02 dezembro 2015

Contra o bom senso

o bom senso
é o que estraga tudo:
o que é o bom senso
senão a cartilha
de se gerar medíocres?

o bom senso é o ninho
dos lugares comuns
o gérmen do tédio
a árvore do comodismo
a lavoura da covardia

o bom senso é a máquina
de se fazer escravos e dominados
o curso superior da servidão
a lei que mantém os fracos
sempre fracos

o bom senso é a máscara
com que se disfarça
a falsa razão
é o julgamento errado
do que nos empurraram como certo

o bom senso
é a negação da criação
enfim
é a maneira que encontraram
de mentir que é vida
o não se viver enquanto vivo


30 novembro 2015

Atentado aos não-atentos

a poesia é o  nada
tornado inútil
pelo imprestável

é aquilo que não presta
no entre
de um mundo em pressa:
a poesia
é tudo o que resta

é o aquilo
que não pode ser dito
sendo dito
(ou intentado)
atentado
aos não-atentos

dito
mas não compreendido
seja como for
é como se não fosse

viu, veio e venceu
o seu tempo
ou o seu tempo venceu
como um produto
que perde a validade:
logo não está
no tempo que é

quem escreve
querendo dizer alma
não só não diz
(porque não há o quem capta)
como sem nada acaba
(nem paz nem palavra)

que um poeta
não há nada que o valha


27 novembro 2015

Céu Perdido

sendo música que é sem ter que ser
assim me espero no que nada sou
vejo os campos tão amplos dos profundos
lagos meus que nunca foram benditos

porque ao âmago sempre inútil seco
aqueles verdes vagos passam e levam-me
em raio de horror tornado tornado
olho amigo para o céu que oceana

todos os sorrisos são como pássaros
fêmina passagem em culpa sanguínea
tudo é triste abaixo dO que não é

e em quatorze versos não disse nada
não disse porque estou rouco e mais louco
e tudo é tão longe, em febre, tão pouco...



25 novembro 2015

quem dera ficasse

a vida passa tão rápido
tão rápido
que às vezes nem passar
ela nos passa
é tudo tão poucas passadas
que logo são águas passadas
que ao longo são mágoas pesadas
que ao largo são folhas pisadas

e tudo que é belo
acaba breve
seja sonho seja neve
sejam flores ou olhares

passam a beleza e a vida
passa tudo o que eu (não) te diga
mas a poesia
(que nem é bela nem é vida)
a poesia é o que fica




23 novembro 2015

de Mulheres Difíceis

Poema inspirado e dedicado a Patrícia Almeida, por ocasião de seu aniversário (23/11/2015)

 I - viver ao lado de uma mulher
(se ela é uma grande mulher)
não é não ter mais que sonhá-la
por estar com ela
mas estar com ela
para ainda mais sonhá-la

II - há dois tipos de mulheres:
as de personalidade forte
e as que não valem a pena

III - chamam de mulheres difíceis
aquelas que além de inteligência
têm alma:
os homens em geral
não as conquistam
porque homens com alma e inteligência
são ainda mais difíceis

21 novembro 2015

de Ironias do Destino

o destino
é um irônico:

fez Beethoven surdo
para que ouvisse o mais alto

fez Milton cego
para que visse o não-visto

fez Pessoa nada
para que nos dissesse tudo

quanto a mim
fez com que eu tomasse vinho
para que enxergasse duplo:

é mesmo muito irônico
esse De(u)stino


19 novembro 2015

nem sonho e nem estrela

Franz Schubert, um de meus compositores favoritos, faleceu a exatos 187 anos, em 19 de novembro de 1828, com apenas 31 anos. Aproveito a a ocasião para republicar o poema abaixo, inspirado na sua música, escrito ano passado.

Após Schubert

essa estrela que eu olho
não é ela que está lá
pois uma outra há que vá
que me olha no que eu olho
mas essa estrela que é
que deseja o que eu vejo
nunca é no meu desejo

essa noite que eu vi
nunca foi a que estava
mas se vai com outra asa
longe do que pedi
alma do que não foi
e outra noite me envia
som-voo do que morria

este sonho que eu tenho
não é sonho que pode
fiz-me por outro acorde
nada em que me sustenho
erro do meu não ser
noite do que vou tê-la
nem sonho e nem estrela

15 novembro 2015

O rio mais importante de MG está morto. Em breve, também o planeta.


A catástrofe humana e ambiental ocorrida em MG, que causou a morte do Rio Doce, parece ainda não ter sido totalmente assimilada pela população brasileira.  A ficha ainda não caiu. É algo de proporções monstruosas. O rio é o mais importante de MG. Ou era. As consequências , gravíssimas, perdurarão por décadas. E muito da vida da região perdeu-se para sempre. Mas para muitos, absurdos como esses são apenas acidentes de percurso, e, para eles, a humanidade vai muito bem em seu caminho rumo ao progresso, ao desenvolvimento, à evolução.  Abaixo, trecho retirado do site Climatologia Geográfica:

"Segundo Luciano Magalhães, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guando, órgão responsável pela análise, “parece que jogaram a tabela periódica inteira” dentro do rio. Segundo ele, a água não tem mais utilidade nenhuma, sendo imprópria para irrigação e consumo animal e humano.

Além desses metais pesados, a própria força da lama já devastou a biodiversidade do rio para sempre. Os ambientalistas não descartam a possibilidade de que espécies endêmicas inteiras tenham sido EXTINTAS pela lama. A quantidade de lama é tão grande que o rio teve o seu curso natural bloqueado, fazendo com que perdesse força e formasse pequenas lagoas que também não durarão muito, já que, além dos minérios, os esgotos, pesticidas e agrotóxicos também estão sendo carregados pelas águas." Clique aqui, para saber mais.

A empresa responsável, a Samarco, foi multada em 250 milhões de reais. De que adianta? Segundo fontes do governo federal, os prejuízos totais podem chegar a mais de 10 bilhões. Mas e a vida? Lógico que nem 1 trilhão pagará a vida perdida. Porém catástrofes como essas não pararão. Nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. O dinheiro fala e continuará falando mais alto. As empresas querem lucro. Cada vez mais. O resto não importa. E todos acham isso ótimo, até quando ocorre uma tragédia. Então, se lamentam.  E depois, esquecem. A Vale foi entregue nas mãos gananciosas da iniciativa privada durante o governo FHC, em suas famosas privatizações. Todo mundo, ou quase, achou uma maravilha. 

Não há saída. Aos poucos, de facada em facada, o planeta morrerá. E a humanidade com ele. Por isso, deixo um de meus poemas. É só o que me resta:


A Queda da Humanidade


despencaste dos próprios tamancos
 tropeçaste nos próprios barrancos
 afundaste nos próprios buracos

não foste o ser que és
nem chegaste a ser o que não foste
daquilo que conseguiste desististe
o que fracassaste levaste adiante

puxaste a carta  mais baixa
do teu castelo de vento
quebraste o orgulho do teu salto
sem nem ter chegado ao alto

e eu
como nunca fui nada
entre o que está entre ti
naquele dia de Queda
não estarei nem aqui




12 novembro 2015

Homens só louvam imbecis

Abaixo, poema publicado no site do Caderno Literário Pragmatha, de Porto Alegre. Clique para ampliar.


10 novembro 2015

"Sem dinheiro para pagar o 13º, Estado gasta R$ 26 mi com vale-alimentação de 800 magistrados" A isso eles chamam JUSTIÇA.

A primeira parte do título acima, entre aspas, é o que foi noticiado no portal Sul21. A segunda parte eu acrescentei. Sim, porque é, no mínimo, vergonhoso e indignante que tal absurdo aconteça em qualquer nação. É uma afronta escancarada à população gaúcha. Nem em dar uma disfarçada se preocupam mais. E pior que o Estado pagar, é o fato de que os magistrados aceitam sem um pingo de vergonha. Como se precisassem de vale-refeição com seus salários acima dos 22 mil reais. E um vale refeição que é bem maior do que o pago a outras categorias. E ainda pior: é RETROATIVO. É, um juiz deve comer muito, muito mais do que outros seres humanos. É a única explicação plausível. Tudo isso seria ridículo, se não fosse catastrófico que esteja ocorrendo em um estado dito "politizado".

Depois, tanto o governo Sartori e sua base aliada (que acaba de aprovar a redução dos RPV's, ou seja, mais um golpe contra o funcionalismo), como muitos magistrados (logo eles, que deveriam ser exemplos do que é JUSTO), enchem a boca para falar de moralidade no estado, no país, de luta contra a corrupção, de cidadania, de igualdade, de justiça, enfim, o blá-blá-blá, o papo furado de sempre. Depois, exigem credibilidade da população. Depois, têm a cara de pau de falar em esperança. 

Confira trechos do que foi noticiado no portal Sul21:

Enquanto o governo de José Ivo Sartori (PMDB) diz não ter condições de pagar o 13º salário dos servidores do Executivo, no dia 20 de dezembro, cerca de R$ 26 milhões saíram dos cofres do Estado na semana passada para arcar com o pagamento retroativo do vale-alimentação de cerca de 800 magistrados, referentes aos anos de 2011 a 2014. Sem saber se receberão o 13º, representantes dos servidores do Executivo questionam a discrepância de tratamento entre categorias do funcionalismo estadual e consideram “absurdo” o benefício concedido aos magistrados, que também deverão receber o 13º em dia, dado o fato de as folhas do Executivo, Legislativo e Judiciário serem separadas.

Na semana passada, cerca de 800 juízes receberam o pagamento do vale-alimentação mensal (no valor de R$ 799) referentes ao período de junho de 2011 até dezembro de 2014. Ao todo, saíram dos cofres do Estado R$ 26.241.528,83. Em junho, quando o benefício entrou em vigor para juízes, pretores e desembargadores, o governo já tinha repassado valores referentes ao ano de 2015 – os gastos anuais com o benefício giram na casa de R$ 7,7 milhões. O pagamento deste benefício segue uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na avaliação dos representantes de servidores do Executivo, esta remuneração “é um absurdo”. “Não tem sentido algum receber isso, ainda mais nos valores que estão”, avalia Augustin, que diz que a Constituição já prevê que o subsídio mensal dos magistrados (no mínimo R$ 22 mil) deve ser suficiente para a alimentação. Augustin também diz que, mesmo que fosse aceitável que os magistrados recebessem o benefício, os valores estão muito acima dos praticados para outras categorias. “Esses valores são um atentado, ainda mais sabendo que, com esses recursos, fazem com que as pessoas que ganham abaixo de um salário mínimo tenham dificuldades para receber”.



08 novembro 2015

Professor de Literatura analisa as letras das 100 músicas mais tocadas no Brasil. O que você acha?

Que a música brasileira (e não só a brasileira, o lamentável fenômeno é mundial) caiu drasticamente em qualidade nas últimas décadas, tanto no que diz respeito à música em si, à sonoridade, quanto às letras que a acompanha, é algo sabido de todos. Claro que há exceções. Mas o que vemos  (ou ouvimos), de um modo geral, são músicas extremamente pobres, sem riqueza ou originalidade tanto de ritmo quanto de melodia, com padrões de sonoridade batidos e repetitivos, quase nada sai do medíocre lugar comum.

 E quanto às letras, a situação é ainda pior. Em muitos casos, chamar certas "letras" de letras é uma ofensa à palavra. Em outros, ainda que a letra diga alguma coisa, o que diz é tão raso, tão sem graça, tão igual a milhares de outras letras, tão "mela cueca", que chega ser abaixo do nível do "comum". Bem, mas o que esperar de um país dominado, desde antes do século XXI, por essas coisas  caça-níqueis dos otários, como o dito funk, o axé, o pagode que não é samba, o sertanejo universitário que não é sertanejo...? 


Abaixo, publico trechos de uma entrevista com Marcelo Sandmann, professor de Literatura da Universidade do Paraná (UFPR), que analisou as letras das 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras. Vamos ver a que conclusão o professor Marcelo Sandmann chegou (a entrevista pode ser conferida na íntegra aqui):



Todas as letras, sem exceção, tratam de relacionamentos amorosos. Esse “monotema” indica uma falta de preocupação com outros objetos?

Sim, as letras tratam exclusivamente de relacionamentos amorosos, o que chama especialmente a atenção, pois outros temas, mesmo que em menor escala, também costumam ser frequentes na canção popular. Um assunto muito presente, e com tratamento variado, seja, por exemplo, no samba dos anos 30 e 40, no baião dos anos 50, na canção de protesto dos anos 60 e 70, ou no rap mais recente é a questão social e/ou política, ausente dos exemplos aqui trazidos. O conflito não se dá apenas do “eu” com o parceiro amoroso ou algum rival, mas também em relação a situações de desigualdade social, carência material, opressão política etc.

Embora o sertanejo predomine, não há tematização da cidade, do campo, ou do deslocamento, por exemplo. Algum palpite sobre o motivo?

O “sertanejo” aqui já não pode ser entendido no sentido primeiro do termo, como uma música oriunda do “sertão”, ou do campo em oposição à cidade, e que apresentaria, portanto, questões como origem rural, deslocamento, nostalgia da origem, confronto cultural e social com o meio urbano ou adaptação a ele como assuntos importantes, conjugados à temática amorosa. O “sertanejo” aqui se define muito mais como um gênero já consolidado, com determinadas convenções de composição, arranjo, instrumentação e performance que remetem a uma certa tradição “sertaneja”, mas que na verdade já se deslocou em relação a ela. Trata-se de uma música absorvida pelo mercado, com um público alvo específico e que circula como um produto, dentro dos padrões que regem a produção e circulação de bens de consumo. Não é à toa que diante de toda essa onda, aparecem sempre aqueles que defendem o “sertanejo legítimo” ou a “música caipira de raiz”, o que daria espaço para vários outros questionamentos e reflexões.

Algum palpite sobre por que esses são os temas (e o gênero) que dominou as FMs? Certamente há outras produções, inclusive mais interessantes, que até já dominaram a cena em outros momentos. Há um “empobrecimento” da música brasileira?

Se considerarmos variedade formal e temática, maior complexidade musical e poética como valores positivos, há um evidente empobrecimento da música popular brasileira. Esse sertanejo urbano e massificado passou a dominar o mercado na passagem dos anos 80 para os 90 (Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, entre outros) e hoje, com seus herdeiros, impera nas FMs de maior difusão e está muito presente nas televisões abertas, mas não só. Penso que em alguma medida é uma reação da grande indústria da música e do showbizz à ampliação da produção e fragmentação da circulação musical nas duas ou três últimas décadas, possibilitadas pelo barateamento das tecnologias de gravação e o acesso à internet como meio de difusão. A forças pluralizantes (democratizantes ou mesmo anarquizantes), contrapõem-se outras, centralizadoras. Uma questão de controle do mercado musical, portanto. Podemos pensar também nas mudanças sociais no Brasil das últimas décadas, com o advento da tão falada “nova classe média”, inserindo novos sujeitos no mercado de consumo, sem que a isso corresponda necessariamente algum tipo de transformação realmente significativa na formação educacional e cultural. 





06 novembro 2015

Contribuição à Literatura Nacional

literatura do agrado
dessas
amiga de todos
de mandar beijos aos quatro cantos
que acende vela a deus e ao diabo
pode ser tudo
menos literatura

literatura sorriso
dessas
de cana açúcar melado
de pingar calda em concursos - feira
sob a baba de plateias - fake
pode ser tudo
mas não é arte

ok, pode ser muitas coisas:
sabujice – adulação – servilismo
medíocre – pelego – ordinário
chatice – laxante – excremento
até escravatura

tudo isso e mais o que se queira
menos literatura




04 novembro 2015

da Música

a música é um mistério
(mas só
quando música)
e como tal não se pode
nem de porre
podê-lo ou sabê-lo

a princípio
precipício
a sete notas acima
ou sete palmos abaixo
ou céu a mais
verbo não-verbalizado
sem vice-versas
nem (des)entendimentos
equivocados:
é para cada ser que o seja

à música
não há preciso selo
não se carta
não se mensagem:
quem ouve
é que deve sê-lo

ainda que a música
diga dizeres
matemáticos ou linguísticos
não se pode dizer
que foi sendo como dito:
o que vale é o que som
infinital e arquetípico
absoluto
desracional
desanalítico

desde o canto do galo
ao galopar do cavalo
é um elevado alto
ditado em não se dizer
que é mister
misteriá-lo

02 novembro 2015

A Esperança Curvada ao Desumano

derradeira decadência das massas
pela invicta derrota do que humano
vontades que naufragam ano a ano
nos fundos tormentados das não-taças         

o não-haver de tudo que se faça
o em-vão irrevogável de um Engano
a esperança curvada ao desumano
nas vastas pradarias da desgraça

passo a passo de um algo que maldito
sobre as patas-arcanjos de um cavalo
entre os olhos sedentos do inaudito...

a nulidade do ato de salvá-lo
dessangra entre vermelhos de infinito
e o Horror levanta a força do seu falo...






31 outubro 2015

da Verdade

a verdade é como uma moeda:
para cada pessoa
a moeda foi jogada:
se caiu cara
a verdade é cara
se caiu coroa
a verdade é coroa

o outro lado nem se vê

mas a verdade é a moeda
não o lado

29 outubro 2015

Por te fazer mal

quem dera
deixar um algo
de tóxico
como se fosse um resto de trago
ou toco na areia de um vaso
com a brasa de um cigarro
inflamado
que fosse sangue cuspe catarro
como quem tira um sarro
amargo
deixando um lago
manejado à foice
avançando à bala
um tapa um soco ou coice
um vasto travo de droga
espuma do que se afoga
antigo cheiro de ópio
ao largo
mijo e baba de sapo
peçonha e saliva de cobra
um frasco negro de coca
e uma alta dose no sangue
fatal

quem dera deixar um algo
verdade última e tóxica
que te acordasse
por te fazer mal


27 outubro 2015

Assassino, antes de tudo

o homem
é antes de tudo
assassino:

de início
desejando ser o único
matou o próximo

depois
desejando tudo explicar
matou o mágico

desejando em tudo tocar
matou o onírico

desejando o planeta todo
matou o anímico

desejando tudo poder ver
matou o espírito

e por fim
desejando ser o único
matou o cósmico

agora sobrou só o homem
que antes de tudo
é nada



25 outubro 2015

do Interesseiro

I - o sonhador
que não deseja
o sonho realizado
é o sonhador autêntico
e verdadeiro
o sonhador que sonha
para ver o sonho feito
não é sonhador:
é interesseiro

II - o sonho
só é sonho
enquanto é sonho

quando se realiza
é outra coisa
que não o que foi sonhado

realizar o sonho
é traí-lo
abandoná-lo
e ao fim
nem é realizá-lo


23 outubro 2015

Em 2009, escrevi sobre o avanço e a inevitabilidade das Mudanças Climáticas

Sim, eu sei que é chato essa coisa de "viu, eu não disse?". É, eu também não gosto. Mas desde que criei meu blog, em 2006 (aliás, bem antes de criar o blog), escrevi  em prosa e verso, sobre a crescente crise ambiental de múltiplas manifestações e proporções que vem afetando o planeta e afirmei que ela chegaria até nós. E sempre disse que a culpa é nossa. Claro que não sou só eu que o digo, mas sou um dos poucos, bem poucos, a escrever sobre o assunto em nossa região, de tendência conservadora e inclinada ao pensamento "desenvolvimentista". 


Quase sempre, fui desacreditado, chamado de "alarmista", "pessimista", "exagerado". A maior parte das pessoas que lia o que eu escrevia não somente não concordava, mas se indignava que eu pudesse ser tão "contra o progresso e a humanidade". O que indica que não entendiam o que eu queria dizer.


Para mim, as alterações climáticas, e a culpa do homem em relação a elas, sempre foram extremamente óbvias. Não entendo como as pessoas não conseguem enxergar algo tão claro. O ser humano tem dificuldade em ver o óbvio. Exatamente por ser óbvio. Há um conto de Poe, "A Carta Roubada", que trata do assunto. No conto, a carta,  muito procurada, foi escondida no local mais óbvio. Exatamente por isso, nunca foi encontrada. As pessoas preferem criar explicações "sofisticadas", acostumadas que estão, condicionadas  uma ciência que prefere a complicação das explicações teórico-racionais labirínticas, do que a simplicidade e a clareza da percepção intuitiva.

Escrevi em 2009: "O certo é que o planeta inteiro passa por um descontrole climático nunca antes visto pela civilização, e que está aqui, diante de nós, e nós fingimos que tudo é natural, e que o homem não tem culpa nenhuma nisso tudo. E sabem por quê? Por que esse descontrole, esse caos, é lento, é progressivo, é insidioso. Não se percebe seu avanço, a não ser quando é tarde demais.

Quero dizer que o homem vem enganando a si mesmo, dando desculpas, buscando evasivas, escapatórias, fugindo à sua responsabilidade quanto à vida do planeta. 

Eu aprendi, por exemplo, quando estudante do então 1º grau, que o clima do RS era um dos mais constantes do Brasil, com raros períodos de grandes cheias ou grandes secas, que havia aqui uma das melhores distribuição de chuvas do país. Eu aprendi isso. E meus pais e meus avós confirmam que as secas e as enchentes extremas aconteciam, mas era de vez em quando. Pois agora, não tem um ano que nós não tenhamos ou uma seca ou uma enchente de proporções catastróficas."

Isso escrevi em 2009. O texto na íntegra pode ser conferido aqui. Agora, em 2015, Santiago vive o pior período de tempestades da sua história, a ponto de as pessoas terem que trocar a cobertura de suas casas, que teoricamente deveria suportar uma chuva de granizo, por materiais mais resistentes. É que esses granizos que estão caindo não são granizos normais. Muitos, eu sei, ainda negarão o óbvio. De que não se trata de mudança climática, e que nem o homem tem culpa. É como escreveu certo filósofo: "As pessoas não aprendem as lições da vida nem a canhonaços". 

21 outubro 2015

de acordo com Fernando Pessoa

é melhor tudo que não é
só por não ser o que é

o que é é sempre menos
do que seria se fosse
porque o ser nunca se alcança

o homem se caracteriza
por nunca atingir
o homem que não é

por isso há o sonho:
se quem sonha sabe sonhar
não se quer realizar o que sonha
porque deixa de ser sonho
mas sonha porque sabe que o sonho
é só quando o que não é
pode ser sem ter que ser
pois ao sê-lo deixará de sê-lo






19 outubro 2015

Árvore é Passado

a árvore passa
porque o progresso passa.
assim, sem sentido,
que a humanidade o perdeu:
atrofiou seu sentido
de encontrar sentido
de fazer sentido
em ser sentido

qual sentido seguir?

a árvore passa
no sentido de que é passado
o progresso passa
no sentido de que anda

mesmo sem sentido
que é passo a passo
(é fato
não pessimismo)
ir no sentido do abismo


17 outubro 2015

do que Impede a Vida

o que impede a vida
são os que querem saber para todos:
“não olhe pela janela,
eu já olhei
e não há nada lá fora”

são como aquelas visitas indesejadas
que te impedem de sair
por nunca irem embora

o que impede a vida
no homem efêmero
são os que querem
que calcemos os seus próprios sapatos
de menor número

o que impede a vida
é estar-se certo
de que o mundo
está certo
dentro dos limites
que ele  (não) tem

é como sempre pisar no seco
da estrada já pronta
para evitar de pisar
no vasto do campo
e molhar o pé

os que vivem
e criam
são os que veem o que não é



15 outubro 2015

Tempestades cada vez piores...

Não recordo de nenhuma outra sequência de anos com tempestades tão severas como as que têm afligido o RS a partir de 2011. Nestes últimos cinco anos, não tivemos um só, principalmente no período da primavera, que não trouxesse destruição em massa, perdas  materiais e humanas cada vez mais alarmantes, medo e até pânico na população gaúcha. Chuvas de granizo beirando o absurdo, vendavais avassaladores (às vezes ciclones e tornados), chuvas torrenciais quebrando recordes, enchentes constantes, erosões de áreas cada vez maiores, e, no polo oposto de tudo isso, períodos extremamente prolongados de impiedosas estiagens. 

Claro que nossa região, o Sul do Brasil, é historicamente propícia a eventos de temporais e tormentas. Elas sempre ocorreram por aqui, e algumas marcaram época. Mas a questão agora é a frequência e intensidade: cada vez mais frequentes, cada vez mais intensas, cada vez mais generalizadas. Eu não tenho dúvidas de que o clima não é mais o mesmo. Nosso planeta está dando sinais claros de que algo está errado, cada vez mais errado. Obviamente, a intensificação das catástrofes naturais não ocorre somente no RS. A ONU alertou em 2008 que o índice global de desastres ambientais vem crescendo constantemente. No Brasil, segundo o CENAD (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres) a ocorrência de desastres naturais aumentou em 268% no século XXI. Um índice, no mínimo, assustador.

As mudanças climáticas não são uma projeção de pessimistas. É a realidade que vivemos. E que estamos todos sentindo na pele. E muito provavelmente (para não dizer certamente), sentiremos cada vez mais. 

(A foto acima é da cidade gaúcha de Santa Maria, e foi tirada por Guilherme  Escosteguy.)