores e Risos

os homens acreditam que fazem
mas nada fazem:
têm a ilusão de que o que é feito
é feito por eles
quando o que é feito
é feito pelo que acontece com eles.

o que o homem faz
é se arrastar entre o que seria 
de uma forma ou de outra 
entre horrores e alguns risos
entre muitas desgraças e poucas alegrias
entre medos erros e cagadas
(seus autênticos feitos)
segue o homem pelo engano
de que do seu nada pode fazer a tudo.

mas é só um nada acontecido
que estaria onde está
de qualquer jeito:
coisas erguidas tortas
por uma humanidade tarda
com objetivos torpes:
explorar seus humanos toscos
para (dizendo) fazer um mundo melhor
que acaba sempre mais torto (e acaba).

o homem pensa que faz o seu feito
mas só larga um peido:
involuntário e (uma hora) inevitável
que acaba sendo só vento
desagradável
levado pelo tempo.

03 setembro 2020

Três Antipatias

I - os tempos são outros 
(e são os últimos)
e a poesia também.
não é só coisas belas:
são horrores 
e fracassos
e desastres 
e estrelas 

II - um poema
além de sublimes 
é dar nos dedos
e tirar sarro:
tragédias em segredo
deboches com cigarro

III - o mais corajoso dos soldados
é o que deserda.
o mais corajoso dos humanos 
é o que manda 
tudo à merda.

31 agosto 2020

"Teu Fúnebre Clarão"

já quase nada
nada a ser dito.
a quem?
a homens que não leem
nem as cartas do seu destino
se (r)indo em seu cagar
digo, em seu andar
infinito.

a homens que não lavam
digo,  que não leem
nem as palmas das suas mãos 
deixar uma palavra que fique?
ainda que desse 
não dá mais tempo
para piquenique

não há preço que pague
escrever para ninguém 
dizer como se não houvesse
olhar como se não soubesse
"teu fúnebre clarão que a noite alaga"

e eu já (a)paguei a tudo:
a minha tempestade
já está relâm...
paga.

28 agosto 2020

Nem Sinal

em breve mas nem o longe
só sangue no horizonte
em breve só o sempre
que será ontem
silêncio esgotado
no esgoto de uma fonte.
em breve mas nem o leve
só o calo das cordas
de um canto de ave
calado num eterno vago
de gelo de neve
pássaro passado
desmanche
de rio manchado
por entre óleos (machados)
no sorriso em corte
por entre olhos e braços
em breve mas nem rastro.
e da árvore que te arde
despencada a pancadas
de baques entre abismos
folha por folha abalada
em breve mas nem risco
mas nem riso
em breve mas nem cisco.
em breve mas nem nada 
e que nos leve afinal. 
só eterno desfeito
e a cova no peito
feita a pá e a enxada.
e em breve 
mas nem sinal.

24 agosto 2020

Medo de Acordar

dormi com medo de acordar 

medo de acordar e tudo ter acabado
medo de acordar e nada ter acabado
dormi com medo
de ter medo de acordar
com medo de ter que acordar
com a corda no pescoço
dormi com medo de acordar
e ser só osso
de acordar e ser só isso
de dormir até o fim
de sonhar cair num poço
e de acordar e ser assim
de sonhar com coisas ruins
e acordar e elas são
de sonhar com coisas belas
e acordar e não serão
e ninguém aqui comigo
dormi com medo
de acordar e estar morto
de acordar e estar vivo

21 agosto 2020

Nós, estes Montes

a humanidade tem problemas
aos montes:
um deles é dar um jeito 
nos montes de gente
e amontoá-los de alguma forma:

prédios cidades favelas
lojas templos janelas
ruas praças e telas
e ali os montes de gente
enfiados nos montes
que amontoaram
(informações inúteis
quinquilharias fúteis
ilusões risíveis)

entre montes de moedas 
e sacos de lixos 
vão os montes humanos
governados  por montes 
e olham abismados os longes 
para o que restou dos mortos montes
devastados por nós 
estes montes 
de merda